quarta-feira, 29 de setembro de 2010

BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS E FINANCIAMENTO DO TERRORISMO

A REPRESSÃO E PREVENÇÃO LEGAL CONTRA VANTAGENS SOBRE ACTIVIDADES ILICITAS



Albano Pedro




A Lei 12/10 de 9 de Julho (Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento do Terrorismo) é um complemento necessário a Lei da Probidade Pública no sentido em que ambas se propõem ao saneamento de comportamentos lesivos ao património público e a obtenção ilícita de vantagens patrimoniais. Se a Lei da Probidade Público é aplicável a agentes públicos, a Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento do Terrorismo é aplicável a todos os outros agentes, incluindo os particulares estrangeiros, completando assim o quadro populacional inserido ou não no território nacional e que esteja implicado em condutas por elas sancionáveis. Tal como a Lei da Probidade Pública esta Lei é igualmente uma amalgama de normas já positivadas de forma avulsa no sistema jurídico e por, isso, não constitui qualquer novidade senão na sua concentração e denominação propositada repartida em duas situações juridicamente relevantes, quais sejam: o Branqueamento de Capitais e o Financiamento do Terrorismo.

O branqueamento de capitais ou “lavagem de dinheiro” caracteriza-se em geral na justificação de bens ou fortunas acumulados de forma ilícitas ou pouco claras. Fortunas acumuladas com venda de drogas e de outras actividades socialmente perigosas ou desviantes por exemplo passam a ser vistas como de “boa proveniência” quando ingressam, mediante mecanismos afins, nas contas bancárias ou no leque de bens patrimoniais dos seus agentes. Podendo, assim, ser ostentadas publicamente sem quaisquer pudores. Muitas destas acumulações financeiras ou patrimoniais ilícitas são promovidas com vista a desestabilização social ou a protecção de interesses individuais ou colectivos que colocam a integridade territorial e a soberania dos Estados em perigo através de acções terroristas. Tem, pois, o legislador angolano a virtude de tratar de ambos os factos sociais aparentados na essência e, muitas vezes, na finalidade num único diploma legal para a sua previsão e vigência simultânea.

Estabelece esta Lei que o branqueamento de capitais compreende todas as acções com vista a obtenção de vantagens, sob qualquer forma de comparticipação, dos factos ilícitos nomeadamente de lenocínio, de abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, de extorsão, de tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, de tráfico de armas, de tráfico de órgãos ou de tecidos humanos, de tráfego de espécies protegidas, de fraude fiscal, de tráfico de influência, de corrupção e dos factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão, assim como os bens que com eles se obtenham (art.º51º). Aqui a Lei vem estabelecer para as actividades sociais e económicas desviantes uma interdição indirecta pela sua inutilização ou obstrução financeira desencorajando a sua promoção e proliferação, assim como os seus efeitos danosos para a sociedade. Assim, actividades não proibidas como tais perdem incentivos dos seus potenciais agentes pelos múltiplos e excessivos riscos que representam para os mesmos, tal é o exemplo da prática da prostituição entre outras actividades degradantes. Para além de que as previsões sancionatórias da Lei em causa passam a participar activamente no desencorajamento ao acesso fácil à riqueza.

Quanto ao terrorismo, a Lei positiva uma definição de pendor subjectivista: “Considera-se grupo, organização ou associação terrorista todo o agrupamento de duas ou mais pessoas que actuando concertadamente, vise prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique ou, ainda, intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral…” (art.º52º) definindo em seguida as formas como se processam os actos terroristas. Neste particular, esta Lei tem o mérito de dar clareza as condutas previstas no conjunto de normas que tipificam os crimes contra a segurança do Estado que tem vigorado de forma confusa e imprecisa no sistema jurídico nacional. Por exemplo: o Caso Malakito sub iudice na justiça angolana, em que são acusados cidadãos angolanos de crimes contra a Segurança do Estado por suposta tentativa de provocar o desmembramento do território nacional com a alegada reivindicação do estatuto especial para o território das Lundas (Projecto de Protectorado das Lundas) pode ser apreciado com melhor eficácia e imparcialidade a luz das disposições aqui previstas. Às organizações terroristas não se lhes reconhece qualquer personalidade jurídica. Sendo os actos por elas praticados directamente imputáveis aos seus membros como factos criminais e como tais sancionáveis, sobretudo, com penas privativas de liberdade (art.º 54º e 55º). A Lei define ainda um terrorismo nacional (cujos actos são puníveis com pena de prisão maior até 24 anos no máximo) e um terrorismo internacional (cuja pena pode exceder os 24 anos de prisão).

A Lei do combate ao branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo é aplicável fundamentalmente às instituições de crédito, às sociedades financeiras, às seguradoras, às sociedades gestoras de fundos de pensões, às bolsas de valores, aos casinos, às casas de câmbio e de mútuo, aos serviços de emissão e de gestão de meios de pagamento, às sociedades de gestão individual e colectiva de patrimónios que possuam a sua sede em território angolano, bem como a respectivas sucursais, agências, filiais, ou outras formas de representação e outras instituições cuja actividade seja a prestação de serviços, nomeadamente revisores oficiais de contas, técnicos de contas, auditores, notários, conservadores de registos, advogados, solicitadores e outros profissionais independentes que intervenham nas mais diversas áreas por conta de um cliente ou em operações noutras circunstâncias sendo igualmente extensível a entidades que explorem serviços públicos de correios, na medida em que prestem serviços financeiros (art.º 3º). Depreende-se que, com essa descrição subjectiva, o legislador tenha privilegiado de forma relevante o leque de sujeitos alvos de sanções contra o branqueamento de capitais em detrimento daqueles que operam com o terrorismo, visto que para estes últimos a lei não despreza quaisquer autonomias entre os indivíduos e as entidades colectivas com que operam. De todo o modo, às pessoas colectivas que sejam responsabilizadas pelos actos decorrentes do terrorismo são aplicáveis multas e outras penas acessórias (art.º 56º).

As autoridades que tenham como função a supervisão de entidade financeiras e de fiscalização das entidades não financeiras tenham conhecimento ou suspeitem de factos susceptíveis de poder configurar a prática do crime de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo devem participá-lo, prontamente, ao Banco Nacional de Angola, caso a comunicação ainda não tenha sido realizada (art.º 34º). Contudo, a Lei não define um prazo mediante o qual o participante deve exercer essa obrigação até para efeitos de responsabilização pela respectiva omissão. Embora, o legislador queira fazer-nos entender, com o termo “prontamente” do texto, que tais autoridades devem fazer a participação logo a seguir ao momento da prática do acto tipificado, o que não é fácil de acontecer.

A intenção do legislador vale pela vigência de um diploma legal que prepara um ambiente de sã concorrência num mercado financeiro que se espera organizado e aberto a economia com a abrangência que a livre concorrência de mercados recomenda. Está claro para todos os angolanos que um clima de abusiva permissividade tem dado corpo a uma infinidade de fortunas não justificadas quer pelos nacionais quer pelos estrangeiros. E no meio disto um conjunto de fontes financeiras preenche a escuridão do mercado financeiro angolano assombrando de modo preocupante a moral e a ética pública na partilha de vantagens sociais e económicas bem como na configuração da estrutura de oportunidades económicas e na redistribuição de rendimentos. Tem assim, toda oportunidade o facto de se pretender que as “facilidades” de acesso a riqueza sejam afastadas em benefício a um ambiente de trabalho criativo individualmente edificante e socialmente útil orientado para o desenvolvimento humano e social e proporcionador de uma paz social envolvente para cada indivíduo.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

DESAFIOS PARA O INVESTIMENTO PRIVADO I

A CAUSA DA POBREZA E DA CRISE DE IDENTIDADE DOS ANGOLANOS



Albano Pedro



O lançamento e a estruturação de uma economia de livre concorrência e longe da intervenção directa do Estado são a única garantia para o desencadeamento do processo de desenvolvimento sustentável e da promoção do bem-estar social e económico dos angolanos e o verdadeiro garante do respeito pelos direitos e liberdades fundamentais e pelo estabelecimento de uma democracia sólida. Karl Marx sustentou nas suas teses sobre o Capital, sem oposição idónea, que as relações económicas em qualquer sociedade constituem a estrutura a partir das quais as inspirações ideológicas políticas e partidárias e as liberdades humanas nascem e florescem, i.é, é o modelo de organização económica (estrutura) que determina o modelo político e jurídico (super estrutura) de qualquer sociedade. Notou-se na Grécia antiga que a filosofia e as artes ganharam espaço e difusão com o enriquecimento exponencial da cidade de Atenas e é nesta altura que a democracia helénica que inspira o mundo moderno nasceu. Vem deste raciocínio que o poder político é condicionado pelo poder económico e nunca o contrário.

As sociedades que se organizam em torno dos interesses dos cidadãos e se desenvolvem são aquelas em que a iniciativa privada tem mais espaço de intervenção do que o Estado. Os Estados Unidos da América desenvolveram-se somando cada iniciativa particular desde há século, com os cowboys a “caça” do ouro e outros empreendedores dentre os quais J. D. Rockeffeller que fundou algumas das maiores companhias de exploração de petróleo do mundo. O esforço de cada cidadão americano acabou inspirando o espírito empreendedor que alimenta a essência americana identificada pelo ideal do “American Dream” (sonho americano) bem representada pela estátua da liberdade como símbolo da liberdade humana. Nestas sociedades o papel do Estado é fundamentalmente regulador, decretando normas legais com fim de conter as práticas económicas desleais e promover a sã concorrência entre os particulares com a organização de um sistema de justiça funcional e “amiga” do livre desenvolvimento da personalidade humana. É por isso que o comunismo “faliu” em todo mundo por se ter pretendido que o Estado podia substituir-se a capacidade empreendedora do indivíduo, instigada pelo instinto da fome e da sobrevivência, através da partilha equitativa da produção. Uma solução contra natura que a própria Bíblia Sagrada condena a partir do momento em que Deus determinou que Adão devesse sustentar-se pelo esforço próprio (génesis 3:19) ficando patente que a opção económica social aceitável é o capitalismo ou a economia assente na iniciativa de cada individuo. Se o trabalho dignifica o homem, mais dignifica o trabalho desenvolvido em harmonia com as capacidades e perspectivas de realização individual que é apenas proporcionado pela iniciativa individual. O trabalho público é um sacerdócio através do qual o indivíduo sacrifica a sua criatividade para servir a interesses sociais baseados em modelos pré-elaborados mediante estruturas organizacionais rígidas e nefastas para a capacidade inovadora proporcionada pela liberdade da iniciativa individual. Com o trabalho na função pública o indivíduo “congela” a sua criatividade para além de sujeitar-se a remunerações rígidas. Portanto, não se realiza como homem e em consequência não conhece liberdade ou felicidade. Assim, é fácil revelar-se a crise de identidade dos indivíduos.

É a partir da opção económica centralizada e a sujeição da economia ao poder político desde 1975 que os angolanos entraram em crise de identidade perdendo os valores morais e éticos e como consequência enterraram a sociedade em dificuldades crónicas de organização social e de autodeterminação cultural (negação dos valores e códigos culturais). Submetidos a mendicidade por força da limitação de oportunidades económicas (expropriação da propriedade particular) e pelos magros salários públicos, os angolanos entraram num processo de “recalcamento” em que o sonho pela realização individual foi trocado pela submissão as regras de acesso limitado e direccionado dos recursos económicos disponibilizados pelo Estado paternalista (que a todos da de comer) gerando a grave onda de clientelismo e corrupção que vem corroendo a nossa sociedade até aos dias de hoje.

Infelizmente desde que foi anunciado o sistema de economia de mercado em 1992 o poder político angolano insiste em manter o modelo centralista da economia em que apenas o Estado gera as soluções de bem-estar social dos cidadãos intervindo em todos os sectores sociais e económicos com o engajamento de volumosos investimentos públicos. O Governo angolano, ainda preso no modelo de economia centralizada ou comunismo, continua a desviar os preciosos recursos financeiros para áreas em que os privados podem bem desenvolver a sua actividade (construção de casas – novas centralidades, distribuição de bens de primeira necessidade - PRESILD, industria agropecuária _ Projecto Aldeia Nova entre outros, etc.) quando devia canalizá-los aí onde apenas o Estado pode investir (produção de electricidade, tratamento de água, infra-estruturas técnicas – redes de esgotos, água e electricidade, estradas e pontes, ordenamento do território, etc.). Deste modo, persistem os gravosos problemas sociais e com ela a pobreza crónica, a criminalidade e a crise de identidade cultural que nos leva a absolver todas as influências culturais universais sem o mínimo de crítica. A proliferação de seitas religiosas inconsistentes, os numerosos partidos políticos sem programas sociais, a difusão descontrolada de valores culturais ofensivos à harmonia social e a estabilidade da personalidade dos cidadãos são dados bem patentes do desvio da opção económica social.

Para corrigir este problema, urge redireccionar a economia para a iniciativa privada a fim de devolver a identidade do angolano há muito “roubada” pelo ainda persistente comunismo. Para tanto, os agentes sociais (partidos políticos e a grossa amalgama da sociedade civil) devem redireccionar igualmente as suas “operações” para a promoção da iniciativa privada (estrutura) como base eficaz do combate contra a pobreza e a crise de identidade cultural ao invés de perder atenção aos seus efeitos (super estrutura) como sejam a crise política, cultural, constitucional e legal, com as crónicas violações dos direitos humanos incluindo os desarranjos no sistema de justiça. Pois não existe maior mecanismo de violação dos direitos humanos do que a pobreza nem outra fonte da crise de valores morais e sociais do que a falta de liberdade e segurança gerada pela iniciativa privada.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

BALANÇO TRIMESTRAL DO GOVERNO

Albano Pedro

A segunda conferência sobre o balanço trimestral do executivo apresentada em Luanda na Cidade Alta a 3 de Setembro do ano em curso permite reconhecer a demonstração de uma rara coerência do Governo em manter as conferências de imprensa com o fito de apresentar balanços periódicos do seu desempenho. Representa simultaneamente um gesto cívico-didáctico ao possibilitar o exercício de avaliação periódica dos programas executivos pelos eleitores e um gesto de responsabilidade política ao desencadear a recuperação da confiança dos cidadãos pelas melhores práticas políticas. É igualmente uma oportunidade para os partidos políticos monitorizarem os programas e os balanços correspondentes apresentando contrapropostas tecnicamente organizadas e politicamente credíveis que motivem os angolanos a fazer fé na prática responsável do exercício político.

Tendo sido apresentado na primeira aparição dos delegados do executivo uma perspectiva programática, em matéria de projectos e investimentos sociais e económicos para o médio e longo prazo, afigura-se prematuro qualquer balanço a este propósito já que nem metade dos projectos anunciados saiu das intenções sobretudo devido, em parte, a crise financeira que se abateu contra o Estado angolano. Contudo, prestou para o preenchimento de certas “lacunas” deixadas na primeira intervenção, nomeadamente a perspectiva programática da dimensão social, i.é, da política social que se bastou, na primeira conferência, a simples informação sobre o aumento insignificativo do salário na função pública, dando então provas da falta de interesse do Governo pela dimensão social do programa executivo. Desta vez, o executivo teve a coragem de acrescer alguns “itens” no pacote social e percebeu-se que a preocupação fundamental foi a regulação do sector da saúde, com a nova política nacional de saúde; política nacional farmacêutica e de gestão hospitalar com as quais o executivo pretende organizar o sector para além de estabilizar as correspondentes quotas financeiras a partir do OGE. Para o sector da educação é de nota a necessidade de resolver o problema de fundos de maneios para as muitas escolas e universidades que foram criadas e institucionalizadas sem qualquer visão imediata nos meios materiais e financeiros para a administração das mesmas. Cabinda e Luanda foram apontadas como as províncias a beneficiar de medidas especiais no que toca ao reforço da capacidade técnica dos governos provinciais e das administrações municipais. Para Luanda foram anunciadas medidas excepcionais com vista a dotar de capacidade técnica capaz de permitir o controlo dos problemas causados pelas chuvas e outras calamidades naturais. Aqui fica clara a projecção de rede de esgotos e outras infra-estruturas técnicas com vista a tornar estável o saneamento básico. O executivo faz-nos mesmos sonhar com o fim das lamas pestilentas com consistência de alcatrão que inunda os bairros da cidade de Luanda em época de chuvas. O acento máximo da política social é colocado no programa de construção de moradias sociais para servir as populações a transferir de zonas alvos de requalificação urbana e de construção de infra-estruturas técnicas bem como daquelas populações vítimas de calamidades naturais. Programa estipulado para o fim de 2010, 2011 e 2012. Não há dúvidas que há muito se esperou tamanha novidade. Pois, não estava clara a política habitacional perspectivada com um milhão de casas que feitas as contas seriam todas vendidas aos cidadãos, maior parte delas incapazes de as adquirir, mesmo com preços-tipo-oferta. Não estava evidente a possibilidade das enunciadas centralidades de Cacuaco, Zango e Kilamba Kiaxi totalizando centenas de milhares de moradias servirem populações dos municípios do Sambizanga, Cazenga, Kilamba Kiaxi, Samba, etc. Tudo, se mostrava mais claro quando se pensasse que tais populações acabariam “despedidas” para fora de Luanda batendo-se por espaços para construções anárquicas nas fronteiras entre as províncias do Bengo e Kwanza Norte ou Kwanza Sul. É um fantasma que se apaga com o, agora, anunciado programa de transferência de tais populações para moradia sociais gratuitas, de Luanda e de outras cidades. É sem dúvidas um elemento de grande dimensão social embora não se tenha falado em mais nada com importância aproximada.

No domínio económico a novidade mais animadora é a recuperação ou retoma do sector mineiro, sobretudo o diamantífero em que dados estatísticos a provar, levam-nos prima facie a verificar um esforço aceitável no relançamento desta importante actividade económica. A necessidade de protecção da economia nacional é uma medida interessante já que se apresenta urgente proteger a crescente produção agrária nacional que apodrece por falta de escoamento ou falta de compra contra alimentos naturais importados sem quaisquer justificações qualitativas ou quantitativas. Se a diversificação da economia se assiste com o crescimento dos sectores da agricultura, construção civil e energia, as medidas proteccionistas podem ser doseadas na proporção do aumento qualitativo e quantitativo dos mesmos. A polémica nasce com o pedido de moratória para a integração comercial de Angola na SADC. Pretende-se aplicar o Protocolo Comercial tão logo a economia nacional atinja níveis de estabilidade aceitáveis para competir com as economias vizinhas (Zâmbia, Zimbabwe, Congo, Namíbia, Botswana, etc.). Não concordamos. O protocolo comercial pode ser aplicado parcialmente e nisso caminharmos paulatinamente. Afinal, é nos favorável uma série de vantagens comerciais como sejam a importação de matérias-primas da região sem custos aduaneiros e outras mercadorias em que Angola não precisa recear qualquer concorrência. Queremos crer, que as razões que levaram ao pedido da moratória para aplicação do protocolo comercial da SADC sãos as mesmas utilizadas para atrasar a entrada em vigor da nova Legislação Fiscal e as mesmas que levaram a introdução dos enunciados “custos do contexto” (burocracia excessiva, dificuldades migratórias, etc) que têm impedido ou dificultado a entrada de investidores estrangeiros no mercado angolano. As razões afunilam-se na necessidade de “estruturar” uma burguesia forte que seja senhor de todas as infra-estruturas e equipamentos sociais e económicos susceptíveis de transferência ao domínio privado. É uma visão interessante, embora politicamente incorrecta. Contudo, até a burguesia aparecer lá foram bons preciosos anos que permitiriam um desenvolvimento acelerado com a entrada frenética de capitais estrangeiros e com a circulação de mercadorias essenciais na região com suporte de uma política fiscal moderna e adaptada aos desafios da economia de mercado que se pretende.

Com uma dívida pública a rondar os 38.7% do PIB (estimada em 30 biliões de dólares norte americanos), mesmo quando valor estimado do PIB ronde os 100 biliões de dólares americanos, não faz sentido suspender a entrada de capitais estrangeiros que até elevariam o PIB e com ela a capacidade de pagamento do Estado num serviço de dívidas cada vez menos onerosa para a economia. Se o sector agrícola cresce, é urgente o nascimento de uma indústria transformadora da produção agrária. Esta depende em grande medida de Know-how e tecnologia que em geral é trazida pelo investimento estrangeiro. Se não, com as portas fechadas para a SADC, começaremos a verificar perdas abundantes de produção que levarão ao desencorajamento os empresários deste sector. Como, aliás, já se tem verificado em escala assustadora. Ou seja, a falta de investimento estrangeiro pode ser um indesejável freio para o crescimento e diversificação da economia nacional. Se a ANIP (Agência de Investimento Privado) foi instruída para desburocratizar o processo de transferência de capitais e tecnologias bem como a constituição das respectivas empresas é bom que sejam consideradas as parcerias público-privadas neste processo. Não faz sentido, pretender-se acelerar a constituição de empresas num Guiché Único da Empresa (GUE) quando outros actos necessários a legalização e funcionamento da empresa continuam encravados na burocracia inutilizando a celeridade pretendida. Atente-se para esta situação frequente na nossa realidade: a legalização de uma empresa no GUE leva um único dia, porém os alvarás e as licenças das actividades económicas levam semanas porque são tratados fora deste contexto ou ainda a documentação dos empresários necessária para dar entrada no GUE levam semanas a organizar. Para além de que a Publicação no diário da República de pactos sociais de empresas constituídas com urgência levam tempo a acontecer. Ou seja, o processo de legalização de empresas compreende uma fase inicial demorada, uma fase intermédia acelerada e uma fase final demorada. Conclusão: o investidor continua preso a uma burocracia excessiva. Ora, o licenciamento de firmas de consultorias especializadas em organização de empresas levaria certamente a “desfazer” o excesso de burocracias para além de ajudar a estender os serviços para as diversas províncias reduzindo os esforços do Estado em reduzir a burocracia neste sentido: uma parceria público-privada muito válida, se explorada com eficiência e eficácia, é necessária para a própria reestruturação da ANIP e para que Angola seja um verdadeiro amigo do investimento.

A regularização imobiliária para a facilidade de crédito é das medidas mais credíveis para impulsionar a relação entre o cidadão e os bancos para fins de crédito. Aqui o executivo anima as mentes mais optimistas quanto a uma verdadeira reforma neste sentido. Há muito estava claro que a falta de titularidade da propriedade imobiliária era o principal factor de constrangimento e inibição da economia privada. As reformas legislativas com o fim de reduzir determinados documentos necessários a regularização imobiliária devem ser acompanhadas com a conclusão dos planos urbanos directores nacionais e locais. Não faz sentido facilitar a legalização de imóveis cuja definição espacio-territorial é duvidosa e como tal provisória. Legalizar fazendas agropecuárias achadas em futuros centros urbanos representam engajamentos financeiros desnecessários e evitáveis. A linha de crédito para agricultura orçada em 350 milhões de dólares norte americanos disponíveis pode ter juros bonificados na ordem dos 5% e ser financiado pelo Estado com 80% e pela banca comercial com 20%. Porém, a falta de regularização fundiária é neste momento o único obstáculo que torna este crédito apenas visível pelos binóculos de agricultores industriosos que dele carecem. Se resolvida esta questão todos os outros problemas desaparecem como sejam a falta de acesso e de infra-estruturas. Destes a engenhosidade e a audácia dos empreendedores se encarregam.

Não é completamente certo que o aumento (ou melhor a fixação real) do preço dos combustíveis tenha efeitos episódicos no que toca ao aumento generalizado dos preços por não se esperar a sua duração prolongada. O aumento da taxa de inflação, que actualmente ronda os 13%, pode acontecer por diversas razões, muitas delas atreladas a razões de falta de coerência na utilização e aplicação dos instrumentos e medidas macroeconómicas. Se a economia cresce é pela sua perigosa dependência do sector petrolífero. A taxa de desemprego não é aceitável, os níveis salariais menos motivadores e a política cambial pouco clara. São factores claros de estrangulamento que levam a economia a configuração de uma bomba-relógio para efeitos do aumento da taxa de inflação. Não é portanto, segura a ideia de que o aumento da taxa de inflação é descartável. Mas, a intenção de reduzir os subsídios do Estado para desencadear a política de redistribuição de rendimentos é uma medida próxima de ser certa. É mais benéfico ao funcionário público a possibilidade de transferir o filho de um colégio caro para uma escola pública gratuita com mesmo nível de condições de ensino do que ter o salário aumentado com as custas do colégio a onerá-lo. A política de redistribuição de rendimentos tem a vantagem de aliviar a carga de despesas que incidem sobre os rendimentos. Até porque, por mais aumento salarial que se registe no contexto económico actual, os rendimentos serão incapazes de ajustar-se ao nível de vida desejável. Nada melhor do que apostar em programas sociais que melhorem os sectores da saúde, da educação e da protecção social dos cidadãos vulneráveis. Contudo, os salários actuais podem ser ajustados simultaneamente a aplicação das medidas redistributivas do rendimento nacional. Aliás, há muito é desejável a redução ao mínimo possível dos subsídios. Os cidadãos devem passar a pagar os custos reais dos bens e serviços públicos e serviços prestados pelo Estado e pelas suas empresas, ao mesmo tempo que os rendimentos devem ser ajustados e as iniciativas informais integradas na economia formal, para que se verifique uma melhoria generalizada na oferta de bens e serviços da economia e os seus destinatários sejam capazes de racionalizar a utilização e o consumo dos mesmos. Economias centralistas do Estado suportadas por regimes totalitaristas, utilizam a política de subsídios para gerar o efeito anestésico aos cidadãos que assim perdem a capacidade de reivindicar pela melhoria dos serviços e de estabelecer uma utilização racional dos bens e serviços. É preciso motivar o empreendedorismo pelo uso racional dos recursos disponíveis e sua rentabilização quando necessária.

A contínua adaptação do Estado a nova Lei Constitucional sobretudo no que toca a nova Administração Pública, passa não só pela formação de altos funcionários do Estado, como pela coragem dos “congelados” membros dos comités de especialidades e outros organismos sociais afins, incluindo os partidos políticos, que se apresentam como sombra de si mesmos em debater e propalar assuntos jurídicos atinentes junto das populações desatentas para que a harmonia entre os governantes e os governados seja progressiva. De todo o modo, ficou por se apresentar o balanço do estado do programa de combate a pobreza e a corrupção, do programa das um milhão de casas, do programa água para todos, da situação da tão ansiada política fiscal e de outros projectos há muito anunciados e que amarelecem nas prateleiras do esquecimento. Espera-se que não se verifique qualquer descontinuidade entre as últimas promessas eleitorais e os programas executivos sujeitos a balanços periódicos.