sábado, 26 de novembro de 2011

PROTOCOLO DE COOPERAÇÃO ENTRE A OAA E A OAP

ALBANO PEDRO
Entrevista concedida ao Semanário Angolense a propósito do Protocolo de Cooperação assinado entre a Ordem dos Advogados de Angola (OAA) e a Ordem dos Advogados de Portugal (OAP), publicada na edição n.º 443 de 26 de Novembro de 2011.

SEMANÁRIO ANGOLENSE: Que leitura faz ao Protocolo recentemente assinado entre a Ordem dos Advogados Angolanos (OAA) e a Ordem dos Advogados Portugueses (OAP) em Lisboa?
ALBANO PEDRO: Percebe-se que no essencial, o protocolo versa sobre duas variantes de cooperação. A da formação dos advogados e a do exercício da advocacia. É oportuno, no que toca a formação dos advogados e no que toca ao exercício da advocacia nos dois países parece inoportuno para a parte angolana nos termos em que o protocolo foi celebrado.
SA: Acha que os interesses angolanos foram devidamente acomodados, ao abrigo desse entendimento?
AP: Na variante da formação quase nada há a comentar em seu desabono. Temos que reconhecer que a centenária experiência forense dos portugueses, para além da herança jurídica e judicial a que nos candidatamos com a colonização deste país ibérico, são elementos de grande valia para a elevação do nível técnico e profissional dos advogado angolanos. Temos défices consideráveis no dominio dos contratos – porque a preparação dos advogados angolanos é acentuadamente orientada para os conflitos judiciais – que esta cooperação vai, certamente, ajudar a resolver. Da mesma forma que as ligeiras diferenças normativas, fundamentalmente baseadas no atraso historico-positivo de Angola, servem de pretexto para actualização de conhecimentos aos advogados portugueses com pretensões de explorar o mercado jurídico angolano. Contudo, na variante do exercício da advocacia está claro que os interesses dos portugueses ganham destaque em termos de promoção e protecção. Há muito, os advogados portugueses veêm explorando, em matéria de consultoria, o mercado angolano sem quaisquer coberturas legais. O presente protocolo facilita o processo de “invasão” técnica dos portugueses nesse sentido. Até porque os advogados angolanos, merce da fraca qualidade técnica, sobretudo no domínio da interpretação e aplicação de claúsulas contratuais, se apresentam menos capazes de exercerem a advocacia em território português. É claro que o volume da demanda judicial dos cidadãos e a complexidade contratual de países como portugal de relações sociais de grande incidência privada (mercado empresarial e económico essencialmente privado em que abundam actos particulares potenciadores de conflitos judiciais ou extrajudiciais) por si só, afastam, pela livre concorrência, a simplicidade técnica dos advogados angolanos fundamentalemente orientada para o conflito forense num país em que os actos praticados por entidades públicas demonstram a hegemonia do sector público em relação ao sector privado da economia. Há também que ter em conta que a soberania de Angola fica de alguma forma ameaçada com a possibilidade dos advogados portugueses influenciarem a jurisprudencia e até a reforma das leis pela apresentação de soluções mais evoluidas assentes no Direito positivo português. Ou seja, acontecerá que advogados portugueses em foro angolano influenciarão as soluções juridicas ao ponto de o sistema jurídico caminhar mais para o sistema de interesses portugueses. Já que Portugal se apresenta mais evoluido em matéria de soluções juridicas que Angola. Devemos ainda considerar que a territorialidade das leis é um elemento condicionador do exercicio da advocacia. Isso significa que os advogados dos dois paises devem ter excelentes conhecimentos técnico-legais dos dois países para um exercício harmonizado como o sistema juridico do local do foro. Podemos concluir que o perigo da influência directa do sistema juridico-legal português sobre o sistema angolano , pelo exercicio da advocacia, é uma clara ameaça aos interesses dos angolanos. Não existe eventualmente qualquer preocupação no sentido contrário (de portugueses para angolanos) porque ninguém certamente se preocupará com soluções atrasadas no tempo.
SA: Embora seja um documento que carece ainda de aprovação por parte da AG da OAA, acredita que o documento venha a vingar?
AP: Se vingar que seja com alterações consideráveis que venham a acautelar os interesses angolanos a partir das obserrvações que tecemos e de outras que venham a inquietar a classe dos advogados e a sociedade em geral. Em minha opinião, a questão do exercício da advocacia pode ser de aplicação diferida no tempo. Ou seja, a AG da OAA pode decidir que aplicação do protocolo nesse capítulo aconteça apenas observados alguns elementos que preservem os interesses angolanos. Para além de que outras soluções na aplicação dessa parte do protocolo podem ser chamadas ao debate. Por exemplo, pode-se convencionar que apenas os advogados estrangeiros residentes no país durante certo lapso de tempo podem exercer advocacia a semelhança das condições que se colocam para a concessão do estatuto de cidadão estrangeiro residente.
SA: Corresponde à verdade as informações segundo as quais alguns advogados lusos têm estado a exercer «discricionariamente» esta actividade em Angola, sem estarem inscritos na OAA?
AP: Bem, sobre esta questão há que diferenciar o exercicio da consultoria jurídica e o da advocacia. A consultoria é uma actividade essencialmente extra-forense (que se exerce privilegiadamente fora dos tribunais) e compreende uma multiplicidade de actividades circunscritas em três grupos essenciais, quais sejam o aconselhamento, a auditoria e o treinamento (capacitação ou formação). E porque assenta fundamentalmente na competência e experiência técnica, o exercício da consultoria não recomenda limites territoriais como acontece com a advocacia, propriamente dita. Sobretudo em países com marcados atrasos técnicos e tecnológicos como Angola. Temos muitos consultores portugueses em Angola até mesmo a exercerem consultoria forense (assistência de advogados angolanos para questões de litígios em tribunais) e como é óbvio, o nosso sistema jurídico não é impeditivo quanto a isso. Mas, a execução do mandato forense como tal, enquanto acto próprio de advocacia, é ainda um privilégio para quem esteja inscrito na OAA e por isso não se regista claramente essa situação em Angola. Até porque os tribunais estão em condições de averiguar essas situações, nomeadamente quando exigem o número de inscrição na AA ou as respectivas cédulas aos mandatários judiciais para a prova de idónea representação em litigios judiciais.

SA: Em seu entender, os advogados angolanos têm merecido em Portugal o mesmo tratamento que os seus congéneres em Angola…
AP: Pensamos que o quadro é recíproco no que tange ao exercicio da advocacia. Mas no que toca a consultoria jurídica os portiugueses têm mais oportunidades que os angolanos. Isto está mais do que claro. Até porque vivemos o “modismo” das consultorias estrangeiras para tudo em Angola.
SA: Que leitura faz ao pronunciamento do antigo bastonário da OAA, Raul Araújo, segundo o qual uma suposta invasão de advogados portugueses não lhe tirava o sono…
AP: As inqueitações que o Doutor Raul Araújo levantou com estes argumentos correspondem com os receios que apontamos sobre a aplicação desse protocolo e que podem ser vistos na grande capacidade técnica dos portugueses assente no estádio de desenvolvimento do seu sistema jurídico em relação ao nosso sistema jurídico, na formação técnica deficitária e estática dos angolanos e nos níveis crescentes de exigência técnica do mercado angolano. É mais do que evidente a hegemonia dos portugueses sobre os angolanos. É tudo para tirar sono, não é? (risos).
SA: O apelo que ele fez no sentido das empresas angolanas com interesses na economia portuguesa a apostarem mais nos causídicos nacionais colhe?
AP: Pensamos que não. A realidade juridico-legal portiuguesa é mais complexa e multiforme do que a realidade jurídico-legal angolana. O que exige capacidades técnicas muito aprimoradas e consentâneas com o seu grau de desenvolvimento normativo e contratual. Por razões de economia técnica é sempre conveniente que as empresas procedam ao recrutamento de consultores ou advogados locais. Contudo, admito ser viável que os advogados angolanos com experiência técnica portuguesa sejam privilegiados. Uma vez que a territorialidade das leis impõe que apenas aqueles que conheçam as duas realidades jurídicas (angolana e portuguesa) estão em melhores condições de corresponderem as espectatitivas técnicas e a demanda profissional das empresas em particular e do mercado em geral.
SA: Em seu entender, haverá uma tentativa encoberta de proteger os interesses lusos em Angola, por parte de alguns lobbies económicos e políticos?
AP: Pensamos que existe uma grande preocupação em regularizar a actividade dos portugueses que começam a se tornar imprescindiveis no asseguramento de certos interesses económicos em Angola. Só assim, se explica a aplicação de um protocolo que na parte do exercício da advocacia apenas confere oportunidades aos portugueses, a despeito da ameaça a soberania que apontamos como inquietação evidente.