A QUESTÃO DA LUCITUDE DO PROTESTO POR CADEIRA VAZIA
Albano Pedro
Defendemos em inúmeras ocasiões que num Estado de Direito e Democrático, os políticos têm de ter a elasticidade ética suficiente para desenvolverem os projectos e agendas partidárias em duas perspectivas, designadamente na variante política, no sentido em que os políticos devem exercer o contraditório no estrito respeitos dos mais ementares interesses colectivos, e na variante jurídico-legal, no sentido em que a Lei deve constituir o critério lógico da acção política. Deste aprumo depende a efectivação da transformação da sociedade de todos nós, num verdadeiro Estado de Direito e Democrático. Nesta empreitada a responsabilidade é absolutamente colectiva e os argumentos que procuram imputar ao partido no poder e ao seu Governo a plenitude das responsabilidades neste sentido são descártaveis para além de colocar o povo na condição de mero espectador quanto a construção da nação.
Mas, é verdade que o partido no poder nem sempre facilita o processo de estabilidade política necessária a um exercício político aprumado. Uma das situações que manifestam este quadro é a insistência na manutenação da Dra Luzia Inglês no cargo de presidente da CNE, com todos os atropelos à Lei que se impuseram até agora. Está mais do que claro que o partido no poder colocou-se deliberadamente à margem da Lei para impor uma vontade política e esta situação não podia ser vista pacificamente pelos restantes operadores políticos. O desespero colocou os restantes partidos, sobretudo os que contam com representatividade parlamentar, na condição de fazerem uso de todos os meios lícitos ao seu dispor para estabelecer um ambiente equilibrado nas relações partidárias e políticas com o partido no poder de forma a garantir que o processo tendente a realização das eleições de 2012 seja encaminhado sem fraudes e outros actos equiparados que periguem a lisura do acto eleitoral.
É claro que sempre preferimos que as reacções dos partidos políticos às prácticas e actos injustos e até ilicitos do partido no poder fossem preferencialmente manifestadas no seguimento dos mecanismos legais. Mas convem admitir que diante das violações deliberadas contra a Lei e a manipulação clara das instituições do Estado testemunhadas por todos os cidadãos atentos, sobram poucos instrumentos credíveis para lançar mãos. Vem disto que o abandono das sessões parlamentares tem sido uma das poucas saídas para os partidos com assento parlamento. Ironicamente, o partido no poder, demonstrando uma clara vontade de cercear os espaços de movimentação dos adversários políticos, entendeu legislar sobre medidas disciplinares que limitem ao máximo a acção dos lgisladores manifestando publicamente a intenção através da alteração do Estatuto do Deputado propondo com isso a discussão do Projecto de Lei Orgânica correspondente. O MPLA arrasta assim a batalha para o campo que lhe é favorável prevendo esmagar com a sua maioria parlamentar os mais elementares direitos civis que assistem os deputados enquanto cidadãos, quando declinem o exercício de deveres parlamentraes por manifesta injustiça ou irregularidades, para desdramatizar o quadro.
A harmonização dos interesses colectivos é uma missão natural no exercício político e para o alcance deste desiderato as sociedades desenvolveram vários modelos de organização social e inclusivé institucionalizaram as leis como mecanismo de estabilidade social. Vem disto que as constituições modernas não permitem que o poder político seja exercido ao ponto de constranger os interesses não incluidos no seu escopo (interesses de grupos). Por isso, constituem elementos de acesos debates políticos as questões inerentes a protecção dos interesses das minorias etnicas, económicas, culturais, etc., mesmo quando a democraticidade das decisões exijam maiorias. O esforço para os consensos em democracia é um claro reflexo desta forte necessidade de preservação social. A previsão material de mecanismos como “check and balances” que mantém os poderes soberanos em linha de estabilidade nos Estados Unidos da América; a consagração do direito a resistência como meio de auto protecção dos interesses legalmente protegidos mesmo até a consagração da legítima defesa em protecção da integridade física das pessoas, são mecanismos jurídicos tendentes a limitação da intervenção violenta de terceiros contra interesses de grupos ou na esfera jurídica de pessoas individualmente determinadas. Ou seja, as leis e o exercício político são chamados a estabelecer claras limitações sobre as acções conflituantes dos individuos e grupos. O que visa a prevenção da desustruturação extintiva das sociedades. Esta percepção não deve estar distante dos nossos operadores políticos, se a missão que perseguem for a construção de uma sociedade cada vez mais justa.
A atitude sobranceira do partido no poder não pode ser a mais infeliz, já porque o efeito que se espera, que é o de inibir os deputados de abandonarem as sessões parlamentares, cedo se transporá a reacções que inutilizarão o esforço normativo que se pretende para além de encaixar no ridiculo o MPLA como tem vindo a acontecer com as multiplas irregularidades que assistimos com o processo organizatório das eleições que se aproxima a largos passos. Afinal, se a questão é evitar as cadeiras vazias os deputados podem sempre permanecer na sessão parlamentar sem se quer levantar as mãos mesmo quando sejam chamados a absterem-se. Na verdade, o MPLA nem devia preocupar-se em acender mais ainda a ira dos defraudados partidos políticos, com a proposta normativa. Não colhe consenso nenhum a ideia de inibir protestos quando surjam de contradições meramente políticas e que em boa verdade nem beliscam o espírito da Lei Constitucional vigente. A menos que o esforço normativo por si só seja igualmente uma jogada política contra os opositores. Nesse sentido a tentativa de inibição faz claro paralelo com o esforço do Executivo em impulsionar o clima de terror sobre as manifestações públicas, através da inação da Polícia Nacional e da promoção pela imprensa pública de marginais compondo forças milicianas contra a paz pública, o que denuncia um esforço generalizado contra um ambiente de estabilidade durante as eleições.