sexta-feira, 19 de julho de 2013

CRIMES FARMACÉUTICOS: RAZÃO DE SER E PREVISÃO LEGAL - Albano Pedro

No pretérito dia 10 de Junho teve início em Luanda uma reunião para 4 dias de duração com objectivo de estabelecer programas operativos de combate harmonizado aos crimes farmacêuticos promovido pela Organização Internacional de Polícia Criminal (INTERPOL) ao nível da região austral da África (envolvendo representantes do Botswana, Lesoto, Madagáscar, Malawi, Ilhas Maurícias, Moçambique, Namíbia, África do Sul, Suazilândia, Seicheles, Tanzânia, Zâmbia, Zimbabwe para além de Angola, como país anfitrião). Em questão a situação alarmante deste fenómeno pelo mundo e em especial na África austral onde a situação tem alcançado proporções alarmantes. Entende-se por crimes farmacêuticos os actos inerentes a produção, a distribuição e a comercialização de medicamentos falsos ou sem controlo das autoridades médicas e farmacêuticas quer dos países de origem quer dos países de destino. A criminalidade farmacêutica prospera em realidades económicas onde alto nível de demanda dos medicamentos é desproporcional ao seu fornecimento regular aliada a fraca capacidade aquisitiva dos consumidores determinada pelos elevados índices de pobreza, estimulando o enriquecimento fácil dos operadores e agentes da indústria de contrafacção de medicamentos e fármacos diversos. Esta indústria que circula pelos corredores do comércio internacional e doméstico através de redes organizadas é causadora de prejuízos incalculáveis a indústria farmacêutica regular para além de provocar mortes ou resistências ao tratamento de certas doenças devido ao uso de tais fármacos pelas suas vítimas. Em rigor, este crime não existe no ordenamento jurídico angolano. Do ponto de vista legal, as autoridades policiais tendem a equipará-lo ao crime de branqueamento de capitais, tal como deixou claro o Comandante da Polícia Nacional no seu discurso de abertura da reunião acima referida. O que demonstra claramente a falta de legislação específica sobre este tipo de actividade criminal. Não sendo admissível a analogia legis em Direito Penal diferente do que acontece nos demais ramos do direito, com realce no Direito Privado, admitir o tratamento desta espécie de ilícito no âmbito de uma conduta diferente, no mínimo configura um desvio evitável, por jurídica e judicialmente ineficaz. Já que o elemento crucial neste tipo de crime é a falsificação de coisa transformada em mercadoria e posta ao consumo público, sendo a rede comercial uma mera extensão desta actividade desejada criminal e como tal rotulável no quadro da comparticipação criminosa. A antiguidade do Código Penal vigente não está a altura previsional de crimes de falsificação de coisas, latu sensu. Foi aprovado numa era em que a revolução industrial tinha começado os seus primeiros passos e a produção de bens em série era um sonho no longo percurso da conquista tecnológica da humanidade. Até então, a falsificação possível era a de documentos escritos e de outros elementos alcançáveis pelo progresso histórico do momento. Não estranha por isso, que o legislador penal angolano não preveja condutas criminais directamente relacionadas com a produção industrial de bens. A solução não será pois a de rotular tais condutas com outras bem legisladas como as que configuram o branqueamento de capitais. Legislar sobre os crimes farmacêuticos é preciso. E no calor da reforma do Código Penal em curso, o assunto torna-se particularmente pertinente. Até lá, temos dúvidas que os seus agentes sejam condenados por crimes farmacêuticos como tais. Salvo se no conjunto dos actos praticados se despontem outros perfeitamente enquadráveis em condutas já positivadas pelo direito Penal angolano, no âmbito dos quais se poderão igualmente identificar ilícitos relacionados com o branqueamento de capitais tal como entende o mais alto responsável da Polícia angolana. Não havendo como responsabilizá-los na base dos crimes farmacêuticos, ficarão impunes? Claro que não! O mecanismo de segurança e certeza jurídica não permite a impunidade absoluta por inexistência ou ineficácia de medidas sancionatórias. Acontece então, que determinadas condutas repugnantes ou, no mínimo, reprováveis pela sociedade quando não sejam particularmente tratadas no âmbito dos crimes o sejam no âmbito de ilícitos civis. Neste contexto, os agentes de condutas relacionadas a contrafacção de fármacos poderão ser responsabilizados civilmente sendo-lhes imputadas condutas que vão desde a violação de direitos de propriedade industrial, a concorrência desleal, diversas formas de operações económicas ou comerciais tipificadas em ilícitos económicos entre outras condutas legalmente relevantes passando pela obrigação de reparação de danos morais ou materiais causados aos consumidores, seja pela entrega defeituosa da coisa, quando não corresponda eficazmente a prescrição médica, seja pelos danos causados directamente pelo seu consumo. De todo o modo, a conduta criminal directa sobre quem altera o fabrico de medicamentos tornando o seu uso nocivo a saúde humana ou os exponha a venda pública é estabelecida pelo Código Penal (art.º 251.º), nos termos do qual podem ser condenados os agentes de crimes farmacêuticos de acordo com os efeitos nocivos a saúde humana dos medicamentos produzidos ou comercializados e não pela contrafacção em si. Dixit.

SOBRE O ARRENDAMENTO RESOLÚVEL DE IMÓVEIS NA CIDADE DO KILAMBA - Albano Pedro

A entrega de moradias na centralidade da Cidade do Kilamba tem levantado inquietações de vária ordem, sobretudo em compradores que aguardam entrega dos respectivos imóveis sem certeza dos prazos. O assunto tem sido ventilado com importância pública tal que os contornos legais e contratuais inerentes ao processo de aquisição imobiliária merecem ser dissecados. Já porque os compradores atingiram um grau de impaciência endémica alimentada pela incerteza na entrega das moradias, já porque o vendedor não esclarece com propriedade os prazos de entrega bastando-se a meros exercícios dilatórios na informação que veicula a favor dos mesmos. A essa situação, acresce-se o facto de alguns compradores serem notificados, formalmente ou não, para entrega de moradia diferente daquela em que se candidataram. Mais ainda se impõem as ameaças de despejo, sem o reembolso dos valores pagos, das moradias aos compradores que tiveram acesso as chaves em caso de violarem normas relativas a vivencia na centralidade ou de não pagarem as próximas prestações nos prazos em que foram estipuladas. Tudo isto levanta uma inevitável confusão pela incompreensão dos conteúdos contratuais e das responsabilidades concretas das partes envolvidas, não se sabendo em muitos casos, a parte com autoridade na relação com o comprador. Se a SONIP (procuradora ou concessionária dos imóveis em nome do Estado, tido como titular dos imóveis), se a Delta Imobiliária (mediadora de certos lotes em nome da concessionária) ou se a administração da cidade do Kilamba, configurada na forma débil de uma autarquia local em ensaio. Desde logo, importa assentar que chegaram ao conhecimento público 3 formas essenciais de acesso as moradias. Designadamente, o acesso pela via da venda a pronto pagamento, pela via do arrendamento e pela via do arrendamento resolúvel, podendo ser com capital inicial ou sem capital inicial enquanto modalidades desta última forma de acesso. O acesso pela via do arrendamento não levanta quaisquer problemas. Não só pela falta notória de candidatos com problemas conhecidos como pela forma em como funciona. É completamente regulada pela Lei do Inquilinato e legislação subsidiária importando poucos aspectos por esclarecer. Da mesma maneira, a compra a pronto é uma das formas de acesso menos complexas do processo de aquisição de imóveis na centralidade. O pagamento faz-se numa única prestação dando acesso imediato a moradia, independentemente do contrato ser uma promessa de compra ou de compra definitiva. Há apenas que referir que as dificuldades registais no domínio imobiliário que é sensível em todo o território nacional, por razões seguramente políticas (porque não são meras burocracias administrativas), impedem que os vendedores de imóveis procedam a celebração de contratos definitivos. Ou porque faltam títulos de propriedade sobre os terrenos em que as moradias foram erguidas ou porque falta o cumprimento de certos procedimentos processuais ou administrativos que impedem o vendedor de realizar a venda definitiva com outorga do respectivo contrato. É um problema nacional cujas causas não importa escalpelizar e que, seguramente, não oneram o comprador. Podendo exigira a reparação de danos em caso de não ter a titularidade definitiva por alguma política pública ou não que venha a surpreender o promitente-vendedor. Interessa apenas tranquilizar que o contrato-promessa de venda tem o mesmo valor contratual e legal do contrato prometido ou definitivo importando os mesmos efeitos entre as partes contratantes ou oponíveis a terceiros que venham a interferir na relação dos contratantes por simples vício na formação da vontade ou por má-fé (também conhecida como eficácia inter parte ou erga omnes) ou pela recorribilidade judicial dos conflitos que venham a levantar. Portanto, é uma forma pacífica de aquisição, não importando qualquer ordem de preocupações a quem dela recorre. O problema das aquisições de imóveis na centralidade levanta-se na forma de acesso por compra e venda com propriedade resolúvel (como lhe chama o vendedor) ou renda resolúvel, como é simplesmente chamado. Não importa a abordagem das modalidades, senão a título complementar como faremos mais adiante. Tão pouco a denominação merece quaisquer importâncias no domínio jurídico. O que importa é que configura uma forma mista de contrato envolvendo cláusulas de contratos muito bem determinadas por lei quais sejam o contrato de arrendamento (regulado pela Lei do Inquilinato como ficou claro acima) e o contrato de compra e venda (estabelecido no Código Civil). Em rigor, está-se perante uma forma pouco comum de contratação em Angola, emergente de realidades económicas de cariz capitalistas, conhecida por LEASING. Que é um mecanismo contratual em que uma das partes (vendedor) cede a outra (comprador) um bem mediante acordo de venda, reservando-se ao direito de reaver o bem vendido em caso do comprador não cumprir, total ou parcialmente, com as prestações prometidas. É uma modalidade de contrato misto usada em compra e venda a prestações ou venda parcelada. Nessa modalidade, o vendedor que reaver o bem não pago na totalidade, tem a faculdade de transformar as prestações já pagas em parcelas de renda tornando o comprador num locatário, seja de bem móvel ou imóvel, na altura em que tiver o contrato rescindido por culpa sua ou facto (atraso no pagamento, desleixo na observância do acordo, etc.) a si imputável. Daí ser um misto de arrendamento e venda tal como se configuram as cláusulas deste tipo de contrato. Assim, o comprador pode ser rotulado como sendo um comprador-arrendatário. Já que entra num contrato observando regras de compra e venda e de arrendamento cumulativamente. Se cumpre com as prestações, passa a comprador definitivo. Se não, é um arrendatário que perde o direito sobre o imóvel por força do fim compulsivo do contrato. Ou seja, o comprador torna-se arrendatário no momento da rescisão do contrato, perdendo as prestações já vencidas a favor do vendedor na forma de renda paga pelo tempo em que teve a posse do imóvel. Percebe-se a lógica contratual? Ora, chegados a esse porto interpretativo, interessa percorrer por três aspectos essenciais a volta desta forma contratual: as consequências do seu incumprimento (1), as penalidades que importam as partes faltosas (2) e os mecanismos de resolução de conflitos dela emergentes (3). No que toca ao incumprimento do contrato de renda resolúvel pelas partes, é de esclarecer que se o incumprimento, inobservância do contrato incluindo a falta de pagamento das prestações, for imputável ao devedor (comprador), tem o credor (vendedor) os direitos estabelecidos pelo próprio contrato celebrado. Não fará recurso a outros argumentos por legalmente ineficazes. Não havendo contrato celebrado aplicam-se as regras do contrato promessa, tendo, o comprador, valores depositados, a título de pagamento das parcelas, comprovados por recibos de depósitos ou transferência bancária. Nesse caso o Código civil entende o montante pago como sinal e estabelece que “…. a existência de sinal impede os contraentes de exigirem qualquer outra forma de indemnização…”(art.º442º - Código O Civil – CC). Ou seja, o vendedor tem o direito de fazer suas as prestações já pagas pelo comprador se este não cumprir com as suas obrigações. Todavia, no caso sub iudice, os compradores apenas depositaram valores aguardando pela entrega das casas. Nesse caso o incumprimento só pode surgir da parte do vendedor. Assim, se o incumprimento for devido ao credor (vendedor) tem a parte lesada (comprador) o direito a ser indemnizado com o reembolso em dobro da quantia depositada a favor do vendedor. A lei não admite outra forma de indemnização para este caso como se disse, por simples existência de sinal. E sobretudo por não ser celebrado um acordo eu estipule outra forma de indemnização como admite a própria lei. Tratamos da parte da compra e venda do contrato. Quanto a parte relativa ao arrendamento, que apenas beneficia o comprador que tiver acesso a moradia e como tal parte de um contrato já celebrado ainda que com cláusulas promissórias, não faz sentido outra forma de penalização que não seja a perda das prestações a favor do vendedor e a eventual reparação dos danos que causar a estrutura imobiliária decorrente do uso, bom ou mau. A razão é simples: o contrato promessa não admite outra forma de indemnização havendo sinal. Já referenciamos a Lei sobre a questão. Quanto a reparação dos danos sobre o imóvel é uma responsabilidade que decorre fora do contrato. Assinado ou não. Diz-se que decorre de factos ilícitos (portanto, extra-contratuais) praticados pelo usufrutuário (uso inapropriado, falta de manutenção ou mau uso do imóvel em geral). Neste caso, a indemnização será sempre na medida dos danos verificados em concreto devidamente arbitrados pelo tribunal competente em caso de recurso judicial da parte interessada. É de precisar, que a indemnização será simplesmente exigível a favor do vendedor (SONIP por si ou pela Delta Imobiliária ou outro agente seu). Portanto, não fazem sentido nenhum as ameaças lardeadas entre os moradores segundo as quais o mau uso do imóvel importa a expulsão dos moradores por decisão das autoridades administrativas da Cidade do Kilamba. Não é a proprietária dos imóveis tão pouco representa o proprietário nas vendas. A dar azo a essa situação, equivale a admitirmos um despacho presidencial a impor a saída de certos angolanos do território nacional, por conduta desordeira, abandonando os imóveis legitimamente adquiridos ou com a relação de cumprimento em dia com os respectivos vendedores. Não há estupidez ou falta de consciência legal e administrativa de maior tamanho. Caberia tal poder ao vendedor, estando estipulado no contrato livremente celebrado entre as partes. O que não acontece no caso da centralidade do Kilamba por não constar dos contratos-promessa já celebrados. Se fá-lo usando de mecanismo legal competente, este devia decorrer do novo Regime de Arrendamento Urbano, com eventuais alterações favoráveis a decisões semelhantes. Sabe-se contudo, que é apenas uma proposta de Lei, ainda não aprovada pela Assembleia Nacional, salvo erro. Não é, pois, prudente e nem avisado a aplicação de normas com vigência condicionada pela sua aprovação, por manifesta inexistência para além de configurar puro abuso do direito. Uma outra base da decisão seria pela relação de condóminos. Uma vez que estão estipuladas quotas condominiais entre as obrigações dos moradores, incorporadas por sinal no valor da compra do imóvel. Ainda assim, pode acontecer que o condómino perca o direito de habitar na moradia retirando-se-lhe do convívio com os vizinhos por incompatibilidade ética. Porém, nunca desencadeará a perda da propriedade sobre a moradia. Pois, o estatuto do condómino abrange os espaços comuns usados pelos moradores. Nunca a fracção autónoma que é o apartamento em concreto. Não só porque pode sempre arrendar a um terceiro ou alienar simplesmente por direito de titularidade sobre o mesmo (ratio cives), como a titularidade sobre a fracção imobiliária em concreto resulta da transmissão onerosa directa do vendedor, contra-parte única nesta relação (ratio legis). Entretanto, os poderes condominiais nunca são exercidos por entidades que não sejam eleitas pelos próprios condóminos. É uma exigência legal. Desde logo, a administração está longe deste estatuto (está matéria vale um outro novel de esclarecimentos que não servem nestas linhas). Já se o incumprimento for devido ao vendedor. Não entrega as moradias ou simplesmente não as entrega no prazo determinado. Tem o comprador o direito de exigir a restituição em dobro do que tiver pago. Esta exigência vale, mesmo que receba a moradia, estando o prazo vencido como acontece em muitos casos reclamados pelos compradores naquela centralidade. Para a Lei receber a moradia fora dos prazos, antes ou depois da data estipulada, é equivalente ao incumprimento e como tal importando a respectiva responsabilidade civil. Aqui o critério da reparação de danos será sempre o sinal. O incumprimento não diz respeito apenas a entrega atrasada ou antecipada sobre o prazo, também acontece na situação em que a moradia entregue não tem as características daquela que foi escolhida pelo comprador. Verbi gratia, não tem a mesma cor seleccionada no acto da compra, não está no mesmo andar ou na mesma posição do andar, não tem o mesmo tamanho entre outras diferenças e defeitos em relação a unidade escolhida em concreto. A entrega de um imóvel nessas condições, mesmo que aceita, importa o dever de indemnização por parte do vendedor. A lei chama a essa situação de cumprimento defeituoso. Quanto as consequências do incumprimento de acordo com a modalidade da renda resolúvel escolhida, não há muito que se lhe diga. A diferença estará no montante da indemnização em caso de incumprimento do vendedor. Na renda resolúvel com capital inicial a entrega em dobro vai obviamente ter em conta a parte inicial do capital investido para a aquisição da moradia. Enquanto eu para a renda resolúvel sem capital inicial, o comprador sai beneficiado apenas com o dobro das parcelas mensais paga. Relativamente, a solução dos conflitos decorrentes das vicissitudes na relação comprador e vender. Os compradores insatisfeitos com os prazos de entrega têm a faculdade de abordar o vender através de uma notificação, preferencialmente escrita, exigindo deste o cumprimento sponte sua da obrigação. Servirá de meio de manifestação de vontade em resolver o conflito antes de desencadear um processo em tribunal. Contudo, as partes podem sempre negociar os termos da indemnização ou declinar os direitos inerentes no puro império da vontade livremente manifestada. É o que se chama transacção. O que pode acontecer até antes do julgamento da acção em caso de recurso ao tribunal. Este deverá ser o da comarca do local da celebração do contrato. Mais esclarecimentos devem ser obtidos juntos de um advogado preferencialmente, pelo valor litigioso contido nas preocupações aqui vertidas. Dixit.