Albano Pedro
Em geral a falta de sucesso nos contratos deve-se a inobservância da pontualidade pelas partes na sua execução, dando lugar ao incumprimento como causa idónea para sua rescisão e consequente reparação dos danos pela parte faltosa. V.G: A obra completamente paga não é concluída no prazo prometido pelo construtor comprometendo a oportuna utilização do imóvel no prazo estabelecido – imagine-se a conclusão de um destes estádios de futebol para servir ao CAN 2010 depois do evento ter ocorrido? Ou vindo a ser concluído em tempo útil ganhe uma configuração estranha ao projecto original?
O princípio da pontualidade ou pacta sunt servanda consagrado na lei (art.º 406º - Código Civil – ou C.C.) significa que os contratos devem ser cumpridos ponto a ponto, i.e., cláusula por cláusula (dimensão espacial) e nos prazos determinados pelo próprio contrato (dimensão temporal). Deduz-se assim que o cumprimento dos contratos implica a observância total das cláusulas dos contratos e nos prazos aí previstos. Viola o princípio da pontualidade tanto a parte que se compromete a entregar uma viatura de cor azul entregando outra de cor vermelha como aquele que faz a entrega da viatura, embora adequada, em prazo impróprio.
É de salientar que o cumprimento antecipado do contrato representa igualmente flagrante violação do contrato. A obrigação de indemnizar por cumprimento antecipado do contrato pode surgir em numerosos tipos de contratos desde que sejam causa de danos (art.º 227º - C.C.). Nos contratos de arrendamento o senhorio pode entregar a casa dias antes da data combinada ao inquilino que por via disto é obrigado a interromper a viagem de férias para receber as chaves provocando constrangimentos emocionais a família que a planificou com ansiedade e meticulosidade; nos contratos de compra e venda em que o vendedor de um aparelho electrodoméstico procede a entrega do artigo no domicílio do comprador duas horas antes do horário acertado para entrega, fazendo-o na ausência deste mediante depósito ao vizinho ou empregada doméstica que não cura de averiguar a funcionalidade do mesmo; nos contratos de agência em que o agente recebe novos produtos do fornecedor habitual sem ter tido tempo para os promover em adequado programa de publicidade ou marketing vindo disto prejuízos financeiros pela falta de clientes nos prazos razoáveis de comercialização dos mesmos, etc.
De todo o modo, o incumprimento do contrato por inobservância do princípio da pontualidade é causa suficiente para rescisão do contrato e consequente indemnização por perdas e danos. Sendo de averiguar as situações em que o incumprimento é devido a causa não imputável ao devedor (art.º 790º - C.C), a causa imputável ao devedor (art.º 798.º - C.C) ou a circunstâncias estranhas as partes. Neste último caso, é aplicável o regime do art.º 437º – C.C, que estabelece, inter alias, a possibilidade de avaliar a possibilidade de reparação de danos mediante regras de equidade.
Mesmo quando a inobservância do princípio da pontualidade seja devida a uma situação socialmente aceitável, há obrigação de indemnizar em caso de danos. Veja-se o caso do estádio de futebol entregue em tempo útil mas com acabamentos inadequados ao projecto original com argumentos do construtor ter gasto menos materiais economizando os meios financeiros devido a protecção do orçamento global do projecto contra eventual inflação do câmbio da moeda nacional durante a execução da obra?
No mercado das relações humanas e sociais, a expressão da palavra e a exposição do pensamento são as mercadorias mais preciosas!
quinta-feira, 25 de junho de 2009
quarta-feira, 24 de junho de 2009
A DEMOLIÇÃO DA FEIRA NGOMA EM LUANDA
ANÁLISE DO PROCEDIMENTO DO GOVERNO DA PROVÍNCIA DE LUANDA
Albano Pedro*
A SITUAÇÃO
Em Luanda, para quem segue a avenida dos combatentes em direcção ao prédio sujo do Marçal pode ver que foi demolida a Feira Ngoma e com ela casa de Kim Zé e dezenas de outros estabelecimentos comerciais. Para quem não conheceu a Feira Ngoma por dentro, a casa de Kim Zé era sem dúvidas o melhor restaurante do local. Um espaço requintado cujo serviço conduzido pelo próprio Kim Zé transparecia competência e capacidade organizativa em hotelaria. De resto a sua inquestionável experiência em restauração conferiram-lhe a autoridade de lidar com a cozinha e todos os serviços conexos. Era a casa – para mim – que servia o melhor Peito Alto da cidade de Luanda. Sendo frequentador assíduo do espaço, vi naquele local ao longo de mais de dois anos gente importante entre políticos, generais, comissários de polícia, deputados, escritores, músicos, empresários, Intelectuais entre pequenas e grandes individualidades a frequentar o local. Tal era a qualidade da clientela em função dos serviços marcados sobretudo pela culinária angolana. O que é marcante é que nos últimos seis meses Kim Zé fizera avultados investimentos no local. Reformou o espaço e conferiu-lhe um ar de luxo – desenvolvendo um serviço diário de self-service (buffet permanente) com variedade de bebidas – onde não faltava um vinho tinto francês que só via no seu estabelecimento e que eu muito gostava de tomar quando lá fosse comer o meu bom peito alto com funji. Caiu a Feira Ngoma e com ela nasceram as grandes preocupações de Kim Zé e de dezenas de outros pequenos empresários. Como pagar o crédito cedido para a reforma do espaço? Onde me instalar para continuar a única actividade que desempenho com competência? Como resolver o problema dos trabalhadores que deixam de trabalhar sem culpa?
Até quinta-feira passada (altura em que foi anunciada a sua demolição pela imprensa – Jornal de Angola) Kim Zé era um proprietário normal como nos outros dias – ciente de que haveria lugar a demolição mediante negociação com o “titular” da feira Ngoma que de todos os feirantes cobrava preços regulares pelo arrendamento de espaços no local. Aguardava assim pela competente solução da situação que se arrastava há meses. Eu sabia pelo Kim Zé que um grupo de empresários anónimos compraria o local para edificar torres para escritórios e residências e que a negociação estava a ser levada a cabo com os representantes da organização que explorava a Feira Ngoma e que eles – os comerciantes – aguardavam pela solução que seria dada a todos os proprietários dos estabelecimentos instalados no local. Havia mesmo uma proposta interessante: os novos proprietários cederiam espaços para que os actuais feirantes, querendo, continuassem as suas actividades, estando contemplado no projecto imobiliário um centro comercial para o efeito. Nesta quinta-feira, após o meu habitual peito alto com funji e o bom vinho francês saí tarde do local tendo inclusive conversado longamente com Kim Zé – não sabendo que era pela última vez que o fazia na qualidade de cliente assíduo da casa. Espantou-me saber que a demolição operou-se na segunda-feira sem qualquer negociação ou contacto com os feirantes e que os argumentos aduzidos foram de que o local era usado para a prática de prostituição entre vários actos imorais e ilícitos, para além de que os feirantes estavam em condições ilegais.
JUIZO DE LEGALIDADE
Tudo indica que o Governo da Província de Luanda (GPL) sensibilizou a população circundante a Feira Ngoma com argumentos de que o local era explorado para a prática de actos imorais e ilícitos para levar a cabo a operação de demolição sem as contrariedades que teve quando protagonizou o mesmo acto em relação aos moradores da Ilha de Luanda aquando da situação das calemas alegando o perigo deste fenómeno tão natural quanto cultural entre os ilhéus. A maioria dos moradores da Avenida dos Combatentes e das pessoas pela Angola fora, caiu que nem patinho, nesse conto de fada apoiando prontamente a acção do governo que foi executado ante a surpresa dos feirantes.
Mesmo que os feirantes se encontrem em situação de ilegalidade e que no local sejam desenvolvidas actividades ilícitas e imorais a demolição operada pelo GPL é completamente ilegal pelo seguinte:
1. Não tendo havido qualquer negociação ou contacto com os feirantes a acção do GPL justificar-se-ia na base do Privilégio de Execução Prévia – instrumento legal que permite que em situação de emergência ou qualquer outra devidamente justificada a Administração Pública desenvolva acções sem a colaboração directa dos particulares visados, sacrificando os seus direitos e interesses;
2. O GPL estaria no uso deste instrumento legal de emergência se observasse os princípios cardeais do procedimento dos órgãos da administração pública constantes do Decreto-Lei 16-A/95 – Normas de Procedimento e da Actividade Administrativa – NPAA dos quais destacamos o Principio da Legalidade (art.º 3º), o princípio da Prossecução do Interesse Público (art.º 4º) o princípio da Proporcionalidade (art.º 5º), princípio da Colaboração da Administração com os Particulares (art.º7º) entre outros que devem ser cumulativos dentro da acção da administração pública em que se inscrevem os actos de gestão pública do GPL;
3. Ao não notificar os feirantes – fazendo mediante um anúncio genérico pela imprensa – o GPL violou – como acontece quase sempre – o princípio da colaboração da administração com os particulares nos termos do qual “ No desempenho das suas funções os órgãos da Administração Pública, devem actuar em estreita colaboração com os particulares, cabendo-lhes nomeadamente: a) prestar informações e esclarecimentos; b) receber sugestões e informações” (art.º7º - NPAA). Viria do cumprimento deste princípio a necessidade de o GPL reunir com os feirantes e acertar com eles as melhores soluções pós-demolição;
4. Mesmo que não existam direitos subjectivos (títulos de propriedade imobiliária, contratos de arrendamento, licenças comerciais, etc.) existem contudo interesses legalmente protegidos. Estes interesses vem em geral na Lei Constitucional nos termos da qual “ O Estado deve criar as condições políticas, económicas e culturais necessárias para que os cidadãos possam gozar efectivamente dos seus direitos e cumprir integralmente os seus deveres” (art.º 50º) entre outros interesses legalmente protegidos;
5. Por violação de interesses legalmente protegidos o GPL viola sobretudo o princípio da proporcionalidade nos termos do qual “As decisões dos órgãos da Administração Pública que entrem em choque com os direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos não podem afectar essas posições em termos desproporcionais aos objectivos a atingir” (art.º5º - NPAA), pois ao sacrificar interesses sem a correspondente compensação o GPL teve uma actuação desproporcional ofendendo gravemente um outro princípio: o da prossecução do interesse público que determina que “ Aos órgãos administrativos cabe prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses dos cidadãos.” (art.º 4º - NPAA);
6. Acresce-se que os actos imorais não têm relevância jurídica, estando ao critério subjectivo das comunidades, pelo que o GPL nunca deve fundamentar a sua acção neles. É o que se passa com a prostituição que no nosso ordenamento jurídico não constitui actividade ilícita. Não existem normas que a proíbam. Outrossim, não houveram provas concretas para as alegadas actividades ilícitas para além de que nunca houve uma notificação sequer dirigida aos feirantes a propósito – sobretudo pela polícia que teve um posto móvel aí montado por longos meses. Quanto a ilegalidade das actividades dos feirantes, onde esteve o GPL ao longo destes anos todos em que os feirantes aí desenvolviam as actividades comerciais?
CONCLUSÃO
Tendo violado a Lei representada pelo Princípio da Legalidade o GPL oferece aos feirantes a possibilidade de impugnação dos seus actos com fundamento no art.º 43º da Lei Constitucional nos termos do qual “Os cidadãos têm o direito de impugnar e de recorrer aos tribunais, contra todos os actos que violem os seus direitos estabelecidos na presente Lei Constitucional e demais legislação”. A Lei fala em impugnação – como mecanismo de abordar o órgão que praticou a acção através da reclamação e do recurso hierárquico – e em recorrer aos tribunais sobre os actos praticados pelos órgãos administrativos. Fala portanto em recurso gracioso e recurso contencioso para questões administrativas e fala em interpelação extracontratual e recurso judicial cível em matéria de Responsabilidade Civil para efeitos de reparação dos danos morais e patrimoniais provocados pelo GPL aos feirantes.
Para o recurso gracioso em matéria administrativa – impugnação da ilicitude do acto administrativo (da decisão tomada em si) –, os feirantes têm de requerer (em petição colectiva se necessário) ao GPL que repare sponte sua (voluntariamente) os danos causados com a demolição da Feira Ngoma. No prazo de 8 dias o GPL deve pronunciar-se (art.º 41º - NPAA), salvo excepções legais sugeridas pelo caso em apreciação. A partir daí há lugar a uma relação de contactos correndo como recurso gracioso que ganha limite máximo com recurso hierárquico quando necessário. Finalmente, se o GPL manter a posição de irreverência ante a ofensa do princípio da Legalidade restará aos feirantes o recurso contencioso de anulação do acto praticado pelo GPL junto do tribunal competente para que uma vez anulado o acto praticado pelo GPL este venha a repor a situação que haveria se não houvesse a demolição, praticando os actos devidos.
Outra via, das mais objectivas e seguras, é a do recurso judicial cível, aquela que obriga o Estado a reparar directa e imediatamente os danos que causa, através dos seus órgãos, agentes ou representantes, aos particulares (art.º 501º - Código Civil), contando que actividade danosa esteja no âmbito da gestão privada do GPL. Com esta acção os feirantes interpõem uma acção junto do tribunal contra o GPL para que este uma vez condenado repare os danos morais e patrimoniais que causou aos feirantes. Nada impede que o processo cível seja concomitante ao contencioso administrativo, sendo de aconselhar que enquanto corre o procedimento administrativo gracioso (negociação com o GPL) os feirantes podem desenvolver as demarches para a constituição de advogado para que seja proposto um processo cível em matéria de responsabilidade civil, para que num prazo não longo sejam reparados os danos e os feirantes retomem as suas actividades com capacidade financeira, se possível acrescida pela reparação dos danos morais e patrimoniais (incluindo nestes o dano emergente e o lucro cessante). Quod Erat Demonstrandum.
Albano Pedro*
A SITUAÇÃO
Em Luanda, para quem segue a avenida dos combatentes em direcção ao prédio sujo do Marçal pode ver que foi demolida a Feira Ngoma e com ela casa de Kim Zé e dezenas de outros estabelecimentos comerciais. Para quem não conheceu a Feira Ngoma por dentro, a casa de Kim Zé era sem dúvidas o melhor restaurante do local. Um espaço requintado cujo serviço conduzido pelo próprio Kim Zé transparecia competência e capacidade organizativa em hotelaria. De resto a sua inquestionável experiência em restauração conferiram-lhe a autoridade de lidar com a cozinha e todos os serviços conexos. Era a casa – para mim – que servia o melhor Peito Alto da cidade de Luanda. Sendo frequentador assíduo do espaço, vi naquele local ao longo de mais de dois anos gente importante entre políticos, generais, comissários de polícia, deputados, escritores, músicos, empresários, Intelectuais entre pequenas e grandes individualidades a frequentar o local. Tal era a qualidade da clientela em função dos serviços marcados sobretudo pela culinária angolana. O que é marcante é que nos últimos seis meses Kim Zé fizera avultados investimentos no local. Reformou o espaço e conferiu-lhe um ar de luxo – desenvolvendo um serviço diário de self-service (buffet permanente) com variedade de bebidas – onde não faltava um vinho tinto francês que só via no seu estabelecimento e que eu muito gostava de tomar quando lá fosse comer o meu bom peito alto com funji. Caiu a Feira Ngoma e com ela nasceram as grandes preocupações de Kim Zé e de dezenas de outros pequenos empresários. Como pagar o crédito cedido para a reforma do espaço? Onde me instalar para continuar a única actividade que desempenho com competência? Como resolver o problema dos trabalhadores que deixam de trabalhar sem culpa?
Até quinta-feira passada (altura em que foi anunciada a sua demolição pela imprensa – Jornal de Angola) Kim Zé era um proprietário normal como nos outros dias – ciente de que haveria lugar a demolição mediante negociação com o “titular” da feira Ngoma que de todos os feirantes cobrava preços regulares pelo arrendamento de espaços no local. Aguardava assim pela competente solução da situação que se arrastava há meses. Eu sabia pelo Kim Zé que um grupo de empresários anónimos compraria o local para edificar torres para escritórios e residências e que a negociação estava a ser levada a cabo com os representantes da organização que explorava a Feira Ngoma e que eles – os comerciantes – aguardavam pela solução que seria dada a todos os proprietários dos estabelecimentos instalados no local. Havia mesmo uma proposta interessante: os novos proprietários cederiam espaços para que os actuais feirantes, querendo, continuassem as suas actividades, estando contemplado no projecto imobiliário um centro comercial para o efeito. Nesta quinta-feira, após o meu habitual peito alto com funji e o bom vinho francês saí tarde do local tendo inclusive conversado longamente com Kim Zé – não sabendo que era pela última vez que o fazia na qualidade de cliente assíduo da casa. Espantou-me saber que a demolição operou-se na segunda-feira sem qualquer negociação ou contacto com os feirantes e que os argumentos aduzidos foram de que o local era usado para a prática de prostituição entre vários actos imorais e ilícitos, para além de que os feirantes estavam em condições ilegais.
JUIZO DE LEGALIDADE
Tudo indica que o Governo da Província de Luanda (GPL) sensibilizou a população circundante a Feira Ngoma com argumentos de que o local era explorado para a prática de actos imorais e ilícitos para levar a cabo a operação de demolição sem as contrariedades que teve quando protagonizou o mesmo acto em relação aos moradores da Ilha de Luanda aquando da situação das calemas alegando o perigo deste fenómeno tão natural quanto cultural entre os ilhéus. A maioria dos moradores da Avenida dos Combatentes e das pessoas pela Angola fora, caiu que nem patinho, nesse conto de fada apoiando prontamente a acção do governo que foi executado ante a surpresa dos feirantes.
Mesmo que os feirantes se encontrem em situação de ilegalidade e que no local sejam desenvolvidas actividades ilícitas e imorais a demolição operada pelo GPL é completamente ilegal pelo seguinte:
1. Não tendo havido qualquer negociação ou contacto com os feirantes a acção do GPL justificar-se-ia na base do Privilégio de Execução Prévia – instrumento legal que permite que em situação de emergência ou qualquer outra devidamente justificada a Administração Pública desenvolva acções sem a colaboração directa dos particulares visados, sacrificando os seus direitos e interesses;
2. O GPL estaria no uso deste instrumento legal de emergência se observasse os princípios cardeais do procedimento dos órgãos da administração pública constantes do Decreto-Lei 16-A/95 – Normas de Procedimento e da Actividade Administrativa – NPAA dos quais destacamos o Principio da Legalidade (art.º 3º), o princípio da Prossecução do Interesse Público (art.º 4º) o princípio da Proporcionalidade (art.º 5º), princípio da Colaboração da Administração com os Particulares (art.º7º) entre outros que devem ser cumulativos dentro da acção da administração pública em que se inscrevem os actos de gestão pública do GPL;
3. Ao não notificar os feirantes – fazendo mediante um anúncio genérico pela imprensa – o GPL violou – como acontece quase sempre – o princípio da colaboração da administração com os particulares nos termos do qual “ No desempenho das suas funções os órgãos da Administração Pública, devem actuar em estreita colaboração com os particulares, cabendo-lhes nomeadamente: a) prestar informações e esclarecimentos; b) receber sugestões e informações” (art.º7º - NPAA). Viria do cumprimento deste princípio a necessidade de o GPL reunir com os feirantes e acertar com eles as melhores soluções pós-demolição;
4. Mesmo que não existam direitos subjectivos (títulos de propriedade imobiliária, contratos de arrendamento, licenças comerciais, etc.) existem contudo interesses legalmente protegidos. Estes interesses vem em geral na Lei Constitucional nos termos da qual “ O Estado deve criar as condições políticas, económicas e culturais necessárias para que os cidadãos possam gozar efectivamente dos seus direitos e cumprir integralmente os seus deveres” (art.º 50º) entre outros interesses legalmente protegidos;
5. Por violação de interesses legalmente protegidos o GPL viola sobretudo o princípio da proporcionalidade nos termos do qual “As decisões dos órgãos da Administração Pública que entrem em choque com os direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos não podem afectar essas posições em termos desproporcionais aos objectivos a atingir” (art.º5º - NPAA), pois ao sacrificar interesses sem a correspondente compensação o GPL teve uma actuação desproporcional ofendendo gravemente um outro princípio: o da prossecução do interesse público que determina que “ Aos órgãos administrativos cabe prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses dos cidadãos.” (art.º 4º - NPAA);
6. Acresce-se que os actos imorais não têm relevância jurídica, estando ao critério subjectivo das comunidades, pelo que o GPL nunca deve fundamentar a sua acção neles. É o que se passa com a prostituição que no nosso ordenamento jurídico não constitui actividade ilícita. Não existem normas que a proíbam. Outrossim, não houveram provas concretas para as alegadas actividades ilícitas para além de que nunca houve uma notificação sequer dirigida aos feirantes a propósito – sobretudo pela polícia que teve um posto móvel aí montado por longos meses. Quanto a ilegalidade das actividades dos feirantes, onde esteve o GPL ao longo destes anos todos em que os feirantes aí desenvolviam as actividades comerciais?
CONCLUSÃO
Tendo violado a Lei representada pelo Princípio da Legalidade o GPL oferece aos feirantes a possibilidade de impugnação dos seus actos com fundamento no art.º 43º da Lei Constitucional nos termos do qual “Os cidadãos têm o direito de impugnar e de recorrer aos tribunais, contra todos os actos que violem os seus direitos estabelecidos na presente Lei Constitucional e demais legislação”. A Lei fala em impugnação – como mecanismo de abordar o órgão que praticou a acção através da reclamação e do recurso hierárquico – e em recorrer aos tribunais sobre os actos praticados pelos órgãos administrativos. Fala portanto em recurso gracioso e recurso contencioso para questões administrativas e fala em interpelação extracontratual e recurso judicial cível em matéria de Responsabilidade Civil para efeitos de reparação dos danos morais e patrimoniais provocados pelo GPL aos feirantes.
Para o recurso gracioso em matéria administrativa – impugnação da ilicitude do acto administrativo (da decisão tomada em si) –, os feirantes têm de requerer (em petição colectiva se necessário) ao GPL que repare sponte sua (voluntariamente) os danos causados com a demolição da Feira Ngoma. No prazo de 8 dias o GPL deve pronunciar-se (art.º 41º - NPAA), salvo excepções legais sugeridas pelo caso em apreciação. A partir daí há lugar a uma relação de contactos correndo como recurso gracioso que ganha limite máximo com recurso hierárquico quando necessário. Finalmente, se o GPL manter a posição de irreverência ante a ofensa do princípio da Legalidade restará aos feirantes o recurso contencioso de anulação do acto praticado pelo GPL junto do tribunal competente para que uma vez anulado o acto praticado pelo GPL este venha a repor a situação que haveria se não houvesse a demolição, praticando os actos devidos.
Outra via, das mais objectivas e seguras, é a do recurso judicial cível, aquela que obriga o Estado a reparar directa e imediatamente os danos que causa, através dos seus órgãos, agentes ou representantes, aos particulares (art.º 501º - Código Civil), contando que actividade danosa esteja no âmbito da gestão privada do GPL. Com esta acção os feirantes interpõem uma acção junto do tribunal contra o GPL para que este uma vez condenado repare os danos morais e patrimoniais que causou aos feirantes. Nada impede que o processo cível seja concomitante ao contencioso administrativo, sendo de aconselhar que enquanto corre o procedimento administrativo gracioso (negociação com o GPL) os feirantes podem desenvolver as demarches para a constituição de advogado para que seja proposto um processo cível em matéria de responsabilidade civil, para que num prazo não longo sejam reparados os danos e os feirantes retomem as suas actividades com capacidade financeira, se possível acrescida pela reparação dos danos morais e patrimoniais (incluindo nestes o dano emergente e o lucro cessante). Quod Erat Demonstrandum.
sexta-feira, 19 de junho de 2009
EDUARDISMO OU SANTOISMO?
A apologia de um debate descontextualizado em João Pinto
Albano Pedro
Ao lermos o texto-tréplica de João Pinto (publicado na edição n.º 320 do semanário angolense sob o título: Eduardismo não é Savimbismo) ganhamos a estranha sensação de que termos comentado o seu primeiro texto representou um exercício igual ao de perseguir um louco – como ele próprio sugere logo no início –, pois para além de uma vísivel desorientação argumentativa o texto engessa-se com ideias e conceitos que o desidentificam do seu texto anterior, o que nos remete a um embaraçoso exercício de interpretação substantiva das intenções do seu autor. Já nos perdemos na percepção sobre a temática da concentração de poderes soberanos. Não sabemos já se a lição do ilustre professor de ciências políticas tinha como sumário o eduardismo ou o santoismo. Pois a tréplica contra os “escritores do jambismo, opositores civis e políticos decadentes” trouxe-nos esta confusão temática para além de visíveis contra-sensos que, por razoabilidade intelectual, urge esclarecer. Eles perdem-se entre a infundada confusão de no texto anterior teorizar sobre o santoismo e no texto seguinte sobre o eduardismo subscrevendo (in) conscientemente a visão propalada pelo semanário angolense.
Ao que nos parece o conceito de Eduardismo foi uma tentativa do semanário angolense de introduzir um oportuno debate a propósito da concentração do exercício de poderes soberanos e não soberanos em Angola que, em países de razoabilidade democrática, não passaria de mais um exercício de cidadania igual a tantos outros próximos a reclamação sobre os mais elementares direitos humanos ou simples violação de interesses juridicamente relevantes decorrente da governação e que serviria para a elevação da visão política dos cidadãos sobre o exercício de poderes políticos necessária a uma educação eleitoral que se impõe para um povo que não se deseja fraudado nas suas mais elementares expectativas. Espanta-nos pois, que um tema tão pacífico como este faça sensação de desgraça nacional para determinados sectores políticos da sociedade angolana como se este fosse o objectivo dos jornalistas e escritores daquele reputado semanário informativo, o que não é de admitir dentro da lógica do razoável.
O que é que se pretende com o jambismo? Dividir o povo entre eduardistas e savimbistas? Parece-nos uma descabida tentativa – já completamente infeliz e de defesa ineficaz – de ressuscitar o fantasma do divisionismo animado pela guerra do passado entre os angolanos. Aqui João Pinto não se lembrou sequer que enquanto se encontrava em Portugal – para onde provavelmente se refugiou da guerra – muitos angolanos tiveram de suportar as intempéries e vicissitudes daqueles momentos de tal maneira que a paz representa um passo necessário para o nascimento de uma consciência nacional. Se tivesse vivido em Angola naqueles momentos – ou estando no estrangeiro sentisse tais momentos na distância – teria sabido certamente a importância de não fazer ressuscitar fantasmas do género. Por isso, tenha-se a clara percepção de que a mais ninguém interessa debates do género, nem mesmo a sectores bajuladores com que se componha em compadrio quando se defende ideais funestos em análise.
Em tudo nos parece que o ilustre professor de ciências políticas estaria então a defender a existência de um savimbismo animado pelos jornalistas do semanário angolense e seus colaboradores. Este savimbismo enquadrar-se-ia em todas as iniciativas que critiquem o status quo e procuram avançar ideias inovadoras e renovadoras para a governação e governabilidade do Estado. Entende-se mesmo, que os mais sensatos exercícios de análise intelectual, mesmo ensaiados por intelectuais de respeito como Manuel Rui Monteiro, Adriano Botelho de Vasconcelos, João Melo entre outros poderiam ser perfeitamente enquadrados num suposto savimbismo. Assim o savimbismo estaria mesmo dentro do MPLA onde membros e simpatizantes sérios procuram uma abordagem política cada vez mais responsável como fazia o mais velho Mendes de Carvalho e como faz hoje Marcolino Moco. Finalmente o savimbismo arrastaria consigo toda a oposição civil, a sociedade civil e todos os angolanos não satisfeitos com os destinos que têm sido dados ao erário público e aos interesses do Estado colocando os eduardistas num espaço mais restrito que é o poder soberano. Então o futunguismo e eduardismo coincidiriam rotulando tudo o resto em savimbistas. Ora, francamente!
Infelizmente as posições apresentadas pretendem atrasar o debate político aberto remetendo os angolanos a um clima de receio em falar sobre o “chefe” e sobretudo infundir um certo TERRORISMO INTELECTUAL que desencoraje as opiniões mais sérias do mercado político e intelectual, o que se revela retrógrado nos dias de hoje em que o povo angolano se une cada vez a mais a volta de um processo irreversível de consolidação das instituições políticas, democrática e legais de Angola e se propõe para uma governação de todos por todos e para todos. De qualquer forma já é de elogiar o facto do texto não ter sido escrito na veste de professor universitário.
Albano Pedro
Ao lermos o texto-tréplica de João Pinto (publicado na edição n.º 320 do semanário angolense sob o título: Eduardismo não é Savimbismo) ganhamos a estranha sensação de que termos comentado o seu primeiro texto representou um exercício igual ao de perseguir um louco – como ele próprio sugere logo no início –, pois para além de uma vísivel desorientação argumentativa o texto engessa-se com ideias e conceitos que o desidentificam do seu texto anterior, o que nos remete a um embaraçoso exercício de interpretação substantiva das intenções do seu autor. Já nos perdemos na percepção sobre a temática da concentração de poderes soberanos. Não sabemos já se a lição do ilustre professor de ciências políticas tinha como sumário o eduardismo ou o santoismo. Pois a tréplica contra os “escritores do jambismo, opositores civis e políticos decadentes” trouxe-nos esta confusão temática para além de visíveis contra-sensos que, por razoabilidade intelectual, urge esclarecer. Eles perdem-se entre a infundada confusão de no texto anterior teorizar sobre o santoismo e no texto seguinte sobre o eduardismo subscrevendo (in) conscientemente a visão propalada pelo semanário angolense.
Ao que nos parece o conceito de Eduardismo foi uma tentativa do semanário angolense de introduzir um oportuno debate a propósito da concentração do exercício de poderes soberanos e não soberanos em Angola que, em países de razoabilidade democrática, não passaria de mais um exercício de cidadania igual a tantos outros próximos a reclamação sobre os mais elementares direitos humanos ou simples violação de interesses juridicamente relevantes decorrente da governação e que serviria para a elevação da visão política dos cidadãos sobre o exercício de poderes políticos necessária a uma educação eleitoral que se impõe para um povo que não se deseja fraudado nas suas mais elementares expectativas. Espanta-nos pois, que um tema tão pacífico como este faça sensação de desgraça nacional para determinados sectores políticos da sociedade angolana como se este fosse o objectivo dos jornalistas e escritores daquele reputado semanário informativo, o que não é de admitir dentro da lógica do razoável.
O que é que se pretende com o jambismo? Dividir o povo entre eduardistas e savimbistas? Parece-nos uma descabida tentativa – já completamente infeliz e de defesa ineficaz – de ressuscitar o fantasma do divisionismo animado pela guerra do passado entre os angolanos. Aqui João Pinto não se lembrou sequer que enquanto se encontrava em Portugal – para onde provavelmente se refugiou da guerra – muitos angolanos tiveram de suportar as intempéries e vicissitudes daqueles momentos de tal maneira que a paz representa um passo necessário para o nascimento de uma consciência nacional. Se tivesse vivido em Angola naqueles momentos – ou estando no estrangeiro sentisse tais momentos na distância – teria sabido certamente a importância de não fazer ressuscitar fantasmas do género. Por isso, tenha-se a clara percepção de que a mais ninguém interessa debates do género, nem mesmo a sectores bajuladores com que se componha em compadrio quando se defende ideais funestos em análise.
Em tudo nos parece que o ilustre professor de ciências políticas estaria então a defender a existência de um savimbismo animado pelos jornalistas do semanário angolense e seus colaboradores. Este savimbismo enquadrar-se-ia em todas as iniciativas que critiquem o status quo e procuram avançar ideias inovadoras e renovadoras para a governação e governabilidade do Estado. Entende-se mesmo, que os mais sensatos exercícios de análise intelectual, mesmo ensaiados por intelectuais de respeito como Manuel Rui Monteiro, Adriano Botelho de Vasconcelos, João Melo entre outros poderiam ser perfeitamente enquadrados num suposto savimbismo. Assim o savimbismo estaria mesmo dentro do MPLA onde membros e simpatizantes sérios procuram uma abordagem política cada vez mais responsável como fazia o mais velho Mendes de Carvalho e como faz hoje Marcolino Moco. Finalmente o savimbismo arrastaria consigo toda a oposição civil, a sociedade civil e todos os angolanos não satisfeitos com os destinos que têm sido dados ao erário público e aos interesses do Estado colocando os eduardistas num espaço mais restrito que é o poder soberano. Então o futunguismo e eduardismo coincidiriam rotulando tudo o resto em savimbistas. Ora, francamente!
Infelizmente as posições apresentadas pretendem atrasar o debate político aberto remetendo os angolanos a um clima de receio em falar sobre o “chefe” e sobretudo infundir um certo TERRORISMO INTELECTUAL que desencoraje as opiniões mais sérias do mercado político e intelectual, o que se revela retrógrado nos dias de hoje em que o povo angolano se une cada vez a mais a volta de um processo irreversível de consolidação das instituições políticas, democrática e legais de Angola e se propõe para uma governação de todos por todos e para todos. De qualquer forma já é de elogiar o facto do texto não ter sido escrito na veste de professor universitário.
quarta-feira, 10 de junho de 2009
O ENSINO DO DIREITO EM ANGOLA
DO ENSINO FUNDAMENTAL AO ENSINO APLICADO: PROBLEMAS E SOLUÇÕES
Albano Pedro*
PROBLEMAS
São cada vez mais visíveis os problemas levantados ao nível do ensino do Direito quer a partir da qualidade de docentes quer a partir dos conteúdos curriculares. Os resultados são por si só eloquentes: Professores com conhecimentos mecanizados (limitados aos magros fascículos que utilizam como base bibliográfica) e com níveis de exigências abusivas (reprovando discentes de forma aleatória), sendo que aqueles que satisfazem as exigências desses mesmos docentes, nem por isso podem decantar manifestos proveitos das lições “mecanizadas” na vida pós-acadêmica ou profissional. Não estranha por isso, que dentre milhares de juristas formados poucos são os que de modo competente e eloquente se impõem no mercado do trabalho. Razão pela qual juristas estrangeiros ganham cada vez mais espaços nos grandes interesses económicos e profissionais em Angola. É de salientar que a falta de definição da carreira de investigadores no sistema de docência universitária e fraco incentivo ao sistema de investigação científica em toda a universidade pública são outras das grandes causas da falta de “brilho” académico e profissional dos estudantes universitários em geral e dos juristas em especial para além de retirar o cariz participativo da universidade na solução dos principais problemas da sociedade pela apresentação de projectos e propostas concretas.
Soma-se que a indefinição da tipologia de ensino nas universidades angolanas levam ao fraco aproveitamento profissional dos formandos. Por exemplo, o curso de Direito da Universidade Agostinho Neto (como única universidade pública) não se define como sendo nem fundamental (no sentido em que procura iniciar os juristas em estudos gerais e aprofundados do Direito) nem aplicado (no sentido em que tem utilidade imediata na vida profissional). Embora, no plano curricular, se apresente mais caracterizado ao ensino do primeiro tipo. De todo o modo, o resultado é que para a maioria dos juristas aí formados falta a capacidade de raciocínio jurídico, visto o exercício técnico-jurídico restringir-se tão só a interpretação de Leis, tornando-os não juristas mas técnicos de Leis. Quando o Direito como realidade cosmológica de dimensão material e formal plurifacética e abrangente compreende a própria Lei, o Costume, a Jurisprudência e a Doutrina como elementos fundamentais que participam da reflexão permanente do jurista. Isto explica, grosso modo, a incapacidade para o pensamento abstracto na análise do sistema jurídico angolano quando se pensa na sua reforma. Por exemplo, se a Metodologia aplicável ao Direito angolano deve ser de cariz romano – germânico (actual) ou de base costumeira angolana é uma questão de fundo que desaparece no horizonte racional da maioria dos técnicos de Direito implicados na reforma do sistema jurídico angolano por mera falta de educação técnica orientada neste sentido. Como podem os juristas não iniciados na técnica de investigação apresentar temas de dissertação ou textos com viabilidade técnica? Como se espera de um jurista que não exercita a oralidade nos temas jurídicos um desempenho aceitável como profissional do foro? Como ter uma redacção irrepreensível sem a prática na elaboração de temas de dissertação nas diferentes disciplinas curriculares? Pensa-se que é por preguiça ou mero acaso que a maioria esmagadora de juristas angolano não se tornou em escribas públicos participando na educação jurídica da sociedade através de escritos na imprensa? Para todos estes problemas vem a justificativa da classe docente de que a má preparação dos discentes ao nível do ensino básico e médio é responsável pelo insucesso profissional dos formandos, razão pela qual julga necessário uma solução tão aberrante como o ensino da Língua Portuguesa num curso superior de Direito.
SOLUÇÕES COM O ENSINO FUNDAMENTAL
Se por um lado, é feliz a iniciativa do Ministério da Educação em inserir na formação de nível médio o curso de Direito – não formará juristas certamente, mas formará técnicos médios de Direito que servirão para melhorar a qualidade de serviços de nível básico e médio dos diferentes serviços vocacionais como cartórios notariais, conservatórias, secretarias e serviços de diligências dos tribunais entre outros tantos serviços –, por outro lado, é necessário que o ensino fundamental do Direito surja na universidade pública para dividir as águas entre o ensino do Direito sustentado pelo Estado e o ensino do Direito da iniciativa privada por si só propensa a concorrência do mercado e como tal naturalmente orientado ao Direito aplicado. Se advogados, procuradores, juízes, escrivães, notários e consultores de grande imposição profissional no mercado podem sair das diferentes universidades privadas, do curso de Direito fundamental ministrado pela universidade pública surgem os docentes e investigadores mais destacados. Desta linha de juristas nascerão os verdadeiros reformadores do sistema jurídico angolano, aos quais, com a profundidade dos estudos poderão achar as soluções para as inúmeras tensões sociológicas e hermenêuticas que o Direito angolano transporta consigo. Aqui o Estado estaria a racionalizar o ensino Direito dirigindo-o a uma categoria de profissionais ao serviço de interesses públicos e naturalmente orientados à reforma jurídica tão necessária para um exercício técnico sustentado da Assembleia Nacional ou do Governo em matéria de análise e elaboração de leis e regulamentos.
O projecto de introdução da disciplina de Língua Portuguesa nos cursos de Direito pode ser substituído com muito êxito pela introdução de disciplinas como Comunicação e Expressão (para treinar a escrita técnica e a oratória). Está disciplina será complementada por novos hábitos ao nível dos docentes: o de exigir dissertações sobre temas diversos durante a formação do estudante nas diferentes disciplinas do curso. A própria universidade deve premiar o trabalho de investigação e promover feiras de apresentação correspondentes, entre milhares de outras iniciativas relacionadas. Afinal a falta de exercício dos conhecimentos obtidos no ensino médio e durante o ensino superior é a verdadeira causa dos insucessos reclamados. Para um raciocínio jurídico apurado – recheado de abstracções e capacidade de coordenação lógica – disciplinas como Metodologia do Direito, Lógica do Direito, Filosofia do Direito (não uma tentativa da História da Filosofia do Direito que é actualmente ministrada da universidade pública), História do Direito Angolano (compreendendo as principais instituições do direito costumeiro no período pré-colonial) entre poucas outras, podem ser introduzidas para reforçar o plano curricular, se a meta for o ensino fundamental. Assim, uma nova especialidade em licenciatura pode ser inaugurada: Ciências Jurídico – Filosóficas, para orientar futuros especialistas, mestres e doutores em História, Filosofia, Antropologia ou Sociologia do Direito. Especialidades estas que marcarão o nascimento de grandes investigadores em ciências jurídicas, dando origem a uma verdadeira visão de reforma do Direito angolano com a imposição gradual de uma escola de direito angolana. Senão que tipo de juristas pensa o Estado angolano formar com os dinheiros de cada um de nós senão aqueles que venham a servir os nossos interesses como um todo reflectidos em todo o sistema jurídico?
SOLUÇÕES COM O ENSINO APLICADO
Longe da inútil e pouco saudável concorrência com a universidade pública as universidades privadas podem orientar as suas “baterias” para o sector empresarial e institucional concreto, divisando especialidades em matérias de consumo imediato para o mercado técnicoprofissional ou laboral. Juristas poderão ser utilmente lançados ao mercado para compreender e concretizar uma miríade de actos e contratos que transtornam o dia-a-dia das pequenas, médias e grandes corporações empresariais, governamentais e não-governamentais interpretando declarações negociais, cláusulas contratuais, bases negociais e causas e soluções dos conflitos contratuais e extra-contratuais conferindo autoridade técnica a consultores e auditores, advogados, magistrados, escrivães, notários, conservadores, etc., em vários domínios do conhecimento jurídico específico. É para aqui que se orienta a necessidade actual dos interessados no sector técnico-jurídico.
Destarte, aos “juristas do Estado” – formados pela universidade pública – voltados ao “Olimpo” do conhecimento geral e profundo do Direito serão dados as maiores tarefas que implicam a análise e solução em abstracto dos vários ramos do Direito angolano quando relacionados com miríade de questões levantadas pela sociedade em todas as suas variantes culturais, económicas, sociais, políticas, etc., enquanto que os juristas formados no sistema privado podem utilmente desenvolver o faro técnico-legal especializando suas competências para a solução de casos concretos que implicam as necessidades de particulares de uma forma geral.
* www.jukulomesso.blogspot.com
Albano Pedro*
PROBLEMAS
São cada vez mais visíveis os problemas levantados ao nível do ensino do Direito quer a partir da qualidade de docentes quer a partir dos conteúdos curriculares. Os resultados são por si só eloquentes: Professores com conhecimentos mecanizados (limitados aos magros fascículos que utilizam como base bibliográfica) e com níveis de exigências abusivas (reprovando discentes de forma aleatória), sendo que aqueles que satisfazem as exigências desses mesmos docentes, nem por isso podem decantar manifestos proveitos das lições “mecanizadas” na vida pós-acadêmica ou profissional. Não estranha por isso, que dentre milhares de juristas formados poucos são os que de modo competente e eloquente se impõem no mercado do trabalho. Razão pela qual juristas estrangeiros ganham cada vez mais espaços nos grandes interesses económicos e profissionais em Angola. É de salientar que a falta de definição da carreira de investigadores no sistema de docência universitária e fraco incentivo ao sistema de investigação científica em toda a universidade pública são outras das grandes causas da falta de “brilho” académico e profissional dos estudantes universitários em geral e dos juristas em especial para além de retirar o cariz participativo da universidade na solução dos principais problemas da sociedade pela apresentação de projectos e propostas concretas.
Soma-se que a indefinição da tipologia de ensino nas universidades angolanas levam ao fraco aproveitamento profissional dos formandos. Por exemplo, o curso de Direito da Universidade Agostinho Neto (como única universidade pública) não se define como sendo nem fundamental (no sentido em que procura iniciar os juristas em estudos gerais e aprofundados do Direito) nem aplicado (no sentido em que tem utilidade imediata na vida profissional). Embora, no plano curricular, se apresente mais caracterizado ao ensino do primeiro tipo. De todo o modo, o resultado é que para a maioria dos juristas aí formados falta a capacidade de raciocínio jurídico, visto o exercício técnico-jurídico restringir-se tão só a interpretação de Leis, tornando-os não juristas mas técnicos de Leis. Quando o Direito como realidade cosmológica de dimensão material e formal plurifacética e abrangente compreende a própria Lei, o Costume, a Jurisprudência e a Doutrina como elementos fundamentais que participam da reflexão permanente do jurista. Isto explica, grosso modo, a incapacidade para o pensamento abstracto na análise do sistema jurídico angolano quando se pensa na sua reforma. Por exemplo, se a Metodologia aplicável ao Direito angolano deve ser de cariz romano – germânico (actual) ou de base costumeira angolana é uma questão de fundo que desaparece no horizonte racional da maioria dos técnicos de Direito implicados na reforma do sistema jurídico angolano por mera falta de educação técnica orientada neste sentido. Como podem os juristas não iniciados na técnica de investigação apresentar temas de dissertação ou textos com viabilidade técnica? Como se espera de um jurista que não exercita a oralidade nos temas jurídicos um desempenho aceitável como profissional do foro? Como ter uma redacção irrepreensível sem a prática na elaboração de temas de dissertação nas diferentes disciplinas curriculares? Pensa-se que é por preguiça ou mero acaso que a maioria esmagadora de juristas angolano não se tornou em escribas públicos participando na educação jurídica da sociedade através de escritos na imprensa? Para todos estes problemas vem a justificativa da classe docente de que a má preparação dos discentes ao nível do ensino básico e médio é responsável pelo insucesso profissional dos formandos, razão pela qual julga necessário uma solução tão aberrante como o ensino da Língua Portuguesa num curso superior de Direito.
SOLUÇÕES COM O ENSINO FUNDAMENTAL
Se por um lado, é feliz a iniciativa do Ministério da Educação em inserir na formação de nível médio o curso de Direito – não formará juristas certamente, mas formará técnicos médios de Direito que servirão para melhorar a qualidade de serviços de nível básico e médio dos diferentes serviços vocacionais como cartórios notariais, conservatórias, secretarias e serviços de diligências dos tribunais entre outros tantos serviços –, por outro lado, é necessário que o ensino fundamental do Direito surja na universidade pública para dividir as águas entre o ensino do Direito sustentado pelo Estado e o ensino do Direito da iniciativa privada por si só propensa a concorrência do mercado e como tal naturalmente orientado ao Direito aplicado. Se advogados, procuradores, juízes, escrivães, notários e consultores de grande imposição profissional no mercado podem sair das diferentes universidades privadas, do curso de Direito fundamental ministrado pela universidade pública surgem os docentes e investigadores mais destacados. Desta linha de juristas nascerão os verdadeiros reformadores do sistema jurídico angolano, aos quais, com a profundidade dos estudos poderão achar as soluções para as inúmeras tensões sociológicas e hermenêuticas que o Direito angolano transporta consigo. Aqui o Estado estaria a racionalizar o ensino Direito dirigindo-o a uma categoria de profissionais ao serviço de interesses públicos e naturalmente orientados à reforma jurídica tão necessária para um exercício técnico sustentado da Assembleia Nacional ou do Governo em matéria de análise e elaboração de leis e regulamentos.
O projecto de introdução da disciplina de Língua Portuguesa nos cursos de Direito pode ser substituído com muito êxito pela introdução de disciplinas como Comunicação e Expressão (para treinar a escrita técnica e a oratória). Está disciplina será complementada por novos hábitos ao nível dos docentes: o de exigir dissertações sobre temas diversos durante a formação do estudante nas diferentes disciplinas do curso. A própria universidade deve premiar o trabalho de investigação e promover feiras de apresentação correspondentes, entre milhares de outras iniciativas relacionadas. Afinal a falta de exercício dos conhecimentos obtidos no ensino médio e durante o ensino superior é a verdadeira causa dos insucessos reclamados. Para um raciocínio jurídico apurado – recheado de abstracções e capacidade de coordenação lógica – disciplinas como Metodologia do Direito, Lógica do Direito, Filosofia do Direito (não uma tentativa da História da Filosofia do Direito que é actualmente ministrada da universidade pública), História do Direito Angolano (compreendendo as principais instituições do direito costumeiro no período pré-colonial) entre poucas outras, podem ser introduzidas para reforçar o plano curricular, se a meta for o ensino fundamental. Assim, uma nova especialidade em licenciatura pode ser inaugurada: Ciências Jurídico – Filosóficas, para orientar futuros especialistas, mestres e doutores em História, Filosofia, Antropologia ou Sociologia do Direito. Especialidades estas que marcarão o nascimento de grandes investigadores em ciências jurídicas, dando origem a uma verdadeira visão de reforma do Direito angolano com a imposição gradual de uma escola de direito angolana. Senão que tipo de juristas pensa o Estado angolano formar com os dinheiros de cada um de nós senão aqueles que venham a servir os nossos interesses como um todo reflectidos em todo o sistema jurídico?
SOLUÇÕES COM O ENSINO APLICADO
Longe da inútil e pouco saudável concorrência com a universidade pública as universidades privadas podem orientar as suas “baterias” para o sector empresarial e institucional concreto, divisando especialidades em matérias de consumo imediato para o mercado técnicoprofissional ou laboral. Juristas poderão ser utilmente lançados ao mercado para compreender e concretizar uma miríade de actos e contratos que transtornam o dia-a-dia das pequenas, médias e grandes corporações empresariais, governamentais e não-governamentais interpretando declarações negociais, cláusulas contratuais, bases negociais e causas e soluções dos conflitos contratuais e extra-contratuais conferindo autoridade técnica a consultores e auditores, advogados, magistrados, escrivães, notários, conservadores, etc., em vários domínios do conhecimento jurídico específico. É para aqui que se orienta a necessidade actual dos interessados no sector técnico-jurídico.
Destarte, aos “juristas do Estado” – formados pela universidade pública – voltados ao “Olimpo” do conhecimento geral e profundo do Direito serão dados as maiores tarefas que implicam a análise e solução em abstracto dos vários ramos do Direito angolano quando relacionados com miríade de questões levantadas pela sociedade em todas as suas variantes culturais, económicas, sociais, políticas, etc., enquanto que os juristas formados no sistema privado podem utilmente desenvolver o faro técnico-legal especializando suas competências para a solução de casos concretos que implicam as necessidades de particulares de uma forma geral.
* www.jukulomesso.blogspot.com
quinta-feira, 4 de junho de 2009
O EDUARDISMO
COMENTANDO CELSO MALAVOLONEKE, JOÃO PINTO E FILOMENO VIEIRA LOPES
Albano Pedro*
Em seu artigo intitulado “O Último Desafio do Presidente da República” publicado no semanário angolense, Celso Malavoloneke apresentou a síntese da problemática em torno da visão centralista de poderes públicos soberanos em Angola esmiuçando os prós e os contras do consulado que tem sido exercido por José Eduardo dos Santos (JES) a que se entendeu denominar por Eduardismo, civicamente fundamentado pelo Filomeno Vieira Lopes, como político integrado na oposição civil e que foi emotivamente reprimido pelo deputado João Pinto no mesmo órgão de imprensa. Em face da polémica gerada, urge tornar assente que o Presidente da República como pessoa pode ser igualmente visto como instituição. E nesta última vertente, convém esclarecer, é património público, interessando os seus actos a todo e qualquer angolano independentemente do credo religioso, bandeira partidária ou percepção ideológica, vindo daqui o direito de qualquer angolano de abordá-lo quer por escrito quer por outros meios que não perturbem o seu livre exercício de liberdade constitucional e legalmente consagrado. Aliás, a falta de abordagem de um Presidente da República por parte de seus súbditos ou governados é em geral sintomático de um espírito de medo e receio que impera naqueles que não conseguem perceber que a sociedade resulta de um contrato em que todos os cidadãos são “sócios” com quotas de participação iguais cabendo os mesmos direitos e deveres administrados no topo por um poder soberano por todos, em igualdade de circunstâncias, legitimado. Vindo desta caracterização social do poder soberano o aforismo atribuível ao Presidente da República como sendo primus inter pars (primeiro entre os iguais). É este o espírito da constituição actual e da Lei Constitucional vigente e é assim a realidade em países em que os cidadãos manifestam capacidades cívicas desenvolvidas.
O “Deixem mazé Man Dú” – rematado por João Pinto – para além de ser uma frase imprópria para terminar um texto de análise científica elaborado na veste de professor universitário, é a demonstração de uma absurda legitimação do pensamento separatista impregnado por alguma corrente oportunista de cariz insano que pretende ver o Presidente da República como alguém ao serviço de uma minoria bem identificada que em contrapartida presta vassalagem permitindo concentrar todas as oportunidades geradas pelo país num núcleo restrito; é uma corrente que procura afastar o Presidente da República da rota de convergência interactiva e comunicativa com o povo angolano, inibindo-o de ver a sociedade angolana como um todo, ouvindo as mais oportunas reclamações e resolvendo os mais prementes problemas sociais e económicos do país. Esta intenção, não é nem sequer aceitável para um Presidente da República que pretende ver-se legitimado pelo povo no próximo pleito eleitoral nem pode ser vista sem desconfiança pelos membros mais sensatos do MPLA que pretendem ver em JES um Presidente cada vez mais conciliador e integrado nos interesses de um eleitorado cada vez mais exigente. E quando a concentração de poderes pelo Presidente da República é justificada por razões de segurança (se pessoal ou se do Estado) então é o momento de começarmos a reflectir se o Presidente da República deve estar ao serviço da nação ou de um grupo de cidadãos privilegiados? Afinal, como é que acontece que um cidadão, que por sinal é um simples deputado (não fazendo parte sequer do staff da Presidência da República tão pouco do Governo) tenha acesso a informações relacionadas com a segurança do Presidente da República que justifiquem a concentração de poderes? Não seria curial do próprio Presidente da República informar, senão a nação pelo menos ao Bureau Político do seu partido, os fundamentos da insegurança que o obriga a exercer de forma concentrada os poderes soberanos para ser compreendido pelos seus camaradas e pelo povo que dele tem confiança? É necessário mandatar alguém que nos prometa, a todos nós, povo angolano, que um dia serão reveladas tais razões, como se os problemas do Presidente da República não fossem importantes para os angolanos? Seria um verdadeiro insulto se não nos persuadisse a ideia de que pronunciamentos do género só podem ser feitos de forma desautorizada e no uso de uma perfeita irresponsabilidade política, já porque a sensatez de JES, na forma como gere as relações com os camaradas e as reacções do povo, é suficientemente eloquente para não nos permitir conclusões com absurdos do género.
Quanto a desavisada lição sobre o Santoísmo – revestida de louros e todos títulos que retiram a natureza falha ou pecaminosa de qualquer ser humano –, que não acredito que tenha soado com harmonia aos ouvidos de quem foi defendido, é inconveniente por duas razões: primeiro, porque a seriedade de um estadista é sensível na forma grata como recebe uma advertência séria – e acredito que os rasgos traçados quer pelo Celso Malavoloneke quer pelo Filomeno Vieira Lopes terão sido de grande valia para JES que, aliás, tem dado mostras de tolerância e espírito urbano pelo silêncio manifestado após sua publicação – daí que os melhores amigos na nossa vida sejam aqueles que têm a coragem de apontar-nos os erros que cometemos e não os que bajulam desavisadamente e segundo, porque, após a morte de Jonas Savimbi, o país tem caminhado de tal forma à concentração dos problemas em torno de uma única causa: JES, que é necessário que o mesmo tenha em seu redor um conjunto de fontes de informações que permitam uma atitude mais sensata perante os múltiplos problemas da nação que lhe são imputados pelos diversos sectores sociais, económicos e políticos. Esta atitude aliás visível no comportamento de JES tem permitido o surgimento de vários órgãos de comunicação social e o nascimento de uma corrente crítica ao exercício dos poderes soberanos na classe intelectual angolana sem represálias tangíveis. Deste modo, não seria falta de respeito e nem representaria qualquer atitude de desobediência se tivéssemos coragem de apontar caminhos para a solução de tais problemas através de críticas honestas e sérias. Ku tuika kabhulu ku wabesa kizomba, mukonda kabhulu kene mu nema (dito popular kimbundu que traduz a ideia de que um problema resolvido por duas cabeças a pensar torna fácil o raciocínio de cada um). E quem não recebe os conselhos mais honestos para facilitar as suas reflexões? A sabedoria ambundu vai mais longe dizendo: ó kidi kididi (a verdade é autoridade). Por isso, a cognominação do Eduardismo está mais perto de irritar a corja de bajuladores próxima ao poder do que ao próprio JES enquanto Presidente da República.
Se os pronunciamentos em torno do que se entende por Eduardismo feitos por Filomeno Vieira Lopes vem do “direito de vigilância” que qualquer político, e sobretudo intelectual, deve exercer sobre a sociedade, também é mister chamar atenção a leitura sobre o texto profundo e quase apocalíptico de Celso Malavoloneke em que apela a JES para uma visão mais ampla nas relações com os diversos sectores dos poderes públicos pela suavização da autoridade sobre elas exercidas. Pois, assumindo uma atitude do género JES progride para um exercício político do tipo messiânico (salvador do povo) preparando para o futuro uma reforma política sem perigos de vinganças sobre a sua prole a desencadear, provavelmente, por sectores político-partidários insatisfeitos e que de modo cobarde manifestam atitudes bajuladoras e graxistas, como de resto é manifestamente sensível pela falta de seriedade e coragem na abordagem dos grandes problemas da nação.
* www.jukulomesso.blogspot.com
Albano Pedro*
Em seu artigo intitulado “O Último Desafio do Presidente da República” publicado no semanário angolense, Celso Malavoloneke apresentou a síntese da problemática em torno da visão centralista de poderes públicos soberanos em Angola esmiuçando os prós e os contras do consulado que tem sido exercido por José Eduardo dos Santos (JES) a que se entendeu denominar por Eduardismo, civicamente fundamentado pelo Filomeno Vieira Lopes, como político integrado na oposição civil e que foi emotivamente reprimido pelo deputado João Pinto no mesmo órgão de imprensa. Em face da polémica gerada, urge tornar assente que o Presidente da República como pessoa pode ser igualmente visto como instituição. E nesta última vertente, convém esclarecer, é património público, interessando os seus actos a todo e qualquer angolano independentemente do credo religioso, bandeira partidária ou percepção ideológica, vindo daqui o direito de qualquer angolano de abordá-lo quer por escrito quer por outros meios que não perturbem o seu livre exercício de liberdade constitucional e legalmente consagrado. Aliás, a falta de abordagem de um Presidente da República por parte de seus súbditos ou governados é em geral sintomático de um espírito de medo e receio que impera naqueles que não conseguem perceber que a sociedade resulta de um contrato em que todos os cidadãos são “sócios” com quotas de participação iguais cabendo os mesmos direitos e deveres administrados no topo por um poder soberano por todos, em igualdade de circunstâncias, legitimado. Vindo desta caracterização social do poder soberano o aforismo atribuível ao Presidente da República como sendo primus inter pars (primeiro entre os iguais). É este o espírito da constituição actual e da Lei Constitucional vigente e é assim a realidade em países em que os cidadãos manifestam capacidades cívicas desenvolvidas.
O “Deixem mazé Man Dú” – rematado por João Pinto – para além de ser uma frase imprópria para terminar um texto de análise científica elaborado na veste de professor universitário, é a demonstração de uma absurda legitimação do pensamento separatista impregnado por alguma corrente oportunista de cariz insano que pretende ver o Presidente da República como alguém ao serviço de uma minoria bem identificada que em contrapartida presta vassalagem permitindo concentrar todas as oportunidades geradas pelo país num núcleo restrito; é uma corrente que procura afastar o Presidente da República da rota de convergência interactiva e comunicativa com o povo angolano, inibindo-o de ver a sociedade angolana como um todo, ouvindo as mais oportunas reclamações e resolvendo os mais prementes problemas sociais e económicos do país. Esta intenção, não é nem sequer aceitável para um Presidente da República que pretende ver-se legitimado pelo povo no próximo pleito eleitoral nem pode ser vista sem desconfiança pelos membros mais sensatos do MPLA que pretendem ver em JES um Presidente cada vez mais conciliador e integrado nos interesses de um eleitorado cada vez mais exigente. E quando a concentração de poderes pelo Presidente da República é justificada por razões de segurança (se pessoal ou se do Estado) então é o momento de começarmos a reflectir se o Presidente da República deve estar ao serviço da nação ou de um grupo de cidadãos privilegiados? Afinal, como é que acontece que um cidadão, que por sinal é um simples deputado (não fazendo parte sequer do staff da Presidência da República tão pouco do Governo) tenha acesso a informações relacionadas com a segurança do Presidente da República que justifiquem a concentração de poderes? Não seria curial do próprio Presidente da República informar, senão a nação pelo menos ao Bureau Político do seu partido, os fundamentos da insegurança que o obriga a exercer de forma concentrada os poderes soberanos para ser compreendido pelos seus camaradas e pelo povo que dele tem confiança? É necessário mandatar alguém que nos prometa, a todos nós, povo angolano, que um dia serão reveladas tais razões, como se os problemas do Presidente da República não fossem importantes para os angolanos? Seria um verdadeiro insulto se não nos persuadisse a ideia de que pronunciamentos do género só podem ser feitos de forma desautorizada e no uso de uma perfeita irresponsabilidade política, já porque a sensatez de JES, na forma como gere as relações com os camaradas e as reacções do povo, é suficientemente eloquente para não nos permitir conclusões com absurdos do género.
Quanto a desavisada lição sobre o Santoísmo – revestida de louros e todos títulos que retiram a natureza falha ou pecaminosa de qualquer ser humano –, que não acredito que tenha soado com harmonia aos ouvidos de quem foi defendido, é inconveniente por duas razões: primeiro, porque a seriedade de um estadista é sensível na forma grata como recebe uma advertência séria – e acredito que os rasgos traçados quer pelo Celso Malavoloneke quer pelo Filomeno Vieira Lopes terão sido de grande valia para JES que, aliás, tem dado mostras de tolerância e espírito urbano pelo silêncio manifestado após sua publicação – daí que os melhores amigos na nossa vida sejam aqueles que têm a coragem de apontar-nos os erros que cometemos e não os que bajulam desavisadamente e segundo, porque, após a morte de Jonas Savimbi, o país tem caminhado de tal forma à concentração dos problemas em torno de uma única causa: JES, que é necessário que o mesmo tenha em seu redor um conjunto de fontes de informações que permitam uma atitude mais sensata perante os múltiplos problemas da nação que lhe são imputados pelos diversos sectores sociais, económicos e políticos. Esta atitude aliás visível no comportamento de JES tem permitido o surgimento de vários órgãos de comunicação social e o nascimento de uma corrente crítica ao exercício dos poderes soberanos na classe intelectual angolana sem represálias tangíveis. Deste modo, não seria falta de respeito e nem representaria qualquer atitude de desobediência se tivéssemos coragem de apontar caminhos para a solução de tais problemas através de críticas honestas e sérias. Ku tuika kabhulu ku wabesa kizomba, mukonda kabhulu kene mu nema (dito popular kimbundu que traduz a ideia de que um problema resolvido por duas cabeças a pensar torna fácil o raciocínio de cada um). E quem não recebe os conselhos mais honestos para facilitar as suas reflexões? A sabedoria ambundu vai mais longe dizendo: ó kidi kididi (a verdade é autoridade). Por isso, a cognominação do Eduardismo está mais perto de irritar a corja de bajuladores próxima ao poder do que ao próprio JES enquanto Presidente da República.
Se os pronunciamentos em torno do que se entende por Eduardismo feitos por Filomeno Vieira Lopes vem do “direito de vigilância” que qualquer político, e sobretudo intelectual, deve exercer sobre a sociedade, também é mister chamar atenção a leitura sobre o texto profundo e quase apocalíptico de Celso Malavoloneke em que apela a JES para uma visão mais ampla nas relações com os diversos sectores dos poderes públicos pela suavização da autoridade sobre elas exercidas. Pois, assumindo uma atitude do género JES progride para um exercício político do tipo messiânico (salvador do povo) preparando para o futuro uma reforma política sem perigos de vinganças sobre a sua prole a desencadear, provavelmente, por sectores político-partidários insatisfeitos e que de modo cobarde manifestam atitudes bajuladoras e graxistas, como de resto é manifestamente sensível pela falta de seriedade e coragem na abordagem dos grandes problemas da nação.
* www.jukulomesso.blogspot.com