COMENTANDO CELSO MALAVOLONEKE, JOÃO PINTO E FILOMENO VIEIRA LOPES
Albano Pedro*
Em seu artigo intitulado “O Último Desafio do Presidente da República” publicado no semanário angolense, Celso Malavoloneke apresentou a síntese da problemática em torno da visão centralista de poderes públicos soberanos em Angola esmiuçando os prós e os contras do consulado que tem sido exercido por José Eduardo dos Santos (JES) a que se entendeu denominar por Eduardismo, civicamente fundamentado pelo Filomeno Vieira Lopes, como político integrado na oposição civil e que foi emotivamente reprimido pelo deputado João Pinto no mesmo órgão de imprensa. Em face da polémica gerada, urge tornar assente que o Presidente da República como pessoa pode ser igualmente visto como instituição. E nesta última vertente, convém esclarecer, é património público, interessando os seus actos a todo e qualquer angolano independentemente do credo religioso, bandeira partidária ou percepção ideológica, vindo daqui o direito de qualquer angolano de abordá-lo quer por escrito quer por outros meios que não perturbem o seu livre exercício de liberdade constitucional e legalmente consagrado. Aliás, a falta de abordagem de um Presidente da República por parte de seus súbditos ou governados é em geral sintomático de um espírito de medo e receio que impera naqueles que não conseguem perceber que a sociedade resulta de um contrato em que todos os cidadãos são “sócios” com quotas de participação iguais cabendo os mesmos direitos e deveres administrados no topo por um poder soberano por todos, em igualdade de circunstâncias, legitimado. Vindo desta caracterização social do poder soberano o aforismo atribuível ao Presidente da República como sendo primus inter pars (primeiro entre os iguais). É este o espírito da constituição actual e da Lei Constitucional vigente e é assim a realidade em países em que os cidadãos manifestam capacidades cívicas desenvolvidas.
O “Deixem mazé Man Dú” – rematado por João Pinto – para além de ser uma frase imprópria para terminar um texto de análise científica elaborado na veste de professor universitário, é a demonstração de uma absurda legitimação do pensamento separatista impregnado por alguma corrente oportunista de cariz insano que pretende ver o Presidente da República como alguém ao serviço de uma minoria bem identificada que em contrapartida presta vassalagem permitindo concentrar todas as oportunidades geradas pelo país num núcleo restrito; é uma corrente que procura afastar o Presidente da República da rota de convergência interactiva e comunicativa com o povo angolano, inibindo-o de ver a sociedade angolana como um todo, ouvindo as mais oportunas reclamações e resolvendo os mais prementes problemas sociais e económicos do país. Esta intenção, não é nem sequer aceitável para um Presidente da República que pretende ver-se legitimado pelo povo no próximo pleito eleitoral nem pode ser vista sem desconfiança pelos membros mais sensatos do MPLA que pretendem ver em JES um Presidente cada vez mais conciliador e integrado nos interesses de um eleitorado cada vez mais exigente. E quando a concentração de poderes pelo Presidente da República é justificada por razões de segurança (se pessoal ou se do Estado) então é o momento de começarmos a reflectir se o Presidente da República deve estar ao serviço da nação ou de um grupo de cidadãos privilegiados? Afinal, como é que acontece que um cidadão, que por sinal é um simples deputado (não fazendo parte sequer do staff da Presidência da República tão pouco do Governo) tenha acesso a informações relacionadas com a segurança do Presidente da República que justifiquem a concentração de poderes? Não seria curial do próprio Presidente da República informar, senão a nação pelo menos ao Bureau Político do seu partido, os fundamentos da insegurança que o obriga a exercer de forma concentrada os poderes soberanos para ser compreendido pelos seus camaradas e pelo povo que dele tem confiança? É necessário mandatar alguém que nos prometa, a todos nós, povo angolano, que um dia serão reveladas tais razões, como se os problemas do Presidente da República não fossem importantes para os angolanos? Seria um verdadeiro insulto se não nos persuadisse a ideia de que pronunciamentos do género só podem ser feitos de forma desautorizada e no uso de uma perfeita irresponsabilidade política, já porque a sensatez de JES, na forma como gere as relações com os camaradas e as reacções do povo, é suficientemente eloquente para não nos permitir conclusões com absurdos do género.
Quanto a desavisada lição sobre o Santoísmo – revestida de louros e todos títulos que retiram a natureza falha ou pecaminosa de qualquer ser humano –, que não acredito que tenha soado com harmonia aos ouvidos de quem foi defendido, é inconveniente por duas razões: primeiro, porque a seriedade de um estadista é sensível na forma grata como recebe uma advertência séria – e acredito que os rasgos traçados quer pelo Celso Malavoloneke quer pelo Filomeno Vieira Lopes terão sido de grande valia para JES que, aliás, tem dado mostras de tolerância e espírito urbano pelo silêncio manifestado após sua publicação – daí que os melhores amigos na nossa vida sejam aqueles que têm a coragem de apontar-nos os erros que cometemos e não os que bajulam desavisadamente e segundo, porque, após a morte de Jonas Savimbi, o país tem caminhado de tal forma à concentração dos problemas em torno de uma única causa: JES, que é necessário que o mesmo tenha em seu redor um conjunto de fontes de informações que permitam uma atitude mais sensata perante os múltiplos problemas da nação que lhe são imputados pelos diversos sectores sociais, económicos e políticos. Esta atitude aliás visível no comportamento de JES tem permitido o surgimento de vários órgãos de comunicação social e o nascimento de uma corrente crítica ao exercício dos poderes soberanos na classe intelectual angolana sem represálias tangíveis. Deste modo, não seria falta de respeito e nem representaria qualquer atitude de desobediência se tivéssemos coragem de apontar caminhos para a solução de tais problemas através de críticas honestas e sérias. Ku tuika kabhulu ku wabesa kizomba, mukonda kabhulu kene mu nema (dito popular kimbundu que traduz a ideia de que um problema resolvido por duas cabeças a pensar torna fácil o raciocínio de cada um). E quem não recebe os conselhos mais honestos para facilitar as suas reflexões? A sabedoria ambundu vai mais longe dizendo: ó kidi kididi (a verdade é autoridade). Por isso, a cognominação do Eduardismo está mais perto de irritar a corja de bajuladores próxima ao poder do que ao próprio JES enquanto Presidente da República.
Se os pronunciamentos em torno do que se entende por Eduardismo feitos por Filomeno Vieira Lopes vem do “direito de vigilância” que qualquer político, e sobretudo intelectual, deve exercer sobre a sociedade, também é mister chamar atenção a leitura sobre o texto profundo e quase apocalíptico de Celso Malavoloneke em que apela a JES para uma visão mais ampla nas relações com os diversos sectores dos poderes públicos pela suavização da autoridade sobre elas exercidas. Pois, assumindo uma atitude do género JES progride para um exercício político do tipo messiânico (salvador do povo) preparando para o futuro uma reforma política sem perigos de vinganças sobre a sua prole a desencadear, provavelmente, por sectores político-partidários insatisfeitos e que de modo cobarde manifestam atitudes bajuladoras e graxistas, como de resto é manifestamente sensível pela falta de seriedade e coragem na abordagem dos grandes problemas da nação.
* www.jukulomesso.blogspot.com
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