segunda-feira, 12 de outubro de 2009

CARTA AO EMANUEL DUNDÃO

SOBRE SE O DIREITO ANGOLANO CONTEMPLA A DESCONSIDERAÇÃO DA SOCIEDADE COMERCIAL A SEMELHANÇA DO DIREITO BRASILEIRO


Albano Pedro

A propósito da interpelação feita pelo compatriota Emanuel Dundão, estudante de Direito e de Administração em universidade brasileira, sobre se o Direito Angolano contempla a figura da desconsideração jurídica a semelhança do Direito Brasileiro, expendemos o seguinte raciocínio técnico:


NOTA PRÉVIA

Mercê da "abusiva" similitude entre o Direito Português e o Direito Angolano é preliminar assentar que tudo que ocorre no âmbito da actualização (não reforma por ser profunda e ontológica, a meu ver) do ordenamento jurídico angolano é directamente importado das reformas legais em Portugal e se a nova Lei das Sociedades Comerciais (LSC) é recente (data de 2004) é evidente a "cópia" sobre o regime português nesse sentido. Desde logo o que vigora em portugal em certa medida vigora em Angola. Assim:



1. Quanto a autonomia do património da sociedade em relação aos sócios é uma realidade que a LSC estabelece no n.º 1 do artigo 7º prevendo que "A sociedade responde civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes legais, nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários" o que nos remete ao Código Civil em matéria de responsabilidade civil pelo risco (art.º 550º) segundo o qual “Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar” o que reforça a personalidade jurídica da sociedade comercial prevista no art.º 5º – LSC “ As sociedades gozam de personalidade jurídica a partir da data do registo do contrato pelo qual se constituem…” e em remate a tudo “ Pelas dívidas sociais respondem a sociedade e, solidariamente, os sócios…” (art.º 997º, n.º1 – C.C);

2. Ora só quando o património da sociedade comercial não é suficiente é que os sócios respondem, vindo disto o regime da solidariedade há muito consagrado em Angola (art.º 998.º, n.º 2 – C.C);

3. Sobre o problema que levanta a propósito da inexistência de personalidade que constatou no nosso Direito Comercial em que vê uma ténue ideia da “ficção jurídica” denominada desconsideração que vamos expender no ponto seguinte, é mister sustentar que o Direito angolano enforma esta realidade no instituto da Sociedade Irregular – i.e., antes da aquisição da personalidade jurídica da sociedade comercial respondem pelos actos praticados em nome desta os próprios sócios, visto que aquela não tem personalidade jurídica. É o que estabelece o art.º 38.º n.º 1 da LSC com a epígrafe RELAÇÕES ANTERIORES À ESCRITURA PÚBLICA” quando afirma que “ Se dois ou mais indivíduos, quer pelo uso de uma firma comum, quer por qualquer outro meio, criarem a falsa aparência de que existe entre eles um contrato de sociedade, respondem, solidariamente pelas obrigações contraídas por qualquer deles.”. Porém em nenhum momento significa desconsideração, pois neste caso a sociedade comercial não existe se quer para ser juridicamente desconsiderada.

4. A desconsideração significa, segundo a doutrina corrente em Angola e tal como me parece no Direito Brasileiro – segundo o que compreendi do seu depoimento –, que a sociedade tem personalidade jurídica, mas por razões de responsabilidade civil é ficcionada a sua inexistência para atacar o património do sócio representante que agiu contra os interesses da sociedade e de má fé em relação a terceiros vindo daí obrigações que de outro modo diminuiriam o património da sociedade comercial. Certo? Assim, sendo, tal como em Portugal, em Angola está legalmente consagrada a figura da desconsideração jurídica da sociedade comercial ao abrigo da LSC que estabelece que “ Os membros dos órgãos e os representantes da sociedade são responsáveis perante esta e perante quaisquer terceiros interessados nas consequências da violação do dever imposto pelo n.º4 do artigo anterior… (art.º 7º, n.º2 – LSC) e precisamente, o artigo anterior (art.º 6.º) estabelece no seu n.º 4 que “As cláusulas contratuais e as deliberações sociais que fixem à sociedade determinado objecto ou proíbam a prática de certos actos não limitam a sua capacidade jurídica, mas obrigam os seus órgãos a não ultrapassar esse objecto ou a não praticar esses actos”. Pelas disposições combinadas fica tudo dito sobre a positividade da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade comercial no sistema jurídico angolano, pois sempre que os sócios contraiam dívidas em nome da sociedade violando os interesses desta e as disposições legais a propósito respondem perante tais credores sem o concurso da sociedade comercial, é o que se chama, entre nós, desconsideração jurídica da sociedade comercial (a empresa é parte integrante da sociedade comercial – a este propósito, se me permite, aprecie alguns subsídios nos textos O QUE SÃO SOCIEDADES COMERCIAIS e A FIRMA COMO NOME DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL E DA SOCIEDADE COMERCIAL publicados no meu blog.

O DEVER DE SER RICO E DE VER O MUNDO COMO UM DEUS

COMPREENDER WALLACE D. WATTLES E AMIT GOSWAMI

Albano Pedro


Estou a ler duas obras de cariz ensaístico. Uma da autoria de Wallace D. Wattles editada em 1910 com o título A CIÊNCIA PARA FICAR RICO e outra de Amit Goswami editada em 2007 com o título O UNIVERSO AUTOCONSCIENTE. Aparentemente nada há de comum entre ambas as obras já que a primeira trata de motivar o empreendedorismo atinente as formas, modos e regras para o enriquecimento material e outra o debate a volta da física quântica que traz a tona a causa primeira das grandes revoluções dos dias de hoje proporcionadas pelas tecnologias de informação e comunicação, pela nanotecnologia e pelas biotecnologias. Contudo, ambas têm o mérito de harmonizarem todas percepções psicossociológicas, concepções éticas e crenças religiosas que vinha estruturando e proporcionar uma nova perspectiva do universo.

Wattles sugere que é dever do homem tornar-se rico, visto que na falta da riqueza está toda a incapacidade e consequente desgraça do homem e da sociedade. A pobreza é a projecção clara da incapacidade do homem e da forma dramática como este encara o mundo. O mundo caminha para perfeição e o universo está impregnado de energias que estão prontas a proporcionar riqueza material ao homem bastando que este entre em relação de harmonia com elas, contudo, o homem imbuído na pobreza esta longe de perceber tal harmonia. A pobreza volta o homem contra a harmonia universal; contra Deus e o coloca na condição de não aproveitar a miríade de oportunidades para suprir as suas necessidades e viver em abundância. O pobre vai contra as suas próprias fontes de satisfação de necessidades. Por isso, não há mérito nenhum em ser pobre como sugere a religião cristã. Os muçulmanos ao verem na pobreza o sinal de pecado e da separação entre o homem e Deus estão de acordo com os ensinamentos de Wattles. Se é corrente a ideia de que o dinheiro é a causa de todos os males este pensamento é veiculado entre aqueles que não se propõem em sair da verdadeira causa de todos os males que é a pobreza. Certo é que ter muito dinheiro nada diz para riqueza efectiva do mesmo modo que a acumulação desonesta de meios materiais está longe de proporcionar bem-estar e satisfação plena. Entretanto, ter capacidade material para realizar todos os desejos eleva o homem a categoria divina e aqui é que a riqueza se torna no mais nobre dos objectivos. Ficar rico é uma ciência exacta com proporções matemáticas. Agindo de um certo modo o homem, bondoso ou desonesto, religioso ou ateu, torna-se inevitavelmente rico.

Goswami propõe que não existe separação entre a consciência e o corpo da mesma forma que não é possível tratar da mente sem o cérebro. A matéria não é a fonte de tudo o que existe como pretendeu a física clássica, mas a consciência. Goswami inverte pois o sentido de precedência entre a ideia e a matéria até então defendida por ícones da física mundial como Newton, Descartes, Einstein, etc. Mais a fundo vai para sugerir que existe uma relação de grande harmonia e coerência entre os homens e o universo em todos os seus actos e acontecimentos vindo disto que nada ocorre por acaso, ou fora de um propósito harmonizado pelo universo. Longe de vincar o Determinismo como parece sugerir esta doutrina – que já desventrei nos meus passados anos das especulações filosóficas da obra TRATATUS TEOLOGICUS de Baruch Spinosa – Goswami defende pelas demonstrações da Física Quântica a possibilidade causalista do universo. O homem pode realizar literalmente tudo estando em harmonia com as leis naturais que são sensíveis pela movimentação dos átomos. A Física clássica sugeria – para além de estabelecer o átomo como a ultima matéria – que a natureza enquanto conjunto de átomos é estável e permanente cabendo ao homem descobrir a forma das coisas e fenómenos afim de harmonizá-las aos seus objectivos e propósitos e que o universo espiritual e físico são estância separadas e independentes embora com uma relação natural de causa e efeito. Goswami aclama a unidade entre o mundo espiritual e o material. Ideia e matéria são uma e a mesma coisa vista em ângulos conceptivos diversos como a coroa e a cunha na moeda. É um argumento de força que derruba a ideia da existência de fenómenos físicos e fenómenos não físicos (espirituais ou sobrenaturais). A Física Quântica propõe a manipulação dos átomos dito de outro modo os acontecimentos longe de serem determinados pelas leis da natureza podem ser condicionados pela atitude e acções dos homens. A física quântica deu os primeiros passos para que o homem possa a partir do nada criar algo, bastando a manipulação dos átomos. Assim, a teletransportação que era um fenómeno ficcionado pelo cinema pode ser realizada literalmente como algumas experiências neste sentido já o demonstraram. Tudo graças a nova visão da Física sugerida pela Física Quântica.

Para as duas literaturas o mundo não é determinista. Embora não se fale no antropocentrismo – colocando o homem no centro da inteligência universal – está claro que o homem traça o seu próprio destino neste mar de causas e efeitos de que está impregnado o universos e seus fenómenos. O homem tem ao seu alcance as “ferramentas” que o próprio Deus faz uso na movimentação histórica dos fenómenos do universo. Wattles e Goswami sugerem que tudo promona da consciência. Consciência criadora que imprime o seu sentido de realização na matéria tornando o homem rico ou materializando formas novas na natureza pela manipulação dos átomos revolucionando mais e mais a vida no universo.

CONSÓRCIO VERSUS SOCIEDADE COMERCIAL

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS FUNDOS COMUNS OU CONTA ÚNICA

Albano Pedro

A dinâmica das relações comerciais e o crescendo económico em Angola impôs o surgimento de contratos de cooperação entre empresas dentre os quais o contrato de consórcio – definido como o contrato pelo qual duas ou mais pessoas, singulares ou colectivas, se obrigam entre si a, de forma concertada e temporária, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição (art.º 12º, n.º1 da Lei n.º19/03, de 12 de Agosto). Perante um projecto de execução a curto, médio ou longo prazo as partes podem estabelecer um contrato em que cada uma é responsável pela execução de parte dele perante o dono ou beneficiário da obra.

A provisoriedade do objecto (art.º12º, n.º1) e a inexistência de conta única (art.º 26º) são marcas de deste tipo de contrato que o levam a estabelecer fronteiras com o contrato de sociedade comercial. Para que prevaleça a necessidade de um contrato de sociedade entre sujeitos que se propõem a explorar uma actividade económica, o legislador ordinário entendeu estabelecer tais condições ao contrato de consórcio sob pena de levar a maioria das pessoas (físicas ou jurídicas) a aderir a este tipo de contrato em detrimento ao de sociedade comercial. Até porque a facilidade formal do consórcio (bastando as assinaturas das partes no contrato) e a onerosa tramitação processual na formação das sociedades comerciais (múltiplas fazes, custos elevados e prazos longos) leva a esta tentação.

O contrato de sociedade comercial – em que duas ou mais pessoas se propõem a explorar uma actividade económica com objectivo de repartirem entre si os lucros daí resultantes – é animado pela ideia de continuidade (existência permanente) e partilha de dividendos (conta única). Acontecerá que o chefe do consócio (representante do consórcio perante o cliente) receberá na sua conta o pagamento global do contrato (modalidade de consórcio interno). Contudo, não haverá aqui conta única, i.e., o consorciado receptário não dá qualquer tratamento contabilístico nomeadamente deduzindo as obrigações fiscais e demais encargos inerentes ao apuramento dos resultados líquidos como acontece com as empresas sob formas de sociedades comerciais. Na empresa sob forma de consórcio, a conta receptária serve apenas como canal de distribuição interna dos valores “em bruto” referentes aos pagamentos do cliente a cada um dos consorciados, cabendo a cada um deles o respectivo tratamento contabilístico.

sábado, 3 de outubro de 2009

PORQUÊ É QUE A EMPRESA TEM NOME?


Albano Pedro*

A maioria das pessoas pensa que as pessoas físicas (indivíduos) são as únicas obrigadas a obedecer as leis. O dever de obediência a Lei é extensivas as organizações ou pessoas jurídicas (empresas, associações, fundações, clubes, etc.). São pessoas com categoria jurídica, elas nascem, crescem, reproduzem-se e morrem cumprindo um curso natural de vida como os homens. Têm nome, prestígio e concorrem para o sucesso social e económico como os homens, ganhando fama. Assim é a fama do mutibilionário americano Bill Gate (pessoa física) associada a Microsoft (pessoa jurídica). Constituem pois, pessoas que ganham dinamismo paralelo as pessoas físicas ou humanas. A empresa – a ser vista como pessoa – é compreendida do ponto de vista material (económico) como o conjunto de meios materiais, financeiros e humanos cujo escopo se reporta a concretização da produção de meios e equipamentos sociais e económicos (não é viável a discussão teórica sobre os conceito). Como pessoa jurídica ela tem um nome – firma – e uma “certidão de nascimento” que é o estatuto social reconhecido e registado em notário.

A firma ou nome da empresa – seja sob forma de sociedade comercial, seja sob forma de estabelecimento comercial (vide: O que são sociedades comerciais in: http://www.jukulomesso.blogspot.com/) é o elemento identitário da empresa, sendo passível de registo após devido atestado de negação de existência de outro igual (certificado de admissibilidade) nos competentes registos de denominação do Ministério da Justiça.

A firma é pois, o sinal identitário da pessoa jurídica nascida sob forma de empresa devendo ser registada como direito de propriedade industrial sob pena de responsabilidade civil em caso de similitude identitária, i.e., enquanto as pessoas físicas ou humanas podem ter nomes iguais (havendo vários João Pinto ou António Manuel) as empresas ou pessoas jurídicas estão proibidas de tê-los. Se acontecer que uma empresa tem o nome igual a outra, a que tiver registado primeiro – entre outros critérios de avaliação legais – tem vantagem sobre o que tiver registado posteriormente reclamando justa indemnização. Logo, aquele que não tiver o registo da firma é obrigado a indemnizar aquele que a tiver registado regular e oportunamente. Assim é que a empresa tem nome por ser uma pessoa igual a qualquer outra na sociedade gozando de direitos e deveres, podendo ser demandada em juízo como qualquer outra pessoa.
* Consultor e Auditor Jurídico