sexta-feira, 30 de abril de 2010

A ERA DO GOVERNO DIALOGANTE E A NOVA POSTURA DOS PARTIDOS POLÍTICOS EM ANGOLA

Albano Pedro

A recente conferência de imprensa apresentada pelos Ministros do Estado procurando apresentar um breve balanço e as perspectivas gerais sobre o Governo inaugura uma nova era na relação entre governantes e governados para além de ensaiar passos verdadeiros para um governo que aposta na transaperência e na boa governação. Nunca antes os governantes angolanos, sem serem interpelados pela Assembleia Nacional, se dignaram, por iniciativa própria, a apresentar justificações sobre a aplicação e aplicabilidade dos seus programas executivos. Faltava há muito esta postura dialogante que tendo sido manifestada lança as bases para uma verdadeira governação democrática em que se concretizam os postulados da relação entre a administração pública e os particulares onde estes gozam do privilégio legal de exigirem justificações dos planos e projectos elaborados para o seu benefício. O Estado distante e hermético, sequela do persistente comunismo, começa finalmente a ceder ao convite de uma sociedade que se emancipa na percepção dos fenómenos políticos expostos com os múltiplos problemas que a economia e o desenvolvimento exigem resolução imediata.

A conferência de imprensa permitiu a compreensão prática do funcionamento do actual Governo conformado com a nova Lei Constitucional. O Presidente da República é o único mandante (o próprio executivo em pessoa) numa realidade executiva em que o Conselho de Ministros perdeu completo significado administrativo no aparelho superior do Estado reduzindo-se a um órgão para prática de “actos de secretaria” e onde os Ministros do Estado, cada um na sua especialidade executiva, representam os verdadeiros rostos de um Governo gerido longe das câmaras fotográficas pelo seu titular. Carlos Feijó, Manuel Nunes Júnior e Vieira Dias”Kopelipa” nas vestes de Ministros de Estados não só revelaram os seus papéis estratégicos no novo Governo de feição presidencialista como forçaram uma nova postura aos partidos políticos, sobretudo aos da oposição civil, no relacionamento com o sector executivo do Estado.

Longe dos tradicionais apelos a integridade do povo em torno de ideologias recorrentes aos discursos comunistas com fundo de campanhas políticas habitualmente lançados pelos dirigentes do MPLA, os altos funcionários do executivo central expuseram matérias e questões concretas, apresentaram projectos, programas e planos executivos com prazos e metas no curto, médio e longo prazo. Foram mesmo estabelecidos meses para arranque de certos projectos. No domínio do fornecimento da energia e água, por exemplo, o anúncio de um investimento em torno de 18 mil milhões é um dado digno de nota, embora nas formas de mobilização dos referidos fundos sejam de analisar e questionar o seu peso para as gerações futuras. O executivo estabeleceu as necessidades de produção de energia eléctrica para 700 mega watts com incremento de 400 mega watts através de reabilitação da barragem do Cambambe e da possibilidade de construção de central eléctrica no Soyo. Um desafio para lançar a partir do mês de Maio do ano em curso devido as grandes necessidades energéticas que a industrialização do país exige neste momento. O programa “água para todos” inicialmente estabelecido para as zonas rurais foi reformado para dar lugar a um projecto mais amplo que envolve a solução de problemas de fornecimento de água aos grandes centros urbanos como Luanda e Benguela. Para os múltiplos projectos em carteira perspectivou-se o ano de 2018 como meta para cujo percurso financiamentos estruturantes serão mobilizados nas mais diversas modalidades. Revelou-se também a feição de um Governo contratante que começa a aperfeiçoar os mecanismos de vinculação com os seus parceiros na prossecução dos interesses do Estado. A reforma ao regime da contratação pública e os diplomas legais que aprovam minutas contratuais sectoriais é uma clara demonstração desta realidade.

Está-se assim diante de um Governo com orientação claramente económica, em sacrifício da dimensão social, para o desenvolvimento do país revelando projectos em infra-estruturas que sirvam o relançamento industrial e empresarial de Angola pela recuperação das principais vias de comunicação terrestre, pela estruturação de regiões económicas e pela modernização das cidades. Ambiente propício para o florescimento de uma classe empresarial, visivelmente estrangeira e com nacionais contabilizados entre antigos e actuais governantes, que sustente a nova burguesia emergente decantada do exercício de cargos de alta direcção do Estado. Em resumo está-se num quadro em que o Governo pretende “pavimentar” o chão económico de Angola sem cuidar já dos que nele circulam na veste de cidadãos perspectivando-lhes, por exemplo, planos sustentados de educação e saúde no curto e médio prazo.

Que postura se exige aos partidos políticos? Desde logo, o hábito pela monitorização dos programas de Governo. A vigência do falecido GURN (Governo de Unidade e Reconciliação Nacional) foi marcada por exercícios políticos insultuosos trocados como galhardetes entre a oposição e a situação política em gestão a acusações sobre a iniciativa da guerra e da destruição do país em toda sua extensão territorial. A preocupação cimeira dos partidos políticos centrou-se na disputa pela atenção do eleitorado. Veicularam-se informações, manipuladas ou não, com vista a convencer o povo sobre a verdadeira fonte de um poder político-partidário pelo povo. Não se verificou assim, qualquer interesse da oposição civil em desenvolver um verdadeiro controlo sobre o Governo em todos os seus actos como acontece em democracias partidárias mais organizadas. Faltaram conferências de imprensa regulares ou interpelações parlamentares ao Governo com conteúdo fiscalizador aos programas executivos onde a crítica construtiva, através de visões alternativas, devia ser exercitada.

Mesmo o MPLA viciado em replicar uma oposição civil mais ou menos desorientada entra numa nova fase de aprendizagem política em que o Estado passa a ser visto fora da sua barriga. Esta postura que representou até agora a extensão do atraso político dos angolanos na gestão dos interesses colectivos é agora forçada a um riquiem. Uma nova visão sobre o funcionamento do Estado deve emergir e ser adoptada pelo seguimento técnico-político e científico dos números, dos prazos, das metas e das minúcias dos projectos e programas executivos nacionais e locais, oferecendo réplicas pontuais a exequibilidade dos mesmos ou reconhecimento ao mérito das soluções governamentais sinceramente analisadas e ponderadas. Um exercício que há-de revelar a maturidade política e o sentido de responsabilidade social de uma oposição civil que se constituiu em sombra de si mesma escudada cobardemente na imprensa privada e que tem tido o seu papel convenientemente exercido por certas organizações da sociedade civil e até indivíduos inconformados com o status quo.

A visão introduzida pelo novo executivo é fundamentalmente económica incidindo sobre planos estratégicos de governação do Estado ao lançamento de infra-estruturas fundamentais. O que desenha no horizonte o perfil de uma economia crescente e sustentada e remete ao silêncio da ignorância agentes políticos desabituado aos novos modos de operar a política em prol do desenvolvimento da sociedade. Se o governo apresenta relatórios e planos executivos a oposição civil deve reagir aos relatórios e aos planos executivos com críticas sustentadas e alternativas claras e convincentes que venham a estabelecer um ciclo de realimentação política reflectindo uma autocorrecção contínua de perspectivas comuns entre os governantes e os governados em prol de uma sociedade economicamente desenvolvida e socialmente organizada. Com esta postura do executivo termina a “fanfarra” de uma relação interpartidária marcada por debates políticos vazios e sem perspectivas ou resultados na vida dos cidadãos e que transformou a Assembleia Nacional numa conferência de charlatães exibindo cenas de comédia para irritar cidadãos honestos e ansiosos pelo encontro de Angola no contexto das nações desenvolvidas.

Desde já, é de analisar e questionar o nível de endividamento do Estado na concretização dos megaplanos traçados pelo executivo, analisando nomeadamente o volume da dívida pública acumulada, a capacidade de individamento marginal tendo em conta o volume de receitas geradas pelo sector petrolífero de que depende a economia angolana, o ónus da dívida contraída e a contrair sobre as gerações vindouras e programas e os mecanismos adoptados para o serviço da dívida do Estado no curto, médio e longo prazo. Atente-se aos cíclicos défices de tesouraria na execução do Orçamento Geral do Estado (OGE) que têm afectado o pagamento dos salários da função pública e o serviço de pagamento geral do Estado, sobretudo ao sector privado da economia nacional, é de referir os desfalques as reservas monetárias do tesouro do Estado no Banco Nacional de Angola e a crise gerada na liquidez geral da economia com assaltos em montantes astronómicos a rondar centenas de milhões de dólares. É uma análise oportuna para a compreensão dos esforços financeiro a custo do erário público e o seu sentido de oportunidade no contexto actual, sobretudo numa altura em que a fraca capacidade financeira do Estado, segundo reconheceu o executivo, recomenda o magro incremento dos 5.4% do salário da função pública reduzindo em nada o sacrifício do poder de compra das famílias angolanas largamente dependentes do sector público.

A cronometria da análise financeira do Estado que deve ser feita por partidos políticos responsáveis e interessados no desenvolvimento social e económico de Angola deve abranger igualmente a legalidade e justeza dos processos de alienação do património público, sejam imóveis sejam empresas, como de forma “rabiscada” tem sido feita pelo jornalista Rafael Marques ao investigar a evolução da classe burguesa angolana. Não deve deixar para trás as justificações do executivo em relação as moradias destruídas de milhares de cidadãos por Angola adentro e a falta de soluções urgentes que reflictam a indemnização ou simples compensação destes o que reflecte um verdadeiro desastre no que tange ao respeito dos mais elementares direitos dos cidadãos. Do mesmo modo, explicações plausíveis devem ser dadas pelo executivo que conforma o Governo a nova constituição sem conformar da mesma forma automática o poder judicial no que toca a dependência da nomeação dos juízes. Matérias para crítica dinâmica não faltam para uma oposição civil que se pretende interactiva e fiscalizadora em relação ao Governo e seus actos, programas e planos executivos. Se não falta capacidade técnica dos seus membros para abordar questões complexas de natureza governativa, faltará certamente a vontade política se este hábito, o de contrapor as apresentações públicas do executivo central, não emergir no novo panorama imposto pelo novo Governo. Parabéns ao Presidente da República que teve a fina ousadia de delegar aos Ministros do Estado, através da conferência de imprensa, a inauguração da era do GOVERNO DIALOGANTE que se espera habitual e duradoura a bem de um exercício político consciente e transparente pelo povo angolano.

terça-feira, 27 de abril de 2010

NOVA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA I

QUESTÕES DE FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS


Albano Pedro

Se entendermos o sistema jurídico angolano – com todas as suas normas constitucionais e ordinárias – como um corpo em cujas veias circulam miríades de normas jurídicas e é injectado de quando em quando novas normas legais por intermédio de actos legislativos da Assembleia Nacional (poder legislativo originário) ou do Governo (poder legislativo derivado) e toda a sua cadeia gradativa de normas infra-ordinárias facilmente se percebe da necessidade de se controlar este corpo com vista a expurgar as normas que ameaçam ou põem em causa a vitalidade do sistema pela incongruência que causam quando confrontadas com as normas constitucionais. É o que se chama controlo da constitucionalidade das normas, que pode ser preventiva quando se tratar de prevenir o sistema jurídico das normas inconstitucionais que venham a ser introduzidas por via dos actos legislativos ou ser sucessiva em se tratando de expurgar normas que graçam impunes pelo sistema jurídico contra os valores consagrados na Lei Constitucional. É pois um exercício de garante da limpeza e higiene do corpo jurídico nacional vigente que é, via de regra, superiormente exercido pelo Presidente da República na sua qualidade de mais alto magistrado da Nação.

O controlo preventivo da constitucionalidade das normas ocorre em regra logo após a aprovação da Lei pela Assembleia Nacional ou pelo Governo no uso de poderes legislativos e consequente promulgação pelo Presidente da República. Suspeita de inconstitucionalidade o diploma legal é então submetido a apreciação do Tribunal Constitucional para no prazo normal de 45 dias decidir sobre a constitucionalidade positiva ou negativa do diploma legal, podendo ser parcial ou totalmente inconstitucional quando inquinada deste vício. Quem solicita este controlo? Na Lei Constitucional anterior aprovada ao abrigo da Lei de Revisão n.º23/92 era o Presidente da República e 1/5 de deputados que tinham competências para solicitar a apreciação preventiva da constitucionalidade dos normas legais. A nova Lei Constitucional determina 1/10 de deputados para o efeito, mantendo o Presidente da República com os mesmos poderes. Se o tribunal declara a inconstitucionalidade da norma, o Presidente da República exerce o veto sobre o diploma por promulgar e esta é em consequência remetida ao órgão que o aprovou para conformação com as recomendações do Tribunal Constitucional.

Questão interessante desenvolvida no debate teórico destas matérias é a de saber se o Presidente da República ao exercer o veto sobre o diploma aprovado pela Assembleia Nacional enquanto órgão soberano estará a contrapor o seu poder a soberania do povo exercida por aquele órgão representativo da vontade popular? Ora, o poder de promulgar leis é sempre representado pelo exercício mediante o qual o Presidente da República concorda, por oposição da sua assinatura, com o conteúdo do diploma em causa comparando-o previamente com a Lei Constitucional seguindo-se a sua publicação no diário oficial (Diário da República). Quando ocorre o veto sobre o diploma legal nunca se entenderá como um exercício de poder soberano contraposto a um outro. Neste momento é o sistema jurídico na sua missão de autoprotecção que rejeita a norma submetida a promulgação. Rejeição esta que ocorre no âmbito dos mecanismos da própria constituição que como tal circunscrevem-se nos limites a máximos de todos os poderes soberanos, i.e., é a Lei que se impõe sobre os poderes públicos em protecção dos valores fundamentais do povo.

É claro que a adopção da terminologia “fiscalização abstracta” para os dois tipos de controlo da constitucionalidade das normas é resultado de academicismo gratuito que condenamos noutros textos e em entrevistas radiofónicas concedidas a este propósito por desnecessário para a Lei Magna que se pretende perceptível para todos os extractos sociais do povo angolano. Todavia, é de reconhecer que a nova Lei Constitucional comporta inovações quando estende a competência para solicitação da fiscalização preventiva a 1/10 de deputados em pleno exercício das suas funções. Se o presidente solicita o controlo preventivo nos 20 dias que se seguem ao seu conhecimento, presume-se que os deputados podem exercer esta competências logo após a aprovação do diploma legal suspeito de inconstitucionalidade, visto que a Lei Constitucional é omissa quanto ao prazo para deputados.

Da mesma forma a competência para a solicitação da fiscalização sucessiva é nesta Lei Constitucional extensiva aos grupos parlamentares. Aqui o legislador constituinte prefere evitar o monopólio deste exercício pelos deputados de bancadas maioritárias transferindo a responsabilidade de impugnar as normas inconstitucionais para cada força política representada na Assembleia Nacional independentemente do número de deputados que tenha. Está-se perante um momento em que as forças da oposição civil não mais poderão invocar impedimentos formais para solicitar a impugnação de normas inconstitucionais como acontecia na Lei Constitucional anterior. É um verdadeiro teste a fidelidade jurídica e democrática fartas vezes invocada pelos partidos na oposição civil escudando nela a sua cumplicidade com o sistema vigente.

A nova Lei Constitucional reconhece igualmente ao Provedor de Justiça a mesma capacidade para solicitar o controlo sucessivo da constitucionalidade das normas. Para um órgão que exerce o seu poder através de persuasão aos órgãos soberanos na prevenção de ofensa aos interesses dos particulares a possibilidade de solicitar a inconstitucionalidade de normas representa um verdadeiro reforço institucional. O Provedor de Justiça é neste contexto o órgão natural que representa a porta de contestação dos particulares e da sociedade civil a inconstitucionalidade das normas. Contudo, a grande dependência institucional em relação ao poder executivo que este órgão tem demonstrado revela a fraca capacidade de utilização deste instrumento constitucional a favor de petições populares. Prova está em que, em meio as inúmeras destruições de residências dos cidadãos e outros actos atrozes praticados pelos órgãos do Estado, nenhuma petição particular dirigida a este órgão persuasor teve relevância política até então. Aliás este órgão nasceu em países nórdicos com forte tradição ética no exercício da cidadania em que os actos públicos são determinados pelo respeito estreito pelos direitos elementares dos cidadãos. Não tem qualquer expressão em países africanos em que a tradição ditatorial arruma com todos os pressupostos da convivência pacífica e igual entre os cidadãos. Não se espera assim, grande intervenção deste órgão na expurga dos numerosos diplomas inconstitucionais que abundam no mercado jurídico-normativo angolano mesmo a pedido dos particulares ou da sociedade civil que muito carece de um instrumento desta natureza.

Novidade de nota é a possibilidade constitucional da Ordem dos Advogados de Angola (OAA) poder solicitar igualmente a fiscalização sucessiva da constitucionalidade das normas. O que não está claro são os mecanismos formais para este exercício. Ou seja, a constituição não ajuda a perceber se são os advogados, em número determinado, que solicitam em nome da corporação, ou se esta, mediante iniciativa dos seus órgãos de direcção ou a pedido de outras instituições – nomeadamente as da sociedade civil – pode interpor o pedido ao Tribunal Constitucional. É preferível a ideia de que a Lei Constitucional liberta ao critério regulador da própria Ordem dos Advogados. De resto é o que é perceptível se tivermos em conta que a elevação da OAA a categoria de órgão auxiliar de justiça com dignidade constitucional, como acontece em raras partes do mundo, resulta da grande capacidade influenciadora que teve na positivação do novo texto constitucional por meio do qual procurou um lugar de grande destaque e intervenção na alteração do sistema jurídico nacional.

Vale sublinhar que o sistema jurídico angolano rico em normas que contradizem a Lei Constitucional regista choques (incluindo antinomias) que comprometem a vigência de um Estado Democrático e de Direito e em consequência de uma verdadeira economia de mercado. Repare-se na vigência da Lei 18/88 – Lei do Sistema Unificado de Justiça que reconhece ao Presidente da República o poder de nomear os juízes do Tribunal Supremo como uma das maiores evidências desta contradição ou mesmo o inconcebível pedido as autoridades administrativas do Estado para a realização de manifestações públicas em plena Democracia condicionada pela Lei das Reuniões e Manifestações vigente. Dispositivos normativos fiscais que determinam o pagamento de 35% em Imposto Industrial pelos empresários são barreiras inconstitucionais para uma economia que se pretende de mercado e de livre concorrência. É tudo para expurgar como normas perfeitamente inconstitucionais dentro de um sistema jurídico que se pretende claro e harmonizado com novo texto constitucional.

Apesar das inovações, está-se ainda perante garantias orgânicas de fiscalização da constitucionalidade das normas muito fracas. Não desenham no horizonte quaisquer possibilidade dos cidadãos verem um sistema jurídico permanentemente livre dos “vírus” normativos perniciosos a sua saúde. É nosso entender que a garantia de fiscalização sucessiva fosse igualmente exercida de forma condicionada pelos cidadãos. Se decorrido um certo lapso significativo de tempo a norma entrada em vigor com forte evidência de inconstitucionalidade não fosse declarada como tal pelo Tribunal Constitucional por clara incúria dos órgãos constitucionalmente competentes para o solicitarem, fosse o povo mediante petição colectiva (com número mínimo de indivíduos) a fazê-lo interpondo o respectivo pedido ao Tribunal Constitucional. Estaríamos assim diante de uma forte garantia de fiscalização constitucional que tornaria forçoso a expurga das normas inconstitucionais em todo o sistema jurídico obrigando os legisladores a um trabalho multiplicado na renovação constante de todo o ordenamento jurídico agilizando a vigência de um Estado de verdadeira Democracia e assente no Direito.

Ainda assim, o facto do Tribunal Constitucional não ter declarado inconstitucional a vigência da norma que altera as cláusulas “pétreas” previstas no art.º 158º da Lei Constitucional revista quando lhe foi solicitada a declaração positiva ou negativa da constitucionalidade do novo texto constitucional retira esperanças sobre a possibilidade de uma verdadeira limpeza ao sistema jurídico a exercer pelo Tribunal Constitucional com a participação dos órgãos mais sensíveis aos particulares e a sociedade civil como o Provedor de Justiça ou a Ordem dos Advogados com vista a tornar emergente um verdadeiro Estado Democrático e de Direito actualmente confuso na sua concretização.