Albano Pedro
Um dos principais erros dos sistemas democráticos modernos assumido pela maioria das constituições políticas é o de permitir que um instrumento fundamental do povo, de conteúdo e característica não alienável, seja depositado na mão de um único indivíduo: A capacidade de determinar o momento da renovação dos governos através do exercício do direito de convocar as eleições. Nada mais absurdo, se considerarmos que ninguém precipita a sua própria derrota a menos que tenha um certificado de baixa num manicómio qualquer. O referendo, o plebiscito e até o impeachment (que levou o povo brasileiro a decidir sobre a saída do poder do Collor de Melo como seu presidente) constituem instrumentos através dos quais o povo não permite a decisão sobre os problemas mais sensíveis se quer nas mãos dos deputados, seus representantes. Uma dessas decisões tem de ser obviamente o direito a marcar as eleições, sobretudo quando se verifiquem injustificados atrasos para o efeito. É claro que para os Governantes a questão logística constitui razão de sobra para que o Presidente da República tenha este direito e para os constitucionalistas revestidos de visões parciais, dentre várias razões, invocam o débil facto de que, por força do solene juramento em cumprir com as leis, o papel de guardião da constituição basta para tamanha autoridade.
Outro facto interessante, porém incompreensivelmente tolerado pelas forças sociais interessadas, é o poder de organizar o processo de registo eleitoral e o consequente processo eleitoral com a pretensa ideia de partilha no controlo e fiscalização do referido processo através da indicação de agentes representantes dos partidos da e na oposição civil e da sociedade civil em geral. Nada como isso pode salvar a quem a esta plataforma se submete de ser rotulado como estando fora do seu perfeito ser.
Graças a estes poderes, acrescidos com o de controlar a administração do Estado, quem se acha na situação pode ilimitadamente recrutar e arregimentar em torno de si mesmo miríade de instrumentos multifuncionais propícios ao esmagamento da vontade do povo. Já porque não é possível que um processo nestes termos possa decorrer de forma justa, já porque todos os argumentos, com recurso ao maquiavelismo, podem ser chamados para o adiar de acordo com as conveniências de quem coordena o mesmo.
São determinantes, para o sucesso deste importante projecto em fase final de conclusão, as divergências no seio de uma oposição civil, desorientada e incapaz de reconhecer os seus erros sucessivos, que pela força da ganância (ou ambição desmedida como alguns chamam) pelo poder não consegue unir forças para a luta por uma causa comum. Assistindo a todo o tempo a sua própria manipulação pelo regime, incluindo a aceitação pacífica de um engodo como este.
Vale alertar, embora em tempo inútil, que no limiar das eleições cuja marcação ocorrerá quando convir a ala futunguista do MPLA, o atraso ou adiamento na disponibilização das verbas para o apoio dos partidos no processo eleitoral será um instrumento que ao ser usado no momento certo surtirá efeitos fatais para a maioria, senão todas, as formações políticas que para a substituição do regime se propõem. Para que essa justificação seja válida, será necessário que o próprio MPLA seja vítima do problema. Provavelmente, a capacitação financeira desta formação política através da adopção de recursos financeiros extra-orçamentais para que possa, em tempo útil, socorrer-se de meios não disponíveis pelo Estado seja com este propósito. Para além de que a programação técnica dos meios informáticos a empregar no processo eleitoral para a contagem dos votos e o apuramento dos resultados não garante a pessoas sérias quaisquer garantias de estar livre de vícios.
É claro que este quadro, manifestamente favorável ao partido da situação, não é estranho para a maioria dos dirigentes políticos da e na oposição, cujo comportamento e práticas recorrentes mais identificados com as dos comerciantes, vêm já manifestando aos olhos mais atentos o sentido de cumplicidade contra a vontade honesta do eleitorado nacional, confundindo mesmo a oposição e a situação política. Tão abusivo comportamento demonstra, não só, desrespeito e falta de sensibilidade perante os problemas mais profundos do eleitorado nacional e a consequente vontade de alternância do poder como denota gritante falta de vocação política, o que é notável pela falta de acção política, estruturação efectiva de programas de governo e falta de planos concretos de governação. Por isso, constitui verdadeiro elogio alistá-los ao quadro de cúmplices de um processo de distorção daquilo que devia ser a primeira oportunidade de exercício consciente de direito de eleger, uma vez que as primeiras eleições gerais caíram em descrédito devido ao emperramento que causaram a dinâmica democrática que se esperou efectiva com a renovação periódica dos mandatos.
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