quarta-feira, 30 de março de 2011

DA SUSPENSÃO E EXPULSÃO DE DEPUTADOS À ASSEMBLEIA NACIONAL

A propósito do inquérito contra o General Abílio Kamalata Numa


Albano Pedro


Tornaram-se mediatizadas as acusações impendendo sobre o deputado e General Abílio Kamalata Numa, Secretário-Geral da UNITA dando conta de estar a incitar as populações da região do planalto central à rebelião entre outras acusações não menos graves que o colocaram no centro das atenções da imprensa nacional e internacional numa altura em que crescia a tendência generalizada para a manifestação popular marcada para 7 de Março motivada por debates e cruzamento de opiniões nas redes sociais da internet por indivíduos não claramente identificados. As consequências de tais acusações são a instauração de um inquérito tendente a instrução de um processo conducente a sua expulsão da Assembleia Nacional. O que faz emergir o debate em torno das causas legais sobre a suspensão e expulsão de deputados a Assembleia Nacional. É, contudo, preliminar conferir que a disciplina normativa dos deputados a Assembleia Nacional se encontra estabelecida a partir da Lei Constitucional (art.º 151 º e Seguintes) em que perfilam as condutas sancionáveis e como tais susceptíveis de fazer incorrer o deputado a sanções como a suspensão ou perda de mandato. Embora ao deputado seja imposto um regime normativo especial e como tal ordinário (Lei Orgânica do Estatuto do Deputado), interessa descartar a possibilidade de chamar tal legislação a análise por razões puramente hermenêuticas no contexto sistemático das leis em vigência. Tais razões inscrevem-se no facto de que as normas especiais apenas afastam as normas gerais (Lex specialis derrogat lex generalis) pelo simples facto de melhor interpretarem estas facilitando a aplicação da norma geral. Nunca, para lhes afastar o conteúdo como supõe a mentalidade técnica férteis em imaginação. Daqui importa a conclusão de que em momento algum a Lei orgânica do Estatuto do Deputado ou outra norma ordinária deve prever sanções mais graves que as previstas na Lei Constitucional sob pena de inconstitucionalidade. O que faz bastar ao raciocínio jurídico sistemático a análise da Lei Magna nesta matéria.
A Lei Constitucional é clara quanto as causas da perda de mandato dos deputados. Elas ocorrem em situações legais estanques, i.e, mediante um elenco normativo atreito ao “numerus clausus” em que as causas mais abertas e próximas ao caso estão ligadas a sanção por conduta indecorosa aplicada ao deputado (art.º 152º, alínea d). O que seja conduta indecorosa lesiva dos deveres e da dignidade da função parlamentar é uma questão de interesse hermenêutico remetida à responsabilidade normativa da Assembleia Nacional. Porém, vale adentrar a questão para percebermos o que pode vir a ser surpreendido na conduta do General Numa como sendo conduta indecorosa. O que desde logo nos leva a análise da conduta efectivamente manisfestada.
O General Numa sustenta em depoimento escrito, e de fácil interpretação, em sua defesa que a conduta indecorosa de que é acusado “Trata-se de uma greve de fome e não de violação de nenhuma lei ou desrespeito a nenhuma autoridade.” E em sua própria defesa adianta conferindo que em nenhum momento uma greve de fome pode ser considerada uma atitude subversiva. Pelo contrário ela constitui um instrumento de utilidade corrente em países democráticos em que se pretendem coartar direitos fundamentais e que o recurso ao mesmo representa uma forma de persuasão impossível de ser interpretada como perseguindo fins ilícitos e muito menos indecorosos. Pelo que apenas em Estados anti-democráticos uma greve de fome serve de pretexto para a expulsão de um deputado. Mais se impõe persuadindo que os seus actos em concreto reduziram-se ao simples facto de se ter sentado junto da esquadra em que se encontrava detido o indivíduo que queria ver libertado por razões que percebeu manifestamente injustas.

É verdade que se tal greve de fome resultou em prática de alguma ilegalidade (suposta libertação do individuo detido), deve levar-nos a questionar sobre que parte terá falhado. Se a policia representando a autoridade Estadual no caso ou se o deputado que assumiu a conduta ética e politicamente pressionante. Quem falhou? O que a fotografia lógica demonstra é o facto corrente de que as autoridades policiais e administrativas certamente habituadas a persuasões corruptivas se viram incapazes de interpretar os comandos da Lei e da ordem ante a uma entidade que para além de deputado a Assembleia Nacional é um dos maiores e mais respeitados generais da nossa história militar recente. E de facto quem não está habituado a ver na Lei o critério único da ordem social e política se “deixa” perder em situações de ocorrência democrática e legal como uma greve de fome manifestada diante de um posto de polícia.

De todo modo, fazer de uma greve de fome, lagalmente pacífica um acto de desgraça nacional ao ponto de levar ao afastamento da Assembleia Nacional um dos seus membros que com o acto manifestado demonstrou estar mais próximo do ideal da democracia perseguido pelo povo que o parlamento representa, é no mínimo um exagero sobre as possibilidades de aplicação da Lei e um grave sinal de intolerância política que em nada abona o sentimento de justiça que deve emanar da vigência do actual sistema jurídico-constitucional.

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