sábado, 5 de março de 2011

O PARADOXO DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS III

DAS COMUNIDADES MARGINALIZADAS PELO SISTEMA ECONÓMICO


Albano Pedro


Na agitação metropolitana de Luanda, onde os preços de bens e serviços exorbitam em todos os cantos e os salários mais aceitáveis voam com a velocidade das especulações e da alta dos preços, é difícil acreditar que existem mercados que configuram verdadeiros “oásis” económicos para aqueles que se encontram nos níveis mais baixos dos rendimentos mínimos. Nesses “oásis” económicos encontramos preços e medidas pouco comuns na maioria das lojas e mercados urbanos. Na verdade são micromercados que garantem a sobrevivência de todos daqueles que se sustentam com menos de 1 dólar/dia conforme estatísticas habituais de organizações internacionais quando medem as economias dos países subdesenvolvidos ou em via de desenvolvimento como o nosso. Esses micromercados, nalguns pontos também popularmente conhecidos como “arreiou – arreiou”, chegam a ser centros de transacções de mercadorias estipuladas com preços extraordinariamente baixos para estarem ao alcance de famílias que enfrentam a miséria extrema. As medidas são igualmente extraordinárias: Por exemplo uma mão cheia de tomate do úcua (espécie pequena) chega a custar 5,00 kwanzas, uma cápsula de cerveja em garrafa com óleo vegetal chega a custar 10,00 kwanzas entre outros “incríveis” do género. É um quadro que espelha a marginalização da economia angolana ao extremo ao ponto de resultar na confusão finalística da comunidade e do mercado. Ou seja, se aquele persegue a estabilidade pela solidariedade este persegue o ganho assente no egocentrismo da concorrência comercial e como tais incompatíveis. Porém, a miséria e a necessidade de sobrevivência humana faz questão de harmoniza-las numa balada que torna profuso o ritmo progressivo da pobreza das populações circunscritas em comunidades periurbanas.

É uma realidade que não deixa de arrepiar valores fundamentais consagrados na Lei Constitucional através de princípios inscritos como direitos e liberdades individuais: verbi gratia, direito à vida (art.º 30º), direito à integridade pessoal (art.º 31º), direito à livre iniciativa económica (art.º38º), direito ao ambiente (art.º 39º) entre outros; assim como através de princípios inscritos como direitos económicos e sociais tais como o de saúde e protecção social (art.º 77º) ou mesmo inscritos no sistema de organização económica nacional. Não deixa de se fazer referência ao princípio da dignidade humana enquanto valor inerente a conservação e preservação da espécie humana em sociedade, enquanto conquista dos movimentos constitucionais pós-medievais e consagrado em todas as constituições democráticas, mesmo as mais conservadoras ou centralistas, como elemento cardeal de convivência social.

Em tais micromercados, embora estejam patentes valores de solidariedade humana, faltarão, de modo flagrante, valores inerentes ao direito ao ambiente pela ausência gritante de higiene e de elementos mínimos aceitáveis para a conservação e preservação da saúde pública. Pois, não raro, tais micromercados passeiam toda a sua existência precária em zonas de risco extremo para a saúde humana onde a pestilência das lamas transparecem a envolvência de águas nauseabundas e da fartura de um lixo multiforme em montanhas de tamanhos, aparência e colorações abusivos. E as mercadorias nelas transaccionadas raramente fogem do mesmo quadro sanitário dramático concorrendo no espaço com moscas e outros insectos nocivos à saúde humana. Por isso, resumem-se em mercados da miséria, embora alimentem a maior parte das populações concentradas em zonas periurbanas das grandes cidades.

Com efeito, a nova Lei Constitucional já é alérgica a impunidade do Estado e seus órgãos quanto a violação, por acção ou omissão, dos direitos económicos e sociais consagrados. Para tal, estabelece a possibilidade de recurso judicial contra o Estado, nomeadamente mediante propositura de acções de Responsabilidade Civil, sobretudo quanto aos deveres de materialização dos direitos em referência. Em primeiro lugar, consagra a responsabilidade do Estado e de outras pessoas colectivas públicas (art.º 75º, n.º1). Ou seja “ O Estado e outras pessoas colectivas públicas são solidária e civilmente responsáveis por acções e omissões praticadas pelos seus órgãos, respectivos titulares, agentes e funcionários, no exercício das funções legislativa, jurisdicional e administrativa, ou por causa delas, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para o titular destes ou para terceiros” a seguir (n.º2) reforça estabelecendo que “os autores dessas acções ou omissões são criminal e disciplinarmente responsáveis, nos termos da lei”. Em segundo lugar prescreve as formas de concretização desta possibilidade através do direito de petição, denúncia, reclamação e queixa (art.º73º) e o direito de acção popular (art.º 74º) como mecanismo de impulsionamento de tal responsabilidade, sem prejuízo de outros instrumentos similares ou equivalentes estabelecidos em leis ordinárias. É claro que a falta de implementação de programas políticos pelo partido político no poder resultantes de promessas eleitorais, é em geral punida pelos actos eleitorais dos cidadãos no exercício periódico do direito de voto consagrado pela Lei Constitucional. O que, obviamente não dispensa o concurso dos instrumentos constitucionais mencionados acima em favor da realização efectiva dos direitos económicos e sociais em causa.

Nesta base a existência de tais micromercados, apesar do papel sustentador de uma economia privada de emergência que serve as populações periurbanas, constituem verdadeiros factos ilícitos praticados (por omissão) pelo Estado e como tais constituem-no na obrigação de reparar os danos deles resultantes. Na verdade, o consumo verificado em tais micromercados representam, a mais das vezes, danos irreversíveis a saúde pública e que se reflecte na curta longevidade dos indivíduos no contexto da esperança de vida nacional. Esta responsabilidade é ainda mais evidente quando o Estado se mostra inoperante quanto a necessidade de estruturação de uma economia privada concorrencial que emancipe as actividades económicas informais que constituem na maior parte da actividade económica privada nacional por si só incipiente se comparada com a omnipotente presença da economia pública animada pelos concursos e contratações públicas eivado de critérios de imparcialidade duvidosa. A partir do enunciado constitucional fica claro que os administradores comunais ou municipais responsáveis pela realização de condições necessárias ao bem-estar das populações sujeitas a tais micromercados podem ser criminal e disciplinarmente responsabilizados se os cidadãos organizados entenderem instaurar os referidos processos judiciais ou disciplinares. E isto sem prejuízo da acção judicial sobre a mesma matéria contra o Estado.

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