SEMANÁRIO ANGOLENSE (SA): O Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) diz, num documento que fez chegar à Assembleia Nacional, que a jurista Suzana Inglês não foi legalmente exonerada do cargo de juíza do Tribunal de Menores em 1992. Faz algum sentido este argumento?
ALBANO PEDRO (AP): O facto de ter sido ou não exonerada em 1992 não a torna Juiza ao momento da sua indicação ao cargo de Presidente da CNE porque a legislação eleitoral vigente determina que o magistrado indicado para esse cargo suspende as funções de magistrado no momento que exerce validamente as funções. Isso acontece no acto do empossamento. O que não é o caso. É um argumento tecnicamente infeliz pela falta grosseira de lógica e coerência que manifesta.
SA: Em seu entender, não haverá alguma contradição entre a exoneração que ocorreu em 1992 e a e o Estatuto dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público (Lei n.º 7/94, de 29 de Abril) que terá entrado em vigor dois anos após à exoneração?
AP: Se o argumento de defesa a favor da ilegalidade da nomeação for justificado pela entrada em vigor de novas disposições que regulam a carreira e a condição dos magistrados, então pretende-se lançar mãos aos efeitos retroactivos desse diploma legal para justificar a suposta ilegalidade. Porque, como facilmente se percebe, o estatuto entra em vigor anos depois da exoneração. Salvo nas questões penais em que a nova lei se aplica aos actos e condições passadas desde que beneficie o réu, na generalidade das situações a Lei só dispõe para o futuro. Tem apenas efeitos utractivos, mesmo quando a mesma estabeleça a possibilidade de retroactividade. É um princípio cardeal do Direito relativo a aplicação temporal das normas de uma maneira geral contra a qual só a incensatez técnica nos pode lançar. Não vejo brecha alguma pela qual a aplicação reatroactiva possa passar para beneficiar a declaração da ilegalidade de um acto que no seu tempo nem sequer foi reclamado como tal pelo interessado. Bom seria que essa declaração trouxessem em anexo algum processo de recurso gracioso ou mesmo contencioso que tenha sido movido pela Dra Suzana Inglês por altura da exoneração. Daria maior consistência para a argumentação. De todo modo, penso que para essa polêmica a eventual contradição entre o acto de exoneração e do diploma legal é irrelevente. O foco do problema esta na falta de preenchimento de um requisito legal. O de ser magistrado. E esse requisito não foi preenchido pelo candidato ao cargo de Presidente da CNE ao momento da sua indicação. É esta a verdade incontornável.
SA: O ministro que a nomeou tinha ou não competência para exonerá-la do cargo? Ou, então, existia alguma lei que limitava a competência do titular da Justiça nesse sentido?
AP: Normalmente quem nomeia também exonera. Essa condição vem da lógica formal do sistema jurídico-administrativo e dos principios axiológicos que lhe são universamente inerentes. É bem verdade que a necessidade de promoção da soberania dos tribunais recomenda que as nomeações de magistrados por órgãos externos nomeadamente políticos sejam descartadas. É o que se pretende no novo contexto político em que opção política consensual é favorável ao primado da Lei e a Democracia. Mas não pode ser estranho que assim fosse naquela altura porque por um lado a opção política do Estado vertia o totalitarismo na forma de centralização política das decisões. Nestes sistemas o princípio da separação dos poderes não se observa claramente, porque o partido-Estado é omnipresente, e por isso não faz sentido que se apele pela limitação de competências que estejam de acordo com ideia centralizadora do Estado. E por outro lado, vigorava, como de certa forma ainda vigora, a Lei do Sistema Unificado de Justiça (Lei 18/88) que estabelecia claramente a competência do Ministro da Justiça para nomear e exonerar os juizes dos tribunais provinciais e dos juizes municipais, para estes últimos verificadas determinadas condições legalmente sancionadas. Não me parece haver lugar a práctica de actos estranhos no que toca ao exercicio regular dessa competência.
SA: Colhe o argumento do CSMJ segundo o qual a exoneração de Suzana Inglês foi ferida de ilegalidade, por não ter sido publicada no «jornal oficial competente», ou seja, no Diário da República?
AP: Bem, se a exoneração foi inquinada de qualquer vício de legalidade não me parece inteligente chama-lo a depor em defesa da validade do documento produzido pelo CSMJ. Os actos ilegais devem ser atacados para que deixem de produzir os efeitos correspondentes. E isso faz-se com a práctica de actos que produzam efeitos contrários. No caso seria repor a situação anterior ao vício que se defende existir. Os actos devem ser recorridos graciosa ou contenciosamente. A falta desse exercício denuncia a inércia do interessado desencadeando resultados correspondentes a essa vontade implícita presumida. Uma delas é que a situação se mantém até que a práctica do acto devido (acto que visa afastar os efeitos da exoneração) seja praticado. De qualquer modo, exonerada ou não, o facto é que a Dra Luzia Inglês era advogada regularmente inscrita na OAA ao momento da sua indicação à CNE. O argumento da ilegalidade da exoneração não faz qualquer sentido nessa altura, para além de macular a seriedade técnica e profissional da senhora em causa.
SA: Admitindo-se que a aludida exoneração não produziu os efeitos jurídicos, é legitimo afirmar-se que Suzana Inglês exerceu ilegalmente a advocacia durante vários anos?
AP: Sem dúvidas. O regime das incompatibilidades para os magistrados é claro quanto a incompatibilidade do exercício de advocacia com a acumulação das funções de magistrado judicial ou do ministério público e o estatuto da OAA reconhece tais incompatibilidades como impeditivas do exercício da advocacia. Levaria a suspensão imediata da sua condição de membro dessa corporação profissional impondo o comptente inquérito que levaria a sua expulsão (exclusão, para ser suave) dela em caso de confirmação da sua condição de magistrado judicial. As consequências seriam graves. Uma delas seria a interdição da práctica de actos de advocacia em processos judiciais pendentes em que esteja constituida mandatária judicial para além de recomendar responsabilidade jurídica (eventualmente criminal, civel e até disciplinar) para a Dra Suzana Inglês por exercício ilícito do patrocínio judiciário e dos demais de actos de advocacia previsto no estatuto da OAA.
SA: Por força dessa eventual ilegalidade, todos os actos por ela praticados podem ser considerados ilegítimos e susceptíveis de nulidade?
AP: A ilicitude dos actos decorreriam da prática dos actos de advocacia posteriores a suspensão e exclusão da OAA. Tenho dúvidas que os actos judiciais transitados em julgados em forma de sentenças ou acórdãos sejam susceptíveis de nulidade, mesmo quando não dispensem a responsabilidade jurídica decorrente da falsa qualidade do advogado que os praticou. Até porque não tem interesse nenhum revolver processos com mérito judicial atribuível ao seu conteúdo, uma vez que não beneficiam em nada os réus ou requeridos que neles forem condenados e tão pouco altera a condição de quem deles saiu beneficiado. Já os actos de advocacia em processos judiciais pendentes devem merecer continuidade mediante substituição de mandato judicial, o que não seria o mesmo que substabeler porque este acto implica a manutenção da qualidade profissional de quem o pratica. A substituição surgiria como forma de suprir o abandono do processo pelo mandatário judicial. De todo modo, compete aos magistrados denunciar essa situação no momento do exercício ilicito do patrocínio judicial do advogado irregular.
SA: Que leitura faz da postura do Parlamento que, não obstante os protestos Oposição e aos pedidos de impugnação do acto eleitoral promovido pelo CSMJ, decidiu conferir posse a presidente da CNE e aos restantes membros desse órgão?
AP: Parece que o argumento formal de um órgão conhecido como soberano (embora rigorosamente não seja) como é o poder judicial obriga ao acatamento pela Assembleia Nacional até prova em contrário. É uma questão de procedimento normativo que deve levar os partidos políticos inconformados a proceder em conformidade praticando os actos formais necessários a manifestação do seu descontentamento. Recorrer do empossamento seria uma dessas medidas legais se o abandono da sessão parlamentar como medida política não fossem chamada a acudir a pretensão da oposição em contrariar a práctica de um acto considerado ilegal.
SA: Não haverá nenhuma arrogância ou sobranceira do partido maioritário em relação às demais forças da oposição?
AP: Politicamente a questão pode ser vista como demonstração de uma certa petulância política fruto da folga que confere a maioria parlamentar de que goza o partido no poder. Porém, o facto é que as razões legais de procedimentos, como disse, podem justificar validamente a atitude do partido no poder. O que é certo é que os partidos insatisfeitos longe de abandonarem o parlamento são legalmente obrigados a impugnar o acto porque o empossamento, até prova em contrário decorrente de decisão judicial contrária, presume-se conforme a Lei. É tolerável que os partidos políticos tenham mecanismos expontâneos, mesmo com eficácia duvidosa, para solução de problemas urgentes, desde que não sejam aplicados em detrimento da lei que é o critério geral de tolerância entre os cidadãos, senão resultam sempre em atitudes irreflectidas que como tais merecem sempre a justa sensura da sociedade.
SA: Este gesto poderá colocar em causa a transparência e a lisura do processo eleitoral?
AP: A transparência e a lisura do processo eleitoral está posta em causa desde o início e cristalizou-se com a aprovação do pacote eleitoral. Até agora miriade de actos ilegais foram praticados com o conhecimento claro da população eleitoral. Alguns mais relevantes que outros mas todos tendendo para a fraude geral das eleições deste ano. O que se passa agora é tão só o seguimento de um conjunto de actos para manter a linha lógica que o processo vem tomando desde que começou.
Muito boa noite a todos, comecarei por descrever que sou jovem estudante universitario e tenho acompanhado atentamente todo esse desenrolar sobre a CNE, pouco tenho a dizer se nao lamentar a forma como os nossos dirigentes tem dirigido o destino do nosso pais de forma unilateral e pouco ortodoxa. Nada ganhamos com isso se nao descontentamento e discordia...
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