segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O DIREITO A LIVRE CIRCULAÇÃO

UM COMPLEMENTO NECESSÁRIO AO EXERCÍCIO DA CIDADANIA



Albano Pedro


É normal que se pense que o direito a livre circulação esteja restrito a liberdade das pessoas em movimentarem-se para qualquer lugar ou espaço físico de carácter e natureza pública em todo o território nacional e desta percepção deduzir-se a aceitabilidade da restrição do exercício deste direito em determinados espaços físicos nomeadamente em zonas delimitadas constitucional ou legalmente nos quais se incluem os locais em que se encontram instalados os serviços dos órgãos de soberania do Estado. Mas, o que se pretende aqui é tornar evidente uma realidade pouco percebida pela maioria de nós. Trata-se da limitação deste direito ou liberdade se quizermos por omissão do Estado lá onde devia ser exercido normalmente. Uma dessas realidades é a falta de vias de comunicação terrestre que liguem os povos de modo a uniformizar o exercício de direitos de cidadania para além de promover a eliminação das assimetrias sociais e económicas nas diferentes partes do território nacional.

Uma experiência amarga a propósito desta limitação é a que é vivida pela maioria dos povos do leste de Angola. Os povos das províncias da Lunda Sul, Lunda Norte, Moxico e Kuando Kubango vivenciam essa realidade todos os dias ao ponto de acontecerem situações tão bizarras que arranham as nuvens do insólito como esta: “O Sr. Sakamunga é um pensionista da caixa social militar que tem a vida praticamente empatada em viagens constantes entre Mavinga, onde vive, e Menongue no Kuando Kubango devido a necessidade de levantar a pensão mensal para alimentar a família. Uma vez que a agencia do BPC de Mavinga nem sempre tem dinheiro para os clientes deste banco naquele municipio, o senhor faz um incrivel trajecto apeado de 15 dias para Mengongue em busca de dinheiro e mantimentos e de 15 dias para o sentido inverso levando mantimentos comprados com o dinheiro da pensão. O insólito esta no facto de que quando ela chega de volta a Mavinga ja a pensão do mês seguinte venceu. O que o leva a emprender a viagem de regresso repetindo o infinito ciclo. E deste modo vai passando a vida nesta terra sem usufruir praticamente de nada dos prazeres que a convivência familiar possam oferecer, já que chega mesmo a ter filhos e netos nascidos sem o seu acompanhamento”. É um depoimento colhido de um cidadão angolano cuja inexistência de estradas entre o seu município e o resto da província o obriga a ter uma existência social quase impossível. Este senhor, a semelhança de muitos outros angolanos na sua condição, não experimenta a cidadania em todas outras vertentes devido a dificuldade de circulação em que se encontra preso, levando-o a ter uma visivel existência permanentemente ambulatória.

A maioria das populações do leste de Angola vive este problema. Ouvi há algum tempo, da parte de um governante ligado ao sector, que a falta de investimentos significativos em estradas na zona leste deve-se fundamentalmente na falta de um índice desejável de habitantes naquela região já que os investimentos públicos são priorizados de acordo com índice populacional. Cabinda esta com o mesmo problema em relação ao resto do país e parece que a lentidão com que se procura implementar o projecto de construção de uma via rodoviária que ligue o enclave ao resto do país nada tem haver com índices populacionais.

Não preciso ser expert em economia para perceber que grande parte das assimetrias económicas e sociais que dividem as populações do leste e as populações do litoral de Angola seriam facilmente eliminadas se o projecto de construção de estradas fosse desenvolvido em todo territorio nacional atendendo a simples e imperiosa necessidade de ligar as populações independentemente do seu índice.

O que é facto é que a livre circulação de pessoas e bens é, por hoje, um dos mecanismos que impulsiona a livre iniciativa e promove o esforço individual de cada cidadão ao combate contra a pobreza pela comercialização e troca de bens e serviços. O que é sensível sobretudo no interior do país. As populações que ainda não conseguem exercer este direito vivem toda a sorte de necessidades básicas e muitas delas se encontram em condições de vida quase deshumanas quando comparadas com as populações da zona do litoral de Angola que gozam de marcado privilégio no que toca a vias de comunicação terrestre e ao exercício desimpedido deste direito. Dixit.

Sem comentários:

Enviar um comentário