segunda-feira, 19 de março de 2012

DAS BUSCAS E APREENSÕES

UM COMENTÁRIO SOBRE A ACÇÃO DA PGR CONTRA O BISSEMANÁRIO FOLHA 8

(PUBLICADO NO SEMANÁRIO ANGOLENSE)


A comunidade angolana foi surpreendida com um mandato da PGR que resultou na apreensão de todo o material informático do bissemanário Folha 8, conforme relatou o director deste periódico em comunicado de iimprensa datado de 15 de Março do ano em curso. A surpresa resulta do facto de terem sido levados todos os equipmentos da redacção do referido bissemanário dando a evidente sensação de ter sido levado todo o equipamento útil e necessário para o fncionamento do mesmo ao ponto de não haver certeza se o bissemanário voltará a sair para a rua ou não. Da mesma forma, levanta o problema sobre a razoabilidade da medida tomada, i.é, se era necessário uma medida do género, nos termos da Lei ou se não representa mais um excesso das autoridades públicas em meio aos vários excessos que se praticam contra as iniciativas e as actividades privadas sempre que não vão de encontro com os interesses dos agentes e autoridades públicas. Mais. Este acto entremeia-se a uma miríade de outros actos que se compreendem no tumultuoso ambiente que se arrasta para as eleições deste ano ao ponto de levantar interrogações justificáveis sobre a possibilidade de tamanho acto representar uma “réplica” sobre o movimento dos partidos políticos na oposição e da sociedade civil contra as irregularidades que se apresentam na organização do processo eleitoral.

Para que o equivoco, não se precipite sobre as várias ilações possíveis convém tranquilizar as pessoas que um mandato de busca e apreensões assinado pel PGR, dando lugar a respectiva acção conduzida pela DNIC ou outros agentes legalmente autorizados, é sempre possível desde que incidam sobre objectos suspeitos de constituirem provas sobre um crime ou crimes cometidos ou com fortes indicios de terem sido cometidos. Contudo, é necessário que haja um processo instaurado sobre a pessoa que titula ou possue os bens sujeitos a apreensão. Mais ainda, o sujeito suspeita ou seu representante legal (advogado, no caso) devem estar presentes e confirmarem os bens apreendidos, embora a Lei admita situações muito raras em que a confirmação do suspeita ou arguido não seja possível, e como tal, desnecessária.

De todo modo, serve advertir que as buscas e apreensões têm como finalidade a reunião de provas contra a pessoa do suspeita ou arguido no processo em fase instrutória, quando a fase judicial venha a prescindir deste procedimento. Então, faz sentido que se façam buscas e apreensões apenas quando esteja em curso um processo judicial (em fase preparatõria ou não) contra a pessoa cuja bens são sujeitos a busca e apreensão.

O procedimento reveste uma solenidade tal que obriga aos agentes em diligência de busca e apreensão a registarem e catalogarem (os termos são nossos) minuciosamente os bens sujeitos a essa acção. Afinal, os bens não deixam de ser titulados por quem tenha sido sujeito a esse procedimento. Aqui vem uma situação que vale a pena tomar nota que consiste na responsabilidade civil decorrente deste acto por parte das autoridades chamadas a diligenciar a acção. Ou seja, os bens apreendidos uma vez cumprida a sua missão probatória, quando não sirva os intentos das autoridades devem ser repostos ou no caso de servirem estarão em posse das autoridades até que a função probatória dos objectos cesse (deixem de ser fundamentais para o processo). O que acontece geralmente quando o réu acaba sendo preso com sentença transitada em julgado ou quando é absolvido da instância ( aqui a função de meios de prova dos objectos cessam completamente). Se as autoridades não devolvem os objectos aprrendidos depois de cessarem a função probatória correspondente são civilmente e ou criminalmente responsabiizados conforme o enquadramento legal que se der a acção ilicita que incida sobre os bens apreendidos. No caso de devolverem com defeitos ou danos, estes devem ser reparados ns mesmos termos que impõe a responsabilidade civil. Ora, acontecendo que os bens apreendidos não tenham sido selados e com lista descritiva dos mesmos não assinadas por testemunhas idóneas, nos termos da Lei correspondente, os agentes e a coropração correspondentes (em caso de solidariedade) podem ser responsabilizados por bens que não tenham se quer aprrendido, contando que o proprietário dos bens declare terem existido no momento da diligência efectuada. Aqui o risco recai sobre a incuria dos agentes mandatados para efectuar a busca e a apreensão dos bens em causa.

Também convem deixar evidente que a busca e apreensão, por norma devem incidir sobre os bens susceptíveis de constituir prova criminal. Não faz sentido por exemplo apreender uma mesa e as cadeiras quando o meio de prova do homicido é a faca que se encontra em cima da mesa em causa. Ou seja, representa execesso na diligência que procura aprrender tudo o que se encontra no local independentemente do valor probatório dos bens encontrados. O que aumenta o risco da resposnabilidade civil dos agentes envolvidos conforme advertimos acima.

No caso em concreto o Director do bissemanário alega, no comunicado, que não impende sbre o Folha 8 qualquer processo judicial. Ora as buscas e apreensões fora dos processos judiciais, justificados por várias razões (dentre as quais a ordem pública) só podem ser feitas mediante ordem conjunta do Ministério do Interior e do Ministério da Defesa ou pelos órgãos locais destes conforme recomendação lega, o que não é o caso. Mais se imputa irregular o facto da busca e aprrensão ocorrer sem a presença do titular ou possuidor dos bens ou seu advogado. E pela força e petulância alegadamente agenciada pelos mandatários da PGR tão pouco, os vizinhos foram chamados a testemunhar o acto, estando ausente a pessoa visada se o processo judicial impendesse sobre a pessoa do Director do bissemanário. A verdade é que as pessoas colectivas não cometem crimes “ societas dilinquere non potest” não sendo por isso possível quqleur mandato de busca e apreensões sobre os bens do bissemanário Folha 8 enquanto pessoa jurídica. Dixit

domingo, 18 de março de 2012

O CONTRATO DE TRABALHO A TERMO INCERTO

PARTICULARIDADES NO CONTEXTO DA SUA COMPREENSÃO E MANIFESTAÇÃO


(PUBLICADO NO SEMANÁRIO ANGOLENSE)


Chegou-me um caso, através de um advogado e “amigo de peito” cujo nome omito propositadamente, que seria estranho se não me propusesse em analizar e neste processo descobrir que se trata de um desvio (error in factum) para o qual vale apena chamar atenção aos operadores do direito e aos trabalhadores que faceiam com os fenómenos e factos jurídico-laborais. Trata-se da questão de saber como devem ser vistas as soluções hermeneuticas decorrentes da coexistência de cláusulas contratuais que identificam simultaneamente dois subtipos do contrato de trabalho por tempo determinado, designadamente o contrato a termo certo e o contrato a termo incerto?

É que quando se tratam de contratos a termo certo (onde são fixados os prazos concretos em que terminam as relações jurídico-laborais) a solução é evidentemente indicada pela natureza claramente temporal do contrato que não deixa dúvidas não só pela redução a escrito deste tipo de contrato como pela clara fixação do prazo no respectivo contrato assim celebrado. Assim, terminado o prazo termina o contrato, com as ressalvas previstas na própria LGT.

Não é o que se passa nos casos de contratos a termo incerto em que o tempo de vigência do contrato não depende de um prazo concreto mas sim da verificação de um evento ou facto que torna assim dependente a duração concreta do contrato. Seja, facto positivo (o trabalhador é contratado para substituir um outro trabalhador que se ausentou por razões de saúde não se sebando ao certo o momento do seu restabelecimento e regresso ao posto de trabalho) seja facto negativo (o empregador contrata o trabalhador para desinfestar o armazém afectado por um substância de cheiro nauseabundo e de forte impacto ambiental até que nada reste da substância em causa). Esta espécie de contrato ou subtipo contratual tem a particularidade de ter a duração completamente dependente da verificação do facto invocado no contrato como causa da celebração do contrato entre as partes.

A particularidade a analizar (do qual vem o proposito do texto) é a situação em que o empregador celebra o contrato com a clara ideia de ser um contrato a termo incerto (porque esta convencido de que o trabalhador foi contratado para efectuar uma determinada tarefa – de natureza temporária e discontínua, como sugerem os motivos do contrato a termo incerto - finda a qual o contrato deixa de ter razão de ser) mas que por perceber que tal facto ou evento tem um prazo previsível de verificação (o empregador tem a clara ideia de quando vai terminar ou começar o evento ou o facto) e coloca no contrato o prazo de fim deste. Ou seja, apesar de estar certo de que o contrato depende de um evento ou facto arrisca, por imprudência ou simples boa fé induzida pela ideia da clareza das cláusulas contratuais, um prazo bem determinado em que se vai verificar a cessação do vínculo laboral. Quid iuris?

Se se verifica uma situação semelhante (como se verificou no caso em apreço) fica bem claro que estamos diante do concurso de cláusulas que caracterizam cada um dos subtipos do contrato por tempo determinado. Ou seja estaremos diante de um contrato por tempo determinado acumulando caracteristicas de dois subtipos seus colocando o desafio claro da sua distinção, já que cada subtipo obedece a um regime processual específico. Verifica-se o facto fundamentador da relação jurídico-laboral (que caracteriza o contrato determinado a termo incerto) e o prazo afixado (próprio do contrato a termo certo). Esta situação nos obriga a remeter o contrato a um dos subtipos para o correspondente tratamento legal por meio de uma clara interpretação normativa. Aqui o conflito hermeneutico se interpõe como uma questão prejudicial que sem a solução devida não é possivel determinar o subtipo contratual em causa para o devido tratamento substantivo e processual.

Então as soluções variam de acordo com o subtipo a determinar pela mais correcta interpretação. Se o processo hermeneutico nos conduzir a um contrato a termo incerto fica claro que o contrato cessa tão logo se verifique a situação invocada como fundamento do contrato. Haja vontade ou não de manter o vínculo. E neste subtipo contratual nem vale falar de renovação de contratos como acontece com os contratos a termo certo em que a razão contratual se mantém mesmo quando o prazo preclude. Nos contratos a termo certo a simples verificação do evento ou facto faz desaparecer imediatamente o vinculo laboral deixando so trabalhadores interessados na sua manutenção sem quaisquer margens para reivindicar elementos periféricos que possam sustentar a sua continuidade. Cessant causa cessant efectus ipsa (o contrato desaparece com a sua causa). É mais do que evidente que o regresso do trabalhador substituido torna inutil a presença do trabalhador contratado para cobrir o posto de trabalho durante a ausência daquele. Do mesmo modo que o fim da desova de uma quantidade determinada de contentores de carga torna desnecessário a presença dos estivadores contratados para este fim quando a empresa não tenha vocação para dar continuidade a actividade para os quais tais trabalhadores foram contratados. E outros exemplos, para ilustrar esta variante de contratos, podem florescer na medida da imaginação de cada um de nós. Daí que um dos fundamentos para esta variante de contrato por tempo determinado seja, inter alias, a “execução, de tarefas bem determinadas, períodicas na actividade da empresa, mas de carácter descontínuo;” (alínea i) do n.º 1 do art.º 15º - LGT).

É claro que no contrato a termo incerto por vezes o prazo é quase explícito porque previsível. É o que se passa com o contrato a termo incerto condicionado pelo regresso do trabalhador em gozo de férias. O facto “regresso” arrasta consigo o prazo do período de férias ficando evidente o momento do regresso do trabalhador substituido. De todo o modo, no contrato a termo incerto o elemento relevante é o facto e não o prazo porque este não vem expresso mesmo quando seja previsível. Afinal, o trabalhador em gozo de férias pode regressar ou não, apezar do fim do prazo ser irreversível. Por isso é que lei favorece a continuidade da relação jurídico-laboral em caso do trabalhadorr não regressar ou em caso de não ter sido sido avisado com antecedência quando o trabalhador substituido tenha regressado no prazo previsto (art.º 18.º, 1 - LGT). O mesmo se passa quando o prazo não seja previsível como é o caso do regresso do trabalhador doente.

Já se o sentido hermeneutico nos levar aos contratos a termo certo a renovação do vínculo laboral é sempre possível uma vez que a causa laboral persiste independentemente do contrato. Aqui tudo depende da vontade negocial das partes e por isso é o subtipo que permite manter a possibilidade de continuidade laboral do trabalhador. E como é óbvio é o subtipo desejável em homenagem a regra da continuidade laboral inspirada pelo valor ético deduzido da hipossuficiência do trabalhador.

Na verdade o conflito hermeneutico não é perfeito no sentido em que venha a causar dificuldades, visto que a claúsula do prazo que faz depender a vigência do contrato esta patente contra o momento da verificação do evento ou facto que está apenas implícito. Por isso a LGT claramente distingue os subtipos contratuais em incerto e certo quanto ao seu termo. Diz a regra de interpretação que o que é claro não carece de interpretação (ubi claris non fit interpretatio) sendo o sentido directamente fixado pela letra da norma interpretada contra o espírito (intenção normativa ou mens legis) da mesma norma. Aquele é objectivo e este subjectivo. O conflito assim não é real porque a regra da intepretação gramatical se impõe claramente a regra contexual ou histórica que vem de um conjunto de factores geralmente incertos como é a natureza do facto causador de uma relação jurídico-laboral por tempo determinado a termo incerto.

Nada obsta que a mais coerente intepretação combine factores objectivos e subjectivos. Tanto é que a interpretação gramatical e a histórica ou contextual podem facilmente coexistir desde que uma e outra vertente não ponham em causa a definição do nomen iuris (sua determinação substantiva) e os posteriores procedimentos que lhes são inerentes como são a fixação do subtipo contratual e a regulação disciplinar que subjazem ao caso sub iudice.

Na verdade, o caso em análise seria estranho à luz do Direito (especialmente laboral) se não decorresse de erro cometido por quem elaborou o contrato e das partes que o celebraram sem cuidar de conferir melhor leitura das respectivas cláusulas. Pois, que a combinação de cláusulas suscpetíveis de levar a perceber uma ou outra variante no mesmo contrato é completamente descartável a luz da LGT e da própria sistemática e lógica científica do Direito vigente em Angola. Destarte, não é difícil perceber que o contrato em causa obedece ao regime do contrato de trabalho por tempo determinado a termo certo sendo certo que ao mesmo se deve verter todo o regime disciplinar e processual deste subtipo contratual no contexto da LGT e legislação complementar. Dixit.