segunda-feira, 14 de outubro de 2013

SOBRE A ENTREGA DE APARTAMENTOS NA CIDADE DO KILAMBA - Albano Pedro

O processo de entrega de apartamentos na cidade do Kilamba para a segunda fase anunciada pela SONIP, na qualidade de concessionária imobiliária do Estado, fora os casos em que é demandada a necessária compreensão dos beneficiários por razões óbvias, tem vindo a registar situações pouco agradáveis aos clientes. De uma maneira geral, verifica-se a entrega de apartamentos de tipologia diferente daquelas a que os clientes se candidataram, tendo inclusive já pago os respectivos montantes. Em consequência, os beneficiários estão a ser obrigados a aumentar os montantes sobre o preço inicial acordado como condição para receberem as chaves, tratando-se de apartamentos mais caros do que o inicialmente escolhido; ou a terem retido os montantes resultantes da diferença entre o preço do apartamento escolhido e o preço do apartamento entregue, tratando-se de apartamento mais barato do que o inicialmente escolhido. É claro que do ponto de vista jurídico a questão, embora única na perspectiva factual (trata-se de incumprimento do vendedor) pode ser vista sob dois prismas. Na vertente da entrega de apartamento diferente daquele previamente pago, a violação do vendedor decorre do acto qualificado como entrega defeituosa da coisa (no caso, apartamento ou imóvel). Na vertente em que os beneficiários estão a ser forçados a pagar mais do que previamente foi acordado em função do apartamento escolhido, o caso é qualificado como alteração unilateral do contrato (porque a vontade é somente da SONIP, quando a lei impõe que a alteração do contrato deve ocorrer por acordo das parte) decorrente de coação moral (as pessoas estão a ser obrigadas a pagar a diferença sob pena de perderem a possibilidade de acesso ao apartamento). Na verdade trata-se de olhar para a uma única moeda escolhendo o campo de visão, se incide sobre a face ou sobre a cora; porém, é uma questão de interesse técnico que apenas aos juristas e advogados interessa esmiuçar. Para os clientes o problema é o mesmo: incumprimento por parte do vendedor. Por isso, estamos perante uma relação anormal entre o vendedor e o comprador, passível de ser tratado tanto pelas normas de contratos quanto pelas normas de consumo. Para este último caso, os organismos ligados a protecção dos consumidores (INADEC, por exemplo) são chamados a intervir, uma vez que se trata de um caso suficientemente público para ser denunciado de modo individual e direccionado. E a anormalidade da relação torna-se mais evidente quando o vendedor no uso de uma certa coação moral força o comprador a adquirir imóvel diferente sob pena de perder os montantes já depositados na conta do vendedor a favor da compra previamente acertada. É bom que fique claro, que a apreciação da responsabilidade do vendedor aqui vertida envolve a DELTA Imobiliária na qualidade de procuradora da SONIP. Ou seja, toda a responsabilidade assacável a DELTA Imobiliária é directamente tributada a SONIP por quanto esta é a mandante daquela empresa que no caso exerce meras funções de mediadora imobiliária como se percebe dos contratos por ela firmados. Desde logo, a questão das vicissitudes judiciáveis decorrentes das aquisições devem ser vertidas contra a SONIP como entidade responsável pelos danos eventuais ou reais deste processo. É uma orientação advocatícia do problema a que os clientes nessa situação não devem descartar para melhor tratarem da situação que os envolve. O incumprimento do vendedor, decorrente da entrega defeituosa ou da alteração unilateral do contrato é inadmissível por lei e importa responsabilidade civil correspondente. Ou seja, a violação do contrato por parte da SONIP (a DELTA Imobiliária está incluída) obriga a reparação de danos causados aos compradores beneficiários (já o dissemos numa das edições anteriores quando tratamos do caso das vendas de apartamentos nesta mesma centralidade). É claro que existe o justo receio da parte dos clientes sobre os atrasos dos processos que venham a ser intentados contra a SONIP e a perda de oportunidade de acederem aos apartamentos. Até porque, a SONIP poderá colocar-se na condição de já não ter efectivamente unidades imobiliárias disponíveis por altura da decisão do tribunal favorável a indemnização por reintegração específica (entrega do apartamento), caso seja essa a decisão do tribunal, embora remota a luz da modalidade promissória do contrato em causa. Na mais suave das hipóteses, a SONIP obriga-se a restituir em dobro os montantes depositados pelos clientes, sem prejuízos de reparação de outros danos (eventualmente morais). Está é das soluções mais patentes pela natureza própria do contrato promessa com sinal como tem vindo acontecer ao longo do processo de vendas na modalidade resolúvel. E sinceramente, não satisfaz as pretensões do cliente que afinal quer o apartamento e não o dinheiro de volta. Por isso, o mais prudente procedimento dos clientes, deve ir no sentido de aceitarem as condições colocadas pelo vendedor num primeiro momento e logo a seguir intentar um processo judicial visando a justa indemnização. Pois, apesar de receber o apartamento, o cliente pode sempre proceder a interposição de um processo visando a justa indemnização pelo incumprimento do vendedor. Assim, o cliente obtém o apartamento e tem os danos patrimoniais e morais reparados recebendo a justa indemnização, leve o tempo que levar o processo no tribunal. Quem sabe se com a indemnização, o cliente ressarcido não vem a pagar as parcelas devidas ao pagamento total do apartamento no futuro? Este mesmo procedimento, deve ser adoptado pior aqueles que tendo pago o apartamento num devido momento apenas receberam tempos significativos depois. A razão é simples: se o pagamento diz respeito a rendas mensais (em caso do processo de compra vir a ser interrompido por qualquer razão – porque neste caso, já o dissemos no outro artigo, os montantes depositados como parcelas de pagamento convertem-se em parcelas de rendas mensais) é justo que o montante cubra as rendas correspondentes aos meses em que o apartamento ficou efectivamente ocupado pelo cliente. O que acontece com a entrega das chaves. O que esta a passar-se é que os apartamentos, mal entregues ou não, tem as rendas pagas para um ano e entretanto a entrega das chaves estão a ser feitas nos últimos meses deste mesmo ano. Como fica os meses já vencidos caso o cliente não possa vir a pagar a próxima prestação anual? Dai ser prudente para estes clientes a interposição, para já, de um processo judicial mesmo com as chaves do apartamento em “mãos”. Quanto aos clientes que se candidataram a apartamentos diferentes e estão a ser obrigados a pagar diferenças monetárias pelos novos apartamentos, se não tiverem dinheiro não é problema. Por agora ficam sem os apartamentos, é claro, mas podem revirar a situação mediante um processo judicial contra o vendedor. Até ser arbitrada a sentença quem sabe se já não estará concluída a nova fase da urbanização? Aí, o cliente recebe o apartamento devido se esta for a decisão do tribunal, avaliadas que forem os justos contornos do pedido. Dixit.

A QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO: O QUE É, QUANDO E COMO ACONTECE - AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICO LEGAIS

Albano Pedro Um texto publicado pelo articulista Cláudio Silva ao Club-K, a propósito da questão da acusação sobre a violação do sigilo bancário pela UNITA que infestou a imprensa muito recentemente, trouxe a baila a questão de saber em que momento ou tempo jurídico-legal é que acontece a quebra do sigilo bancário. No texto, o articulista, identificado como Mestre em Finanças, depois de uma esforçada e plausível abordagem sobre o fenómeno da fraude financeira internacional e a sua relação com os instrumentos legais permitidos para o seu combate, deixou vazar a ideia de que a quebra do sigilo bancário, era, nos dias de hoje, e a luz da recente reforma legal, um exercício ecuménico (ou seja, de incidência subjectiva activa abstracta) permitido no âmbito do interesse público, transparecendo a ideia de que qualquer um num suposto interesse público pode lançar mãos a este instrumento sem quaisquer consequências jurídicas negativas que possam recair em seu prejuízo. Benja Satula, eminente criminalista orientado ao domínio financeiro e produto da nova vaga de juristas angolanos, deixou claro, num entrevista radiofónica, os contornos criminais que envolvem a utilização indevida das informações bancárias longe do vontade do interessado directo que para o caso é um titular de uma conta bancária. Com o posicionamento lúcido deste jurista, ficou evidente que a questão do sigilo bancário pode levantar problemas de interpretação em sectores intelectuais pouco familiarizados com assunto, menos entre juristas atentos. Aliás, essa foi a conclusão de um amigo no facebook a propósito de um debate levantado sobre a quebra do sigilo bancário protagonizado por responsáveis da UNITA contra Mfuka Muzemba. Ou seja, se o problema é claro no domínio jurídico não pode sê-lo no domínio financeiro e para os seus especialistas por uma razão que vale deixar patente: o sigilo bancário tem contornos jurídico-legais cuja compreensão requer uma análise sistemática ou inter-normativa que chama em depoimento diplomas legais que atravessam vários domínios jurídicos, nomeadamente o Direito Civil, Direito Fiscal, Direito Financeiro Interno ou Internacional, Direito Bancário, Direito Penal entre outros. Esta multidisciplinaridade requer uma percepção fenomenológica que apenas um jurista, ou seja, um técnico destro em questões jurídicas, pode tratar com alguma intimidade. Afinal, a hermenêutica jurídica pode estar ao alcance de qualquer um tratando-se da interpretação gramatical e/ou histórica. Porém, não estará ao alcance de leigos em Direito a interpretação sistemática da lei, colocada entre os últimos instrumentos hermeutico-formais que permitem uma clara leitura da norma jurídica e por conseguinte sustentam a actividade de consultoria jurídica. É monopólio de quem está exclusivamente inclinado nas questões jurídicas sem desprimor de quem venha a ganhar habilidades no domínio, independentemente do ramo de formação. Doutra forma não haveria diferença nenhuma entre um jurista e um técnico ligado a um outro ramo de ciência ou técnica quanto a interpretação de uma norma jurídica. Porque todos podem ler e conhecer o conteúdo gramatical de uma norma. Tal como todos podem compreender o contexto histórico em que a norma foi redigida e positivada. Assim se compreende que através destes recursos hermenêuticos elementares o legislador entenda que a publicidade da lei seja o critério suficiente para o seu conhecimento pelos cidadãos seus destinatários, não desculpando por isso o seu desconhecimento depois da sua entrada em vigor (art.º 6.º - Código Civil – CC). Nesta perspectiva, basta que se seja um homem médio (critério justiniano de bonus pater família atribuído ao cidadão com uma capacidade racional mínima). E foi precisamente na questão da interpretação sistemática das normas jurídicas vertentes ao sigilo bancário em que o articulista falhou redondamente a sua tentativa de persuasão analítica colocando em causa a sã compreensão sobre a ratio essendi desta figura do Direito Bancário. Por conseguinte, é neste ponto crítico em que resvalou o mérito do texto de Cláudio Silva que nos propomos a dar algum contributo para uma clara compreensão do conceito de sigilo bancário e as nuances relacionadas aos efeitos que irradia no domínio jurídico, contribuindo assim para o enriquecimento teleológico do pertinente comentário deste intelectual angolano. O conceito de sigilo bancário vem vazado no n.º1 do artigo 59º da Lei n.º 13/05 – Lei das Instituições Financeiras (LIF) cuja interpretação a contrariu sensu da sua exaustiva redacção sugere que o sigilo bancário é o dever profissional de manter em segredo informações que assiste ao funcionário sobre os clientes em relação ao banco enquanto instituição financeira em que se encontra vinculado, protegendo o seu acesso a terceiros em relação ao cliente. No n.º2 do mesmo artigo, o âmbito do sigilo bancário revela-se como compreendendo os nomes dos clientes, as suas contas de depósitos, respectivos movimentos e operações bancárias, e o n.º 3 determina a vigência temporal do sigilo bancário estabelecendo que “o dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços” tornando claro que a cessão do vinculo laboral com o banco não dá possibilidade legal para o trabalhador conhecedor de informações estabelecidas no âmbito do sigilo bancário, como vimos, exponha o seu conteúdo a terceiros. Feita análise, depreende-se que o dever de sigilo bancário recai sobre a instituição bancária; ou seja o banco tem competência subjectiva passiva negativa (ou seja está proibido de executar). Logo, a seguir no art.º 60º são elencadas as excepções ao dever de segredo profissional. Aqui falamos dos casos em que é permitida a quebra do sigilo bancário. O n.º1 estabelece que o sigilo bancário pode ser quebrado por autorização do titular da conta mediante acto escrito transmitido a instituição: fala-se em quebra voluntária do sigilo bancário; já o n.º 2 sugere que quando a quebra do sigilo bancário não seja voluntária (sendo por isso uma quebra coerciva do sigilo bancário), só pode acontecer quando as informações sejam reveladas ao Banco Nacional de Angola (a); ao Organismo de Supervisão do Mercado de Valores Mobiliários (b); ao Instituto de Supervisão de Seguros (c); para instrução de processos mediante despacho do Juiz de Direito ou do Magistrado do Ministério Público (d); e quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo (e). Desde já a revelação de informações dirigidas ao BNA e outras instituições com excepção a ordem judicial, acontece no âmbito do que se pode qualificar como quebra coerciva de sigilo bancário com efeito interno em relação as instituições afins ao banco não podendo em rigor ser qualificada como verdadeira quebra de sigilo bancário uma vez que a informação assim veiculada acaba sendo igualmente protegida. Em rigor, a quebra coerciva de sigilo bancário acontece quando visa alcançar terceiros estranhos ao titular e por conseguinte ao público em geral. É desta quebra coerciva de sigilo bancário com efeito externo ou abstracto que interessa escalpelizar e que vem a propósito do caso. Esta apenas acontece, como vimos, por ordem de uma autoridade judicial. E não qualquer uma. O juiz que ordenar tem de ter a categoria de Juiz de Direito e a lei leva a presumir que do Ministério Público apenas se permite alguém com a categoria de Procurador-geral da República, desfazendo desta responsabilidade os magistrados com a categoria de sub-procuradores. A interpretação é deduzida da equivalência das circunstâncias inerentes as competências subjectivas activas positivas (capacidade de ordenar a execução), i.é, mutatis mutandis. Por isso, defendemos que a quebra do sigilo bancário, sejam quais forem as razões, só pode acontecer mediante uma ordem de uma autoridade judicial legalmente competente em homenagem ao seu efeito externo ou abstracto, fonte efectiva de danos morais e patrimoniais do titular da conta bancária. É certo que a LIF, revoga a Lei n.º 1/99, de 23 de Abril, como resultado de exigências reformadoras impostas pelos desenvolvimentos financeiros internacionais nascidas das grandes preocupações mundiais vertidas ao terrorismo desencadeadas com o remoto 11 de Setembro de 2002 levando a uma corrida desenfreada dos estados a aderirem a instrumentos reguladores das transacções financeiras internacionais, como Cláudio Silva fez questão de panoramizar com alguma exaustão. Porém, não houve nada de novo quanto ao conceito de sigilo bancário e sua limitações na parte que diz respeito a quebra coerciva externa do sigilo bancário, que é afinal a quebra susceptível de tornar pública a informação protegida no âmbito do segredo profissional. Esta forma de quebra continua a ser monopólio das autoridades judiciais (e ainda assim da mais elevada categoria funcional como vimos) sempre que por razões processuais sejam obrigados legalmente a fazê-lo. A quebra coerciva externa do sigilo bancário assiste a várias razões. Umas são completamente lícitas. É o caso da quebra do sigilo profissional em razão da exposição da conta do titular falecido, cujo saldo bancário entende-se necessário para efeitos de inventário do património atinente a herança em eminência de partilha entre os sucessíveis ou a necessidade de se averiguar a capacidade patrimonial do cônjuge com dever de alimentos em relação ao outro que se recusa em cumprir com as suas obrigações. Os casos de ilicitude estão fundamentalmente afunilados a fraude fiscal e ao branqueamento de capitais. Em todos os casos de quebra coerciva externa do sigilo bancário, sejam por factos lícitos sejam por factos ilícitos, tem de haver um processo judicial em curso, ainda que em fase de instrução preparatória para os casos de crime. Em resumo, são dois os requisitos cumulativos que assistem a quebra coerciva externa do sigilo bancário: 1) que seja ordenada por uma autoridade judicial competente, 2) que haja um processo judicial em curso. Desde logo, nenhuma outra pessoa ou instituição seja pública, privada ou mista, está legalmente autorizada a proceder a quebra coerciva externa do sigilo bancário. Sobre isso não há excepção nenhuma. Assim, não colhe o argumento segundo o qual a quebra coerciva externa do sigilo bancário protagonizada pelos membros do Conselho Nacional Jurisdicional (CNJ) da UNITA contra a suposta conta bancária do Secretário-geral da ala juvenil desta organização partidária seja feita no puro e inocente interesse público. Quanto às consequências jurídicas da violação do segredo profissional, que corresponde a prática de actos violadores do sigilo bancário a margem das prescrições normativas oportunamente analisadas acima, adverte-se que é neste particular que a questão da sistemática jurídica, em que se estatelou o conteúdo teleológico do texto do articulista em exame, é chamada a prestar o seu depoimento. Desde logo, a própria LIF remete ao Código Penal a disciplina sancionária para efeitos criminais (art.º 65.º) sem prejuízo de outras formas de sanções previstas de modo abstracto no ordenamento jurídico angolano. Este aspecto remissivo da lei restabelece o momento mais evidente da multidisciplinaridade jurídica da questão. Por isso, não basta que seja apenas tutelado criminalmente. Há violações flagrantes de direitos de personalidade tutelados no âmbito do Direito Civil (art.º 70.º e seguintes - CC) donde a responsabilidade civil vertida a reparação de danos morais (art.º 496.º - CC). Para os danos patrimoniais, que também podem se lhes anexar danos morais, surgem da responsabilidade por factos ilícitos (art.º 483.º - CC) e são avaliados mediante os prejuízos efectivos contraídos pelo titular da conta em razão da informação sobre as suas contas e os aspectos que lhe são inerentes no âmbito do segredo profissional. Do ponto de vista subjectivo, a responsabilidade jurídica recai sobre o banco em razão da relação contratual estabelecida com o titular da conta. Porém, na relação interna causadas pelas normas laborais e sustentadas pelas relações obrigacionais comissionárias, o banco verte a responsabilidade ao funcionário que faltar com o dever de segredo profissional. Aqui, a situação é tecnicamente denominada como relação de comissão (art.º 500º - CC) onde a culpa e a mera culpa serão elementos de ponderação para a viabilidade da responsabilidade civil do funcionário em causa. Quanto a responsabilidade criminal, o titular está obstruída pela lei de demandar judicialmente o banco. As pessoas jurídicas não têm vontade própria, logo não podem delinquir ou cometer actos criminais (societas delinquere non potest). Assim, a responsabilidade criminal, ficciona a inexistência da pessoa jurídica (instituição) e ataca a pessoa física envolvida no caso. Esta ficção permite, ao titular demandar judicialmente a pessoa do funcionário, a despeito da representação legal da instituição recair em pessoa diversa (Administrador ou Presidente do Conselho de Administração). Pois, a responsabilidade criminal só recai em função do cometimento efectivo do acto pela pessoa do acusado em homenagem ao carácter individual do acto criminal. Outrossim, a pessoa ou instituição que instigar ou causar a quebra coerciva externa do sigilo bancário poderá ser responsabilizada cível e criminalmente por arrolamentos de factos independentes do acto praticado pelo funcionário visado. Embora, em casos de crime possa vir a ser julgado como autor moral entre outras categorias subjectivas activas criminais, não fica livre das consequências próprias da violação de direitos de personalidade que em matéria penal podem causar a condenação por crimes difamação (quando a informação revelada é verdadeira, porém longe da vontade do seu titular) e/ou de calúnia (quando a informação é falsa, imputando verbi gratia ao titular uma conta bancária que não seja sua). Para estes casos, a tutela penal é prescrita pelo art.º 407.º e seguintes do Código Penal. Finalmente, a prova obtida por meios fraudulentos não pode ser apreciada em tribunal perdendo assim qualquer valor probatório que dele se possa extrair. Dixit.

A PGR E A DENÚNCIA PÚBLICA DE ACTOS CRIMINOSOS: A QUESTÃO DA POSTURA LEGAL NO ESTADO DE DIREITO E DEMOCRÁTICO - Albano Pedro

Ao longo das semanas antecedentes a comunicação social doméstica pulverizou a percepção e ao debate da opinião pública o diferendo que opôs a UNITA através do seu órgão de jurisdição e o seu militante Mfuka Muzemba, Secretário-Geral da sua ala juvenil e Deputado a Assembleia Nacional através de um contraditório alimentado por réplicas e tréplicas que transpareceu um conjunto de actos e factos acusatórios imputados as partes susceptíveis de responsabilidade criminal e civil como actos de corrupção activa e passiva, suborno, violação de sigilo bancário entre outros. Para a comunidade político-partidária tal exercício representou uma clara demonstração de abertura democrática da parte da UNITA como raramente acontece em outros partidos, incluindo o partido no poder. Há pois, a percepção centralista de Estado que vaza a ideia de que os partidos políticos são corpos paralelos ao Estado e os interesses que veiculam não são necessariamente consentâneos com o interesse do próprio Estado (interesse colectivo e difuso) e como tal os diferendos entre os seus militantes são estranhos a própria sociedade merecendo um tratamento diferenciado revestido de completa descrição numa atitude que passou a ser identificada por um adágio popular: “Roupa suja se lava em casa” numa clara homenagem a ideia monista de Estado ultrapassada formalmente em 1992. Para a opinião pública, esta percepção sectária de filiação político-partidária foi quebrada de modo exemplar expondo um problema interno aos olhos do eleitorado destinatário último dos interesses partidários em Estados de vocação legal e democrática. Uma coragem elogiosa que certamente imputável aos militantes que tiveram a coragem de partilhar os interesses partidários com o vasto publico eleitor e que marca um dos raros momentos encorajadores da sofrível democracia angolana. E o exercício contraditório, de tão rico em factos, trouxe um conjunto de situações novas, ou pelos menos pouco habituais na praça pública como foi a polémica sobre quebra do sigilo bancário, cujos contornos jurídicos tivemos a oportunidade de escalpelizar neste espaço através de um longo comentário, entre outras questões de interesse público e particular que rechearam o conjunto do processo em análise. Com todos os elogios que o debate pôde arrancar, pecou entretanto na forma como foi publicamente tratado. Pois, tendo sido revelado um conjunto de actos e factos imputáveis as partes e rotulados como criminosos, a imprensa não seria a única interessada em esclarecer as questões que foram levantadas e colocaram em causa o bom-nome, não só das partes directamente envolvidas directamente, como de pessoas com cargos públicos de reconhecida importância. Numa sociedade regida pelo primado da lei a revelação a público, nomeadamente pelos órgãos de comunicação social, de factos susceptíveis de incriminar as pessoas envolvidas e de revelar condutas desordeiras que arrepiam as normas de direito penal, não seria um mero exercício de liberdade de imprensa no âmbito da sua missão de satisfação de interesse público por meio da informação. Seria também preocupação do Estado procurar o esclarecimento de tais factos, sobretudo daqueles que põe em causa a sã convivência colectiva e como tais rotulados como condutas criminais de interesse público, i.é, crimes públicos. Na verdade, o Estado dispõe de um órgão cuja missão essencial é, inter alias, o exercício da acção penal e a defesa dos direitos de outras pessoas singulares e colectivas no exercício da acção penal (art.º 189.º, n.º1 – Lei Constitucional – LC (Constituição da República de Angola segundo o legislador). E esse órgão é a Procuradoria-Geral da República (PGR) que é por sua vez constituído por outros órgãos, designadamente: o Ministério Público (MP), o Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público e a Procuradoria Militar. É certo que a sistemática constitucional estabelece uma ordem de precedência orgânica que coloca o MP entre as primeiras enunciações normativas tratando-se de esquematizar a organização e o funcionamento da PGR, engendrando justificada confusão para quem se empresta aperceber a natureza jurídica deste órgão do Estado. Todavia, cabe ao MP o exercício da acção penal em se tratando de tutela judicial dos direitos e interesses criminalmente relevantes. Em circunstâncias normais, a PGR teria intimado as partes em diferendo procurando arrancar delas as verdades dos factos …por meio de uma instrução processual tendente a apreciação e decisão judicial. Pois, os factos por si de interesse público foram, para agravar, veiculados por um partido político, vocacionado a gestão do Estado e um militante com funções de representante do povo, no exercício do cargo de Deputado a Assembleia Nacional. Pela denuncia do crime de corrupção activa e passiva, a PGR, através do MP, devia convocar as partes por meio de competente notificação, convidando as partes a demonstrarem as provas dos factos veiculadas em tribunal. Há já vários episódios que demonstraram a capacidade de iniciativa do MP diante de denúncias públicas de factos susceptíveis de responsabilidade criminal, em que este órgão da PGR deu inicio a acções criminais por meio de denúncias públicas veiculadas pela comunicação social. Os exemplos completamente públicos dispensam descrição. O caso da rapariga (Mingota) que foi sujeita a mau atendimento numa das unidades hospitalares públicas vindo a falecer por manifesta responsabilidade do seu corpo clínico é um deles. Ora, tratando-se de denúncia sobre crimes públicos como é a corrupção activa e passiva envolvendo pessoas com grandes responsabilidades políticas é completamente inexplicável a atitude de passividade do MP. Pois, arrepia a mais ínfima sensibilidade jurídica que factos criminosos de interesse público passem pelas barbas de um órgão como é o MP com toda a serenidade possível como se não estivéssemos num Estado de Direito e Democrático. Que haja uma explicação sobre a razão dessa postura, se nada estiver a ser feito em nome da legalidade. Dixit.