terça-feira, 24 de junho de 2014

A CULTURA DA MENDICIDADE INSTITUCIONAL E A NEGAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO EM ANGOLA - Albano Pedro

Há quem se sinta feliz por ouvir falar em crescimento da economia angolana segundo os relatórios das mais credíveis instituições financeiras do mundo; que as cidades estão a ser construídas e com elas as estradas, que surgem cada vez mais escolas e mais hospitais no âmbito do programa do Executivo. As imagens da televisão pública (que é estatal apenas) povoam os sentidos com um suposto “paraíso de betão” reflectindo glórias que se percebem em outras realidades do mundo moderno. Com elas nasce a ilusão de bem-estar que bafeja a maioria esmagadora dos angolanos sem referências de uma vida organizada, digna e próspera desde os mais remotos momentos do nascimento desta República que cedo mergulhou nas profundezas das mais vis opções políticas e económicas de que restam tristes memórias relacionadas com a pobreza extrema. E quem se rebela contra esta ilusão procurando alertar da necessidade de um desenvolvimento sustentável urgente aproveitando o crescimento da economia é visto como opositor do programa do executivo que aponta para o “rumo certo”. E então a ignorância generalizada estimulada pelo fanatismo político-partidário impõe-se contra os esforços dos cidadãos sérios e realistas. Infelizmente, os angolanos não conseguem perceber dos seus profetas (os intelectuais) a mensagem segundo a qual o crescimento não é (e nunca foi) sinónimo de desenvolvimento económico. E disto resulta que o crescimento económico confundido com o desenvolvimento acaba sendo uma realidade que não se reflecte na qualidade de vida das pessoas, na realização do indivíduo ou do cidadão angolano, humilde ou grande. Sob este prisma Angola se tornou num país incapaz de fazer feliz as pessoas porque não existe um crescimento do índice de bem-estar próprio do desenvolvimento. O que percebe claramente com a falta de um sistema de saúde em que as pessoas possam confiar nos serviços médicos e hospitalares. Qualquer um de nós, com dinheiro ou sem ele, morre em qualquer unidade hospitalar por falta de qualidade de assistência médica. Da mesma forma, não existe qualidade de ensino, seja de base, médio ou superior. Qualquer um de nós, com bastante dinheiro ou sem ele, não obtém formação académica de qualidade seja nas escolas ou universidades públicas, seja nos colégios ou universidades privadas. Não existe uma economia privada (a única capaz de desenvolver qualquer país). As empresas privadas que prosperam são aquelas que dependem das oportunidades do Estado dadas pelos concursos públicos. E sob este aspecto, estas empresas podem ser consideradas empresas públicas (do ponto de vista funcional), já que nunca sobreviveriam se operassem exclusivamente no domínio privado onde a taxa de mortalidade das empresas é inevitavelmente dramática. O que os cidadãos pouco percebem é que um Estado tem uma missão concreta para cada um de nós, tomado no conjunto chamado povo. O Estado não existe por acaso. A sua tradicional finalidade se reporta a dois aspectos necessários a realização dos indivíduos: a segurança e o bem-estar. A segurança obtém-se com a paz militar e com a ordem pública inibidora da criminalidade e dos excessos do poder público dentro de um sistema de justiça organizado e funcional, mas o bem-estar obtém-se com o desenvolvimento. Nessa ordem o fim almejado por todos (ainda que de modo inconsciente) é o bem-estar a alcançar com desenvolvimento, sendo a segurança um meio para realizar esse sonho que é afinal sinónimo de felicidade. Ou seja, o Estado angolano tem a missão de tornar todos angolanos felizes através do desenvolvimento. O desenvolvimento de uma sociedade não resulta do esforço do Estado em parte nenhuma do mundo. Não parte do Estado para o povo, mas da soma dos esforços dos indivíduos para o Estado. É das famílias e das empresas privadas que vem o desenvolvimento. Resulta pois da organização de uma economia privada devidamente estruturada pelo sistema financeiro onde um mercado de capitais forte que comanda toda a dinâmica dos agentes económicos. É do esforço de cada um em busca da satisfação das suas necessidades que surge a interacção económica num jogo que coloca as partes em contacto tendente a satisfação recíproca, guiados por aquilo a que Adam Smith, histórico economista inglês denominou “mão invisível”, (lei da procura e oferta) que é o único mecanismo regulador da economia. Pois, economia alguma regulada por decretos (economia planificada ou centralizada) pode sobreviver a esta lei natural. O exemplo da economia planificada dos anos 80 em Angola é elucidativo dessa verdade. Ou seja, a natureza estabeleceu regras para que a economia se auto-regule de tal maneira que sempre que o Estado nela intervenha (pelo menos directamente como ainda acontece entre nós) ela constrange-se dramaticamente. Para os religiosos esta lei é uma ordem divina “ do suor do teu rosto comerás o pão” disse Deus a Adão ao expulsá-lo do paraíso. Com esta ordem Deus determinou a economia de mercado assente na livre iniciativa e todos os modelos económicos que contrariam essa lei natural nunca prosperam. Não é por acaso que as economias centralizadas (controladas pelo Estado) empobrecem dramaticamente os seus cidadãos colocando-os numa mendicidade angustiante (Ex-URSS, Cuba, Coreia do Norte, etc.). Angola viveu intensamente essa realidade nos anos 80 com demonstrações de pobreza generalizada entre os cidadãos (governantes ou governados) levando a emergir dessa situação um Estado Criminoso em que os governantes transformaram-se em delapidadores crónicos do erário público. Pelo contrário, os modelos de economias em que o Estado tende a libertar-se da missão de “alimentar” o povo declinando a triste função paternalista para com os cidadãos. Conferem maior liberdade aos indivíduos, permitindo que estes com sua criatividade e ambição em realizar sonhos e satisfazer necessidades imediatas desenvolvam o todo; a sociedade. A China que percebeu esse recado da natureza suprimiu ao mínimo o Estado centralista preferindo um modelo híbrido onde a economia foi libertada ao império da liberdade dos indivíduos; a democracia económica. O resultado óbvio dessa opção inteligente dos seus dirigentes é a prosperidade da economia que a torna actualmente numa das maiores potências económicas do mundo realizando parte significativa dos seus cidadãos através da prosperidade e do bem-estar. É a partir desta realidade que ao longo da História universal recente (desde o século XVII) se verificaram verdadeiras revoluções (primeiro intelectuais e depois políticas) em busca dos melhores modelos económicos que realizassem a ideia de segurança e bem-estar das pessoas nascendo o Estado constitucional (Estado moderno e que sobrevive ao pós-modernismo); ou Estado legitimado pela soberania dos indivíduos. Os Estados estamentários (organizados em estamentos – classes sociais rígidas e incomunicáveis entre si: clero, nobreza, burguesia e camponeses) proliferaram pelo mundo até que na Europa surgiu a revolução burguesa em França pondo fim a estrutura de relações económicas injustas. Assim nasceu o Estado Liberal iniciado em França, que pelas características fluidas das relações económicas atreladas ao puro império da vontade dos indivíduos passou a ser conhecido pela máxima “Laissez faire laisses passé”. O que reflectia a ideia de completa liberdade dos agentes económicos resultando no extremo das relações injustas do Estado estamentário. Cedo o Estado Liberal atraiu uma crise crónica levando a que os mais ricos dominassem os mais pobres em prejuízo da ideia da harmonia social augurada com a queda da monarquia. Desta crise nasceu a ideia do Estado Neoliberal onde o poder público devia protagonizar a chamada intervenção indirecta na economia. Devia apenas regular as relações económicas e nunca participar delas como um agente activo, nomeadamente criando empresas e dominando os negócios privados. As características do Estado Liberal que consistiam num Estado que não se “intrometia” na vida dos cidadãos desapareceram dando lugar a um Estado polícia para as relações económicas. Ora a crise do Estado liberal, levou Karl Marx a teorizar a necessidade do fim das relações desiguais na economia pretendendo o fim dos ricos. Essa ideia, eternizada no tratado em dois volumes denominado o Capital (Das Kapital), foi levada ao extremo por Vladimir I. Lenin e Engels que acabaram por levar ao delírio o povo russo fundando o quimérico Estado comunista (URSS) que colocava fim a propriedade privada e as relações económicas opondo pobres e ricos colocando tudo a mercê de um pretensa ditadura do proletariado no auge desta forma de Estado. O Estado Neoliberal ganhou assim novas nuances chegando a vagar noutras partes do mundo como Estado Social, fora o extremo alcançado pela ideia da ditadura do proletariado. Actualmente o Estado social enfrenta o processo de síntese entre o Estado liberal e o Estado centralista modelando as relações económicas em nome da justiça e harmonia social tendente a segurança e ao desenvolvimento dos povos. Em Angola sobrevive a lógica do Estado centralista operado no remoto período do pós-independência. Onde a ideia defendida por Agostinho Neto segundo o qual “O mais importante é resolver os problemas do povo” empresta ao Estado uma roupagem paternalista cuidando das necessidades de todos os angolanos. Há quem pensa que o Estado comunista desapareceu. Pura ilusão. As características actuais do Estado angolano são precisamente as mesmas de um Estado centralista. O Estado é o principal agente económico (com algum rigor, o único) monopolizando a própria procura e oferta. A economia privada foi suprimida ao mínimo possível (continua suprimida desde 1975) sobrevivendo a rasca no sector microeconómico informal, onde por “acréscimo” os seus agentes imbuídos numa luta de sobrevivência atroz enfrentam o próprio Estado (caso das zungueiras perseguidas e maltratadas, quando não são assassinadas por agentes de autoridade pública). Essa lógica de organização torna impossível o desenvolvimento de Angola, na medida em que o desenvolvimento de qualquer economia que seja depende absolutamente da iniciativa privada. O resultado desta lógica que levou a economia angolana a “encravar” (não tendo qualquer possibilidade de marchar adiante) é a vigência de uma mendicidade institucional, caracterizada pela hegemonia do Estado na decisão da vida dos próprios cidadãos que começa com o provimento do emprego público. O empregado público é humilhado pelo próprio Estado sendo reduzido a mendigo e dependente. Recebe tudo do Estado: viatura, casa, viagens e outros benefícios. Por conseguinte a sua criatividade é nula e a capacidade de enriquecimento deixa de existir gravitando o desejo a volta de um comodismo que o leva a aguardar pela aposentadoria. Sente então uma sensação anestésica conferida pela sensação de conforto pela renda de sobrevivência olhando com desdém aqueles que procuram sobreviver no violento campo da economia informal vergastados pelo próprio Estado centralizado e uma sensação de alívio visita a espinha para levar a crer que estamos numa economia em franco progresso. É a base da cultura da mendicidade estabelecida pelo Estado que força os jovens criativos e sonhadores ao dormente campo do funcionalismo público afastando-o de áreas de realização com potencialidade para garantir prosperidade em ambiente de economia privada. Os criadores de artes e os inventores, esse núcleo humano que impulsiona o desenvolvimento com suas ideias e inovações é marginalizado pelo próprio Estado que não tem como emprega-lo nos seus serviços não permitindo igualmente que sobrevivam por conta e risco próprios. É o Estado contra o bem-estar dos indivíduos desejando sustentar a todos com base na triste máxima “o mais importante é resolver o problema do povo”, quando na verdade seria o povo a resolver os seus próprios problemas cabendo ao Estado regular as relações sociais e económicas. O resultado da actual estrutura económica angolana é a exacerbação da cultura da incompetência, do clientelismo e da corrupção e a ausência gritante de meios lícitos de enriquecimento. Sendo quatro as fontes comuns de enriquecimento (salário, renda, lucro e herança) e duas as formas especiais – eventuais - de enriquecimento (jogos de fortuna e azar e indemnizações), o facto é que nenhuma economia centralizada permite o surgimento de qualquer delas. Em economias organizadas para atender a iniciativa privada, os salários capazes de criar riquezas são pagos pelo sector privado e assim nascem milionários (basta ver os artista de cinema, músicos, gestores de empresas prosperas, etc.). Essa riqueza criada pelo sector privado estimula a renda, o lucro que se transmite por herança. Por outro lado, os cidadãos prósperos conseguem investir em jogos de fortuna e azar e os prémios de jogos realizam outros cidadãos, embora poucos. Um país onde existem cidadãos prósperos, alguns processos judiciais exigindo indemnizações (raparação de danos) realizam igualmente outros cidadãos, tornando-os abastados. E assim a sociedade marcha para a riqueza dos indivíduos e, em consequência, para o desenvolvimento. Os sintomas de uma economia que dá espaço para a iniciativa privada são fáceis de detectar: a existência obrigatória de um Bolsa de Valores e Derivados que estimule a organização e o funcionamento do mercado de capitais, instrumento imprescindível para nascimento e crescimento de uma economia privada sustentável. Segue-se a facilidade de criação de empresas; de legalização da propriedade imobiliária que facilite e garanta o crédito ao investimento entre outros elementos dinamizadores de uma economia orientada para o desenvolvimento. Disto surge a iniciativa privada que se verifica com o crescimento e prosperidade dos profissionais liberais (artistas e prestadores de serviços em nome individual); a estratificação económica dividindo cidadãos que detém riqueza e que não precisam trabalhar para mantê-la (ricos), cidadãos que realizam riqueza pelas ideias e materialização das mesmas (classe média) e cidadãos que ajudam a realizar a riqueza com os seus esforços emprestados a terceiros através do trabalho (classe baixa). Tudo acontece espontaneamente, bastando apenas ao Estado regular a economia para que as relações não evoluam em prejuízo da segurança e bem-estar dos indivíduos. A democracia política realiza-se com a democracia económica e a nossa triste realidade é que não nasce democracia política porque não existe democracia económica. Sobre isso Karl Marx chamou atenção alertando que a superestrutura (política), como realidade imaterial ou ideológica, é o reflexo de uma realidade material e tangível que denominou estrutura (economia). O quadro actual em Angola é de uma economia absolutamente pública (centralizada) que cria cidadãos-parasitas (povo) e cidadãos-criminosos (governantes) onde os cidadãos honestos que procuram sobreviver numa economia informal são tomados como marginais, invertendo a pirâmide dos valores morais e éticos da sociedade. Por conseguinte aqueles que dependem do aparelho do Estado foram reduzidos a cidadãos incapazes de sobreviver numa economia de concorrência onde a competência é determinante para a qualidade de oferta de bens e serviços e para o consequente enriquecimento dos cidadãos capazes. Oferecendo carros, casas, viagens e tudo mais, o Estado angolano arrasta as forças produtivas ao campo do comodismo e não estimula a participação do sector privado que é afinal o único garante do desenvolvimento económico que levará os angolanos a experimentar a segurança e o bem-estar nunca vividos desde a independência de Angola. É caso para dizer “que um Estado que emprega a sua melhor força de trabalho no funcionalismo público enterra os seus cidadãos no ócio e no comodismo arrastando a sociedade ao empobrecimento e a miséria”. No mínimo tais cidadãos deviam merecer aumentos constantes de salários com vista ao ajustamento das capacidades de aquisição permitindo a aquisição autónoma dos seus bens e a satisfação discricionária das suas necessidades. Atribuindo viaturas e casas normalmente padronizadas o estado cria um exército de cidadãos-parasita devidamente identificados nas vias públicas estampando uma grosseira humilhação contra um povo que procura dignidade e prosperidade legitimando assim uma verdadeira cultura de mendicidade institucional como negação do desenvolvimento de Angola. Destarte, soam irónicos e até insultuosos os discursos de certos governantes apelando a juventude para não enveredar no consumo excessivo de álcool e apostar no aproveitamento das suas energias e potencialidades criativas, como se tais jovens tivessem alguma alternativa proporcionada pela estrutura económica vigente, visto que é o próprio Estado que combate o desenvolvimento dos indivíduos desviando-os dos seus objetivos claramente realizáveis numa economia privada de cujos escassos espaços de manobra asfixia de forma evidente. Se há quem defenda o modelo de organização económica vigente em Angola baseada na omnipresença do Estado na economia (agindo mais directamente do que indirectamente) e no excessivo e doentio paternalismo institucional que fique claro: Angola nunca e jamais terá uma economia desenvolvida e por conseguinte nenhum angolano vai sentir-se verdadeiramente próspero conquistando plena dignidade. Dixit. Fonte: Jukulomesso.blogspot.com

2 comentários:

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