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domingo, 16 de outubro de 2016
ALBANO PEDRO ENTREVISTADO PELO JORNAL O CRIME
O DIREITO E A JUSTIÇA EM ANGOLA
A Justiça enquanto mecanismo de harmonização de interesses é a finalidade da aplicação das normas jurídicas. O Direito nasceu como meio de realização da Justiça evoluindo da Moral, da Ética e de outras ordens de resolução de conflitos sociais e se tornou numa das maiores invenções humanas por ser o mecanismo mais afinado de harmonização de interesses sociais e que acabou por formar e consolidar o Estado. O Direito e a Justiça começam por ser duas realidades complementares e correlactivas nas sociedades modernas que nasceram com o modelo de Estado constitucional. Hoje, o Direito faz a Justiça e a Justiça é feita com base no Direito.
Em Angola, o Direito vem de uma realidade histórica pré-colonial (Direitos não escritos) e de um processo de colonização (Direito positivo). Não é homogéneo e é contraditório no processo de regulação da sociedade decantando uma harmonização de feições costumeiras e uma regulação de feição legal. Em consequência, traz a baila duas formas de realização da Justiça. Uma Justiça assente em valores costumeiros e uma Justiça feita com base nas leis. Isso significa que a Justiça em Angola é feita pelas instituições tradicionais e públicas, embora o Estado chame a si o monopólio da Justiça feita com base nas leis quando na Lei Constitucional – LC (Constituição, para alguns). Há pois uma fragmentação jurídica no processo de realização da justiça que não abona na identidade jurídica dos angolanos e a justiça acaba sendo realizada fora dos interesses dos grupos sociais de acordos com a sua inclinação para o direito costumeiro ou do direito legal. É por isso, que defendemos uma nacionalização do Direito angolano (fazendo convergir a dimensão ocidental das leis trazidas pela colonização e a vertente costumeira trazida da tradição jurídica maioritariamente bantu) para que se verifique a devolução da identidade jurídica na cultura dos povos de Angola e a justiça se realize de forma harmonizada.
É um problema nascido do fim da colonização e que se afirmou na ordem jurídica e no sistema de justiça de Angola, logo após a independência. Durante o período de partido único, este problema não foi patente, porque o Partido-Estado assentava na força político-ideológica e não força do Direito e da Justiça para harmonizar a sociedade. Isso foi assim até 1992, altura em que foi lançada a ideia do Estado de Direito e Democrático que não passou do papel até hoje. Com a aprovação da LC de 2010, o Direito e a Justiça continua a ser ambivalente e dessincronizado. Essa bicefalia jurídica deve ser esbatida ou nivelada para que a Justiça seja homogénea e isso ainda é um processo pouco claro decorrido 40 anos. Precisamos de uma reforma acelerada do Direito para que responda as exigências da Justiça.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA EM ANGOLA
O problema de organização judiciária é institucional e normativo. Do ponto de vista institucional, os tribunais e os serviços de registos, notários e outros que realizam a o Direito vão ganhando novos serviços, novos funcionários qualificados e novas instalações. Contudo o problema de atendimento e da satisfação dos serviços ainda está por resolver. Há regras administrativas e deontológicas que são violadas por constrangimentos devido as condições de trabalho e da falta de qualificação profissional em muitos casos e no fim as pessoas não se sentem satisfeitas com os serviços prestados. O que engendra a corrupção e a cultura do facilitismo. Do ponto de vista, normativo, as leis vão avançando mais do que a organização física do sistema de justiça. Notamos, por exemplo o surgimento da nova lei de organização dos tribunais comuns que não encontra estruturas e meios para funcionar.
ÓRGÃOS E SERVIÇOS AUXILIARES DA JUSTIÇA EM ANGOLA
Não temos ainda a quantidade desejada de advogados. É um processo é verdade, mas quem perde com isso é o cidadão que não tem acesso ao Direito e a Justiça por falta de defesa adequada. A figura do defensor oficioso está a ser trocada pela de Defensor Público e tudo piora nesse aspecto, porque o defensor Público é um juristas e país não tem juristas suficientes para espalhar pelo território nacional. A Defensoria Pública deveria funcionar com a Defensoria Oficiosa durante algum tempo até um deles desaparecer. Temos uma Ordem dos Advogados de Angola sobrecarregada pela ausência de vários outros serviços. A falta de Solicitadores por exemplo coloca os advogados na condição de autênticas relações públicas levando papéis de um lado para o outro sem se concentrar na sua função essencial que é compilar documentos de natureza jurídica (contratos, leis, regulamentos, etc.) e de resolução de conflitos. Precisam-se solicitadores para que se profissionalize os advogados para aquilo que é a sua função e realização de justiça.
O reconhecimento de documentos, legalização de propriedade e toda corrida atrás dos processos burocráticos nas instituições com vista a obter documentos é tarefa de um Solicitador e não de um Advogado. Há por isso, a banalização do advogado no nosso mercado por causa dessa função acessória completamente alheia a sua função. Há ainda, o problema da corporização dos advogados. Temos os modelos de escritórios de advogados que não profissionalizam os advogados que devem evoluir para empresas de advogados onde os profissionais são sócios e não subordinados entre um patrono e estagiários que mais não fazem do que obedecer a métodos de trabalho de modo cego. Mas também temos o problema de falta de serviços de Investigação Privada (feita pelos Detectives Privados) para auxiliar o trabalho de recolhas de provas nos casos cíveis, já que nos casos de crimes os Serviços de Investigação Criminal tratam disso.
A Justiça tradicional e os serviços de mediação de conflitos vão ganhando espaço num processo lento em que não é muito patente a sua capacidade efectiva de dirimir conflitos devido a presença esmagadora da força institucional do Estado. Só a sentença do Tribunal é vinculativa ao nível das instituições públicas. Há ainda um debate sobre a vinculatividade das decisões dessas instituições para que sejam cada vez mais solicitadas e inspirem maior confiança, embora sejam as mais capazes de impor celeridade na realização da Justiça.
TRAMITAÇÃO PROCESSUAL NOS TRIBUNAIS ANGOLANOS
Nesse ponto, os tribunais e os serviços de registos de direitos são os mais viciados. Há excesso de burocracia que levam a tomada de decisões em tempo pouco útil. Há problemas de falta de pessoal e instalações físicas suficientes para atender a demanda crescente, mas os direitos não se realizam em tempo útil.
REALIZAÇÃO DO DIREITO E DA JUSTIÇA EM ANGOLA
A bicefalia da justiça (costumeira e legal) leva que os cidadãos e repartam em preferências na composição dos conflitos. Mais do que isso, chagam a ser empurrados para a Justiça Costumeira pelo excesso de burocracia e falta de celeridade processual em Angola. Afinal a própria cultura jurídica do cidadão é bicéfala: Carece de um nivelamento para que os níveis de abstenção nos tribunais desapareçam na medida do aperfeiçoamento administrativo dos tribunais.
GARANTIA DE OBSERVÂNCIA DOS DIREITOS HUMANOS
É um problema que começa do próprio Estado (instituição) porque os direitos humanos (direitos, liberdade e garantias) consagradas na LC são entravadas, por acção ou omissão, pelos agentes, serviços e órgãos do Estado. É aqui que se estabelece uma maior colisão entre o Estado e o cidadão e leva ao descrédito deste sobre aquele.
( Entrevista concedida ao Semanário: O CRIME)
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