domingo, 16 de outubro de 2016

PORQUÊ É QUE A TRANSIÇÃO POLÍTICA EM ANGOLA É URGENTE E NECESSÁRIA? ENTREVISTA DE ALBANO PEDRO AO CLUB-K

Entrevista com Albano Pedro, jurista, advogado e docente universitário angolano para uma reflexão sobre os 40 anos de independência de Angola e dos assuntos mais candentes da actualidade, incluindo a defesa pública que faz a favor de uma transição política entre os angolanos que leve o pais a estabilidade política e ao desenvolvimento harmonizado e sustentável. VENTILA-SE QUE É AUTOR DA LISTA DO GOVERNO DE SALVAÇÃO NACIONAL QUE LEVOU A DETENÇÃO DOS 15 JOVENS ACUSADOS DE TENTATIVA GOLPE DE ESTADO. QUER FALAR SOBRE ISSO? Fui surpreendido com essa constatação a partir de uma matéria publicada no site Club-K em que se dizia que a PGR teria aproveitado a discussão que iniciei nas redes sociais como um dos argumentos probatórios desta grave acusação contra os jovens. Mas é claro que pensar não é crime, ou é? Sou uma pessoa dada a reflexão de assuntos estratégicos e me caracterizo como estratega e organicista. Estratega porque penso sempre os actos em termos de consequências futuras e organicista porque acho que o futuro deve ser sempre programado, organizado previamente. Quando lancei o desafio de compor um Governo de Salvação Nacional por meio de opiniões espontâneas ocorreu-me a necessidade de perceber até que ponto é que, nós angolanos, estamos preparados para o surgimento de um novo governo (renovado do topo a base). Há várias razões para pensar assim. Temos um Presidente da República que está a conhecer os últimos momentos do seu mandato. Sinceramente não acredito que JES termine o mandato depois de 2017, contando que venha a candidatar-se e a ser eleito. Está velho e precisa de reformar-se. Mas também percebo que os poderes que detém viciaram o sistema político nacional de tal maneira que a sua saída do poder também é problemática e deve ser analisada desapaixonadamente a bem do interesse colectivo dos angolanos. A propósito disto escrevi e publiquei um artigo sobre os perigos que ameaçam a estabilidade da governação do Estado. E como percebo que há muitos problemas que podem vir com a interrupção do seu mandato, venho reflectindo cenários necessários para mantermos a estabilidade política. Aliás, a Concertação é um desses mecanismos com qual tenho raciocinado as soluções possíveis para que nós, os angolanos, não venhamos a perder a oportunidade de reconstruir a pátria e manter a continuidade da nação a partir da paz que foi arduamente conquistada. Mas é claro que não sou autor ou co-autor de Governo de Salvação Nacional nenhum, não tenho pretensões eleitoralistas e muito menos penso em exercer poder político. Não está nas minhas prioridades porque não vejo carreira profissional nisso. Toda a minha participação em iniciativas políticas não passam de pura manifestação de solidariedade de um cidadão que quer um país cada vez mais digno para os seus cidadãos em que todos sejam vistos sem descriminação no acesso as oportunidades que proporciona. Nada mais. MAS ESTÁ LIGADO A INCIATIVA SOBRE A TRANSIÇÃO POLÍTICA EM ANGOLA, OU NÃO? Pois, aqui está um dos pontos fulcrais sobre a minha percepção estratégica e organicista da realidade política angolana. Recentemente tive a oportunidade de me debruçar sobre essa questão num debate promovido pela OMUNGA em Benguela. Está claro que vivemos um momento histórico em que começa a se tornar evidente que temos problemas políticos graves herdados de um débil processo de libertação que culminou com a proclamação da independência em 1975 e que devem ser necessária e urgentemente debelados da nossa realidade social sob pena de colocar em crise a convivência dos angolanos nos próximos anos, sobretudo a medida que nos aproximamos das próximas eleições. Os sinais evidentes são a insegurança do poder instituído face a uma sociedade cada vez mais atenta aos seus direitos e que reivindica a sua própria liberdade e a violência gerada pela relação entre governantes e governados que assistimos todos os dias. Tudo começou quando os três movimentos (FNLA, MPLA e UNITA) disputaram, muito mal, o controlo do poder político e os resultados não podiam ser mais desastrosos para todos nós. Do fim da colonização portuguesa, nasceu um Estado com feições puramente ideológicas e políticas e sem qualquer sustentabilidade jurídica e o resultado foi a usurpação da soberania do povo pelo partido-Estado que, ao invés de reconhecer o estatuto de cidadania dos angolanos promovendo os seus direitos e deveres para com a pátria e a nação, transformou-nos todos em militantes com o célebre slogan “o Povo é o MPLA e MPLA é o povo”. Assim nasceu um país de militantes; de gente preocupada em defender o partido, quando devíamos ter uma sociedade de cidadãos, preocupados em defender os interesses de todos nós a fim de construirmos uma pátria e nação plurais e progressivas onde a liberdade humana e os direitos de cada um de nós, a segurança e o bem-estar de todos nós fossem as prioridades absolutas de quem governasse a sociedade. De lá pra cá, promovemos ideologias falsas e vazias de conteúdo como unidade nacional, patriotismos baseados em interesses puramente partidários que viciaram a cosmovisão da maioria dos angolanos aos dias de hoje. Razão pela qual resistimos a necessidade de conciliação entre os angolanos cujo processo reiniciou em 1992 com os acordos de Bicesse que levaram o MPLA e a UNITA a reassumirem os compromissos de reconstrução de uma sociedade assente no respeito supremo das leis e da soberania devolvida ao povo através do modelo de Estado de Direito e Democrático. A falta de realização deste ideal tem traduzido uma crise crescente entre angolanos provocando um crescendo nas tensões que assistimos entre as forças políticas que controlam o poder e aquelas que almejam o seu controlo, estando na oposição. O que vem arrastando a sociedade para um clima de violência em que o povo se tornou vitima das disputas políticas comprometendo a segurança e o bem-estar que tanto almejamos. Portanto, não há momento mais oportuno do que esse para falarmos da necessidade de introduzirmos um processo de reconciliação de todos os angolanos, a que chamamos CONCERTAÇÂO, para se devolver aos angolanos o espírito de solidariedade com a Pátria e Nação traduzido na devolução efectiva do espírito de cidadania para que Angola entre num processo de recuperação da sua identidade cultural, social, histórica, política e económica promovendo a sua imagem como um país de referência em termos de desenvolvimento e realização do bem-estar de cada angolano e de cada estrangeiro que queira viver no seu território. QUAIS SÃO AS LINHAS DE FORÇA DESTA CONCERTAÇÃO? Vale chamar atenção que a CONCERTAÇÂO que defendemos é uma ideia colectiva defendida por um grupo de cidadãos que abraça a via de uma solução não violenta dos problemas políticos que opõe a oposição política e o poder instituído e comporta essencialmente quatro formas de transição, a saber: (1) a transição militar; (2) a transição constitucional e jurídica; (3) a transição política e (4) a transição económica. Gostaria de alertar que a ideia da CONCERTAÇÃO foi lançada a pública para um amplo debate e é natural que a posição argumentativa que assumo nesta entrevista não seja completamente convergente com a ideia defendida pelos restantes agentes deste movimento. PORQUE SE FALA EM TRANSIÇÃO MILITAR? É verdade que, entre nós, tocar em assuntos militares é suspeita. Por tudo ou nada pensamos em guerras que podem se desencadeadas a qualquer momento, não sei por quem, tanto é assim que até se tornou num discurso intimidatório na actividade política para calar este ou aquele político ou partido quando pensa em interpelar ou indagar o poder instituído. Mas o facto é que Angola precisa de Forças Armadas Republicanas. Forças armadas que dependam da Assembleia Nacional para agir e intervir em defesa dos interesses do Estado e não do Presidente da República. A CONSTITUIÇÃO DIZ QUE O PRESIDENTE É O COMANDANTE EM CHEFE DAS FORÇAS ARMADAS. PRETENDEM ALTERAR ESSE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL? É claro que as forças armadas têm que ter um comandante-em-chefe, que via de regra é o Presidente da República. É assim em toda a parte do mundo. Não vamos inventar a roda nessa altura que precisamos de sensatez no redireccionamento do Estado angolano. O que defendemos é que precisamos de ter forças armadas que apenas se movimentam, no plano operacional, com a autorização da Assembleia Nacional enquanto órgão que representa a soberania dos angolanos. Numa palavra: precisamos ter forças armadas controladas pelo povo e não pelo Presidente da República. Porque a movimentação das forças armadas implica custos financeiros que são assumidos pelos cidadãos enquanto contribuintes e leva vidas humanas que apenas vale a pena quando estão em causa interesses nacionais. O que se passa connosco é que temos um corpo de militares completamente dependente de que chefia o Estado. Isso periga a própria estabilidade da democracia. A qualquer momento, quem está no poder pode transformar-se num ditador, mesmo que venha da oposição defendendo liberdade e democracia para os angolanos, porque tem as forças das armas a sua disposição. Assim, nenhuma democracia se solidifica entre nós. Por isso é que defendemos como a primeira das transições necessárias para o lançamento de um Estado de Direito e Democrático. E A TRANSIÇÃO CONSTITUCIONAL E JURÍDICA? Como disse atrás, Angola nasceu como um Estado com mera natureza política. Um Estado com deformação congénita e alta diminuição jurídica. Os poderes instituídos não tiveram a legitimidade necessária para serem vistos como órgãos soberanos. Portanto, não tivemos nem constituição e nem Estado na acepção jurídica. Qualquer constitucionalista que mereça respeito sabe do que falo…! MAS JÁ TEMOS UMA CONSTITUIÇÃO DESDE 2010… Não uma Constituição convergente que reflicta no essencial a vontade pura da soberania do povo angolano. É verdade que foi manifestado um poder Constituinte originário detido pelo povo através das eleições de 2008 e o Poder Constituinte Derivado, titulado pelos deputados a Assembleia Nacional com aprovação da Constituição de 2010. Na minha opinião doutrinária, enquanto estudioso e docente de matérias constitucionais defendo que o Estado angolano nasceu juridicamente apenas em 2010. Mas, continuamos a experimentar uma constituição que não reflecte a alma do povo; o sentir, o estar e o ser dos angolanos. Além, disso, a Constituição vigente coloca graves, e inexplicáveis limites ao exercício da soberania do povo. São proibidos os referendos constitucionais, o povo não pode eleger o Presidente da República enquanto órgão que exprime a sua própria soberania…Então uma Constituição aprovado pelo servo (deputados) a mando do senhor (povo) como é que coloca limites ao próprio senhor? Há uma aberrante inversão de posições, não é? O ideal para nós é que a Constituição seja referendada, ou seja, votada pelo povo, tal como os nossos vizinhos congoleses democráticos o fizeram no fim do mandato de Mobutu, para termos uma constituição no interesse genuíno dos angolanos. A NOSSA CONSTITUIÇÃO NÃO É DO INTERESSE DOS ANGOLANOS? Em alguns casos não. Veja por exemplo a elegibilidade do Presidente da República que foi retirada aos angolanos? Alguém foi consultado para dar a sua opinião se estava ou não interessado em declinar o seu poder de eleger directamente o Presidente da República a favor de um modelo de eleição em que o Presidente da República é eleito em simultâneo com o partido político em que milita? É claro que não. É a nossa autodeterminação como povo, a nossa soberania, que foi afectada. Isso leva a que muitos angolanos, não vamos já falar da maioria, não se reveja nesta constituição. E depois, não se admitem candidatos independentes, nem a Presidente da República nem a deputado a Assembleia Nacional. Para não falar da bandeira nacional e do hino nacional que nunca foram sufragados pelo povo enquanto detentor da soberania nacional. Então, onde está a soberania do povo que vem estipulada no artigo 3º da Constituição? Por isso é que eu chamo por Lei Constitucional e não Constituição. Escrevo assim nos meus textos de opinião. Precisamos de uma Constituição que seja convergente aos interesses da maioria, senão de todos, angolanos. É uma das garantias de estabilidade política e de desenvolvimento, porque a constituição é o primeiro garante da certeza e segurança jurídica de toda a sociedade para que a paz seja um facto e o desenvolvimento seja previsível e exequível. No que toca a ordem jurídica defendemos uma nacionalização do sistema jurídico em que a identidade cultural dos angolanos manifestada pelos costumes seja reflectida nas normas jurídicas. Não podemos continuar a pensar que o feitiço não é um problema jurídico porque não vem plasmado nas leis, não podemos continuar a ter dois casamentos porque o povo acha que a união de um casal deve ser feita no estrito respeito do alambamento (casamento costumeiro) quando a lei mantém o modelo de casamento ocidental. Nacionalizar o Direito angolano significa reconhecer as boas práticas do costume ocidental que a nossa ordem jurídica comporta e uni-las a identidade nacional promovendo uma identidade cultural harmoniosa entre os angolanos. Porque legislar é transformar a cultura de um povo em normas jurídicas. O que significa que é necessário que os angolanos se revejam nas suas próprias leis. Só assim, é que o povo respeita a lei espontaneamente porque passa a reflectir a sua própria identidade cultural. Na verdade foi para isso que se conquistou a independência nacional. É para os angolanos viverem de acordo com a sua própria maneira de estar e ser, senão não fazia diferença nenhuma em manter a colonização portuguesa. COMO É QUE PENSAM A TRANSIÇÃO POLÍTICA? A transição política é o ponto central da concertação. Porque entendemos que não há possibilidade de alternância política em Angola uma vez que as eleições não dão sinais de virem a produzir resultados favoráveis a mudanças de partidos políticos no Governo. Portanto, não há alternância política em Angola e em consequência a democracia como tal não é concreta porque a vontade do povo não se exprime genuinamente, sendo manipulada através dos resultados eleitorais. O que necessitamos é de uma SANEAMENTO POLÍTICO… SANEAMENTO POLÍTICO? Precisamos de promover um ambiente de fortalecimento das instituições políticas, jurídicas e democráticas para restauramos a confiança política que se perdeu algures no tempo ou nunca existiu mesmo entre os angolanos. Percebe-se que vivemos um momento em que o partido no poder não quer perder o controlo do Estado porque está em causa a sobrevivência política e histórica dos seus militantes. Como vivemos num pais de militantes e não de cidadãos, o que o MPLA receia é que venha a ser vítima dos mesmos tratamento de hostilidade que dedica aos seus opositores. E na verdade, a oposição não dá sinais diferentes disso. Percebe-se que se um partido da oposição assume o controlo do poder político fará o uso dos mesmos mecanismos que faz o MPLA no processo de governação. Isso explica, por exemplo o facto de não haver vontade efectiva em avança-se para uma CONCERTAÇÂO nacional por iniciativa da oposição para se debelar os vícios de governação actuais. Qualquer partido pensa em governar nas mesmas condições em que o MPLA está a governar, mantendo as forças armadas não republicanas, mantendo o sistema constitucional e jurídico, mantendo o sistema político baseado na hegemonia do Presidente da República e mantendo o mesmo modelo centralista da economia. A prova disso é que nenhum partido da oposição, com excepção de raras abordagens individuais de certos dirigentes, tem um programa de reforma do Estado apresentado aos eleitores. E já tivemos 3 eleições nesse país em que não vimos grandes novidades entre os partidos nas fases de campanha. A maior prova deste facto, está mesmo no facto de não haver interesse efectivo por parte da oposição política em interpelar o MPLA para a concretização da Agenda Nacional de Consenso como forma de eliminar os problemas que afectam o processo de implementação do Estado Democrático e de Direito… NÃO ACHA QUE O PROBLEMA ESTÁ NA FALTA DE ABERTURA AO DIÁLOGO POR PARTE DO MPLA. A MAIORIA DOS PARTIDOS QUEIXA-SE DA FALTA DE ABERTURA AO DIÁLOGO… Eu acho que nada impede que os partidos políticos da oposição reúnam, concertando entre si, e proponham uma agenda transição política ao próprio MPLA. Porque estamos num quadro de violência política tal que todos temos que parar e acertar a sociedade que temos para o bem de todos. Se o MPLA não aceitar a proposta é uma coisa, mas é necessário que cheguem alguns papéis a mesa do seu dirigente máximo vindo da oposição. E não me parece que tenha existido essa iniciativa. Pelo menos não tenho conhecimento de qualquer iniciativa nesse sentido. Se os partidos políticos estão efectivamente interessados num melhor ambiente político em Angola, onde a violência política e social desapareça restituindo aos angolanos a práctica de diálogo e sobretudo se quiserem que o próximo partido que assumir o poder político não governe com os poderes concentrados como o faz o MPLA devem dar o pontapé de saída. O que se passa na prática é que uns querem eternizar-se no poder e outros querem tomá-lo a todo o custo e no meio disso está o povo metido num bailado demoníaco em que os mais elementares direitos e liberdades não podem ser exercido. É pena que não temos políticos proeminentes com dimensão humanística capazes de sacrificarem interesses pessoais a bem da colectividade. MAS COMO VÊ A EXECUÇÃO DA TRANSIÇÃO POLÍTICA? Se quisermos mudanças efectivas em Angola temos que tomar medidas corajosas. A primeira delas é avançarmos para uma suspensão parcial da constituição para que o MPLA e o seu Presidente estejam em condições de promover reformas profundas. Significa que devíamos suspender as eleições gerais durante um certo período para que nesse intervalo fossem implementadas medidas de reforma. SUSPENDER ELEIÇÕES? Sim. Se quisermos que JES aceite um programa de transição política, ele deve governar sem pressões eleitorais. É difícil de admitir, mas o facto é que sem reformas políticas esse país não serve convenientemente os interesses dos angolanos nem mesmo com partidos políticos diferentes no poder. Podemos falar num prazo de 5 ou 10 anos sem eleições e nesse período fazem-se reformas no sistema militar, na constituição e no Direito, reforma no sistema político e económico. Podemos até admitir um governo dirigido pelo MPLA e constituído igualmente por militantes de partido políticos da oposição, a semelhança do que aconteceu em 1992 com o GURN. Mas apenas para garantir a transição política. E O QUE SERIA FEITO NESSE PERIODO? É evidente que nesse período devíamos tentar implementar as reformas que sugerimos com a CONCERTAÇÂO. Devolver a natureza republicana as forças armadas, rever a constituição de modo que o Presidente da República volte a ser eleito por sufrágio directo dos eleitores, criar um parlamento bicameral (Um Senado e uma Assembleia Nacional, por exemplo) para ser mais representativo, devolver a iniciativa económica ao sector privado e o controlo do empresariado nacional aos indivíduos para estimular a produtividade e o desenvolvimento e colocar o Estado no papel de mero fiscal da economia ocupando-se da esfera social e implementando medidas de segurança social tais como subsídio de desemprego que não temos, melhoria do sistema nacional de saúde e de educação, capacitação institucional do sector de justiça e em toda administração pública a fim de moralizar a sociedade entre outras medidas reformadoras. Assim acabamos com os alicerces da corrupção, do clientelismo e toda a espécie de facilitismo que arrasta os angolanos a dependência completa do Estado e a uma severa mendicidade. São as mudanças que se impõem com urgência. PORQUE ACHA QUE O MPLA ACEITARIA UMA CONCERTAÇÃO NESSES TERMOS? Não tanto o MPLA, mas o próprio JES. Está a chegar no fim do seu mandato e acho que o maior interesse do Presidente da República é sair do poder com glórias e reconhecimento do seu povo. Aliás, foi ele quem disse numa entrevista televisiva que gostaria de ser lembrado como um patriota. Mais do que isso JES precisa garantir a si, aos seus familiares e aos mais directos colabores que não serão perseguidos criminalmente depois de sair do poder. Eu penso que ele não gostaria de ver os seus filhos, parentes e colaborares a serem espoliados do seu património ou levados a justiça por razões diversas por iniciativa de um novo governo ou de sectores sociais desejosos de vinganças. Tudo indica que assim será se não estimularmos um ambiente de reforma em que todos os angolanos sejam partes efectivas. Então, discutir publicamente uma transição política e implementá-la é a solução para harmonizar a própria sociedade que se encontra numa espiral de violência política patente. Essa concertação passa por um referendo popular em que seja aprovado um estatuto especial para o Presidente da República em caso de saída do poder no fim do período de transição política. Um estatuto com natureza constitucional para que seja respeitado por todos, inclusive pelos próximos governos, onde estejam garantidas medidas de protecção contra quaisquer perseguições criminais pelos actos praticados durante a governação, incluindo actos de usurpação ou desvio do património público em beneficio pessoal. É a moeda de troca que precisamos dar a JES para que promova reformas profundas que instaurem finalmente um Estado de Direito e Democrático em Angola onde a alternância política seja possível e onde a economia de mercado que promova desenvolvimento das famílias seja uma realidade. Assim garantimos que os próximos governos não interrompam o processo de desenvolvimento de toda a sociedade levando ao funcionamento efectivo de todas as instituições políticas, jurídicas entre outras. E COMO PROJECTAM A TRANSIÇÃO ECONÓMICA? Na prática ainda temos um Estado paternalista que cria emprego para todos e garante o bem-estar para todos. É um Estado de feição comunista que há muito devia desaparecer da nossa realidade porque não promove desenvolvimento e bem-estar. Está provado no mundo que nenhum Estado comunista realizou os interesses da sociedade. Temos Cuba, Coreia do Norte, a Ex-URSS. A China só tem tido progresso porque o comunismo esta apenas no plano político. É um Estado de partido-único que no plano económico admitiu uma economia de feição capitalista. Por isso cresceu e se desenvolveu tal como vemos. Precisamos colocar as empresas privadas no centro do controlo da economia para promover o emprego e o desenvolvimento de todos. É claro que o programa de desenvolvimento do MPLA é eleitoralista e não serve os interesses reais dos angolanos. Nem mesmo o plano de diversificação da economia lançada em função da crise financeira tem algum realismo em si. Precisamos de uma reforma económica que ponha a dialogar os governantes e os governados e isso passa por uma concertação como a que defendemos. NÃO TEM RECEIO DE QUE A CONCERTAÇÃO SEJA VISTA COMO FORMA DE SUBVERTER A ORDEM POLÍTICA ANGOLA? A CONCERTAÇÂO é uma plataforma de ideias para debates sobre os caminhos para a construção de um Estado de Direito e Democrático tal como recomendam as próprias normas constitucionais. Não podemos nos intimidar por aqueles que acham que discutir assuntos fundamentais do Estado é preparar golpes de Estado, ventilando gratuitos alarmismos para inibir a liberdade de pensamento. Tarde ou cedo, os angolanos hão-de conhecer o momento exacto em que a transição se vai impor porque os problemas políticos se vão avolumando dia após dia e os efeitos estão ai com as prisões arbitrárias aos manifestantes, o cerceamento da liberdade de religião em certos casos, a violência sobre os que pensam diferente, portanto, temos um poder político que está com medo dos cidadãos ao mesmo tempo que temos cidadãos que perderam a ideia do respeito do Estado e das suas instituições e desafiam o poder político com pressões de todo o tipo, mesmo ilegais ou violentas em muitos casos. É um clima de inegável violência que deve ser parado pelas mentes mais sensatas da sociedade. O que estamos a fazer é o exercício de profecia sobre os eventos futuros procurando prevenir os seus efeitos mais nefastos, através de meras ideias. Nada mais do que isso. É do nosso interesse que os governantes comecem a considerar a seriedade do assunto que estamos a trazer ao debate e que realmente seja vista como um mecanismo de prevenção para a manutenção da estabilidade política nacional. Nisso não há nada de subversão da ordem política. Pelo contrário queremos manter a ordem política estável no sentido em que o curso da democracia em Angola continue a fluir para uma sociedade cada vez melhor. Se isso é mau para quem governa então precisamos ver bem quem está interessado em subverter a ordem política. Nós é que não somos, seguramente. Para já, o desafio que lançamos ao Presidente da República é que esteja aberto à discussão das ideias que propomos com a Concertação Política Nacional. Tem tudo para solucionar problemas sobre o futuro da governação do Estado, sobretudo na fase a seguir a sua saída do poder, que podem não ter solução na sua própria visão estratégica. Se há receios sobre possíveis subversões da nossa parte, quero alertar que a única “arma” de que dispomos são as nossas ideias (risos). ACHA QUE OS PARTIDOS POLITICOS ESTARÃ O INTERESSADOS NA CONCERTAÇÃO? Devo admitir que até concebermos essa ideia, não sentíamos sinais nesse sentido. Aliás a história das concertações entre partidos políticos em Angola nunca foi exitosa. Falharam aos Acordos de Alvor em 1974 envolvendo o MPLA, a FNLA e UNITA e o resultado foi a proclamação de uma independência que proclamou uma República sem Estado, onde os angolanos que deviam ser cidadãos foram transformados em militantes por usurpação da sua autodeterminação pelo Partido-Estado que se assumiu desautorisadamente como seu representante, adiando a sua condição soberana de povo que devia edificar o Estado angolano através de uma constituição que regularia a sua presentação soberana pelos poderes públicos. Uma triste, senão dramática, inversão da historia que vamos, felizmente corrigindo desde 2010 em que se pensou em materializar o poder constituinte originário pela manifestação do poder constituinte derivado titulado pela Assembleia Nacional que permitiu o surgimento da primeira Constituição da República e com ela o nascimento formal do Estado angolano, apesar das varias repúblicas que ensaiamos desde a independência proclamada pelo Comité central d o MPLA sem o nosso beneplácito. Em 1992, o MPLA investido dos atributos do Estado negociou com a UNITA e ambos puseram de parte a intervenção do povo de uma maneira geral. E hoje continuamos com agendas nacionais de consensos discutidos pelos partidos políticos que não funcionam. Não duvido que aconteçam por ai algumas concertações bilaterais, do tipo partido-a-partido. Mas certamente não servem aos interesses dos angolanos pela construção de um Estado que estabilize a República no interesse de todos e reagrupe, com o sentido de diversidade, o espírito de Nação de todos nós. Mas, tive a oportunidade de ouvir apelos nesse sentido, nas recentes jornadas parlamentares conjuntas organizadas pelos partidos políticos na oposição com assento no parlamento (UNITA, CASA-CE, PRS e FNLA) e que contou com a presença de outros partidos e membros da sociedade civil. Foi encorajador perceber que os políticos entendem perfeitamente que a crise inspira soluções que devem ser discutidas pelos angolanos tomados no seu conjunto. Mas também se percebeu de alguns líderes que se podia falar em concertação com o partido no poder ao mesmo tempo que era necessário levar gente a justiça por desvios de erário público, onde não faltava a própria pessoa do Presidente da República que acabou arrolada nas sugestões por varias outras razões. É tudo para animar um contra-senso que não pode dar lugar a uma verdadeira concertação entre as forças políticas. O que me levou a concluir que os nosso políticos, a maioria deles pelo menos, não fazem qualquer ideia do que pretendem quando falam em concertação. De qualquer modo, ouvi no comunicado final, o rebater sobre o apelo a concertação politica. Fiquei apenas curioso em saber como os partidos políticos concebem essa ideia. Que conteúdos pensam incorporar num projecto dessa dimensão. Mas é claro que estou céptico, por causa da natureza concorrencial dos partidos políticos que não verdade dificulta a materialização de um processo de negociação em que se verifiquem sacrifícios de interesses entre as partes. Seria muito bom que os lideres partidários levassem a sério essa recomendação. Mas nada é impossível…a ver vamos (risos). E A SOCIEDADE CIVIL? QUAL TEM SIDO A REACÇÃO DAQUELES COM OS QUAIS DEBATEM AS PREMISSAS DA VOSSA VISÃO SOBRE CONCERTAÇÃO? É BEM RECEBIDA? A sociedade civil já é mais sensível nesse sentido. Porque a sua natureza existencial não compreende esquemas psicológicos iguais aqueles que animam os partidos políticos por meio do qual se manipulam vontades com o fim de controlar o poder político. A sociedade civil é uma amalgama social naturalmente talhada aos consensos. Aliás, é aquela que vive a luta permanente de conciliar o exercício do poder politico com os mais elementares interesses dos cidadãos. É uma actividade de busca permanente de consensos e equilíbrios. Por isso é a mais apropriada para agenciar uma concertação nesse sentido. Mas é claro que isso não deixa de fora os partidos políticos por serem aqueles que têm vocação para a organização e o controlo do poder político e por conseguinte melhor preparados para definir uma estrutura de Estado que ultrapasse os actual estado de coisas. Então defendemos que tudo deve iniciar pela sociedade civil. Quanto a reacção sobre a concertação, devo admitir que encontra muito pessimismo entre a maioria das pessoas pouco familiarizadas com as ideias que a suportam. E tudo acontece porque há ainda a ilusão de que em 2017 se espera acontecer uma troca de partidos no controlo do poder político que dispensa urgências em concertar com um partido, como é o MPLA em decadência. O que parece ser pura ilusão porque acho, e já disse várias vezes, que não há alternância política possível em Angola enquanto não avançarmos para uma concertação que devolva ao Estado os pilares de uma sociedade regida pelo Direito e assente na soberania do povo manifestada pelo exercício democrático. Mas temos tido sucesso no contacto individualizado com varais entidades influentes nos vários sectores da vida dos angolanos. O que nos permite sentir que a sociedade vai clamando por uma concertação de que os políticos não querem prestar a atenção devida. E também vamos tendo sucesso a medida que vamos falando dos contornos de uma concertação necessária nos momentos históricos que vivemos. Recentemente estive em Benguela a convite da OMUNGA em que discorri sobre este dossier e as reacções foram animadoras, embora o tônus do cepticismo ainda vague entre aqueles que não vêem muitas soluções para os inúmeros problemas que vivemos. O QUE ACHA DA ACTUAL CRISE ECONÓMICA? Acima de tudo uma oportunidade para os angolanos se libertarem da extrema dependência económica do Estado. Há anos que venho emprestando a minha voz ao coro dos intelectuais que têm chamado atenção para a inversão da situação. Precisamos de uma economia dominada e controlada pelo sector privado; pelos empresários. O Estado deve ser remetido a sua condição natural de mero regulador da economia. PORQUE ACHA QUE NÃO SE ACOLHEM ESSES AVISOS? É a abundância do petróleo de que nos fomos habituando. Todos querem enriquecer sem grandes esforços e sugar das tetas do Estado é muito mais fácil do que matar a cabeça em soluções que dêem dinheiro pela via do trabalho criativo e disciplinado de cada um … Agora esta ai a crise económica gerada pela baixa do preço do petróleo a determinar com autoridade e crueldade que temos que achar novas soluções. Parece que esquecemos que tudo tem o seu fim. Especialmente as coisas boas e confortáveis que desaparecem sempre antes de nos sentirmos completamente satisfeitos. VÊ ALGUMA SOLUÇÃO IMEDIATA PARA CONTORNAR ESSA CRISE? Claro. Ouço gente a apelar por milhares de soluções que para mim apresentam desespero. Num debate televisivo tive a ocasião de ouvir um intelectual angolano a apelar por um conferência de doadores interna para acudir a economia que ameaça agravar ainda mais pobreza da maioria esmagadora dos angolanos como se não soubesse que essa solução só aumenta ainda mais os encargos com a dívida pública que nesse momento de apertos deve estar na última fila das soluções a lançar mãos. Mesmo não sendo economista, consigo perceber que a solução imediata para a crise económica angolana é a importação de capitais. Precisamos de dinheiro que venha de fora. Porque o problema de fundo é a falta de liquidez na economia. O volume de negócios internos está gravemente reduzido pela decrescente circulação da moeda e do consequente disparo do preço do dólar em função da escassez de dinheiro. Portanto, o problema é que estamos sem dinheiro e precisamos dele vindo de fora. Não por meio de empréstimos, mas pela atracção de investimentos. Estou a falar de soluções no curto prazo. Urgente. No médio e longo prazo estou convicto que apenas uma transição económica bem elaborada, tal como já citei, vai estabilizar a nossa economia e nos dar a segurança de não repetir situações, aparentemente caricatas, como essa que vivemos, já que praticamente podemos dizer que Angola está em falência, pelo menos técnica! PARECE HAVER ALGUM PARADOXO NA SUA SOLUÇÃO. SE RECONHECES NÃO HAVER DINHEIRO NO MERCADO ANGOLANO QUE É AFINAL DOMINADO PELO ESTADO COM QUE ESTIMULO É QUE O EMPRESARIO ESTRANGEIRO TRARIA CAPITAIS PARA O MERCADO ANGOLANO ONDE O PRÓPRIO ESTADO PARECE JÁ NÃO TER CONDIÇÕES DE HONRAR OS SEUS COMPROMISSOS FINANCEIROS COM OS SEUS CREDORES? Aqui é que vem a grande engenharia que me convence de ser uma das mais eficientes soluções a adoptar. Realmente se não há dinheiro, nenhum estrangeiro se aventura a investir nesse ambiente. Mas sou de opinião de que é urgente criar condições legais e materiais para transformar rapidamente a economia angolana num paraíso industrial para atrair pequenos, médios e grandes capitais através de múltiplos investimentos. Isso significa que temos que criar condições para que sejam transferidas fábricas para Angola com objectivo de aproveitarem o baixo custo de produção e exportarem os seus produtos com margens confortáveis de lucros. Assim, mesmo sem venderem a produção no mercado interno, conseguem rentabilizar os seus negócios. E então, poderá mesmo acontecer que empresas fabris da África do Sul e de outros países limítrofes ou não sejam atraídas pelo baixo custo de produção interna, até mesmo para exportarem para os seus próprios a países a custos mais baixos. E isso atrai um conjunto de serviços a volta dessa industria atraída do estrangeiro que serão desenvolvidos internamente gerando empregado que vai estimular salários e rendas que proporcionarão níveis crescentes de liquidez na economia. E QUE PASSOS SERIAM DADOS NESSE SENTIDO? O primeiro passo é eliminar as barreiras aduaneiras. Não sou apologista pela “construção” de muros aduaneiros com o pretexto de defender uma classe empresarial ora inexistente ora fraquíssima e dependente do consumo do próprio o Estado estimulando a proliferação abusiva de empresas que só existem em documentos guardados em pastas e sem um escritório se quer. É preciso eliminar com urgência as taxas aduaneiras para todo o tipo e espécie de mercadorias que participam directa ou indirectamente no estímulo da indústria em especial e do empresariado em geral. Acho caricato e até ridículo que se fale em diversificação da economia quando vigora uma lei que proíbe a importação de viaturas com mais de 3 ou 5 anos. É um contra-senso que só assume quem acha que esta a vender banha de cobra aos seus clientes a pretexto de um elixir que cura todo o tipo de doenças. Na minha opinião, é urgente suspender o pagamento de taxas aduaneiras. Não falo em reduzir. Falo em eliminar taxas aduaneiras para todas as mercadorias importadas com fins produtivos (industriais e empresariais) nem que seja por um período estabelecido de cinco ou dez anos atendendo a situação de emergência. É o primeiro passo para a redução de custos com a produção interna. Camiões, carrinhas ou autocarros velhos ou novos entrariam sem custos e burocracias abusivas para além do preço da compra e transportação ao lado de máquinas, materiais e equipamentos diversos, sem esquecer todo o leque de matéria-prima possível escassa em Angola. É claro que não vamos eliminar taxas aduaneiras para aqueles empresários que venham a importar areia ou inertes diversos, materiais ferrosos em forma de sucata, entre outras matérias-primas quando as temos em abundância desmedida por essa Angola dentro. De bens de luxo e uso particular não falemos. Que continuem a pagar as taxas aduaneiras devidas e se forem mais agravadas ainda não interessam para esse debate. Num segundo momento, precisamos reduzir a taxa de impostos industriais ao mínimo possível. É claro que não posso defender a eliminação ou suspensão de impostos por ser um imperativo de soberania consagrado constitucionalmente. Os impostos são obrigatórios e não se fala mais nisso. Mas devem ser reduzidos drasticamente, nem que isso represente um abaixamento aos níveis que desçam para um digito percentual. Ou seja abaixo dos 10% com variações que atenda os tipos de investimentos por critérios de prioridades. Podem ficar de fora os investimentos no sector petrolífero e outros considerados estratégicos que impliquem exploração directa dos seus operadores. Também não precisamos atrair um açambarcamento desmedido que ponha em risco as nossas reservas em recursos naturais (risos). Num terceiro momento, o desagravamento da política aduaneira passa a ser inverso. Nenhum empresário paga direitos aduaneiros para exportar mercadorias resultantes de produção industrial interna. E as soluções urgentes não param por aqui. É claro que essas soluções passam por medidas urgentes que desburocratizem um conjunto de procedimentos para começarmos a ter um afluxo imediato e crescente de estrangeiros interessados em investir em Angola atraídos sobretudo pela abundância dos recursos naturais que facilitem a exploração dos seus negócios. Repare que Dubai e os restantes Estados dos Emiratos Árabes Unidos desenvolveram vertiginosamente adoptando soluções semelhantes. Até a própria China se tornou no gigante que é atraindo os industriais de todo o mundo para o seu mercado aproveitando as vantagens do baixo custo de produção. Não é novidade nenhuma e nos meus parcos conhecimentos de estratégia de investimentos em contextos de economia de mercado não vejo outra solução mais acertada apara este momento crucial da nossa economia. HÁ UMA REFORMA NA LEI DO INVESTIMENTO PRIVADO QUE PASSOU A PREVER PARTICIPAÇÕES SOCIAIS DE EMPRESÁRIOS NACIONAIS EM INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS COMO FORMA DE ESTIMULAR A DIVERSIFICAÇÃO DA ECONOMIA. NÃO ACHA QUE É UMA MEDIDA OPORTUNA PARA DESPERTAR O EMPRESARIADO PRIVADO COLOCANDO-O A PARTILHAR DO CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO DE INTERESSES EMPRESARIAIS MAIS SÓLIDOS E RENTAVEIS TRAZIDOS DO ESTRANGEIROS Talvez seria num outro contexto. No actual momento é idílico e quimérico para além de ridículo por ser inexequível. O que mostra ser uma medida tomada com o estímulo do desespero provocado pela queda repentina, embora não imprevisível, do preço do petróleo. Se essa lei não servir para estimular a rápida recuperação da economia, para mim não tem qualquer interesse prático. Não será mais do que um conjunto de normas para enriquecer o nosso parque legislativo completamente abarrotado de medidas que não passam de meras justificações das discussões parlamentares ou de meras intuições do nosso executivo, fartas vezes desprovidas das devidas assessorias técnicas especializadas. Equivale a um nado-morto porque não vai estimular nada que não passe do desespero assustador em que se encontra o povo. E já ouvi muita coisa menos urgente e oportuna para aquilo que interessa agora. Por exemplo, essa medida que consiste em “geminar” negócios entre angolanos e estrangeiros desde que os nacionais tenham uma a participação social confortável é daquelas medidas que acho bom para veicular em “conversas de roulottes” onde a boa gargalhada faz sentido e é útil. Quem no seu perfeito juízo traria capitais para Angola, nesse momento em que ninguém, em nem mesmo o Estado, pode comprar, para dividir lucros com sócios que não colocaram nenhum tostão no investimento completamente coberto pelo estrangeiro, nessa altura tido como um verdadeiro aventureiro que coloca em causa a sua seriedade como investidor? É simplesmente ridículo. Até indivíduos dados a embriaguez crónica que limita permanente a sua lucidez e pacientes graves internados em hospitais psiquiátricos não acreditam no sucesso de um tal medida no actual contexto. Admito que se essa medida for melhor elaborada para atender aos imperativos de uma política de reforma económica ponderada para alavancar a economia privada e estabilizar os angolanos no plano macroeconómico poderá produzir resultados encorajadores no médio e longo prazo. Mas isso, passa por reformas agregadas de outra índole. Transparência na gestão, celeridade, segurança e certeza na realização da justiça. Porque nenhum estrangeiro virá associar-se voluntariamente com um angolano de quem desconfia que lhe pode prejudicar o negócio através da parceria estabelecida sem possibilidade de se ver ressarcido dos danos que venha contrair. O empreendedor é um agente de riscos imprevisíveis, mas ninguém apostas em riscos previsíveis e incontornáveis. Até que essa medida funcione, atraindo empresários e investidores estrangeiros muita coisa deve mudar. E isso passa já pelas reformas de fundo que apontei acima. PARA SI TEMOS ENTÃO POUCAS SAIDAS PARA ESTA CRISE… Fora do vaticínio que verti, assumo um completo pessimismo sobre a exequibilidade das medidas que vou ouvindo por ai nesse ambiente de cabeças desesperadas que infelizmente andam a decidir o destino desse país. É claro que aguardo por soluções melhores, se as houver. Há muito boa agente capaz de as gerar e que são marginalizadas. Este seria o momento ideal de ser chamada a dar a sua contribuição. E depois, temos o problema de termos um governo mudo que só gesticula através das suas medidas abruptas e improvisadas e que não aceita acertar coisas, pelo diálogo, aberto e abrangente sobre os assuntos do Estado que não encontram solução imediata. Acho que esse é o nosso principal problema, mais do que faltar ideias sobre soluções adequadas para os nossos próprios problemas. A concertação que defendemos seria um bom começo para acabar com esses vícios! ACHA QUE OS ANGOLANOS NÃO GOZAM DE LIBERDADES POLÍTICAS? A QUESTÃO É DEVIDA AS CONSTANTES REAÇÕES CONTRA AS ACUSAÇÕES INTERNACIONAIS DE QUE EM ANGOLA OS CIDADÃOS TEM OS DIREITOS LIMITADOS… É certo que a liberdade plena entre os homens é uma quimera. Não existe e nem é possível. Até porque o homem nasce já limitado entre a opção de se manter vivo durante um certo lapso de tempo ou morrer por suicídio, por exemplo. Isso é um limite natural a liberdade. Podíamos, por exemplo optar por viver eternamente. É um discurso filosófico que ajuda aperceber que a liberdade humana não é plena desde a sua matriz natural. Entretanto, a questão prende-se com as liberdades reconhecidas pelo Estado através da Constituição. E nesse capítulo, vivemos uma contradição entre a formalização e a materialização das liberdades que é fruto de um dirigismo político-constitucional que vivemos, ou seja, temos ainda um partido que ao Governar escolhe as liberdades já consagras no texto magno que as pessoas podem exercer de acordo com as conveniências e circunstâncias. Isso quer dizer que a Constituição não é vinculativa aos poderes públicos e, obviamente, o seu incumprimento, legítima o chamado direito de resistência por parte dos cidadãos que vamos assistindo com as manifestações que se fazem as ruas sem a vontade dos órgãos de decisão administrativa e política do Estado. A isso podemos chamar crise do Estado e mostra que ainda temos muito que andar para vermos um Estado de Direito e Democrático em que a Lei está acima de todos e os mecanismos de justiça façam com que ela responsabiliza efectivamente a todos sem excepção. Agora, não concordo que quando vem uma recomendação da União Europeia ou da ONU apelando pelo respeito dos direitos humanos em Angola os dirigentes políticos partidários ou governamentais entre em “transe” ou “xinguilamento” defendendo um Estado em que se exercem as liberdades constitucionais plenamente que só existe nas intenções. Um conselho é para ser acatado ou não. Não é vinculativo. Ainda por cima sabemos do adágio popular que “quem avisa, amigo é”. Devíamos ter a humildade de admitir que existem falhas, muitas delas graves, por corrigir. Essas ofensivas diplomáticas contra os alegados “inimigos de Angola é um mau trabalho diplomático…! COMO VÊ O DESEMPENHO DOS POLÍTICOS E DO EXERCICIO DA POLÍTICA EM ANGOLA? A política em Angola ainda não gira a volta dos assuntos do Estado, como acontece em Portugal ou, de alguma forma, em Moçambique. Estou a citar exemplos humildes. O debate político em Angola gira a volta dos interesses de grupos no interior dos partidos, nem é dos partidos, tomados na sua totalidade se quer e isso tem arrastado o sentido de militância partidária de muitos ao desgosto e a abstenção, que inclui a não participação efectiva na votação. Isso significa que não temos sido capazes de encaminhar o povo para assumir o espírito de Pátria e Nação harmonizando-se nos assuntos mais importantes do Estado. Por um lado, os partidos políticos tornaram-se nuns monstros que engolem os intelectuais e arrotam o silêncio destes. Atraem as inteligências para depois não tirarem nenhum proveito delas. Por outro, lado, o exercício politico tem sido semelhante a um campeonato de partidos políticos em que se preparam atletas de alta competição para um pugilato ao vivo nas televisões e nas rádios perante um povo divido em torcidas que no fim do debate vibra a favor daquele que melhores argumentos apresentou, sobretudo quando enfeitado por uma verborreia que vem do titulo de docente universitário ou deputado. E no fim do debate percebemos que o essencial que nos devia unir em esforços conjunto não foi nem abordado nem discutido com a devida imparcialidade. Veja por exemplo a crise que está acontecer connosco. Não temos especialistas organizados em associações a promover conferência sobre as formas de sairmos da crise económica. Não vejo uma associação dos economistas, dos agrónomos ou de outros profissionais atentos a situação. Tudo gira a volta do que os partidos políticos querem e estes estão constantemente envolvidos em pugilato. O que se assemelha a caricata alegoria de estarmos no interior de uma locomotiva em alta velocidade em direcção a uma ponte partida onde os passageiros em vez de procurar soluções para abandonar as carruagens ou controlar a locomotiva concertando ideias para salvarem-se a todos, preferem acusar-se uns contras os outros com ideias do tipo “quem te mandou descontrolar a locomotiva” ou “Porquê é que subiste nela se nem pagaste a viagem”. Não é isso que vemos quando os deputados se acusam entre si de terem feito guerras ou promoverem a corrupção? Então onde fica a discussão sobre os assuntos que devem tirar o nosso país da situação de crise em que se encontra? São dessas banalidades que nos fazem estar a viver nos momentos mais tristes da nossa história em que diante de um país tecnicamente falido não nos propõe a ver vias concertadas para sairmos todos da situação de eminente catástrofe social e económico! MAS ESSA SITUAÇÃO NÃO SE DEVE A FALTA DE CAPACIDADE DE DIÁLOGO DO PRÓPRIO GOVERNO? É verdade que temos um executivo que participa em diálogos como uma pessoa muda e surda. Não ouve e nem comenta quando tenta organizar um encontro de auscultação. Apenas limita-se a tomar nota para depois não fazer absolutamente nada. Mas a responsabilidade do diálogo é de todos. Se o executivo não promove, que os partidos e a sociedade civil o façam. Não para acusar ou pressionar o Executivo mas para reflectir soluções e inspirar a própria sociedade a tomar consciência dos meios de solução possíveis. Isso seria uma governação paralela do povo que é a função dos fazedores de opinião e daqueles que influenciam o pensamento político do Estado. E quando os partidos políticos querem discutir ideias acham que elas devem ser acatadas obrigatoriamente pelo partido no poder. Isso é uma outra forma de arrogância de que os políticos da oposição têm de se desnudar em nome da tolerância política que tanto propalam sem conteúdo. Portanto, somos todos uns surdos-mudos que queremos ralhar com os nossos vizinhos gesticulando e esperando que nos satisfaçam as vontades. É mais uma mediocridade do nosso tempo! A SITUAÇÃO POLÍTICA E A ANTEVISÃO DAS ELEIÇÕES DE 2017 Não será muito diferente das últimas eleições. Não há qualquer possibilidade de alternância política visível, como estou farto de dizer, e o MPLA continua na “pole position” entre os partidos favoritos a vitória esmagadora. A diferença é que vão desaparecer mais alguns partidos e muito mais gente se vai abster de votar devido ao nível de violência política em que estamos envolvidos e os Problemas económicos que vão desmotivando grande parte da sociedade em animar debates e agendas políticas. Mas, o mecanismo eleitoral voltará a favorecer quem já se encontra no poder. Foi sempre assim, desde que começamos a fazer eleições em Angola, porque seria diferente em 2017 quando a oposição continua na mesma condição de vítima? Não tenho ilusões quanto as próximas eleições. Apenas garanto que voltarei a votar como sempre fiz no pleno exercício do dever de cidadania. O PROBLEMA DA TRANSIÇÃO POLÍTICA INTERNA E AS ELEIÇÕES DE 2022 É o que já disse. Passa por uma negociação entre o poder político e o povo. O que chamamos CONCERTAÇÃO. Não há espaço para uma transição interna no MPLA para fazer uma sucessão no poder que não venha a desencadear tumultos cá fora. O povo quer retomar o poder soberano de indicar os seus representantes e em 2022 tudo mudará radicalmente se o partido no poder não aproveitar estes momentos de ouro na política angolana para negociar com os governados. Em 2022 o processo político angolano já estará nas mãos de uma nova geração., mais exigente e mais dinâmica que não vai tolerar os erros que forem cometidos nessa fase. Uma transição com o povo, pelo povo e para o povo é o que se impõe nesse momento. COMO JURISTA COMO CARACTERIZA O SISTEMA DE JUSTIÇA NESSES 40 ANOS DE INDEPENDENCIA? Marchando a passo de camaleão e aos empurrões de uma sociedade cada vez mais activa e consciente dos seus direitos. Há coisas boas como são as novas instalações para os tribunais que vão animando os operadores da justiça em quase todas as províncias, os esforços em actualizar leis orgânicas para o sistema de justiça, mas os elogios não passam disso. As violações de direitos e liberdades fundamentais por parte dos governantes são as marcas dominantes do nosso sistema de justiça. Isso provoca uma desconfiança generalizada sobre a idoneidade dos seus mecanismos. No foro criminal há pouca confiança nos tribunais devidos aos excessos de burocracia e as sentenças resultam muitas vezes de uma sequência viciada de meios de instrução de provas que levam muitos inocentes a cadeia. A vítima de um crime qualquer começa com a queixa no posto da polícia, depois segue o número do processo nos serviços de investigação criminal num baile de vai e vem e até o processo dar entrada no tribunal já a vítima perdeu interesse no caso ou o violador ou agressor já não existe. Ou porque fugiu do país ou morreu. Há excessos de prisão preventiva em fase judicial porque os juízes levam muito tempo a julgar réus presos e não existem mecanismos disciplinares para pressionar os juízes a serem mais céleres nos julgamentos. No foro cível o problema não é diferente quanto ao excesso de burocracia. Os processos levam anos a julgar. Imagina um processo que envolve um trabalhador despedido sem justa causa levar 2 a 3 anos? É tudo para levar a miséria o indivíduo desempregado que ainda tinha esperança de ser reintegrado caso fosse anulada judicialmente o despedimento ilegal de que foi vítima. Então, o nosso sistema de justiça institucional vai provocando as suas alergias aos cidadãos e estes ou se conformam com os danos ou vão em busca de formas alternativas de composição de conflitos. Os mais sensatos negoceiam até situações de crimes. O tipo que violou a filha paga um dinheiro e tudo fica por ai, o gatuno que levou coisas é apanhado e leva uma boa surra e estamos satisfeito, o inquilino que não paga as rendas é expulso a pauladas e já não precisamos mover acções de despejo judicial, quem ocupa o terreno ou a casa que não lhe pertence vê um exercito de parentes e amigos do proprietário a agredirem-no e é tirado do local, por vezes, a custa de lesões graves. É a lei da selva que impera na generalidade dos casos e os advogados são chamados apenas quando já tudo está complicado, mesmo para as pessoas que inicialmente tinham razão no conflito em que se envolveram, e o assunto chegou forçosamente as mãos da justiça por meio de pessoas influentes ou mecanismos de corrupção as forças da ordem pública. É a triste sociedade que temos. NESSES 40 ANOS DE INDEPENDÊNCIA O QUE MAIS DESEJA PARA OS ANGOLANOS? Unir sonhos e avançar para a organização e estabilidade política e trabalhar incansavelmente para o desenvolvimento e bem-estar. Isso significa enterrar os fantasmas do passado que são as discórdias políticas e seus filhos que são o medo e a desconfiança de construirmos juntos, um Estado que assenta em nações centenárias que se formaram muito antes da colonização portuguesa. Precisamos de começar um Estado de cidadãos e terminar com uma sociedade de militantes partidários. Temos um país potencialmente rico e estamos a perder tempo com “guerrinhas” de mimos partidários em que andamos ao reboque de mais velhos românticos que lideram a nossa maneira de fazer política. Precisamos perceber que estamos numa fanfarra de confusões partidárias enquanto os problemas da sociedade não se resolvem. Ironicamente muito de nós critica e ataca os governantes, mas não se empenha ou se destaca profissionalmente numa área útil da sociedade que ajude o país a desenvolver. Está na moda ser político ou analista político para aparecer na imprensa e reverberar alguns “insultos” contra quem não gostamos e não olhamos para os esforços que são feitos por aqueles que trabalham dia e noite, por vezes muito mais do que nós. Os governantes, por sua vez precisam calibrar o seu sentido de moral pública e agir para o povo, pelo povo e em nome do povo. Pois são servidores públicos e não servidores de famílias e amigos. Tudo passa por termos todos uma percepção clara do Estado de Direito e Democrático que queremos construir e olhar o futuro de Angola nos próximos 50 anos para que nos apressemos a fazer as coisas que devíamos fazer enquanto discutimos quem tem ou não mais razão de ser angolano ou de ter lutado por Angola. De certa forma, a crise política e económica que estamos a viver surge como oportunidade para nos unir em busca de soluções e recomeçarmos como um verdadeiro povo; um povo que se une a volta dos interesses do Estado sem cores partidárias. Que tenhamos coragem de CONCERTAR a sociedade para garantirmos um futuro melhor para todos nós.

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