COMENTANDO ABEL CHIVUKUVUKU E RAUL ARAÚJO
Albano Pedro
O apaixonante debate recentemente realizado pela TV Zimbo, opondo o jurista Raul Araújo e o político Abel Chivukuvuku, foi sem dúvidas um dos acontecimentos mais marcantes dos últimos meses na cena política angolana. Promoveu a abertura do “bau” dos segredos sobre as eleições indirectas a que o jurista Carlos Feijó glosou sabia e oportunamente como sendo atípicas na medida em que não se enquadram nos modelos tradicionais por serem produtos de vontades, por vezes disformes ou pouco claras, de indivíduos embora legalmente inofensivos, como de resto são as relações jurídicas atípicas entre as quais comummente encontramos a tipologia de contratos que recebe tal denominação, i.e., contratos atípicos. Procurando distrair a assistência com argumento de que não haveria contraponto discursivo na medida em que estaria como técnico sem compromissos de ordem política, o jurista Raul Araújo não curou de delimitar a sua acção no discurso meramente técnico revelando o grande segredo por detrás das eleições indirectas que é afinal, feitas as contas, a necessidade de impedir a candidatura de Abel Chivukuvuku como candidato independente enquanto ameaça a manutenção do mandato de JES para além das próximas eleições presidenciais. Era vísivel a defesa indisfarçável sobre o projecto de JES (porque Abel Chivukuvuku provou que o projecto não é do MPLA) sobre as eleições indirectas. Sem se afirmar como político Raul Araújo foi mesmo ao ponto de achar aceitável num Estado Democrático e de Direito que sejam impedidas candidaturas individuais – mesmo quando a vontade da maioria dos eleitores nelas se reflicta – por razões quase patéticas como a prevenção da demagogia, como se esta não fosse natural no perfil retórico de políticos para além de não ser mais prejudicial do que a existência de dirigentes corruptos. De tão precária resvalou para uma triste doutrina sobre a proibição da dupla revisão constitucional recomendando a desastrosa ideia de que a doutrina como fonte de Direito tem natureza reformadora sobre a Lei (no caso Constitucional) quando os mais elementares conhecimentos de Direito sustentam sem esforço lógico que a doutrina constitui mera opinião não sendo sequer considerada sobretudo em sistemas legais (Romano - germânico) como o nosso em que a Lei exerce um verdadeiro monopólio sobre as demais fontes de Direito. A dupla revisão constitucional é certamente condenável na opinião de um ou dois juristas – provavelmente agentes de sistemas jurídicos estranhos – não o é concerteza da nossa Lei Constitucional que permite a sua revisão a todo tempo sem curar de limitar as supostas duplicidades. Assim, mesmo quando não era possível defender-se politicamente Raul Araújo devolveu-se mal à sua condição de jurista em numerosos episódios. Por exemplo sustentar que o Presidente da República tem legitimidade para governar é do ponto de vista político um verdadeiro disparate atribuível a uma certa falta de reflexos técnico-legais quando é certo que a simples falta de eleição desse órgão retira o seu sentido de soberania, mesmo quando um suposto acórdão do Tribunal Supremo (nas vestes de Tribunal Constitucional) se esforce ingloriamente em aliviar a situação da ilegitimidade instalada. Erros de palmatória do género, já foram agenciados em foros diversos como na conferência havida na Universidade Lusíada em que o industrioso jurista sustentou que a construção de uma nação é um desafio difícil quando é certo que tal como o fenómeno da economia a nação é um conjunto de valores que evolui espontaneamente sem o concurso consciente dos agentes políticos, não importando esforços por não ser planificável, e que afinal a dificuldade construtiva esta menos no espírito (nação) que no corpo (Estado) de Angola. É o Estado que encerra enormes dificuldades na sua construção e a prova está em que o modelo de Estado unitário tem sido a maior dôr de cabeça dos angolanos ao ponto de fazer jorrar rios de sangue ao longo das guerras pós-coloniais, quando é quase certo a existência material de um modelo de Estado federal ou regional se quisermos com exemplos apresentados por Cabinda e pelas Lundas.
Dizer que o debate sobre as eleições indirectas está no início constitui flagrante falta de respeito a Constituição da República visto que nem devia sequer ter lugar devido aos impedimentos materiais consagrados na respectiva Lei. Tem certamente importância discursiva no plano académico. Houvesse coragem de ser desenvolvido nas universidades em meio aos trabalhos encomendados a estudantes que, sempre ávidos por aprovar de classe, não curam de examinar as matérias de estudo. Não se venha pois intrujar os cidadãos, já enturvados pela fraude eleitoral operada em 2008, com argumentos de tão precária sustentabilidade jurídica.
A chamada de atenção sobre a previsibilidade política do país é certamente o ponto máximo do debate em que Abel Chivukuvuku transpirando incomensurável maturidade académica e experiência política labutou de forma rica e eloquente. Se não fosse o contraponto discursivo – que se pretendeu evitar – Raul Araújo teria dado um grande contributo em sustentar este ponto visto estar atreito a sua condição de jurista como visionário da legalidade. Previsibilidade Política é tudo quanto Angola mais carece e constituindo, a sua falta, a base de toda a insegurança e incerteza jurídica que se vive nos dias de hoje atravessando a vida dos angolanos desde as abusivas demolições, expropriações de terras e bens desaguando na suspensão dos processos eleitorais de forma arbitrária e muitas vezes anárquica enriquecidos de propostas contra-constitucionais como o modelo das eleições indirectas. Graças a imprevisibilidade política o país esta parado e o medo instalado entre os cidadãos. Se houvesse um calendário – estabelecendo a cronometria do processo de eleições legislativas, presidenciais e até autárquicas – o povo ganharia confiança nas instituições e os actores políticos, esperança na estabilidade política.
Horas antes do debate, um parceiro nas lides jurídicas me tinha colocado a questão de saber se devido aos impedimentos constitucionais para o triunfo do modelo de eleições indirectas que caminhos podiam ser trilhados para que a vontade de JES sobrepusesse a da Lei Constitucional. Respondi nos mesmos termos em que Abel Chivukuvuku veio a responder como se houvera uma comunicação telepática sobre as soluções este projecto que se pretende imposto entre os angolanos. Abel Chivukuvuku foi magistral ao desenvolver os passos para que as eleições indirectas sejam viáveis a luz da Lei Constitucional: É necessário que este projecto constitucional ao ser aprovado preveja o referendo constitucional (se necessário em matérias electivas dos órgãos de soberania senão for útil estender materialmente os referendos constitucionais), usando da possibilidade de revisão a todo o tempo da Lei Constitucional esta seria revista após consulta popular favorável as eleições indirectas. O que ultrapassaria o imbróglio a que se prestam certos juristas e políticos do regime. É um raciocínio que ocorre apenas em mentes comprometidas com a boa vontade política e a estabilidade da nação. Foi de lamentar a tendência de refutar tal solução adivinhado nos argumentos de Raul Araújo. Tenham-se porém em conta que mesmo o projecto de eleição advogado por Carlos Feijó em entrevista recente na mesma cadeia televisiva em que pretende adequado a eleição do Presidente da República como cabeça de lista sem necessidade de ratificação parlamentar não deixa de arrepiar os actuais limites materiais que impõe a elegibilidade dos órgãos soberanos. Não colhe por isso o argumento das “eleições conjuntas obrigatórias” por ser, a luz da actual Lei Constitucional, impossível pelos impedimentos materiais da constituição que impõem a separação das eleições dos órgãos executivo e legislativo. Apenas um projecto de descontrução da ordem jurídica constitucional angolana torna viável uma pretensão do género.
Também é verdade que tanta artimanha sobre modelos de eleição violando a previsibilidade política do país é fruto de alguma insegurança no núcleo duro do poder. Razão pela qual é de aplaudir a discussão e aprovação de uma constituição que preveja mecanismo de segurança que garantam imunidades para quem venha abandonar o poder – Abel Chivukuvuku tocou no mais central dos dilemas da alternância política que se prende com o perigo da sobrevivência pessoal e patrimonial de JES e seu “séquito” na fase da pós-governação.
O debate valeu pela lucidez provocada aos telespectadores em particular e ao eleitorado angolano em geral sobre o processo eleitoral e os malabarismos que se cruzam em meio aos planos supervenientes às propostas constitucionais apresentadas a apreciação da Comissão Constitucional da Assembleia Nacional. Estão de parabéns, o político Abel Chivukuvuku pela clareza na explicação das artimanhas em montagem com vista a impor-se o modelo das eleições indirectas e o jurista Raul Araújo pela coragem em fazer conhecer, por opinião própria, um projecto que contraria a consolidação da democracia em Angola que é o impedimento de candidatos individuais as eleições presidenciais. Que Abel Chivukuvuku se regozije com o colossal e multisectorizado esforço em afastar a sua eventual candidatura visto que está aqui quase implícita a certeza de obtenção de resultados eleitorais aceitáveis que apenas uma sondagem aturada e dispendiosa pode fornecer como dado palpável.
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