A CRISE DOS ÓRGÃOS DE SOBERANIA DO ESTADO
Albano Pedro
Tradicionalmente os órgãos de soberania do Estado têm sido apresentados como sendo o poder legislativo, executivo e judicial, fruto da reforma nascida na Europa pós-medieval com a revolução burguesa que pós fim ao poder monárquico absolutista e pela inspiração dos ideais iluministas que sugeriram a repartição do poder do soberano (rei) em três poderes distintos e equilibrados num plano horizontal pelo princípio da separação e interdependência de poderes que sobrevive aos dias de hoje em quase todas as constituições democráticas, incluindo a nossa (alínea j) do art.º 236º). A ideia de que a soberania reside no povo e que este transmite-a ao titular do poder livremente escolhido mediante eleição tornou-se na trave mestra dos sistemas democráticos modernos e na alma de fundo do Estado de Direito, como título jurídico primo para a organização e o funcionamento do poder político. Se a soberania é do povo, só é soberano o poder que for eleito; que receber, por voto, a confirmação ou legitimidade do povo. Todavia, a pretensão da escola política de Jean Bodin, John Locke, Jean Jacques Rousseau e outros iluministas de que todo o poder devia ser legitimado mediante transmissão de mandato pelos governados não foi reproduzido fielmente. Em todo o mundo, o poder judicial nunca foi legitimado pelo voto popular apesar das discussões recentes a volta desta possibilidade. Nas democracias mais afinadas como a americana, os poderes legitimados pelo voto tem sido o legislativo e o executivo. E a maioria das democracias assim estabelece. Acontece que entre nós assim foi previsto na Lei Constitucional de 1992 onde quer o Presidente da República, enquanto representante do poder executivo, quer os deputados como representantes do poder legislativo eram eleitos.
A nova Lei Constitucional mantém o espírito de 1992 determinando que a soberania “pertence ao povo, que exerce através do sufrágio universal, livre, igual, directo, secreto e periódico, do referendo e das demais formas estabelecidas pela Constituição, nomeadamente para a escolha dos seus representantes.” (art.º 3º). Seguindo com rigor esta disposição, o único órgão soberano é a Assembleia Nacional visto que apenas os membros destes são eleitos, i.é, beneficiam da confiança directa daqueles que detêm a soberania nacional; melhor dito: apenas estes gozam do mandato soberano. O Presidente da República, titular do poder executivo e os tribunais, titulares do poder judicial não são eleitos, logo não são soberanos. Com efeito, a nova Lei constitucional declina a soberania do Presidente em reforço a soberania da Assembleia Nacional ao estabelecer que “É eleito Presidente da República e Chefe do Executivo o cabeça de lista, pelo círculo nacional, do partido político ou coligação de partidos políticos mais votado no quadro das eleições gerais…”(art.º 109º). Quer dizer, que o Presidente da República é antes um deputado a Assembleia Nacional não havendo em rigor a ideia da separação e interdependência de poderes como pretende a própria Lei Constitucional. Infelizmente a Lei Constitucional reconhece a existência de órgãos de soberania não elegíveis (alínea h) do art.º 236º). Como podem existir órgãos de soberania não elegíveis quando a soberania pertence ao povo? Está claro que estamos perante uma antinomia constitucional ou seja perante um conflito de normas fundamentais. Pior. Um conflito entre um princípio (principio da soberania popular) e uma regra (regra inerente aos limites da revisão constitucional) em que obviamente aquele deve prevalecer sobre esta sem recursos a exigentes métodos hermenêuticos.
Se a soberania pertence ao povo, com o reconhecimento da existência de órgãos soberanos não elegíveis o legislador constitucional pretendeu introduzir a ideia da soberania indirecta como género constitucional novo na nossa constituição e no mundo em benefício do poder executivo. Na verdade parece ser esta forma de soberania que prevalece quando ao poder judicial, embora entre nós este órgão “soberano” beneficie, há muito, da soberania do Presidente da República. Assim, quanto a fonte soberana de poderes dos órgãos do Estado desaparece a ideia clássica dos poderes horizontalmente equilibrados para ser “instituída” uma pirâmide invertida com o povo, detentor original da soberania no plano cimeiro, seguido dos deputados aos quais transferem a soberania, mais abaixo o Presidente da República e finalmente o poder judicial. É assim, o quadro ideográfico da nova Lei Constitucional quanto a fonte de soberania dos órgãos máximos do Estado, ficando perfeitamente visível que a única soberania perfeita porque directa é a da Assembleia Nacional.
Este novo quadro não pode deixar de ser inquietante. Desde logo, no que tange a pretensa soberania do Presidente da República enquanto titular do poder executivo. Ele é eleito como deputado e nem sequer cessa o seu mandato quando se lhe é investido o poder executivo. Visto que o legislador constitucional não determina quaisquer momentos sequenciais em que se adivinha uma transmissão sucessiva de poderes. Pois, o cabeça de lista do partido vencedor é eleito simultaneamente Deputado e Presidente da República. Deste modo, se admitirmos a pretensa soberania indirecta a fonte do poder soberano do Presidente da República é sem sombras de dúvidas o mandato de Deputado. Teríamos que o poder soberano do Presidente da República assenta no seu mandato como Deputado a Assembleia Nacional, o que o torna perigosamente frágil uma vez que a perda de mandato de deputado obrigá-lo-ia a cessar as funções de Presidente da República por razões óbvias. E na verdade a Lei Constitucional proporciona essa perigosa brecha quando estabelece que o deputado deve ser suspenso nos casos em que exerça cargo público incompatível com a função de deputado - a função de Presidente da República é perfeitamente incompatível (art.º 149º alínea d) – sob pena de perda de mandato quando se lhe surpreenda alguma incapacidade ou inelegibilidade (art.º 152º n.º 2 alínea a). Não sendo suspenso a perda de mandato ocorre naturalmente pelas faltas acumuladas (art.º 152º n.º 2 alínea b). E está claro que se o Presidente da República não ter o mandato suspenso pela incompatibilidade apontada certamente perde o mandato de deputado pelas faltas que venha a acumular pela ausência óbvia na actividade parlamentar. Que consequência pode advir desta situação, admitindo a ideia da soberania indirecta ou derivada, para ser mais preciso? A Perda de mandato de Deputado dá lugar a perda de mandato como Presidente da República já que a qualidade de Presidente da República e de Chefe de Executivo deriva da qualidade de Deputado.
É com esta lógica que funciona o sistema de governo parlamentarista (modelo britânico em consideração) em que o Primeiro-Ministro enquanto chefe do Governo (Executivo) perde o mandato junto com os outros “ministros-deputados” sempre que sobre si recai a falta de confiança traduzida numa moção de censura. Ou seja, o mandato do Governo tem forte dependência do parlamento ou poder legislativo por ser a base de legitimação do poder, já que os membros do Governo são antes de tudo deputados. E como consequência costumam a ser convocadas novas eleições. Não é assim, nos sistemas Presidencialistas como o existente nos EUA porque o Presidente da República não é deputado; vem da escolha directa e pessoal dos eleitores e como tal o seu poder soberano é directamente tributário e depende da soberania de cada cidadão americano.
No sistema inspirado da nova Lei Constitucional angolana em que se verifica uma miscelânea jurídico-constitucional “suis generis”, a simultaneidade da eleição do Deputado-Presidente da República não desvaloriza a base soberana do Presidente da República como assente no mandato de Deputado, já que a Lei Constitucional vem enquadrar a existência de órgãos de soberania não elegíveis. O que quer dizer que o Presidente da República como órgão soberano não é eleito, mas, indicado a partir da sua condição de Primeiro-Deputado do partido vencedor. É esta malfadada artimanha do legislador constitucional que leva o Presidente da República a ver-se na mira das consequências e fragilidades da sua condição de Deputado. De qualquer modo, mais do que claro está que a luz da nova Lei Constitucional o único órgão de soberania do Estado é a Assembleia Nacional para o retrocesso da construção do Estado de Direito em Angola.
JÁ COMECEI ESTUDAR DIREITO CONSTITUCIONAL E VÊ SE QUE EM ANGOLA OS JURISTAS OU SEJA OS FAZEDORES DE LEIS CONSTITUCIONAIS ESTÃO EM PROL DO PÃO E NÃO DA CIÊNCIA EM SI. E QUANTO A QUESTÃO ACIMA REFERENCIADA HÁ UM EQUIVOCO ENTRE OS ELEITORES E O ELEITORADO OU O POVO É QUE TEM PODER PORQUE ELEGE ASSIM FALA A QUANDO A DETERMINAÇÃO E SEPARAÇÃO DOS PODERES DEFENDIDOS POR ILUMINISTAS E ISSO NA REALIDADE NÃO ESTÁ CLARO SOBRE O QUE SE VIVENCIA E TERMOS PRÁTICOS,O POVO COM ESSE SISTEMA CONSTITUCIONAL NÃO EXERCE ABSOLUTAMENTE O SEU DIREITO DE ELEGER OS SEUS PREFERIDOS, E COM ISSO É NADA A CONTRIBUIÇÃO DO POVO. ATÉ QUANDO É QUE TEREMOS UM DIREITO MAIS OU MENOS ADEQUADO AO PAÍS? OU DEIXA SE A CIÊNCIA JURÍDICA EM ANGOLA OU SE REFORMULA E MUDA SE AS REGRAS DESSA ARTIMANHAS DO DIREITO...
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