Albano Pedro
Para os olhos mais atentos e faro experimentado o caso Fernando Garcia Miala (FGM) encerrado recentemente em primeira instância judicial (uma vez que não se prescindiu do recurso judicial) para além de configurar uma perfeita demonstração de falta de seriedade na implementação do projecto de democratização e institucionalização de um Estado de Direito em Angola, representou a repetição de mais um ciclo de supressão da vontade reformadora do status quo em Angola que pela primeira vez foi protagonizada através do célebre 27 de Maio em que o sistema vigente arrastou intelectuais de respeitada craveira e milhares de almas inocentes sob a capa nominal de Nito Alves e com o mesmo elemento de causa: o subtil e persuasivo argumento do Golpe de Estado. Com a queda da cúpula militar (Chefes das FAA, do Exército, da força Aérea e de modo indeferido da Marinha de Guerra) e do Comandante da Polícia Nacional, o dossier FGM conseguiu refazer aquele cenário apenas com a ausência de cenas de morte e tiroteios a mistura. Pois, levou ao abismo do silêncio político uma enorme teia humana composta por milhares de cidadãos exercendo as mais diversas funções públicas e com as mais múltiplas referências de estarem ligados ao FGM.
É certo que um homem da estatura de FGM pelas funções exercidas e os efeitos que a sua actividade gerou junto da sociedade, sobretudo civil e da imprensa privada, não foi completamente inocente na formação da falta de escrúpulos da máquina que o vitimou, mas o que é certo é que a maioria dos cidadãos, revelou-se revoltada com a sentença política accionada contra o caso que o envolveu. Sobretudo devido ao facto de estar evidente a falta de um sistema judicial angolano que confira certeza e segurança jurídica.
Há lugar entretanto, ao recurso judicial em sede do Tribunal Supremo. Porém antecipadamente é sabido que aquela instância judicial há de sancionar a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Militar, salvo se a vergonha fizer suficiente pressão moral sobre o sentido profissional dos juizes. A razão é simples: os juízes podem sempre decidir contra a Lei se quiserem (e acontece quase sempre na nossa praça judicial) sobretudo quando se sabe que o Presidente do Tribunal Supremo é indicado pelo Presidente da República. A única arma disponível contra as decisões discricionárias, muitas vezes proferidas ao arrepio da ordem jurídica, dos juízes é o recurso a instâncias judiciais superiores. Ora, o Tribunal Supremo é o último e não haverá um outro para decidir o caso FGM. E como é sabido que a decisão judicial é praticamente encomendada pelos senhores do poder então a justiça não será feita dentro dos critérios da legalidade, caindo pesadamente em desfavor do recorrente. O que restará ao FGM?
Um Tribunal Constitucional seria a única e verdadeira solução do caso FGM num país, que como o nosso, as decisões políticas são omnipresentes, até no sistema judicial. O Tribunal Constitucional ao qual seria de recorrer após a decisão do Tribunal Supremo e cujo objecto seria apreciar as questões de direito (e apenas de direito) inerentes ao processo que atentem contra a Lei e o espírito da constituição angolana. Seria o único capaz de obstruir o sentido discricionário das decisões dos juízes, em qualquer das instâncias, e destruir todos os efeitos gerados pelas sentenças e acórdãos proferidos nomeadamente pelo tribunal de 1ª instância (no caso Supremo Tribunal Militar) e a provável decisão reiterada na forma de acórdão pelo tribunal de 2ª instância (Tribunal Supremo). É que ninguém está acima da Lei e nenhuma Lei está acima da Lei Constitucional: Assim, o papel fiscalizador de um Tribunal Constitucional seria suficiente para destruir toda a farsa produzida contra a verdade subjacente ao caso FGM e destruir do topo a base todos os efeitos gerados pelas decisões produzidas pelo sistema judicial em todas as suas instâncias, uma vez que a este nível jurisdicional os juízes não são completamente livres de interpretarem a Lei nos termos que bem entendam, senão no quadro em que permita a Lei Constitucional enquanto Lei – Mãe.
Mas o sistema judicial angolano não comporta um tribunal Constitucional autónomo, o que representa, para além da própria decapitação e impossibilidade funcional do sistema de justiça angolana, um verdadeiro atentado contra o projecto de Estado de Direito. E quando se diz que o tribunal Supremo exerce a jurisdição constitucional não passa de outra farsa porque nenhum juiz do Tribunal Supremo exercendo a jurisdição constitucional anulará a decisão que proferiu na veste de uma outra jurisdição a menos que tenha um atestado psiquiátrico que atribua perturbações comportamentais graves. Chamo a isto impossibilidade jurisdicional subjectiva propositadamente criada com a omissão material de um Tribunal Constitucional cujo importantíssimo papel na construção de um Estado de Direito passa quase despercebido aos olhos e ouvidos das maiores autoridades políticas da e na oposição civil.
O que restará ao FGM num quadro em que a justiça, quando trata de casos políticos, tem uma mera representação estética? Reagir à decisão política do tribunal com uma outra medida política. A saber: Negociar com o poder uma possível amnistia ou comutação penal que só o Presidente da República pode conceder. Uma vez que o poder político tomou de assalto o poder judicial, e em consequência a manipulação da própria Lei, mesmo diante de uma oposição civil que se diz alternativa ao poder do Estado.
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