Albano Pedro
O assédio sexual é entendido no mundo moderno, através da Psicologia, como sendo a coerção exercida por alguém sobre outrem com vista a obter favores (benefícios) sexuais, logicamente sem vontade de quem os presta. Não importa o sexo do assediador e do assediado. Pois, o assédio sexual pode acontecer de mulher para homem e vice-versa ou de um indivíduo para um outro do mesmo sexo (entre homossexuais). Também não importa a idade, embora não se conceba facilmente o assédio sexual do menor contra o adulto (descontado o idoso), por falta normal de poder de coerção daquele e de capacidade jurídica para assumir responsabilidades inerentes. Esta última condição torna igualmente, os loucos e dementes manifestos isentos de culpa em caso de assédio sexual. A Psicologia Jurídica tem tendência para enquadrar o assédio sexual privilegiadamente nas situações em que se estabelece uma relação hierárquica (normalmente laboral) onde o superior hierárquico pretendendo obter satisfação de interesses sexuais estabelecendo uma relação afectiva com o subordinado promove-o a um determinado cargo com a condição deste realizar tal desejo ou na situação contrária, i.e., o superior ameaça despromover o subordinado se não aceita prestar tais favores, entre outras condutas perfeitamente enquadráveis em ambientes de trabalho. O que é facto é que o assédio sexual pode ser visto noutros pontos das relações humanas e sociais. Exemplo: o vizinho que ameaça contar ao esposo da vizinha uma certa “peripécia” desta completamente desagradável aos ouvidos de quem quer que seja se não aceitar fazer sexo com ele; o rapaz que, a pretexto de estudar e realizar tarefas escolares, leva ardilosamente a colega de escola para o seu quarto de dormir e a tranca prometendo libertá-la se aceitar o acto sexual; o ex-marido que ao passar pela creche (infantário ou jardim de infância) leva a criança e depois telefona a mãe dizendo que mantém retida a criança até ao momento que se dirigir a um quarto de hotel onde pretende fazer sexo com ela como condição para ter a filha de volta; a patroa que impõe ao motorista o desejo de satisfação sexual contínua como condição de o manter empregado transformando-o numa espécie de escravo sexual; o professor que reprova vezes sem contas uma aluna até que esta ceda aos seus caprichos sexuais; a mulher que amarra o homem na cama impondo-o o acto sexual como condição para libertá-lo e muitos outros casos que a experiência ou a fantasia do leitor pode configurar.
O assédio sexual não se confunde com o vilipêndio que desenha situações de mero aproveitamento de oportunidades para realizar actos inesperados pela vítima. Exemplo: num ambiente de festa em que um par voluntário de dançarinos, sem quaisquer compromissos amorosos entre si, se vê no centro das atenções de outros convivas aplaudindo a dança que exibe e, em meio a euforia e do ritmo contagiante e arrebatador, o homem beija a boca da mulher inesperadamente. Aqui diz-se que a pessoa (a mulher no caso) não foi vítima de assédio sexual, mas que foi vilipendiada, não tendo tempo se quer para reagir contra a atitude atrevida do seu parceiro de dança. É claro que pode pedir contas depois ou no momento, mas o acto está praticado. Mas atenção: o tio que pretendeu beijar a face (bochecha) da sobrinha levando erradamente os lábios à boca desta por má aproximação dos rostos, não vilipendia ninguém porque não demonstra qualquer intenção na prática do acto. Ou seja, não há aproveitamento de circunstâncias. O que configura um mero incidente. Também não se confunde com o temor referencial que acontece naquelas situações em que a aluna diante do professor que muito estima e admira se vê inesperada e repentinamente apresentada por este a um outro professor, longe do ambiente escolar, como noiva ou namorada e de seguida é beijada sem poder contrariar a “manobra” do professor oportunista com receio de o envergonhar, embora esteja contra a conduta manifestada. Aqui a aluna foi vítima da sua própria fraqueza de carácter (ou vontade, se quisermos) que a impediu de agir de forma a evitar a conduta agressiva. O que pode significar consentimento do acto casuisticamente analisado que seja. Também não se confunde com a sedução que é o jogo de “rituais” (mediante exibição de gestos carinhosos, palavras suaves e arrebatadoras, capacidade patrimonial ostensiva, atitudes adequadas aos momentos, etc.) que alguém orienta para outrem com vista a atrai-lo para si, tornando-o parceiro sexual ou outro. Quer no vilipêndio, quer no temor reverencial e quer na sedução, a vontade da pessoa é intacta e como tal a sua autonomia é perfeitamente clara. Não havendo qualquer preocupação do Direito e das respectivas normas em protegê-la. Todavia, no assédio sexual a vontade desaparece, ou seja é suprimida pela condição imposta. E a vítima se vê na situação de aceitar uma coisa e perder a outra nascendo então uma verdadeira crise de escolha. Um conflito, para ser mais preciso. O que desde logo, leva a situação de choque emocional levando, não raras vezes, a traumas psicológicos irreversíveis. Acontecendo mesmo situações em que o assediado não mais volta a enquadrar-se num outro ambiente de trabalho ou escolar dependentemente do local ou ambiente de ocorrência do assédio sexual. E nesta senda as crianças vítimas de assédio sexual chegam a abandonar, quando podem, a casa do padrasto assediador que vive com a mãe preferindo viver fora e longe, independentemente do conforto que venham a encontrar. É uma situação de trauma inimaginável.
O assédio sexual deixa de existir a partir do momento em que a vítima, embora praticando a conduta exigida pelo assediador, deixa de estar sob chantagem. Exemplo: a empregada doméstica forçada a fazer sexo com o patrão sob pena de despedimento, continua a procurar o patrão para o efeito, mesmo depois de trocar de emprego por virtude do despedimento promovido pela esposa do patrão que os surpreendeu numa das sessões; a rapariga que tendo sido surpreendida a fazer algo impróprio para pessoas decentes é forçada pelo amigo a fazer sexo sob pena de tornar público o facto indecoroso e que depois assume a sequência dos actos sexuais numa relação amorosa voluntária; a vizinha casada que continua a sair com o vizinho assumindo uma relação adúltera depois de desaparecidas as causas da chantagem provocada por este.
Compreende-se então que o assédio sexual é uma situação de plena chantagem a que a vítima é submetida. A pessoa assediada percebe-se num beco sem saída e desespera-se. Na verdade, o assédio sexual é a fase seguinte da sedução, quando esta entra em crise. Exemplo: o pretendente que depois de pagar gelados e custear passeios caros a rapariga pretendida, durante a fase de sedução, e vem a pedi-la em namoro sem sucesso, pode querer forçar a relação amorosa com ameaças (chantagens). Aqui vem o assédio sexual. O mesmo acontece com o padrasto que depois de tentar aliciar a pequena enteada com doces e guloseimas diversas e ver-se derrotado ante a incrível resistência da criança ameaça-a com emprego de meios violentos para obter o acto sexual levando a criança a ceder. Disto resulta que em geral o assédio sexual vem na sequência de um processo de sedução frustrado. Por ser contrária a vontade da vítima vem o Direito a discipliná-la estatuindo as respectivas sanções. No Brasil, o assédio sexual é crime quando se verifique em ambiente de trabalho e seja praticado pelo superior hierárquico em relação ao subordinado. Nos EUA o assédio sexual se confunde com o Atentado ao Pudor previsto na legislação angolana (art.º 391.º - Código Penal), ou seja, todo o acto que visa expor o decoro ou as partes íntimas da vítima do assédio sexual com a simples necessidade de satisfação de desejos íntimos (paixões lascivas – diz o nosso Código Penal), independentemente de se querer o acto sexual em concreto.
Em Angola, o assédio sexual não existe como conduta ilícita autónoma e como tal tipificada em legislação competente, embora não haja certeza da existência de jurisprudência afim. Pois, tal como o crime de pedofilia é um tipo de conduta moderna que resulta das grandes concentrações urbanas e das múltiplas relações que dela emergem transformadas muitas vezes de condutas moralmente irrepreensíveis, como o caso da pedofilia que pode nascer do simples afecto entre um professor admirável e um aluno inocente ou mesmo do assédio sexual que nasce de um jogo de sedução inicialmente desejado pelas partes envolvidas. O que não impede de merecer tutela jurídica. No direito angolano actual verificam-se duas formas de tutela jurídica para os actos identificados como assédio sexual, nomeadamente a tutela cível (Direito Civil) que determina esta conduta como Abuso do Direito (art.º 334.º) cominando-a com a Responsabilidade Civil (art.º 483.º) com vista a reparação dos danos morais e mesmo materiais dela emergentes e a tutela penal (Direito Penal) que o identifica como um processo (iter criminis) que pode culminar nos crimes de Violação (art.º 393.º) ou de Violação de menor de doze anos (art.º 394.º), conforme a idade da vítima, impondo as respectivas sanções. A particularidade na tutela penal está em que o assédio sexual é visto apenas como conduta praticada por um homem contra uma mulher ou mulheres e não mais do que isso, tal é o arcaísmo do Código Penal que consagra as condutas que atentam contra a honestidade. A queixa-crime para o assédio sexual pode ser feita junto de qualquer esquadra policial na forma de Tentativa de Violação, quando o acto sexual não tenha ainda acontecido e a mulher esteja já sob chantagem, contando que venha a mobilizar os meios de provas necessários. De todo o modo, a reforma penal prevendo o assédio sexual é necessária, não só pela necessidade de prever a coerção da mulher sobre o homem e entre os homossexuais, como também para prevenir criminalmente tais condutas ao invés de esperar que se configurem em tentativas de crimes, crimes consumados ou frustrados como actualmente se apresentam tipificados.
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