terça-feira, 24 de maio de 2011

DOS CRIMES CIBERNÉTICOS E DAS ILICITUDES NO CIBERESPAÇO

A PROPÓSITO DA LEGISLAÇÃO SOBRE OS CRIMES DA ERA DIGITAL

Albano Pedro



Os avanços tecnológicos que seguiram a segunda guerra mundial deram lugar a profundas alterações nas relações económicas e até políticas entre os povos, pois que da revolução industrial surgiu a revolução tecnológica dando lugar a sociedade de informação que estabelece novos padrões no comportamento dos indivíduos e das sociedades. Como consequência, a dinâmica económica e social acelerou consideravelmente e o conceito material de trocas comerciais alterou para um conceito virtual onde o factor espaço e tempo ganharam novas dimensões na prática comercial e na percepção das pessoas. Assim, uma nova visão sobre os fenómenos sociais é chamada a assistir os chamados “actos cibernéticos” que operam por uso e utilização de equipamentos informáticos. Vem disto, que a aplicação do Direito nesta nova realidade não tem sido fácil e nem facilitada. Pelo contrário, ela conhece obstáculos consideráveis que muitos países que lidam há mais tempo e com maior intensidade com as tecnologias de informação nem por isso têm superado. Os dois principais obstáculos são sem dúvidas a natureza reparadora do Direito e a crise espácio-temporal trazida pelos actos cibernéticos, i.e., por um lado, perante a velocidade dos acontecimentos sociais o Direito vem a regular os factos sempre com algum atraso. Uma situação inevitável que se instalou na mecânica jurídica devido ao facto de se legar ao Direito a função de prever factos ora existentes e por isso experimentados na realidade fáctica (já que não se podem prever normas sobre condutas não existentes na realidade circundante). Situação essa que é muito mais acentuada em países de matriz jurídica Romano-germánica em que a sempre atrasada Lei impera no comando das normas reguladoras das sociedades em detrimento do sentido de prontidão dos sistemas jurídicos anglo-saxónicos (Reino Unido, EUA e a maioria dos países anglófonos) que privilegiam um instrumento de aplicação imediata sobre as condutas emergentes que se manifesta com a regra do precedente judiciário (case law). Por outro lado, o conceito de tempo e espaço na mensuração dos actos jurídicos praticamente desapareceu colocando problemas básicos inerentes a aplicação das normas jurídicas. Por exemplo, é frequente assistirmos a relações de compras e vendas complexas como esta em que um interessado residente na Índia, com estadia turística em Angola, adquire, via internet, um bem patrimonial (viatura, no caso) nos EUA através de um (site) sítio localizado em França com o local de entrega do bem na Austrália onde se encontra a esposa. Colocando o problema do local da compra do bem assim como a questão de determinar a Lei (de que Estado) a aplicar em caso de conflito entre as partes envolvidas no contrato.

Por estas principais dificuldades de penetração do Direito nesta realidade, novos problemas (complexos e numerosos) vão surgindo, desafiando o engenho previsional do Direito. Entre os quais é a exposição da privacidade das pessoas a uma realidade globalizante, onde a possibilidade de controlo e prevenção contra os actos violadores da mesma são ultrapassadas a cada dia pela velocidade das transformações tecnológicas (agressão a imagem, a direitos e a propriedade). O que tem tornado urgente e necessário a regulação da sociedade de informação em todos os países. Angola não podia deixar de se envolver neste magno desafio em que a invasão dos “actos cibernéticos”, a mais das vezes, trazem consigo situações simultaneamente enigmáticas e perigosas para a realidade social tal como a conhecemos. O que, desde logo, sugere que o surgimento de uma Lei de Combate à Criminalidade no Domínio das Tecnologias de Informação e de Comunicação e dos Serviços da Sociedade de Informação (doravante LCCTICSS) tem a oportunidade de vir a acudir a nossa realidade social destas inoportunas invasões.

Paradoxalmente, diante de uma miríade de “actos cibernéticos” susceptíveis de perigar a segurança dos indivíduos e da sociedade envolvente perfilando entre posse indevida de dados, invasão a sistemas bancários gerando fraudes significativas, a transferência ilícita de conteúdos informáticos, entre outros a LCCTICSS privilegia actos de somenos importância para a segurança dos indivíduos (e nalguns casos necessários a inserção dos indivíduos na era digital). Foge do enquadramento multissectorial da actividade potencialmente criminal dos cibernautas operante no mundo digital para tipificar condutas que se confundem com aquelas já previstas em diplomas legais de natureza penal de enquadramento histórico duvidoso. Por exemplo, é triste perceber que o diploma legal (proposta) em apreço insiste em prolongar a capacidade repressora da Lei dos Crimes contra a Segurança do Estado em si já inconstitucional em múltiplos aspectos, ou em provocar a inibição no uso massivo das novas tecnologias de informação nas relações sociais, quando nos dias que correm as sociedades são encorajadas a superar o subdesenvolvimento e a má governação pelo uso massificado das mesmas.

É de esperar que o sentido tipificador, para as condutas potencialmente criminais no âmbito da sociedade de informação, caminhe para os actos cibernéticos internacionalmente conhecidos como violadores de interesses individuais e colectivas para os quais as sociedades de uma maneira geral procuram afunilar os esforços preventivos e repressivos das normas jurídicas em nome do interesse de uma maioria difusa, ao invés de privilegiar o controlo de interesses contra a própria sociedade que se emancipa no contexto mundial através crescente utilização das tecnologias de informação.

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