DO CONFLITO ENTRE A DIMENSÃO MATERIAL E A DIMENSÃO FORMAL
Albano Pedro
Recentemente tive acesso a uma questão colocada no meu blogue em que um internauta anónimo, a quem agradeço a abordagem, interrogava a razão de eu utilizar a terminologia Lei Constitucional em vez de Constituição, uma vez que o texto da Lei Magna vigente consagra esta última terminologia. Não é a primeira vez que sou assaltado por questões dessa natureza, as quais já me debrucei em conferências e entrevistas públicas, e também este texto não reflecte a primeira defesa escrita nesse sentido. Tenho publicado um outro texto em que justifico a utilização do conceito de Lei Constitucional que pode ser acessado na internet a partir do meu blogue ou no Club-K. De qualquer modo, nunca é demais apresentarmos outras e novas perspectivas da nossa defesa a esse respeito.
Entendo, como de resto a Ciência do Direito Constitucional faz questão, que a Constituição, enquanto documento magno que reflecte a contratualidade da existência social dos homens, fruto do movimento constitucional desencadeado pelo iluminismo europeu e que derrubou a monarquia, comporta uma dimensão política e uma dimensão jurídica. Aquela tem sido considerada pela Teoria da Constituição como sendo Constituição Originária e esta, Constituição Derivada (os textos do constitucionalista português J.J. Gomes Canotilho muito em voga na nossa praça académica são eloquentes nesse sentido). A Constituição reflecte-se assim em dois momentos: um momento material (vontade política) e um momento formal (vontade jurídica). Sendo esta expressão clara daquela. Vem disto que o estudo da Constituição não é monopólio da Ciência Jurídica. É reclamada em igual dimensão pela Ciência Política. Tal é razão metodológica dos estudos sobre a constituição serem feitos, nas faculdades de Direito, em cadeiras em que são aglutinadas as duas ciências, i.e., Ciência do direito Constitucional e Ciência Política. O processo constituinte é expressivo nesse sentido. Há uma dimensão política da constituição, constituída pelo sentimento de nação, que é monopólio do povo enquanto detentor do poder originário ou Constituição Originária (dimensão material) que é transferida por meio de voto (processo eleitoral) aos seus representes parlamentares que como mandatários políticos ganham o poder de formalizar (mediante texto) a mesma constituição. A vontade do povo (Dimensão Política) transfigura-se em texto (Dimensão Formal). O que nada impede que chamemos a essa última dimensão de Constituição Formal como é usual entre os estudiosos da Constituição.
E quando estamos perante uma Constituição? Como é lógica a falta de coincidência entre a vontade originária do povo e a vontade manifesta dos deputados, é obvio que a constituição aprovada por estes sofre declives epistemológicos e fissuras hermenêuticas significativos ao ponto de ser evidente uma nova dimensão completamente independente (dimensão formal). Vem disto que a Constituição Originária raramente é interpretada pela Constituição Derivada o que quebra a unicidade lógica que o levaria a ser efectivamente chamada Constituição. Assim, quando estamos perante um texto constitucional que não coincide com a vontade política da sociedade (Constituição Originária ou Material) estejamos certos de estarmos apenas perante uma Lei Constitucional, i.e., perante uma simples dimensão formal da Constituição que como tal não revela o seu aspecto material. É esta quebra epistemológica que potencia os conflitos políticos das sociedades. Pois, quanto mais coincidentes forem as dimensões formal e material da Constituição menor é o grau de conflitos sociais e maior é a possibilidade de afirmação de uma verdadeira Constituição. Podemos falar que aqui a dimensão ética do povo coincide com a dimensão jurídica, i.e., as leis reflectem a vontade do povo. É o que se passa em países com grau de civilização avançada como Inglaterra, para citar um exemplo, em que a dimensão material se aproxima tanto da dimensão formal da Constituição ao ponto da Ética se confundir com o Direito.
Portanto, é por razões de coerência científica e académica que chamo Lei Constitucional, para não trairmos o aprendizado e a doutrina maioritária e convencional vigente. Em Angola, como podemos calcular, não há espaço histórico para uma verdadeira Constituição como se pretende com tamanha avidez. Calculo que a Lei Constitucional é um começo para a aproximação de ambas as dimensões, já que Angola é uma das sociedades políticas, como a maioria das sociedades africanas, em que o nascimento do Estado (Constituição Formal) antecede ao nascimento da Nação (Constituição Material). Sendo uma infeliz inversão provocada pela História Colonial dos povos de África. Revela-se assim, uma tendência para fazer nascer uma dimensão formal que vá de encontro a uma dimensão material, porém (aqui está o problema) de forma impositiva ou forçada pelas opções ideológicas e políticas que persistem desde a independência da Angola em detrimento de uma maturação histórica natural como consequência da emancipação política do povo.
É minha percepção que, a tendência para a manipulação do conceito de Constituição tem mera finalidade política. Visa infundir a ideia de que a vontade jurídica é totalmente coincidente com a vontade do povo. Levando a uma obediência cega à lógica de governação em detrimento da afirmação de uma identidade nacional desenvolvida pelo sentido de liberdade dos indivíduos.
eu gostaria de saber a diferença que existe entre constituição, lei constitucional e lei ordinal.
ResponderEliminarDesculpe o atraso na resposta, com certeza a essa altura já terá obtido a resposta. De qualquer modo me obrigo a dar-lhe a ideia de que a diferença deste conceitos diz respeito a hierarquia das normas. Nessa perspectiva a lei constitucional (tomamos parao caso a Constituição de República) é a lei suprema sobre a qual não existe uma outra que a submeta e da qual depende a conformação de todas as leis vigentes num determinado Estado. Essas leis que estão abaixo da Lei suprema é que fazem o conjunto das leis ordinárias (ou infraordinárias, como se costuma dizer)
ResponderEliminarobrigado pela resposta, mas, acredito que possa ser descrita de uma forma mais simples, pois para um estudante de primeiro periodo fica meio que confusa.
EliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarola, gostaria que me ajudasse a responder as seguintes questões, mas de forma sucinta e simples.
ResponderEliminar1- qual é a diferença existente entre Constituição e a Lei Constitucional?
2- Exemplos práticos da Constituição Material e Formal.
3- A nossa constituição é rígida, semi-rígida ou flexível?
Excelente professor 👏🏻
ResponderEliminarAmei Senhor Professor Albano Pedro.
ResponderEliminarQual é o nome do blogue do Sr. Professor?
Excelente artigo, gostei, muito obrigado. Fico bem elucidado.
ResponderEliminar