(Texto recomendado pelo Semanário Angolense)
Albano Pedro
À luz da Lei Constitucional – LC (para o legislador: Constituição da República) já não é possível surpreenderem-se manifestações ilegais. Desapareceu a força do argumento da autorização imposta ao abrigo da Lei n.º16/91 (Lei Sobre o Direito de Reunião e de Manifestação – adiante LDRM) para que as mesmas sejam realizadas porque a LC deixa claro que as manifestações não carecem de autorização (art.º 47.º), embora devam ser exercidas ao abrigo da lei ordinária competente (LDRM). Na verdade a LC devolveu a manifestação a sua verdadeira natureza jurídica que é a de ser uma liberdade fundamental. As liberdades por serem inerentes ao homem não carecem de serem atribuídas, e como tais autorizadas, são apenas reconhecidas pelo Estado e pelos respectivos sistemas jurídicos. Afinal as liberdades existem antes de qualquer sociedade. São intrínsecas ao homem enquanto indivíduo e correspondem ao estádio mais puro dos direitos do homem. Daí estarem estreitamente ligadas a linha dos direitos naturais com toda a pureza que os caracteriza (ius naturale est quod semper aequum et bonum est). E a dispensa de autorização no novo texto constitucional torna essa realidade evidente. Representando assim uma grande conquista no plano dos direitos humanos fundamentais.
De todo o modo, as manifestações devem ser comunicadas para que sejam organizadas com os auspícios das autoridades públicas sem prejuízo dos direitos e liberdades de quem delas não toma parte ou não tenha interesse. O que não quer dizer que as manifestações não comunicadas não devam ocorrer. Por esse argumento hermeneutico-constitucional é que são admitidas as manifestações espontâneas. A comunicação às autoridades obriga estas a criarem condições para que as manifestações ocorram num ambiente pacífico, pela prevenção de actos de puro vandalismo e sabotagem que normalmente ocorrem nesses casos, seja por terceiros estranhos aos propósitos da manifestação, seja pela animosidade dos próprios manifestantes. Uma outra consequência da comunicação as autoridades é torná-las responsáveis pela desordem que se verificarem durante a manifestação regularmente comunicada já que a responsabilidade pela manutenção da ordem passa em depósito das autoridades, normalmente policiais. Embora, a experiência, em Angola e no mundo, demonstre que quando a polícia receba ordens para impedir a manifestação a eclosão da desordem e violência se torne inevitável, o que confere oportunidade bastante para a polícia deter os manifestantes com alegação de faltar com as normas da ordem pública. A comunicação é a simples informação escrita dirigida com cópia a autoridade competente nos termos da LRDM. Não é para discutir roteiros, tão pouco para acertar datas como pretendem muitas vezes os governos provinciais quando comunicados. Precisamente porque estes “entretantos” administrativos já não condicionam a realização de quaisquer manifestações que sejam. Por razões cívicas e de colaboração com as autoridades públicas, os manifestantes podem modificar alguns procedimentos, não sendo contudo obrigados a fazê-lo por lei.
É verdade que a LDRM mantém no seu corpo de normas, um conjunto de condições impeditivas para a realização de manifestações, como horários e locais apropriados, autorização da administração pública, prazo mínimo para comunicação, etc. Contudo, os condicionalismos colocados pela LDRM tornaram-se inconstitucionais e facilmente podem ser alegados como tais, por qualquer defesa que delas lance mãos, em processos judiciais que pretendam julgar organizadores e participantes de manifestações consideradas ilegais. Há muito se vem chamando atenção sobre a inconstitucionalidade parcial da LDRM e a necessidade de colocá-la fora do sistema jurídico nacional mediante declaração de inconstitucionalidade a ser proferida pelo Tribunal Constitucional. A nova LC recomenda esse procedimento com urgência já que a nova previsão normativa fundamental tornou perigosa a aplicação do diploma legal em referência. Mas, não deixa de prevalecer a ideia de que o objecto da manifestação tem de ser lícito. Por exemplo não se admitem manifestações contrárias a ordem pública, susceptíveis de provocar ódio entre os cidadãos, e sobretudo contrárias aos ditames legais e aos bons costumes. As manifestações legalmente inadmissíveis estão elencadas na lei (LDRM) em benefício da paz pública.
Do que se expendeu fica claro que ninguém pode ser condenado por participar em alguma manifestação por alegada ilegalidade da mesma. Senão pelo fim ilícito que tenha perseguido. Em face disto, restam poucas ferramentas probatórias com idoneidade para serem consideradas como elementos suficientes de acusação em juízo. Entre elas estão os danos provocados pelos manifestantes e os pronunciamentos injuriosos devidamente provados.
No que toca aos julgamentos (em meio a prisões, maus tratos entre outros actos pouco aceitáveis) que estão a ser sujeitos os jovens manifestantes cuja notícia passeia actualmente a imprensa mundial, é de considerar que o argumento da ilicitude das manifestações é claramente descartado porque a acusação dela não se tem socorrido. Na verdade, a inteligente assessoria que a Polícia Nacional (PN) demonstra ter, levou-o a trilhar fora dessa vereda acusatória invocando ao invés o argumento da agressão contra os seus agentes entre as outras acusações fora do âmbito da ilicitude da manifestação em si. Lamenta-se ainda assim que a acusação não tenha força probatória convincente para vingar em juízo pela grosseira inverosimilhança das provas apresentadas. Uma vez que as provas reais captadas em imagens de vídeo e fotográficas, bem como o grosso das testemunhas oculares, favorecem claramente a inocência dos organizadores da manifestação. Contudo, nos parece que a luta pela verosimilhança das provas foi em desfavor dos jovens que acabaram condenados. O que não implicou falta de idoneidade das mesmas pelo que ficou demonstrado pela defesa que procurou alega-las em juízo com pouco sucesso, visto que a parcialidade do julgamento a dada altura se mostrou notória em favor da acusação. Fica o consolo do recurso interposto para o Tribunal Supremo para o último julgamento realizado. Contudo, fica subjacente, nesse julgamento pouco imparcial, a ideia da inibição do exercício da liberdade de manifestação. Os argumentos políticos que podem ser invocados para fundamentar o vício do processo judicial e a opinião pública formada a propósito situa-se na ideia de que as manifestações tendem a instaurarem distúrbios contra a sociedade. Taxando seus mentores e organizadores de cidadãos irresponsáveis com epítetos discriminatórios como “arruaceiros” entre outros. O que faz reduzir tendencialmente o valor e a importância da conquista das liberdades fundamentais pelos angolanos como fundamento para a construção do edifício do primado da lei e da democracia em Angola. Dixit.
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