COMO MOTIVO DA PARTICIPAÇÃO PÚBLICA DOS CIDADÃOS
Albano Pedro
A vida humana por si só não é um direito, embora essa constatação não seja vista de modo unânime entre os teorizadores das ciências jurídicas. Contudo é digna de protecção jurídica a partir de uma previsão normativa positiva da própria Lei Constitucional – LC (Direito à vida - art.º 30º) ao todo restante da legislação infraordinária. E assim também se compreende in puris naturalibus, uma vez que dela depende a sobrevivência e continuidade da espécie humana. Pode ganhar uma dimensão patrimonial em geral (ser objecto de responsabilidade civil), e por vezes financeira em especial (ser objecto de contrato de seguro – conhecido por seguro de vida) dos quais resultam a sua reparação em caso de ameaça ou perda. Mas, é perfeitamente aceite nas academias jurídicas que a vida seja classificada como um bem. E dos mais importantes na hierarquia dos bens jurídicos sendo elevada ao mais alto nível de protecção jurídica (goza de protecção absoluta) e como tal não admitindo qualquer forma de interrupção no seu exercício (proibição de pena de morte – art.º 59º LC) nem mesmo por vontade alheia a de quem a interrompe (consagração criminal do homicídio involuntário – art.º 368º - Código Penal, adiante CP) ou ameaça interromper (criminalização da tentativa de homicídio e do homicídio frustrado – art.º 350º CP), mesmo quando a interrupção seja no interesse da própria pessoa cuja a vida se pretende proteger (criminalização do auxilio ao suicídio – art.º 354º). O que deixa claro a falta de concordância com as correntes de opinião que percebem como sendo razoável a consagração legal da eutanásia. Esta protecção começa desde os primórdios da formação humana no ventre (proibição geral do aborto – art.º 358º - CP) embora nesses casos se admita a sua cessação quando esteja em risco a vida da gestante (admissão do aborto em caso de conflito de interesses) o que coloca a questão de escolha entre a vida do feto e a vida da gestante.
A vida como um bem jurídico complexo também se exprime na LC através de vários direitos. Alguns desses direitos têm uma dimensão exclusivamente individual – com forte implicação psicológica na existência humana - como o direito a integridade pessoal (art.º 31º), o direito à liberdade física e à segurança pessoal (art.º 36.º), o direito ao ambiente (art.º 39.º), direito à liberdade de consciência (art.º 41.º), etc; outros têm uma marcada dimensão social – com notáveis implicações psicossociais. Ora com nuances económicas como o direito de propriedade (art.º 37.º), direito à iniciativa económica (art.º 38.º), direito ao trabalho (art.º 76.º), etc; ora com nuances políticas, como a liberdade de reunião e manifestação (art.º 47º), liberdade de associação (art.º 48º), liberdade sindical (art.º 50º), direito de participar na vida pública (art.º 52.º) entre muitos outros direitos, liberdades e garantias. Essa cadeia de direitos estabelece um emaranhado de interesses que se cruzam em toda a existência social do homem tornando-o um ser necessariamente político. O que torna sobretudo claro que a vida e a liberdade são unidades interdependentes entre si que exprimem uma totalidade normativamente protegida como vimos nos exemplos enunciados.
Fora do plano jurídico a vida e a liberdade realizadas na sua plenitude constituem a essência da elevação humana aos mais altos níveis da sua realização simultaneamente material e espiritual. Aqui a vida se percebe como a dimensão material da liberdade tanto quanto se percebe a liberdade como a dimensão espiritual da vida. Essa verdade é eloquente tanto na perspectiva teológico-religiosa (Jesus Cristo sustentou que não só do pão viverá o homem (vida), mas de toda a palavra vinda de Deus (liberdade); quanto na perspectiva filosófico-política (Karl Marx distinguiu no seu materialismo dialéctico a ideia de que a estrutura (relações de trabalho e propriedade – como vida) determinam a superstrutura (as ideias e as concepções – enquanto liberdade). Desde logo, a manifestação da liberdade enquanto processo de interacção social coincide com a processo de afirmação física do homem expressa pela vida em todo o seu ciclo existencial. E disto vem que quanto menos se eleva a vida no seu processo de realização menos se sente a liberdade levando a desarmonia do homem com o meio ambiente que o identifica. O ideal de justiça torna-se então a meta de harmonização entre a vida e a liberdade humana. Assim se percebe que na Grécia antiga o florescimento das artes e ciências (a que Karl Marx denominaria superstrutura) ganharam expressão com a realização económica dos indivíduos (melhoria substancial das condições de vida). Tornando essa sociedade clássica numa das maiores referências civilizacionais para a humanidade até aos dias de hoje.
Destarte, fica claro que quanto mais se realiza a vida humana (existência social) maior é a necessidade de liberdade. O que pressupõe a sua conformação com as opções políticas do meio social. Pois, que o processo de emancipação da vida e da liberdade ao longo dos tempos tem sugerido o seu próprio formato social, dando lugar aos vários sistemas políticos que vem desde a democracia directa, representativa, socialista, etc., com todos os conflitos e choques contra a liberdade humana que se conhecem em meios as revoluções e reformas sociais catalogadas pela história da humanidade. O fim do esclavagismo, o término da I e II guerra mundial e a consagração do direito ao sufrágio universal, inauguram a era do respeito estrito pelos mais elementares direitos do homem positivados no concerto das nações através da Carta das Nações Unidas e através da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos para os Estados africanos. O respeito pelos direitos do homem permitiu a percepção de que a estabilidade política e a afirmação das opções políticas são apenas possíveis com o respeito a vida através da consagração da sua protecção por um lado e das liberdades que a devem manifestar por outro. Assim, é que as opções políticas das sociedades nos últimos séculos se têm afunilado para a Democracia representativa por ser aquela que mais manifesta a liberdade humana e detrimento de outras que vão conhecendo crises significativas na sua implementação (caso do socialismo ou comunismo da ex URSS, China e Cuba).
A participação pública como necessidade de preservação do direito à vida tem duas dimensões claramente consagradas na LC. Uma dimensão de carácter genérica (Direito de sufrágio – art.º 54º) que implica a participação de todos os cidadãos no processo de renovação de mandatos dos seus representantes na gestão dos interesses colectivos; e outra dimensão de carácter especial, por dizer respeito à quem manifeste interesse concreto nesse sentido, que é a liberdade de participação na vida pública e na gestão dos interesses colectivos (art.º 52º). Nesta ultima dimensão, o exercício do direito à vida manifesta-se pela necessidade de controlo directo dos meios e instituições que influenciam a organização e o funcionamento da sociedade. O que se faz, de modo mediato, através de partidos políticos (art.º 55º) e de modo imediato através de acesso a cargos públicos (art.º 53º).
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