sábado, 31 de dezembro de 2011

O EMPRESARIADO NACIONAL

NACIONALIZAÇÃO, REDIMENSIONAMENTO, PRIVATIZAÇÃO E REPRIVATIZAÇÃO CONTRA A LIVRE INICIATIVA ECONÓMICA E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO



Albano Pedro



Enquanto colónia (província) portuguesa, Angola chegou a estar, nos meados e finais dos anos 60 do século passado, entre as 6 maiores economias do mundo. Tinha então um vasto e sólido parque industrial chegando a exportar, ao lado de matéria-prima, produtos acabados sobretudo para Portugal, exibindo deste modo uma balança comercial satisfatória pontuada pela exportação de produtos diversificados. Os três sectores da economia estavam em perfeita sintonia havendo uma exploração diversificada de recursos minerais, florestais, marinhos e agro-pecuários com as correspondentes indústrias suportadas por uma rede de serviços multissectorizados. A produção de energia eléctrica e o fornecimento da água correspondiam as exigências médias da época tornando estável a economia. Nesta mesma década, o então Zaíre (hoje RDC – o exemplo vem pela vizinhança e aproximações histórico-económicas) era o segundo país mais industrializado de África seguindo a África do Sul com o seu monstruoso parque industrial multisectorizado. Em Angola, os lares das populações negras trabalhadoras e assalariadas tinham as três refeições e era frequente falar-se em vida regalada (onde o bom vinho a mesa das refeições era comum) mesmo para os que tinham rendimentos básicos. Os bens de consumo (mesmo os duradouros como viaturas, electrodomésticos, etc.) podiam ser adquiridos a créditos facilitados por um sector bancário robusto e funcional. Uma classe privada numerosa detentora de médios e grandes capitais (maioritariamente obtidos de explorações agropecuárias) começou a edificar imóveis que tornaram Luanda e algumas cidades de Angola nas mais modernas urbes do mundo na época.

Actualmente, Angola está entre as economias do planeta que mais rapidamente crescem, depois de recuperar da desgastante guerra civil e de pretender ultrapassar a inoportuna opção económica centralizada do pós-indepêndencia que ainda persiste na realidade económica actual. Apesar disso, está longe de estar entre as melhores economias de África. Porque ganha apenas países em estado de miséria económica e social patente. Os dados (fonte: CIA World Fact Book) indicam esse facto pelos elementos comparativos que passamos a descriminar: A Economia de Angola vem crescendo com uma taxa de 11.1% entre 2001 e 2010. O PIB (Produto Interno Bruto) em 2010 foi de 114.1 mil milhões de dólares e a dívida externa situada na ordem dos 17.98 mil milhões de dólares (até Dezembro de 2010). Exportações em 2010 situaram-se na ordem dos 51.65 mil milhões de dólares enquanto as importações no mesmo ano situaram-se na ordem dos 18.1 mil milhões de dólares. O Banco Mundial colocou Angola em 163 º na lista dos países com maior facilidade e segurança em investimentos (Ease of Doing Business Index). A RDC (República Democrática do Congo) é a 119ª Economia do Mundo com o PIB em 2009 de 21.64 mil milhões de dólares e a dívida externa situada em 10 mil milhões de dólares até 2009 contra a dívida interna (pública) não especificada. Neste mesmo ano as exportações situaram-se na ordem dos 6.1 mil milhões de dólares contra 5. 2 mil milhões de dólares de importação. Uma balança externa ligeiramente positiva neste ano. Infelizmente as exportações são baseadas em matéria-prima tal como Angola e o Banco Mundial situou a RDC em 182 º na lista dos países com maior facilidade e segurança em investimentos (Ease of Doing Business Index). A ÁFRICA DO SUL é qualificada em termos de rendimentos como uma Economia média-alta (em África está ao lado do Botswana, Gabão e Ilhas Maurícias) com o PIB em 2010 de 357.4 mil milhões de dólares e a dívida externa situada em 73.84 mil milhões de dólares até 2009 contra a dívida interna (pública) de 35.7% do PIB. Neste mesmo ano as exportações situaram-se na ordem dos 67.93 mil milhões de dólares contra 70. 24 mil milhões de dólares de importação. Uma balança de pagamentos negativa notória neste ano. Exportações baseadas em matéria-prima e produtos acabados (incluindo maquinarias e equipamentos). A NIGÉRIA é tida como 31ª Economia do Mundo em termos de PIB que em 2010 foi fixado em 377.6 mil milhões de dólares e a dívida externa situada em 9.689 mil milhões de dólares até 2009 contra a dívida interna (pública) de 17.8% do PIB. No mesmo ano as exportações fixaram-se em 45.43 mil milhões de dólares contra 42.1 Mil milhões de dólares de importação demonstrando uma balança de pagamentos ligeiramente positiva. Exportações baseadas em matéria-prima e produtos acabados (incluindo petróleo e seus derivados, comida processada, maquinarias e equipamentos). O KENYA é considerado a 86ª Economia do Mundo com o PIB em 2008 fixado em 60.361 mil milhões de dólares e a dívida interna (pública) em 7.729 mil milhões de dólares até 2009. Os dados sobre a dívida externa não são precisos. Neste mesmo ano as exportações situaram-se na ordem dos 4.479 mil milhões de dólares contra 9. 215 Mil milhões de dólares de importação. Uma balança de pagamentos negativa. Exportações baseadas em matéria-prima e produtos acabados (incluindo petróleo e seus derivados, produtos agrícolas, etc.).

Com a extrema dependência das exportações de hidrocarbonetos e a manutenção de uma economia dependente do sector público (sobretudo em contratos de concessão) Angola pode ser comparada a Guiné-Bissau, pela dependência a chamada mono-exportação (um único produto de exportação) e a Etiópia pela falta visível de uma economia privada auto-sustentada. Ambos os países em consideração inspiram delicadezas e fragilidades graves em todos os domínios. A Guine Bissau está entre os 10 países mais pobres do mundo, enquanto a Etiópia, famosa pelas crises periódicas de seca e fome, não só depende fundamentalmente de uma agricultura de subsistência (tipo familiar) como se dá ao “luxo” de não ter quaisquer infra-estruturas económicas privadas para além da terra ser dispensada para o cultivo ao povo mediante arrendamento. São, como é óbvio, países com uma manifesta desestruturação económica dominados por uma gestão pública, tão irreal quanto ilusória, incapaz de promover o bem-estar social e o desenvolvimento económico. O que se lhes leva a assemelhar-se a Angola nesse sentido. Afinal, Angola tem uma balança comercial positiva ilusória. Porque as exportações, que levam ao espantoso crescimento da economia angolana, são o reflexo da exportação privilegiada de um único produto: O petróleo. Infelizmente um crescimento assente exclusivamente na indústria petrolífera (no aumento discomensurado e, por vezes, irracional da exploração deste recurso não renovável). Mesmo que alguns países chamados à comparação não manifestem balanças de pagamento equilibradas ou manifesto crescimento económico notam-se nos mesmos a existência de infra-estruturas económicas maioritariamente privadas, um sistema comercial externo liberalizado, produção e distribuição de energia e água estável, tendência decrescente da taxa de analfabetismo bem como uma atenção clara aos sectores da saúde e da educação, diversidade económica por sectores quer na importação quer na exportação (nessa vertente destacam-se produtos acabados incluindo maquinarias e equipamentos), preocupação na estabilidade macroeconómica pela manipulação de agregados estratégicos para o desenvolvimento económico e social como a política de emprego (estímulo visível ao sector privado pela facilidade no investimento privado) e a política monetária (taxas de inflação controladas). Os exemplos da Nigéria, África do Sul e Kénia são invejáveis nesse sentido.

Na RDC, o desaparecimento quase total do parque industrial, fruto da gestão ruinosa do regime de Mobutu Sese Seko e das guerras civis dos anos 90 que levou sucessivamente os dois membros da família Kabila ao poder até aos dias de hoje, é a principal causa do desastre económico vivido pelos congoleses. Da mesma maneira que a gestão ruinosa das empresas pelo Estado e a prolongada guerra civil que se arrastou até momentos recentes, são, em Angola, as causas mais visíveis e sensíveis da ruína económica e social. Ambos os países têm a missão de lançar mãos com urgência à edificação do parque empresarial privado que ofereceu glórias no passado. E no caso de Angola, acresce-se a necessidade de esforçar-se em abandonar a tendência de desenvolver uma economia pública (criação e relançamento de empresas públicas que actuam em sectores de concorrência privada), deixar de manter a dependência do sector empresarial privado a economia pública e sobretudo estimular a diversificação da economia pelo abandono urgente da monoexportação. Já que as fotografias económicas da Guiné Bissau e da Etiópia podem não estar longe de se assemelharem à de Angola se nos próximos tempos as mudanças não se operarem apesar do “famoso” crescimento económico.

A história empresarial angolana não é encorajadora quanto a persistência do Executivo em relançar o empresariado público nos dias de hoje. Com a independência de Angola o parque empresarial privado foi transferido para o sector público através das nacionalizações operadas sobre todos os bens de produção. Foi aprovado um diploma legal (Lei das Nacionalizações e Confiscos) que produziu a transferência não só das empresas como de imóveis pertencentes aos particulares, num regime sancionatório no que toca aos confiscos da propriedade imobiliária para quem estivesse ausente do país por um lapso considerável de tempo. Era o mecanismo mais indicado para transferir inclusive o parque imobiliário ao sector público mercê das opções políticas da época assentes na centralização da economia e da propriedade pelo Estado feitas pelo Partido (MPLA) como detentor da vontade soberana do povo. Surgiram várias unidades de produção (UEE – Unidades Económicas Estatais) que foram, muitas delas recapacitadas tecnicamente com equipamentos importados de países de opção socialista (parceiros legítimos de Angola pro-comunista). Porém com um sistema de gestão prejudicado pelo elevado índice de analfabetismo e inexperiência empresarial, técnica e tecnológica da época. Como consequência a manutenção do sistema industrial tornou-se problemática. O sistema económico entrou em crise e começou a perder aceleradamente em favor de uma economia informal galopante que arrastou consigo todo o controlo fiduciário para fora de um sistema bancário completamente débil, estrangulando a política monetária que deu lugar as crónicas e galopantes inflações dos anos 80. Várias medidas políticas foram tomadas sem sucesso para controlar e estabilizar a economia planificada. Reorganizaram-se as empresas no plano directivo, produtivo e financeiro. Surgiram conselhos de Direcção e os Plafond (fundos financeiros) para importação de matérias-primas, para além da dependência orçamental estatal existente. Algumas iniciativas privadas começaram a ganhar espaço e o financiamento de algumas delas começaram acontecer ao abrigo das reformas do sector empresarial. No meio deste esforço inglório são famosos a troca da moeda (empréstimo forçado que levou a ruína boa parte da população angolana) e o SEF (Programa de Saneamento Económico e Financeiro). A queda veloz e inevitável da qualidade e quantidade das UEE levaram a substituir a produção interna pelas importações em muitos sectores da economia ao ponto de confinar-se a exportação aos hidrocarbonetos. Mas os dias do empresariado público nacional estavam contados. Nos finais da década de 80, a economia empresarial angolana conheceu o colapso definitivo com o reconhecimento da necessidade de privatizar e reprivatizar a maior parte do parque industrial. Com base nisso, do Conselho de Ministros nasceu a política do redimensionamento empresarial sustentadas pelo Decreto n.º 32/89, de 15 de Julho (mais tarde reforçado pelo Decreto n.º8 – F/91, de 16 de Março) que deu lugar a criação do Gabinete de Redimensionamento Empresarial (GARE), através do Decreto n.º 36189, de 22 de Julho. Estabeleceu-se um horizonte temporal de 10 anos para concluir todo o processo inerente a (re) transferência das empresas para o sector privado (1990 – 2000). As guerras civis descontroladas em quase todo o território nacional exerceram a pressão suficiente para considerar-se enterrado inclusive a opção económica fundamental assente na economia centralizada que acabou arrastando consigo o parque empresarial angolano à ruína.

Com a inauguração do Estado de Direito e Democrático nos limiares dos anos 90 uma nova visão económica emergiu para dar lugar a iniciativa privada. Em 1991, o Estado decide transferir igualmente para o sector privado o seu património imobiliário com aprovação da Lei n.º 19/91, de 21 de Maio como sinal de transformação das opções fundamentais para a livre iniciativa e para a propriedade privada como primado constitucional de 1992. Porém, a guerra civil foi retomada e Angola, com todos os seus projectos de recuperação económica, entrou em hibernação. O país conheceu uma era de plena importação de todos os bens com destaque aos materiais e equipamentos bélicos para sustentar a defesa da integridade territorial vulnerável com a possibilidade de invasões externas. 16 anos passaram e a paz voltou a pairar sobre os angolanos com o Memorando de Entendimento do Luena que pós fim a guerra civil em Angola. O que não impediu que o processo de privatização desse continuidade. A esse propósito em 1994 foi aprovada a Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto (Lei das Privatizações) reforçando normativamente todo o processo (esta mesma Lei veio a ser alterada em 2003 pela Lei n.º 8/03, de 18 de Abril). As eleições legislativas de 2008 relançaram democraticamente o Estado e até o ano de 2010 (ano passado) um esforço legislativo e económico tem sido empreendido no sentido de viabilizar a estabilidade social e económica de Angola.

Desde o lançamento da política de Redimensionamento Empresarial dos idos anos 80, o balanço actual feito pelo Ministério das Finanças é de terem sido privatizadas 409 empresas perfazendo 1.533 unidades de produção o que corresponde a 29,5% do património do Estado (dados do projecto Portal do Governo). Ainda assim, temos um Estado nostálgico disposto a recuperar o parque empresarial público com um conjunto de reformas legais nesse sentido. Ao invés, o processo de investimento privado (nacional e estrangeiro) continua excessivamente burocrático e desmotivante (essa situação agravou com a recente reforma a Lei do Investimento Privado que estabelece medidas restritivas quanto ao volume financeiro para os investimentos e as condições da sua efectivação), o projecto de uma Bolsa de Valores Mobiliários está em banho-maria e não é sensível qualquer esforço no sentido de serem eliminadas as grandes barreiras que impossibilitam o florescimento de um empresariado nacional consentâneo com as opções fundamentais assentes na iniciativa privada consagrada na nova Lei Constitucional – LC (Constituição, segundo o legislador). A tão necessária e urgente reforma fiscal não acontece e a política fiscal e aduaneira actual não é convidativa para além de pesada, é notória a ausência de um circuito bancário que sirva as oportunidades empresariais e a iniciativa privada, excesso de burocracia na formação de empresas bem como a existência de obstáculos sérios no desenvolvimento do parque empresarial, impedimentos notórios ao investimento estrangeiro e à importação de capitais entre milhares de obstáculos que levaram o Banco Mundial a colocar Angola entre os países com mais dificuldades para se investir em todo o mundo (cfr. acima: Ease of Doing Business Index).

Para quem nota estes elementos no ambiente económico angolano facilmente conclui que o Estado angolano tem uma notável alergia ao surgimento de um parque empresarial privado sólido e multiparticipado por estas medidas de “contenção” e obstrução que desenvolve contra os investidores privados em benefício de um monopólio de Estado sobre a economia. Sem o ambiente empresarial adequado as empresas transferidas para o sector privado entram em desamparo completo ao lado da impotência do empreendedor nacional ante as vicissitudes apontadas. Diante deste quadro é fácil perceber o clientelismo e a corrupção como instrumento que tem viabilizado alguma estabilidade financeira das empresas privadas maioritariamente controlada por estrangeiros pela dependência que têm do sector público.

Paralelamente, o Executivo não só estimula o empresariado público como leva o Estado a engajar os recursos públicos em substituição dos esforços do sector privado (construindo imóveis habitacionais e demais infra-estruturas económicas de vocação privada). Nasce disso a impossibilidade de assistir aos sectores de vocação pública como a saúde, a educação e as infra-estruturas e equipamentos sociais provocando um processo de progressão económica e regressão social que tem motivado as mais variadas ondas de manifestações que se têm assistido nos últimos dias. O Estado angolano encontra-se assim numa gestão desvirtuada dos interesses colectivos.

Assim, torna-se mais do que evidente que o Executivo está fora da trajectória que leva ao desenvolvimento sustentado. E a falta de humildade em admitir tal erro crasso leva o partido no poder a minimizar as reivindicações sociais generalizadas em favor da ostentação eleitoralista das obras públicas feitas em atendimento ao sector económico em detrimento do sector social. A correcção do tiro passa necessariamente por libertar e capacitar a iniciativa económica e todo o empresariado privado cumprindo três etapas fundamentais: (1) organizar o mercado financeiro interno (Bolsa de Valores Mobiliários, sistema de juros e subvenções adequados ao empresariado, reforma fiscal e aduaneira adequada (incluindo políticas de subvenção para bens e agentes económicos estratégicos), simplificar o processo de organização, formação e instalação de empresas, incrementar e diversificar legalmente as modalidades empresariais à luz das exigências das economias modernas (Lei das Sociedades Comerciais), estabelecer uma política de investimento estrangeiro condicionado para os capitais mínimos entre outras medidas urgentes; (2) estimular o investimento privado (nacional e estrangeiro) e a importação generalizada de capitais e (3) aderir aos acordos de livre comércio e de união aduaneira ao nível da região (SADC), acertando o passo com os demais países membros rumo ao desenvolvimento de um mercado regional simétrico. Ao mesmo tempo, o Estado deve repor-se à função regulatória da economia, desviando em consequência o esforço financeiro no capítulo do investimento público para os sectores vocacionais naturalmente orientados a organização e estabilidade social que correspondam a capacitação e sustentação humana através da educação e saúde, para além da ordem interna, da defesa territorial, do reforço institucional público, do estímulo das instituições públicas vocacionadas ao apoio das iniciativas privadas, da política de apoio social (reforma, subsidio de desemprego, etc.). Dixit.

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