terça-feira, 17 de janeiro de 2012

CARTA AOS PARTIDOS POLÍTICOS II

(Texto publicado em 2008 no Semanário A Capital)

Albano Pedro

Um dos sinais de incompetência e desmedida ignorância das mais elementares técnicas de operação política manifestada pelos partidos políticos da e na oposição civil é a falta de um corpo especializado e competente de assessores e técnicos, assim como de serviços nacionais e internacionais contratados, que ajudem as suas direcções a rumarem seguros para os diversos portos que os fenómenos e factos políticos em Angola aconselham ou determinam. Assentam, por isso, as suas previsões em factos completamente empíricos e casuais desprovidos assim de qualquer cientificidade. Um desses factos é a base estatística do eleitorado provável para as suas ambições de alternância do poder.

Salta facilmente a vista que a maioria das organizações políticas se sustenta no facto de que a base eleitoral de 1992, que conduziu partidos como o PRS, PDP-ANA, FNLA, UNITA e o próprio MPLA ao poder se mantém incólume e como tal mantém-se a “velha” ordem de 1º, 2º ou 3º maior partido da oposição. Nada mais falso! As mesmas formações políticas sustentam ainda as hipóteses de viabilidade eleitoral no facto de a governação do MPLA estar contra o interesse da maioria do povo angolano. Deduzindo o infeliz raciocínio de que a maioria esmagadora do eleitorado arrastar-se-á naturalmente a favor da oposição civil, como se de autómato se tratasse.

Com efeito, o sentido de novidade e esperança na alternância que a UNITA trouxe na voz imponente do seu líder nas primeiras eleições gerais, esfumou-se com o tempo. Para tanto, determinaram o retorno a guerra e as sucessivas crises vividas por esta importante agremiação política. Vale para o efeito as divisões operadas e autonomizadas como a ala belicista e o Movimento Renovador acrescidas de “devastadoras” campanhas de intimidação, ameaça efectiva e perseguição a todos os níveis sobre aqueles que se identificaram desde então com este partido, além de que a falta de abertura do seu núcleo duro a diversidade étnica e cultural determina a lenta marcha na conquista de uma base eleitoral alargada. Mais se acresce que os ex-militares que constituía a massa fundamental no número de votos se encontra desamparada pela falta de acção na conclusão dos acordos de Lusaka que ofereceria esperanças renovadas através da reinserção social de todos os desmobilizados.

A FNLA tem conseguido desgastar as esperanças dos seus militantes e simpatizantes com as crónicas lutas internas pela sucessão na direcção do partido, para além de estar afectada por uma grave paralisia política. E aqueles que alguma vez acreditaram nos ideais operados pelo Holden Roberto hoje vão se convencendo que a falência desta formação política se transformou em realidade. O PRS, muito disciplinado antes das eleições gerais de 1992, se tornou numa base de combate entre traídos e traidores configurando hoje uma imagem não desejada pela base eleitoral maioritária do leste de Angola que o legitimou. Se o FDA visualizando o ambiente de escassa base eleitoral inteligentemente procurou a sua anexação ao partido da situação por via de extinção, o FPD sobrevive graças a sua especial vocação de partido que se quer de quadros e que aposta no debate aberto e na proliferação de ideais renovadores aguardando com justeza que o próximo pleito eleitoral traga para o seu enriquecimento novos eleitores. É provavelmente a formação política que mais opera junto da sociedade civil sóbria e do povo consciente dos seus direitos políticos procurando partilhar linhas de actuação e interesses na viabilização da governação de Angola. A simpatia acumulada pelo PDP-ANA foi gravemente afectada após a sua decapitação. Pelo que, vale referenciar que o carismático professor Mfulupinga Landu Victor levou consigo significativa esperança de voto para este partido. As consequências do 27 de Maio foram durante muito tempo o factor de mobilização em que assentou a base de simpatia pelo PRD, hoje, porém a miséria em que mergulhou o povo angolano é tal que o motivo da opção pela alternância do poder pelo abusivo sofrimento dissolveu a maior parte da tendência de voto para este partido. O PADEPA, não fosse a sua limitação no espaço geográfico de Luanda e a sua acção sindicalista pouco consentânea com os sistemas democráticos em que se privilegia o debate e prognostica a derrota do adversário pela força do discurso público e pela proposta de projectos de governação, seria o partido com mais probabilidade de assumir o comando dos partidos da e na oposição civil. Manifesta e opera factos políticos que chegam ao conhecimento dos potenciais simpatizantes como nenhum outro, impressionando os seus destinatários. Os POC protagonizaram o seu próprio insucesso pelo enterro dos partidos nele compreendidos. Hoje a base de militantes e do eleitorado está desorientada quanto a quem deve apoiar e votar. O próprio MPLA, não fosse pelos simpatizantes que querem ver o seu património privado e cargos públicos conservados, não teria sequer votos dignos da sua dimensão nacional. Pois, tem conseguido frustrar os seus próprios membros pela obstrução de acesso ao poder económico dos militantes históricos; pela falta de oportunidade de progresso interno para os aderentes jovens nas suas estruturas orgânicas que se encontram devidamente controladas pelos tradicionais militantes; pelas exonerações injustificadas em cargos públicos; pela falta de aproveitamento e enquadramento socioprofissional dos quadros jovens formados, etc., incubando com isso um clima de revolta interna que a seu tempo se manifestará.

De facto, se transformados em partidos políticos, o comando da oposição civil em Angola estaria configurado na seguinte ordem: IURD (Igreja Universal do Reino de Deus) pela grande capacidade e sucesso na propaganda, mobilização e influência, embora contestada, sobre o povo necessitado e desamparado; AJPD (Associação Justiça, Paz e Democracia) pela forte influência junto da juventude, maioritariamente estudantil, reivindicadora de um Estado Democrático e de Direito; Associação MÃOS LIVRES pela simpatia alcançada da maioria esmagadora de trabalhadores das empresas públicas, e não só, abandonados a sua sorte pelo Governo; SOS HABITAT pela força que representa junto dos cidadãos removidos e expulsos dos centros urbanos e peri-urbanos; OPEN SOCIETY pela persistente campanha de denúncias internacionais sobre a delapidação do erário público através da corrupção; ADRA pela advocacia a favor dos “sem-terra” que já começam a fazer uma assustadora presença entre os angolano; Os próprios irmãos Pinto de Andrade (os professores Vicente e Justino) nas suas incessantes intervenções a favor dos “descamisados” e na divulgação dos ideais democráticos, etc. E a lista não iria muito além por escassez de forças sociais vivas e actuantes.

A questão do eleitorado é tão séria que quando o MPLA através do Governo e demais órgãos do Estado facilitou, em 1992, a formação e legalização de partidos políticos, fê-lo com o faro profético, obviamente intencional, de que os perto de 200 partidos teriam pela frente uma luta renhida pela partilha de votos, dificultando a sua ascensão folgada, diante de um poder com votos garantidos pelos fiéis seguidores e “escravos” do regime que se contam aos milhões. Assim, a UNITA jamais somaria os votos para uma confortável folga parlamentar. E a oposição junta nunca alcançaria os números da bancada parlamentar do partido no poder. Tal é o sucedido.

A falta de consideração a vontade eleitoral é tal que os partidos políticos preferem elaborar as necessidades económicas e sociais em discussões de gabinetes que partir para o diálogo com o eleitor, constatando as suas reais necessidades. Preferem conjecturar que o aldeão tem necessidades urbanas prometendo-lhe mais do que efectivamente necessita. Afastam os debates públicos e a comunicação directa com a base eleitoral através de abusivas manobras burocráticas de acesso aos serviços dos órgãos vocacionais dos partidos. Muitos dos dirigentes destas formações políticas se dirigem ao povo com arrogância através de linguagens e gestos marcadamente elitistas; se fazem acompanhar de guardas em eventos públicos e sociais evitando o contacto afectivo com o seu eleitorado e exibem as mesmas riquezas fazendo o uso das mesmas formas de aquisição de bens patrimoniais que aqueles que se encontram na situação de tal ordem que colocam o eleitorado em dúvida sobre a possibilidade efectiva de serem os mais indicados para a alternância do poder.

Na verdade se qualquer partido tivesse a coragem de encomendar estudos estatísticos sobre a intenção de voto do eleitorado, certamente se surpreenderia ao ver os resultados que hoje apontam mais para abstenção do que para o voto efectivo. A maioria dos partidos descansa a sua confiança no número de militantes do que no número de simpatizantes hoje em franca escassez. Não tendo cores partidárias definitivas e correndo para a realização dos seus interesses, estes são os que decidem a eleição efectiva de quem se propõe ao poder. Se os militantes decidem a renovação dos mandatos internos dos partidos, são os simpatizantes que decidem a condução destes mesmos partidos ao poder do Estado. Os simpatizantes, os quais não é possível determinar o número senão em bases de probabilidades estatísticas sérias, não se apresentam a preencher boletins de inscrição para ingresso nas fileiras partidárias, podem ser até membros de outras formações políticas que convencidos por um discurso arrebatador decidem em votar contra as próprias organizações partidárias em que militam. Estes buscam-se com fortes e consequentes persuasões operadas por sucessivas campanhas de mobilização e em número esmagam qualquer base de militantes efectivos.

De novo, visualizando as próximas eleições, impõe-se que todos os partidos políticos, incluindo o MPLA, operem com bases de probabilidade estatísticas aproximadas as reais, avaliando com seriedade e direccionando com perspicácia o seu eleitorado para que os resultados dos escrutínios sejam efectivos frutos dos esforços operacionais de cada formação política. Assim, o povo elege com a plena consciência de cidadania e o partido assim eleito traça a sua rota política mais para os reais interesses do eleitorado. Eis a lógica que estabelece a cumplicidade entre o eleitor e o eleito.

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