terça-feira, 26 de junho de 2012

REQUIEM PRO FNLA – FRENTE NACIONAL DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA

Uma questão levantada pela jurista e jornalista Amor de Fátima na rede social do Facebook me fez reflectir seriamente sobre o futuro de um grande partido que é a FNLA. Trata-se da seguinte questão: “ Se a FNLA que formalizou hoje (Domingo), junto do Tribunal Constitucional (TC) a sua intenção em participar nas eleições gerais de Agosto, for extinta por não conseguir votos suficientes…como ficaria a grande luta de Ngola Kabango?...” A questão é pertinente porque sabe-se que a FNLA que deu entrada do processo de candidatura ao TC é aquela cuja direcção é encabeçada pelo Sociólogo Lucas Ngonda em detrimento da vontade maioritária dos militantes deste histórico partido político angolano que pretende ver o Eng.º Ngola Kabango como legitimo sucessor do Presidente fundador, Álvaro Holden Roberto. A questão de fundo é: se o Eng.º Ngola Kabango que detém o apoio da base social da FNLA não pode candidatar a FNLA às eleições de 31 Agosto, por falta de legitimidade legal, que será da FNLA? Porque por um lado temos Lucas Ngonda com legitimidade legal (com capacidade de candidatar o partido as eleições) e por outro Ngola Kabango com legitimidade popular (com capacidade de mobilizar a massa de militantes e simpatizantes para repor o partido na Assembleia Nacional evitando a sua extinção). Ou seja, com a situação instalada desenha-se no horizonte deste partido uma crise que pode resultar na sua morte parlamentar e legal, já que os militantes podem “boicotar” a candidatura de Lucas Ngonda preferindo uma espécie de automutilação que leve consigo o partido ao seu próprio enterro. Afinal, os mais tradicionais militantes podem não votar a favor do “partido de Lucas Ngonda” e mobilizar os restantes para uma abstenção generalizada com objectivo de isolar Lucas Ngonda. O que significa isolar a própria FNLA legalmente reconhecida para a corrida eleitoral. Para uma análise clara do problema, podemos admitir a existência de duas FNLA (o conceito de ala não se apresenta oportuno). Uma que é legalmente reconhecida para concorrer as eleições que é encabeçada pelo Lucas Ngonda e outra que é marginal, e como tal impedida de fazer uso de expedientes que o levem a candidatar-se as eleições e que ironicamente detém a base social de apoio da FNLA encabeçada pelo Ngola Kabango. Se é verdade que esta situação aproxima a FNLA de uma verdadeira crise existencial que culminará com a sua própria extinção legal, também é verdade que chegou o momento para a determinação da salvação deste grande movimento histórico transformado em partido político. Então de que lado estará a solução? Na verdade, a obsessão de Lucas Ngonda e seus sequazes em suceder a Holden Roberto, com argumentos de político visionário e salvador do partido, tem levado a FNLA numa verdadeira crise de identidade. Afinal, os militantes que determinam a legitimidade política perderam terreno na luta pela unificação do partido a favor de manipulações externas que fragilizam todos os dias as pretensões estadistas deste partido e o levam a uma extinção legal na arena da política doméstica. Quem pode salvar o partido? Tudo indica que a situação instalada pode provocar um verdadeiro “êxodo” de militantes e simpatizantes para a abstenção ou ao desvio eleitoral que favorece outras formações partidárias. Desde logo, cabe aos próprios militantes decidirem a sorte da FNLA e isso significa a tomada de uma posição corajosa por parte da liderança com legitimidade política. Nessas circunstâncias, Ngola Kabango é chamado a salvar o partido sacrificando os mais profundos interesses pessoais e dos seus fiéis seguidores no contexto do legado histórico e simbólico que transportam consigo desde a fundação deste que foi um dos mais importantes movimentos de libertação nacional. Na verdade é chegado o momento da própria unificação do partido mediante tomada de uma decisão heróica que consiste na aceitação e apoio da direcção de Lucas Ngonda. Ngola Kabango é desafiado tal como foi a mãe do bíblico julgamento de Salomão que ofereceu a sua posição a favor da outra para salvar a criança de ser esquartejada como resultado da decisão sabiamente proferida. Ngola Kabango está desafiado a demonstrar quem verdadeiramente se apresenta como líder da FNLA, no sentido em que está verdadeiramente interessado na unidade e progresso do partido, sacrificando o seu cargo com vista ao sucesso eleitoral da sua formação política. Uma posição contrária, vai trazer a faceta de uma casmurrice absurda e marcadamente egoísta, levando-o a um inevitável suicídio político. Se Ngola Kabango realiza o feito histórico da cedência da liderança pela salvação do partido, tal como a mãe do julgamento bíblico, merecerá o reconhecimento de verdadeiro líder da FNLA pelos militantes e simpatizantes. Assim como a mãe mereceu o reconhecimento de verdadeira progenitora revelando a malvadez e frieza da falsa mãe. De resto, é uma questão de aguardar pelo próximo congresso em que Lucas Ngonda se achara desgastado pela evidência do seu egoísmo político. Ngola Kabango, saído então de umas verdadeiras “férias” políticas poderá reconfirmar o comando da direcção de um partido completamente unido e desfeito dos seus manipuladores. Enquanto isso, a FNLA empolada pela divisão avança a passos galopantes para o precipício do esquecimento político pela triste via da extinção. Dixit.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

O COMANDANTE EM CHEFE E O ESTATUTO ELEITORAL DOS MILITARES - Albano Pedro

(Publicado no Semanário Angolense) Saber se o Presidente da República, na qualidade de Comandante em Chefe das Forças Armadas Angolanas (FAA) é militar ou não e que grau militar ostenta, é um dos problemas que solicitam esclarecimentos obrigatórios, sobretudo para se ter a clara ideia sobre a sua capacidade eleitoral activa (de eleger) e passiva (de ser eleito), uma vez que os militares conhecem limitações no que diz respeito a capacidade eleitoral em geral. Essa questão me foi colocada por um internauta na rede social da internet Facebook e pela oportunidade da mesma entendi trazê-la ao público angolano através destas linhas. A partida, as competências de Comandante em Chefe do Presidente da República derivam da sua qualidade de Chefe da Nação, com as quais exerce o dever de zelar pela soberania do Estado, designadamente pela garantia da segurança do Estado diante de invasões estrangeiras (defesa da integridade territorial). Na verdade o Presidente da República quando eleito, tem apenas duas funções: Chefe de Estado e de Chefe do Governo (a nova redacção constitucional fala em Titular do Poder Executivo devido a unipessoalidade deste órgão). Erradamente, a Lei Constitucional – LC (Constituição, segundo o legislador) autonomiza tais competências (art.º 122º) quando na verdade deveria constar do elenco da generalidade das competências do Presidente da República (art.º 119º), pois a autonomização das competências transmite a ideia de um cargo específico e que encima a hierarquia de todo o sistema militar angolano, não obstante derivarem direitos sobre a prática de actos específicos como, assumir a direcção superior das FAA, nomear e exonerar oficiais generais do topo da hierarquia militar, graduar oficiais generais e oficiais comissários de polícia, etc. Em países de vocação comunista (Cuba, Coreia do Norte, etc.) o Comandante em chefe enverga uniforme e ostenta grau militar de enquadramento orgânico duvidoso. Existem ainda Chefes de Estado que ostentam graus militares (Em África foram, particularmente famosos os casos do Coronel Kadhafi na Líbia e do Marechal Mobutu no ex-Zaire). É claro que o uso do grau militar fora do serviço militar activo não se coloca em qualquer sistema militar. Ninguém deixa de ser cabo, sargento, capitão, coronel ou general quando dispensado do serviço militar activo. Mas, o que é facto é que o Presidente da República na qualidade de Comandante em Chefe das FAA não é militar e por isso não ostenta nenhum grau militar nessa qualidade. Não importa se tenha servido as forças armadas como tenente ou general antes de assumir o cargo presidencial. No sistema militar angolano, o mais alto grau militar é o de General de Exército, ostentado por Geraldo Sachipengo Nunda na qualidade de Chefe do Estado Maior General das FAA. Na verdade cada um dos três ramos das FAA (Exército, Marinha de Guerra e Força Aérea) tem o mais alto grau militar equiparado aos outros ramos militares. Enquanto, para o Exercito é o grau de General de Exército (quatro estrelas), para a Marinha de Guerra e para a Força Aérea são os graus de Almirante de Armada e General de Ar respectivamente. Acontece que o sistema militar angolano reconhece estes graus militares para os titulares do cargo de chefia do Estado Maior General das FAA. Cargo que até hoje tem sido exercido por generais provenientes do Exército. Razão pela qual nenhum militar até hoje ostentou o grau de Almirante de Armada ou de General do Ar. Os militares só podem ser eleitos para os cargos de soberania do Estado quando reformados (caso de oficiais superiores e generais) ou colocados a disponibilidade militar (caso de outros). E por isso fora do serviço militar activo. O mesmo acontece em relação a indicação para cargos governamentais. Isto explica o caso de militares que exercem cargos governamentais designadamente ministros, vice-ministros, governadores provinciais, embaixadores, etc., que não envergam uniformes militares no exercício destas funções. O ministro da Defesa, ainda que general, não deve estar no activo porque exerce um cargo governamental (gestão e política estratégica do sistema militar angolano). Por isso, não são elegíveis para cargo de Presidente da República militares e membros das forças militarizadas no activo (art.º 110º, alínea f) – LC) da mesma maneira que não se admitem militares no activo para cargos de deputados a Assembleia Nacional (art.º 145º, alínea b) – LC). Já para cargos de juízes, embora os tribunais sejam considerados partes do poder judicial enquanto órgão de soberania, o problema não se coloca devido ao sistema judicial angolano que admite a existência de tribunais especiais, nomeadamente de tribunais militares. Um problema lateral ao presente tema é a questão de saber se os militares fora do serviço militar activo podem beneficiar de promoção dos seus graus militares. Porque pode colocar o problema da sua situação militar efectiva, ou seja, pode estar em causa a sua situação de militar reformado ou colocado a disponibilidade militar. Há militares no activo que ao passarem para a reforma ou a disponibilidade militar são promovidos e colocados nessa condição. Essa questão não coloca problema nenhum por se tratar de reconhecimento dos feitos de quem é dispensado do serviço militar activo. Existem, porém, casos de militares fora do serviço militar activo que beneficiam de promoção militar. Casos de generais de brigada (brigadeiros) reformados que são promovidos a generais de divisão (tenente - generais), ou para outros graus superiores do generalato, estando na reforma como acontece com alguns membros do partido maioritário. Ou ainda o caso do Juiz do Tribunal Supremo que foi graduado a General de Exército estando no exercício de funções judiciais que não admitem militares no activo. Aqui verifica-se uma certa arbitrariedade na promoção destes graus militares na medida em que leva a confundir a condição militar não activa de tais beneficiários. Não nos oferecemos legalmente munidos para refutar o exercício de funções empresariais por parte de militares no activo. A prática tem mostrado militares em cargos de direcção de empresas públicas (a ENDIAMA, EP teve o General Agostinho Gaspar como PCA - Presidente do Conselho de Administração). O que é certo é que a direcção de empresas privadas por militares que acumulem funções de direcção e chefia no sistema militar angolano, pode levantar problemas de probidade a luz da Lei vigente correspondente, da mesma maneira que levanta para todos os funcionários da administração do Estado que exerçam cargos de direcção e chefia. A lei interdita peremptoriamente a filiação partidária de militares no activo (art.º 21º, n.º 1 alínea a) - Lei n.º2/97 – Lei dos Partidos Políticos). Em consequência não se coloca em debate a questão de saber se os militares no activo podem assumir ou não direcções ou chefias de partidos políticos. O contrário também resulta em interdição. Ou seja, os membros de partidos políticos que integrem o serviço militar activo devem cancelar a respectiva filiação partidária nos termos da mesma lei (art.º 27.º, alínea c). O problema aqui é o de dever de imparcialidade para com o poder político que assiste aos militares, para além da necessidade de organização republicana das forças militares e paramilitares. Finalmente, não se colocam problemas quanto a capacidade eleitoral activa, i.e, sobre a possibilidade dos militares no activo exercerem direito de voto. Apenas questões de ordem prática se levantam nesse particular como é a questão de saber se os militares devem exercer o direito de voto no mesmo momento em que os outros cidadãos exercem, uma vez que se coloca o problema de garantir a segurança do Estado durante o exercício do direito de voto por todos os cidadãos. Em boa verdade, os militares, paramilitares e os membros das forças de segurança deviam exercer o direito de voto com alguma antecipação em relação a generalidade dos cidadãos. O mesmo argumento vale para os trabalhadores dos serviços hospitalares públicos e serviços de bombeiros que devem estar preparados para acudir a situações que advenham de eventuais tumultos resultantes da animosidade dos eleitores. Dixit.

DEMOLIÇÕES DE IMÓVEIS VERSUS DIREITOS HUMANOS: ENTRE O FIM DAS ATRIBUIÇÕES DO ESTADO E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA VIDA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - Albano Pedro

Nessa altura das pré-campanhas eleitorais e de “ebulições” político-partidárias provocadas pela corrida eleitoral de 31 de Agosto, é natural que qualquer facto socialmente relevante seja consciente ou inconscientemente relacionado com actividades de mobilização de vontades com fins políticos. E é nessa senda que muitos sectores sociais reagiram ao anúncio sobre a conferência de imprensa apresentada pelo Dr. Marcolino Moco a propósito das violações flagrantes de direitos humanos fundamentais resultantes das demolições que vêem acontecendo no município do Lubango província da Huíla. É claro que o bom senso nos obriga a divisar os factos e as pretensões que lhes subjazem. E a temática trazida pela conferência de imprensa exige de todos nós este exercício de cidadania e de solidariedade humana. Ou seja, a necessidade de denunciar violações flagrantes de direitos humanos é uma necessidade de preservação da própria sociedade. Não importa o grau de interesse directo e imediato sobre a questão, sob pena de mostrarmos, com a nossa insensibilidade, a vontade deliberada de libertar um ambiente de insegurança generalizada sobre a protecção dos interesses mais legítimos legalmente reconhecidos a todos os particulares. De há um tempo a esta parte a província da Huíla (em especial o município do Lubango) tem sido palco de violentas demolições de imóveis. Violentas porque elas acontecem compulsivamente, i.e, sem quaisquer observâncias das normas administrativas necessárias a execução das decisões do Estado sem prejuízo dos cidadãos e acima de tudo lesam gravosamente a integridade física e moral porque envolvem o uso excessivo e desnecessário de forças de autoridade provocando toda a sorte de danos materiais e morais imagináveis. Em 2010 foi o caso da demolição em massa de imóveis que levou a transferência de centenas de famílias para uma zona completamente inóspita (uma floresta densa e impenetrável) conhecida como Tchavola (podre) como ficou igualmente conhecido este caso que foi o primeiro catálogo de violação de direitos humanos em massa contra residentes daquele município do sul de Angola. As populações vitimadas por este acto perderam os seus haveres em meio aos escombros das demolições sem que tivessem beneficiado de condições mínimas para que pudessem recuperar parte da dignidade negada pelas autoridades públicas. Facto que levou a deslocação e constatação dos eventos por uma comissão da Assembleia Nacional e que resultou na aprovação de uma resolução que impunha o fim de procedimentos similares por parte das autoridades públicas. O que, infelizmente, não impediu que outras populações fossem, pouco tempo, depois transferidas nas mesmas condições para a zona do Tchimúcua. Em claro sinal de desrespeito a decisão daquele órgão de soberania do Estado. Actualmente, corre o caso das populações que estão a ser transferidas do bairro Agostinho Neto para o Tchitunho (mato) nas mesmas condições em que foram transferidas as populações para a Tchavola em 2010. Para além dos dramáticos acontecimentos que assolam as populações da zona do arco-íris que vêem as demolições das suas moradias apesar dos esforços de várias pessoas de bem e de organizações locais no sentido de verem paradas as barbaridades e instaurado um ambiente de respeito mínimo aos direitos dos cidadãos que permita uma negociação na base da própria lei. As populações desesperadas, já não falam sequer em resistir as ordens das autoridades públicas. Apenas que sejam observados os mais básicos direitos e que haja uma mínima compensação pelos danos sofridos. Tal é a completa incerteza de protecção pelo Estado que paira sobre as populações em causa. A apresentação de uma agenda de negociações com as autoridades locais tem sido feita envolvendo os esforços especiais do padre Pio Wakussanga através da uma ONG denominada ACC (Associação Construindo Comunidades) e do próprio Marcolino Moco enquanto profissional de advocacia sem quaisquer respostas satisfatórias. O que dramatiza o quadro é a frieza das autoridades públicas, quer do executivo central quer do executivo local, diante do clamor das vítimas e o reconhecimento tácito da incapacidade da Assembleia Nacional e de outras autoridades soberanas nesse sentido. Ao mesmo tempo que certos sectores da sociedade divisam as impressões sobre os infaustos acontecimentos em nome duma certa razoabilidade das decisões administrativas assim tomadas. Para uns, a necessidade de reconfiguração urbanística da cidade de Lubango bem como a necessidade de desenvolvimento económico da região justificam as posições do governo local. Para outros, as populações estão a ser punidas pela resistência as ordens superiores das autoridades locais. Não importam os factos justificadores das decisões ou da viabilidade das mesmas quando estão em causa a vida e a dignidade humana. Os direitos humanos fundamentais são a própria ratio essendi do Estado e a sua preservação a razão de ser das Leis. Não existem justificações, quaisquer que sejam, que levem a sacrificar direitos humanos fundamentais. Sob pena de inutilizarmos a própria função do Estado que é ultima ratio a garantia de segurança dos cidadãos pela preservação dos mais elementares direitos humanos. E essa percepção deve assistir a todos os órgãos do Estado e a todos os particulares como forma de prevenir uma crise generalizada do Estado engendrada pela insegurança das instituições e pela incerteza da própria existência social. Dixit.

O FINANCIAMENTO DOS PARTIDOS POLÍTICOS: A SUA MEDIDA NO TEMPO E A POSSIBILIDADE DA FRAUDE ELEITORAL - Albano Pedro

O financiamento dos partidos políticos em Angola é um dos problemas que dá azo a especulações sobre a falta de vontade política para a implementação efectiva da democracia e dos que mais espaços dão para a verificação da fraude eleitoral. Justamente porque a dependência financeira dos partidos políticos ao erário público é um dos principais elementos que põem em causa a estabilidade dos partidos políticos angolanos de uma maneira geral. Em 1992, quando Angola inaugurou o espaço multipartidário dando lugar as primeiras eleições gerais (não importa se tenham ou não sido livres e justas) o financiamento dos partidos políticos abrangia a constituição de comissões instaladoras. Praticamente os cidadãos interessados tinham apenas que cumprir os requisitos para tal e dai trabalhar para a recolha de assinaturas que dessem lugar a constituição de um partido político. Os dinheiros estavam por conta do Estado. Por isso, em 1992 era muito mais fácil ser constituído um partido político do que formar e legalizar uma empresa de qualquer espécie que fosse. Isso explica, em parte, a proliferação de partidos políticos naquela época. As reformas legais no pacote de normas sobre partidos políticos e eleições tendentes as eleições de 2008 ditaram uma completa mudança nesse quadro. Acabaram os financiamentos para as comissões instaladoras e para os partidos políticos sem assento parlamentar. Para além disso, ficou clara a possibilidade legal de extinção daqueles que concorressem as eleições de 2008 sem sucesso eleitoral. Nessa altura o financiamento reduziu-se a campanhas políticas para aqueles partidos que manifestaram vontade de concorrer as eleições. Era como que um engodo para atrair partidos políticos ao precipício da extinção como aconteceu com uma boa parte deles tais como PAJOCA, FpD, PLD, PRD, etc. Para as eleições que se avizinham a corrida de coelho para 31 de Agosto de 2012, uma nova rubrica surgiu: O financiamento da recolha de assinaturas para os partidos políticos candidatos as eleições gerais orçado em pelo menos 90.000,00 (noventa mil) dólares norte americanos equivalentes em kwanzas. É bem-vindo porque inesperado para muitos. Mas o espectro da fraude se apresenta bem patente no tempo e momento em que essa verba é disponibilizada. Chega, certamente, numa altura em que o tempo para a recolha das assinaturas é completamente exíguo. A recolha de mais de 15.000 (quinze mil) assinaturas para a propositura da candidatura as eleições gerais não se faz em menos de 3 meses. Sobretudo quando tem de haver equilíbrio na recolha das mesmas entre as diversas províncias (cada província deve fornecer pelo menos 500 assinaturas sendo as restantes completadas no circulo eleitoral nacional) e dentre os requisitos da recolha constam a cópia do cartão eleitoral. Ora copiar cartão de eleitor em Luanda é a coisa menos complicada, porém pensar-se que o mesmo pode acontecer com os mais recônditos municípios da Angola adentro é das piores ilusões. É daqui que se verifica a inoportunidade política da libertação dos fundos públicos para este fim numa altura em que estão marcadas as eleições. Porque é que não foram disponibilizados antes, ou pelo menos com 120 dias de antecedência? Ainda que se defenda que os partidos políticos devem estar preparados a tempo inteiro, a questão da recolha das assinaturas para a candidatura dos partidos políticos é uma questão de equiparação material e de igualdade de oportunidades entre os mesmos tal como defende a própria legislação eleitoral com respaldo constitucional. Desde o ano passado que se vem escutando e flagrando denúncias sobre recolha compulsiva de cartões de eleitores por parte do partido maioritário. Nas escolas, postos de saúde entre outros serviços e espaços laborais sobretudo públicos. Afinal, o jogo do “chico-esperto” se revela agora que tudo vai chegando a recta final. A ideia subjacente é a de que os distraídos serão mais uma vez eliminados da corrida com antecipação, enquanto os prevenidos avançam na “pole-position” dentro da grelha de partida para a corrida eleitoral deste ano. Que vença o melhor. Mas, que os perdedores percam com a sensação de terem sido vítimas da sua própria inércia e não dos obstáculos contra si levantados.

SER OU NÃO SER ESTILISTA, EIS A QUESTÃO! - TEKASSALA VERSUS YANA VAN-DÚNEM - Albano Pedro

Recentemente a comunidade de estilistas e de fazedores de moda em especial, para além do público em geral, foi surpreendida com o julgamento de um caso crime opondo Tekassala e Yana Van-Dúnem, para além de outros arguidos por sinal filiados na Associação de Estilistas Angolanos. Em causa está a queixa-crime movida por Tekassala contra os outros com argumentos de difamação contra si, ventilada pelos acusados na comunicação social nacional fazendo crer que Tekassala não é estilista e que faz criações não originais. Ou seja, faz uso de criações industriais etiquetada por marcas de renome internacional aos quais aplica a sua própria marca. Facto que, a ser mentira, justifica a indignação e a propositura do processo judicial em causa por parte de Tekassala, uma vez que se põe em causa a sua credibilidade como criador de moda e como consequência a comercialidade dos seus produtos estilísticos. É bem verdade que Tekassala é um nome obrigatório entre os fazedores de moda angolanos com intervenção no mercado internacional. Tive a oportunidade de tomar conhecimento sobre as boas referências conseguidas por Tekassala num evento de moda em Portugal em que apresentou uma colecção bastante inovadora que combina padrões estilísticos africanos e ocidentais. Mas o que vem a baila neste texto é uma questão que foi levantada na sessão de julgamento pelos acusados alegando que Tekassala não ostenta o título de estilista segundo as exigências da Associação de Estilistas Angolanos. Um argumento tão abalável nos termos do sistema jurídico angolano que me proponho a deslindar a guisa de contribuição para a sua compreensão, apesar da defesa de Tekassala ter sido brilhante neste particular. A pretensão de se “cunhar” os estilistas mediante filiação associativa é uma imitação torpe, porque errónea, dos estatutos das ordens profissionais (médicos, advogados, engenheiros, enfermeiros, psicólogos, etc.) porque entende reconhecer o profissional mediante critério único de filiação. O modelo de filiação como elemento de reconhecimento profissional responde as exigências públicas de um exercício profissional uniforme aos padrões técnicos e tecnológicos necessários a prestação de um serviço de qualidade para as comunidades tuteladas pelo Estado. Corresponde ao interesse público manifestado através do Estado que reconhece assim a associação de tais profissionais mediante atribuição de estatuto de utilidade pública aos associados. Afinal, estes se propõem a cooperar com o Estado na realização do interesse das colectividades que se resume no aumento dos níveis de bem-estar social e económico das populações e fundamentalmente na sua segurança. Ou seja, as ordens profissionais devem ter interesse público imediato e servir as populações em serviços fundamentais e que para todos os seus beneficiários se preste observados critérios de serviços uniformizados. Daí que as ordens exijam uma formação técnica básica (geralmente de nível superior) comum a todos os seus membros e a todos aqueles que nele se pretendam filiar. Não é o caso de uma Associação de Estilistas Angolanos que agrupa criadores de arte, e como tal naturalmente desconforme com regras de uniformização técnica, para além de desenvolverem serviços que o Estado nunca reputa importância básica por não constarem do catálogo de prioridades para a existência social e económica das colectividades. Não é possível uniformizar a técnica operacional de profissionais cujo labor depende de factores subjectivos como são a inspiração espontânea e a criatividade aplicada. No domínio das artes é disparatada a pretensão da utilização de uma técnica uniforme a todos os operadores, porque a Arte existe através da originalidade dos produtos da criação humana e que por isso são etiquetados como únicos. Portanto, constitui esforço inglório pretender-se que os escritores, músicos, dramaturgos e actores de teatro, artistas plásticos, cineastas e outros artistas se agrupem em associações com natureza de ordens profissionais. Em geral os artistas se agrupam em academias e por isso são considerados académicos (V.g.: Academia de Artes e Letras, etc.). Dito de modo resumido: A arte não se submete a regras. Uma associação de artistas, ou de criadores de arte se quisermos, visa tão só a promoção de interesses comuns e nunca a disciplina técnica de cada membro filiado, sob pena de se deturpar a natureza da própria Arte. É uma situação diferente da dos artesãos que para além de produzirem os modelos criativos em série, reproduzindo-os com fins manifestamente comerciais, não são artistas e por isso esta pretensão já é mais aceitável, embora discutível a sua utilidade pública. Ademais, por não ser uma ordem profissional não faz qualquer sentido que a Associação de Estilistas Angolanos rejeite o título de estilista ao Tekassala. Não importa os argumentos dos seus membros que venham arregimentar em sua defesa. Ainda que a Associação de Estilistas Angolanos pretenda reunir todos os estilistas de Angola bate-se com o problema da liberdade associativa daqueles que não reconhecem a importância de nela se filiarem. Os operadores de moda e de outras artes são livres, nos termos da lei, de organizarem-se em associações em quantidades que se lhes aprouver (art.º 48.º – LC – Constituição, segundo o legislador). Insistir em reconhecer os estilistas nessas condições pode importar a Associação de Estilistas Angolanos responsabilidade civil pela ilicitude do acto quando o impedimento leve ao descrédito do estilista em questão ou acarrete outros prejuízos, para além de responsabilidade criminal dos dirigentes da mesma quando dela façam uso para atingir negativamente os fazedores de moda que nela não estejam filiados. Afinal, a Associação de Estilistas Angolanos tem no leque dos seus objectivos, um que é ilícito (o de reconhecer estilistas angolanos mediante filiação), se consta dos seus estatutos, e como tal contrário a lei. Dixit.

O PRINCÍPIO DO GRADUALISMO PARA AS AUTARQUIAS LOCAIS: DA NECESSIDADE DA HARMONIZAÇÃO ECONÓMICA E SOCIAL DO ESTADO - ALBANO PEDRO

Por meio do Club-K tive acesso a uma informação que dava conta de uma notícia referindo o jurista Lazarino Poulson em defesa do princípio do gradualismo na implementação das autarquias locais, ao qual não contive o meu comentário postado no referido site, o qual trago para a devida partilha neste espaço. Defende o meu confrade e equevo que a implementação das autarquias passa pelo princípio do gradualismo devido a necessidade de ponderação de uma série de factores que ele mesmo faz questão de discriminar, sem perder razão. Razoabilizando a douta opinião de um dos mais proeminentes juristas angolanos da nova geração que entra em concordância com o próprio texto constitucional nessa matéria (art.º242º) nos levaria a concordar com a visão demonstrada não fosse acautelar alguns aspectos de vocação política que nos obriga a demonstrar aqui. O modelo de implementação gradual das autarquias é o modelo governamental e não responde necessariamente aos desafios da harmonização económica e social do Estado. E sobretudo tende a ser uma manobra dilatória para os desafios da implementação efectiva da democracia (nível politico) e da aproximação dos serviços as populações (nível administrativo). Defendemos a implementação global autárquica de dois momentos. No primeiro momento as autarquias são programadas política, administrativa e financeiramente, ponderadas todas as variáveis que venham a influenciar o surgimento e o desenvolvimento desse modelo de organização política local do Estado e no segundo momento elas são implementadas respeitando os elementos acautelados pela programação. Isso significa desenvolver um modelo de implementação que influência a movimentação das capacidades humanas, materiais e financeiras em todos os municípios de forma a que todos desenvolvam de modo harmonizado. O modelo gradualista (ou de implementação global diferida) provoca assimetrias sociais e económicas desestabilizando os programas económicos e sociais das províncias. Provoca deslocações de recursos humanos por preferência económica e social e estimula o empobrecimento dos municípios não abrangidos por este modelo de organização local. Numa palavra cria ambiente para favorecer o desenvolvimento das autarquias ao mesmo tempo que acelera o empobrecimento e a desorganização social e económica dos que não estão abrangidos no modelo. Assim teremos municípios como Quissama que estarão ainda mais "desgraçados" do que estão (porque segundo o principio do gradualismo certamente não estarão abrangidos) e teremos municípios como o de Luanda de vento em popa! É uma solução claramente tumultuosa. O modelo gradualista é, pior do que tudo o resto, violadores de preceitos constitucionais designadamente sustentadores de direitos humanos fundamentais como sejam o direito de desenvolvimento universal dos cidadãos plasmados em vários articulados da carta magna (Uma vez que privilegia o desenvolvimento de uns em detrimento de outros). E admitir que projectos administrativos violem normas fundamentais é um desastre a que não se devem prestar as melhores intenções intelectuais. É bem sensível que o legislador constitucional procurou garantir a inalterabilidade de uma programação político-partidária felizmente orientada para a reforma administrativa do Estado que procura privilegiar faseadamente os municípios, enquanto objecto próprio das autarquias locais, em razão de vantagens e facilidades de penetração política no contexto das simpatias eleitorais. Ou seja, há uma clara preocupação em proporcionar o estatuto de autarquias locais as circunscrições administrativas que se apresentem melhor estruturadas e por isso politicamente controladas. Em conclusão, o modelo gradualista tem vantagens meramente "laboratoriais", i.é, serve para mensurar o nível de aceitabilidade local deste modelo de organização e do respectivo sistema de gestão da coisa pública, permitindo tomada de decisões correctivas ao longo da sua implementação. Nada mais. Dixit.

AS EMPRESAS EM ANGOLA E A QUESTÃO DA LEGALIDADE DOS NEGÓCIOS: EXISTÊNCIA EFECTIVA E COOPERAÇÃO DE EMPRESAS E EMPRESÁRIOS - Albano Pedro

O caso das entregas permanentemente adiadas de imóveis (especialmente de moradias) aos clientes dos projectos Quintas do Rio Bengo ou Bem Morar pela BUILD BRASIL, que se instalou em Angola com outra denominação, denuncia os pecados institucionais na aplicação das normas empresariais e comerciais em Angola, geralmente ignoradas quer pelos empresários ou clientes quer pelos agentes do Estado ou instituições públicas afins pela mera razão de estarmos numa realidade em que o lucro fácil faz a avidez do investidor e a leviandade procedimental do agente do Estado. Sabe-se que rios de dinheiros foram gastos em publicidade sobre os imóveis com preços atraentes e perspectivas de habitabilidade fantásticas. Mas também sabe-se que tudo isso foi feito por empresas que chegam a não ter se quer uma sede por onde possam ser contactados pelos clientes que se acham prejudicados pela propaganda enganosa que fazia menção a um tempo de entrega certo para os clientes que fizeram o pagamento dos imóveis desejados, ainda em projectos, na totalidade. E no meio disso se destapa o problema da legalidade e irregularidade das empresas e negócios organizados e realizados por estrangeiros em Angola ou com angolanos (mesmo no estrangeiro) que nos propomos esgrimir a guisa de compreensão desta realidade. É certo que o nascimento de uma empresa, sobretudo com carácter de sociedade comercial (em que existam sócios), é complexo e moroso por envolver várias fases que vão desde ao registo notarial ao registo comercial passando pela publicação no Diário da República do respectivo pacto social entre outros actos menores que em Angola são de morosidade abusiva. E neste processo verifica-se o surgimento legal de uma pessoa jurídica ou colectiva com todos os atributos de uma pessoa com uma verdadeira existência social, com registo estatístico, e como tal capaz de se relacionar com outras, sejam outras pessoas colectivas, sejam singulares. Os actos de contratação no domínio comercial são permitidos com o licenciamento que pode ser comercial ou industrial de acordo com a vocação económica da empresa e que dá o acesso aos alvarás e licenças correspondentes. É nessa fase que a empresa cuja sede é determinada apenas na escritura pública, sofre uma vistoria para ser atestada a sua existência real. Se o procedimento é cumprido satisfatoriamente os documentos são emitidos e a empresa existe e é localizável por todos aqueles que se interessem em seus serviços. A subtracção da Build Brasil, enquanto empresa devedora de centenas de clientes, do mercado angolano não tem explicação a luz dos procedimentos para a sua instalação em Angola, nos termos encimados. Verifica-se que os seus sócios violaram vários procedimentos referentes as normas do domínio da organização e instalação de empresas, nomeadamente a falta de sede efectiva, os procedimentos para a declaração de falência entre outros actos e procedimentos. E como consequência disto colocam-se várias questões: Como puderam ser legalizados? Que procedimentos seguiam para cumprir com as múltiplas obrigações empresariais (fiscais, contabilísticos, estatísticos, contratuais, etc.)? A quem beneficiavam este conjunto de irregularidades enquanto existiram? Como podem ser responsabilizadas? As sociedades comerciais por quotas (com designação de limitada ou Lda.) têm duas formas de responsabilidades perante terceiros (credores). Ou seja, havendo dívidas ou compromissos com clientes que a empresa não consiga pagar ou cumprir, a empresa dessa natureza responde no primeiro caso com o seu próprio capital social (paga subtraindo dos seus próprios fundos iniciais constantes no pacto social e que são corrigidos ou incrementados mediante reserva obrigatória deduzida dos lucros sociais). Neste caso a empresa paga directamente ao cliente como uma pessoa autónoma. Mas como são os sócios (gerentes) ou seus mandatários que levam a sociedade comercial nessa situação, a Responsabilidade é pelo Risco (art.º 550º Código Civil – C.C) porque a sociedade como tal não age com vontade e daí não se deduz má ou boa vontade dela como pessoa. O risco sugere a velha máxima latina “Quem tira proveito de uma actividade deve assumir também os prejuízos que dela advêm” (Ubi Commoda ibi Incommoda). Entretanto, se a empresa (sociedade) não tiver capacidade financeira suficiente para honrar o seu compromisso, respondem os sócios de acordo com as suas entradas na sociedade (i.é, os que entram com 20% respondem na proporção financeira deste valor na dívida em causa e assim por diante). Pode haver a situação de alguns dos sócios não terem esta capacidade apesar das entradas inscritas no pacto social. Aqui responderá na totalidade da dívida qualquer dos sócios que tenha capacidade financeira para tal e este será ressarcido pelos demais quando tiverem recuperado tal capacidade na proporção das suas entradas na sociedade ficando o sócio pagador com a responsabilidade apenas da sua entrada na sociedade comercial. É o que se chama Responsabilidade Solidária (art.º 997.º, n.º1 do C.C) (a solidariedade é dos sócios para com a sociedade comercial). E se nem a empresa (sociedade) e nem os sócios tiverem capacidade financeira? Neste caso começa um processo judicial para declarar falência a empresa (sociedade) com todos os seus procedimentos e consequências. No fim o tribunal decide e controla (através de administradores judiciais) o processo referente o cumprimento das obrigações para com os clientes fazendo desaparecer efectivamente a existência da empresa. A falência da empresa é equiparada a certidão de óbito para o registo civil de pessoas físicas. Já nas sociedades anónimas cuja designação termina grafada com a terminologia Sociedade Anónima ou SA (algumas persistem injustificadamente como SARL), a responsabilidade é assumida pelos sócios (accionistas) na proporção das suas acções. Nesse tipo de sociedades quando hajam problemas de dívidas que perigam a sobrevivência da empresa é comum os accionistas venderem as suas acções. Contudo, o que fica claro, no caso da Build Angola que parece ter desaparecido do mapa (já que nem mesmo o domicilio pode ser localizado) a presunção de falência (pelo menos técnica, uma vez que a falência judicial é de conhecimento público) pode levar os credores (clientes com casas ou dinheiros por receber) a perseguir, civil e criminalmente, os sócios, não importa se estejam em Angola ou no estrangeiro. A questão criminal é mais do que pertinente porque o desaparecimento da empresa e a provável falta dolosa no pagamento das dívidas faz deduzir claramente uma intenção criminal dos sócios e como tal previsível nas normas legais correspondentes. Sobre a questão criminal, faz foro de cidade a ideia de que as dívidas não podem ser accionadas em processos criminais. Entretanto, havendo má fé do devedor (não tem vontade de pagar ou demonstra comportamentos que manifestam intenções de se subtrair fraudulentamente das respectivas responsabilidades para com os devedores, já é possível um processo crime. Aqui o crime vem do comportamento do devedor e não da dívida existente em concreto. A perseguição criminal, paralelamente a civil, dos sócios aplica-se “mutatis mutandis” aos gerentes seus mandatários quando sejam os sócios que pretendam responsabilizá-los por gestão danosa da empresa. Caso de gestores que desviem dinheiros ou bens pertença da empresa que tenham gerido ou tenham simplesmente levado a falência técnica ou judicial a mesma empresa. Ou, seja se os clientes perseguirem uma sociedade cuja gestão os sócios tenham confiado a terceiros, instala-se uma cadeia de perseguição que se desenha linear com os clientes atrás dos sócios e estes atrás dos respectivos gestores onde cada um assume claramente as suas responsabilidades para com o perseguidor antecedente. Estando os suspeitos em países diferentes, nada impede que se intentem os respectivos processos cíveis nos países da constituição da sociedade (no caso Angola) quando outro não seja o foro determinado pelo pacto. Já nos casos de crimes poder-se-á colocar o problema da execução das sentenças sobre os condenados que estejam fora do país em que o tribunal decidiu sobre a pena a aplicar. Aqui é necessário examinar os acordos em matéria penal entre os países e perceber a possibilidade de extradição. Mas, na generalidade, os países não entregam os seus cidadãos a terceiros. O que é frequente nestes acordos é a devolução do cidadão do país em que se subtraiu por razões penais tendo sido condenado nele. V.g.: O angolano condenado em Angola e se encontra foragido no Brasil é devolvido para Angola no âmbito deste tipo de acordo. Portanto, não prevê que um Brasileiro condenado em Angola e foragido para a sua terra natal seja devolvido as autoridades angolanas. É uma questão de soberania a que nenhum país até agora abriu mãos, pelo menos formalmente. Porém, nessa última hipótese as autoridades judiciais recorrem com frequência a polícia internacional para localizar e viabilizar a detecção do criminoso (pessoa já condenada) para que cumpra a respectiva pena no país do tribunal condenatório. Dixit.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

ENTREVISTA COM ALBANO PEDRO

ENTREVISTA COM ALBANO PEDRO (Alda de Sousa) ALDA DE SOUSA: Terminou o registo e actualização de eleitores para as eleições de 2012, pode-se dizer que o processo está no bom caminho? ALBANO PEDRO: O processo está a caminhar, mas não necessariamente bem. Muita gente ficou por registar ou por ter o registo actualizado por inúmeras razões que não são necessariamente voluntárias. Há gente internada em hospitais, deslocada, ausente, desinformada e ainda existem aqueles que se encontram em zonas de acesso remoto em actividades industriais diversas que os colocam distantes de zonas urbanas ou residenciais. Marcar datas para terminar a campanha de registo deve ter a sua importância político-administrativa sobretudo para o cumprimento de metas, fases e prazos do processo, mas não restam dúvidas que se violam direitos políticos dos cidadãos com essa atitude. Uma redução gradual de brigadas de registos, confinando-as por exemplo as sedes das administrações municipais e depois as sedes provinciais, podia ser uma medida intermédia, se manter as mesmas até as vésperas das eleições fosse inconveniente. Já temos o problema com o registo do eleitorado da diáspora. O meu receio é que não se consiga atingir pelo menos 60% da população em idade eleitoral. AS: Tudo indica que a transferência dos dados eleitorais do Ministério da Administração do Território (MAT) para o CNE colocou o processo nessa condição. Não acha ser um elemento fundamental para o prazo? AP: Percebo que nada impede que o registo continue mesmo depois de transferido os dados para a CNE. As tecnologias de informação e comunicação permitem façanhas incríveis que em nada mancham a lisura ou o bom andamento do processo eleitoral. AS: Mas a campanha teve uma segunda fase, que é esta que terminou. Não acha que as pessoas tiveram tempo suficiente para realizarem o registo eleitoral? AP: Aparentemente. Porque se raciocinarmos em termos de cidade, especialmente das grandes cidades como Luanda, Huambo, Lubango ou Benguela é possível que as pessoas tenham tido tempo suficiente. Mas estas cidades por si só não completam Angola. E para quem já viveu no interior do país, ou pelo menos já lá esteve, sobretudo em zonas rurais, sabe que a informação veiculada pela imprensa pública não flui com tanta facilidade como flui nas zonas urbanas. E no meio disto há que considerar os iletrados e os não falantes regulares da língua portuguesa que não podem ler cartazes ou digerir um anúncio veiculado pela imprensa. E para agravar a situação, mesmo o Jornal de Angola, A TPA ou Rádio Nacional, como veículos de informação pública, não alcançam centenas de milhares de aldeias por essa Angola imensa. AS: Nas zonas rurais os sobas jogam o seu papel nesse sentido! AP: Os sobas estão maioritariamente partidarizados e em assuntos políticos nem sempre conseguem mobilizar a maioria dos populares que até manifestam simpatias diversas ao partido no poder. Há pessoas que pura e simplesmente não acreditam em sobas ou porque não reconhecem a sua autoridade (que vem por indicação partidária) ou porque vêem nas suas informações puras mentiras ou manobras partidárias. Até um certo momento a autoridade dos sobas foi imposta pelo medo através de ameaças contra aqueles que não morrem de amores pelo partido no poder, mas as pessoas vão despertando a cada dia que passa. É claro que existem sobas que reúnem consensos das suas comunidades e são poucos. Apesar de tudo, muitas são as aldeias que não foram alcançadas por brigadas de registo eleitoral e os relatos a esse propósito são inúmeros. AS: Falou do eleitorado da diáspora. Acha que apesar das limitações legais o processo eleitoral deve passar por eles? AP: Os angolanos na diáspora não deixam de ser angolanos e como tal cidadãos de pleno direito. As limitações legais ou administrativas que existem ou possam existir não fazem sentido nenhum. Repare para o seguinte: no âmbito do Direito Internacional Público os espaços físicos ocupados pelas embaixadas e representações diplomáticas são parte do território nacional. São extensões do nosso país. Mesmos, as aeronaves e os navios de bandeira nacional são igualmente extensões do território nacional e tudo o que neles acontece esta sob jurisdição nacional. Então não faz sentido que neles não aconteça o processo de registo eleitoral já que se diz que o processo de registo eleitoral abrange todo o território nacional. Os cidadãos da diáspora deviam actualizar ou proceder ao registo nas representações diplomáticas sem quaisquer impedimentos e estariam a fazê-lo no território nacional. AS: Fala-se também em dificuldades logísticas para que o processo se estenda a diáspora. AP: Se prometes que podes ir até aos confins do interior de Angola para registares as pessoas, onde está a dificuldade de alcançar os cidadãos da diáspora, quando até se sabe que os serviços diplomáticos e consulares contam com pessoal capaz? Para mim, são limitações que obedecem a estratégias políticas pura e simplesmente. AS: Nos últimos dias as pessoas afluíram em massa para o registo eleitoral. Em caso para dizer que as pessoas começaram a mostrar interesse em registar-se apenas nos últimos dias? AP: Há pessoas que não estavam interessadas em fazer o registo eleitoral por falta de credibilidade ao processo e aos partidos políticos. Muitos perceberam depois que o registo não significa necessariamente votar e que tarde ou cedo podiam se decidir em votar. Há também aqueles que pensam que o registo eleitoral tem equivalência de registo civil e que o cartão de eleitoral faz a vez do bilhete de identidade e nisso tivemos a oportunidade de ver casos de estrangeiros a tentarem o registo eleitoral. São inúmeras as razões que elevaram as pessoas a aglomerarem-se a volta das brigadas de registo eleitoral. AS: Não acha que o surgimento da CASA-CE de Abel Chivukuvuku tenha influenciado em parte esse afluxo de gente? AP: É possível. Pelo menos no círculo que frequento a maioria pensa que ganhou novo ânimo com o surgimento da CASA-CE e se decidiu a participar nas eleições quando ouviu o discurso patriótico de Abel Chivukuvuku. Mas o que é facto é que não temos dados estatísticos de empresas especializadas em sondagens de opiniões para garantir esse facto. Mas de uma maneira geral, muita gente se mostrou motivada a fazer o registo nos últimos dias. AS: Na sua opinião a CASA-CE altera alguma coisa na tendência eleitoral dos angolanos? Porque o que se sabe é que por regra os angolanos dividem-se pelos grandes partidos políticos como o MPLA e a UNITA. E parece que a CASA-CE tem de fazer um esforço para tirar o eleitorado destes dois gigantes. AP: Penso que o momento histórico produziu o eleitorado para a CASA-CE com a inércia dos partidos políticos e com a incredulidade do eleitorado. A CASA-CE terá como eleitor todo aquele que não se revê no MPLA, na UNITA e em muitos outros partidos políticos, para além daqueles que nunca tiveram simpatias em partido algum. AS: Quer dizer que a CASA-CE conta com um eleitorado residual? AP: Não sou daqueles que pensa que o eleitorado da CASA-ce vem da UNITA ou do MPLA. Acho que o descrédito pela política doméstica produziu uma nova espécie de eleitorado. Um eleitorado exigente, lúcido e sensível. Este eleitorado sabe o que quer do país, conhece os melhores modelos de governação e anseia pelo fim do regime que governa o país fora dos interesses do povo. Há ainda aqueles que não têm partidos políticos ou não assumem filiações partidárias mas que pretendem uma governação visionária e racional. Já são milhões de pessoas que se encontram nessa condição e a CASA apenas vem preencher o vazio partidário que estes reclamavam. AS: Acha que a CASA-CE tem chances de vir a alternar o poder ainda nas eleições deste ano? AP: Acho que a CASA-CE tem desafios a vencer. Existem desafios internos e externos. Os desafios internos são a necessidade de traduzir o discurso de Abel Chivukuvuku em factos sensíveis para as simpatias que se mobilizam a volta deste projecto. Isso significa manter a ideia e a dinâmica de uma organização aberta a novas individualidades e forças sociais ou políticas que queiram integrar a coligação, garantir a representatividade interna dos vários grupos, sensibilidades e tendências sociais uma vez que se trata de uma coligação com abertura para uma frente patriótica que reúne todos os sectores sociais e garantir a rápida implantação em todo o território nacional para a mobilização do eleitorado e a sua dinamização. Para os desafios externos há tudo o que vem dos vícios do processo eleitoral. E o mais marcante é a questão da manipulação dos dados eleitorais através do sistema informático sob gestão da CNE. Porque sabemos todos que mesmo que as pessoas votem massivamente a favor da CASA-CE os resultados podem não corresponder com a realidade e isso se passou em 2008 com muitos partidos que acabaram sendo extintos. Vencidos estes desafios…quem sabe? O povo precisa de uma liderança nova e isso é um recurso político de grande valia para um trabalho eleitoral de sucesso. AS: A força arrebatadora de Abel Chivukuvuku não é suficiente para levar a CASA-CE a vencer estes obstáculos? AP: O Abel Chivukuvuku é um político carismático que vem galvanizando muitas simpatias desde 1992 e hoje não restam dúvidas sobre a sua esmagadora popularidade. Para mim, a sua saída da UNITA veio a dar oportunidades de escolha política para aqueles que o admiravam apesar de não terem simpatias pela UNITA. São muitos e isso faz com que Abel ganhe muito mais simpatizantes e apoios saindo da UNITA do que permanecendo nela. Até militantes do MPLA e outros partidos tradicionais se mostram mais interessados nele do que quando ambicionava a liderança da UNITA. Mas o seu carisma por si só não é suficiente para forçar a alternância política em Angola. A comunidade internacional tem os seus interesses e o regime que governa os mantém e preserva. Abel Chivukuvuku deve jogar igualmente com as influências internacionais. Deve negociar com os americanos, com os europeus e os chineses as relações políticas domésticas e provocar uma verdadeira ruptura entre o ocidente e o regime vigente. Isso levaria a uma grande fragilização dos apoios internacionais ao regime facilitando um processo eleitoral mais controlado e fiscalizado pela comunidade internacional. AS: Negociar as relações internacionais não significaria sacrificar interesses nacionais? AP: Não falo em vender o país, como se encontra literalmente vendido aos interesses internacionais. É necessário equilibrar os interesses nacionais e internacionais. Não sejamos ingénuo em pensar que o poder em Angola apenas interessa aos angolanos e ponto final. Há interesses internacionais muito sérios que condicionam as relações de poderes em Angola. Os portugueses quando colonizaram Angola, militarmente fracos como eram, entenderam dar espaços de exploração económica aos interesses americanos e ingleses. Por isso é que a indústria colonial em Angola era maioritariamente anglófona. Isso garantiu uma colonização segura quando a divisão de África na Conferência de Berlim colocou países fortes a margem da partilha ou prejudicados no acesso as colónias como a Alemanha. No pós-independência, Jonas Malheiro Savimbi a dada altura teve que negociar com os americanos para garantir a sua capacidade militar e JES só convenceu a comunidade internacional de que Savimbi era um mal quando com a sua hábil diplomacia inverteu o quadro das atenções de América em relação a Angola. Isso significa que o envolvimento da comunidade internacional nas relações de poder em Angola é um mal necessário para o acesso e a estabilidade do poder político. AS: Ainda falando da CASA-CE. Mesmo que o MPLA e a UNITA percam parte significativa do seu eleitorado a favor desta coligação, ainda há o Bloco Democrático para disputar a mesma fatia eleitoral. Não lhe parece? AP: Bem, eu acho que a CASA-CE tem uma particularidade a considerar. Trata-se no fundo de uma plataforma política de apoio ao Abel Chivukuvuku. Já não se permitem candidatos independentes para as eleições presidenciais e a CASA-CE surge como um mecanismo para contornar essa situação, pelo que me parece. Desde logo, a CASA-CE não entra no jogo da concorrência partidária em que se encontra o BD. O BD concorre no âmbito das fidelidades partidárias tal como o MPLA, UNITA e outros partidos políticos. Nesta corrida os símbolos e as simpatias organizacionais são os mais importantes instrumentos de luta eleitoral. Já a CASA-CE conta com a imagem de uma pessoa: o Abel Chivukuvuku e todas as figuras que o rodeiam estão para reforçar o poder desta imagem com as suas simpatias e influências sociais. Eu entendo que a CASA-CE é uma frente de cariz presidencialista em que todos cabem incluindo o BD. Porque o interesse maior neste momento histórico é o fim do regime e todo o esforço deve ser orientado para esse objectivo e não importa a nossa filiação partidária concreta até que o objectivo seja alcançado. Depois os partidos podem ser chamados a jogar o seu papel. AS: Durante algum tempo os partidos levantaram vários problemas a volta do processo eleitoral em curso. Foi a questão da indicação do Presidente da CNE, da contestação da decisão do Conselho Superior da Magistratura Judicial, da necessidade de auditoria do Ficheiro Central, etc. Hoje o ambiente se apresenta mais calmo. Podemos falar de um processo eleitoral que se ajusta a medida das exigências dos partidos políticos? AP: Podemos falar na necessidade dos partidos políticos jogarem com o tempo e nisso terem de avaliar as prioridades. Contestou-se muito e quase nada aconteceu. O momento recomenda maior racionalidade e isso significa por um lado, dar lugar a acções que ajudam a capitalizar no terreno político-eleitoral e menos espaços para argumentos de pura contrariedade. Os políticos perceberam que o MPLA quer diverti-los com as irregularidades que deliberadamente introduz no processo e que devem organizar-se para as eleições. Para mim, o processo de luta entre os partidos políticos deve ter uma frente jurídico-legal e uma frente político-eleitoral para que as reivindicações políticas tenham sustentabilidade e justificação legal, o que reflecte uma certa legitimidade democrática do jogo político. Nada impede que se impugnem judicialmente os actos lesivos dos interesses políticos ao mesmo tempo que disto se extraem argumentos de mobilização política. AS: Percebe assim por ser jurista concerteza… AP: Percebo assim por ser um cidadão e estar certo de que estamos numa sociedade que se pretende como Estado de Direito e Democrático. Não faz sentido falar-se num Estado pelo primado da lei quando a reivindicação dos interesses escapam dos mecanismos legais. Estaremos a enganar a nós mesmos! AS: Mas quando o próprio partido no poder viola as regras do jogo, ainda vê alguma utilidade em fazer recurso a legalidade? AP: E porquê não? Se entendemos que os outros violam as regras porque temos de ser nós a imitar? É verdade que a racionalidade no uso dos meios por vezes recomenda que lancemos mãos a instrumentos que produzam efeitos mais imediatos. Mas, não devemos nos esquecer que queremos um Estado de Direito democrático. Então, construamo-lo! AS: Ainda assim as eleições estão as portas. Quais são as previsões? AP: Até agora a experiência eleitoral tem levado o eleitorado a ver um eterno vencedor que é o partido no poder. Se não fosse a mecânica da fraude eleitoral que se prevê instalada no sistema informático do processo eleitoral, diria sem muitos receios que o MPLA estaria mais próximo de deixar o poder este ano do que alguma vez foi possível. AS: O que lhe convence disso? AP: Os factos, as motivações e o cansaço emocional do povo que tanto esperou pelo vento que vem na forma de pobreza e manobras políticas permanentes. As pessoas já perceberam que têm sido vítimas de uma falta de vontade política crónica que se arrasta há anos. Os jovens já perceberam que os seus interesses não se realizam, as populações perdem casas por demolição das próprias autoridades públicas, há o clamor pela protecção social e pela realização dos direitos económicos e sociais…enfim, o país vai rebentando pelas costuras e o MPLA já não tem tanta força para suportar isso. AS: Mas tudo indica que o MPLA volta a ganhar… AP: Com manobras fraudulentas…sim! AS: E a liderança de José Eduardo dos Santos? Não é um suporte para permanência do MPLA no poder? AP: Acredito num MPLA que se encontra refém de JES. Os dirigentes mais verticais deste partido já começam a mostrar-se fartos do batom do descrédito com que JES pinta os lábios do MPLA para mostrar a um eleitorado que já não vê nada de engraçado nisso tudo. Os militantes percebem que o partido vai caindo para um descrédito irreversível que pode custar uma estadia perpétua na oposição caso perca as eleições. Mas o espaço de manobra é escasso para por cobro a situação. JES empoleirou-se no MPLA tal qual abutre gordo sobre um tronco fraco, através das transformações constitucionais que levou a extinção do candidato presidencial as eleições. Ainda que o MPLA quisesse desfazer-se dele mobilizando-se a favor de uma figura externa ao partido para as eleições presidenciais, agora já não pode… AS: E então como vê os resultados eleitorais deste ano? AP: Vejo resultados eleitorais havendo fraude e não havendo fraude. Havendo fraude os resultados eleitorais dispensam quaisquer previsões. Já sabemos quem os encomenda e a quem beneficiam. Não havendo fraude substantiva, os resultados podem ser surpreendentes… Mas gostaria de ver inaugurado o equilíbrio político a partir do parlamento. E para mim seria assim: Oposição 60% e MPLA 40%. Assim, mesmo que o MPLA vença seria sempre obrigado a negociar a aprovação das leis e a tomada de decisões governamentais mais importantes. É isso que é desejável para começarmos a construir um verdadeiro Estado de Direito e Democrático! AS: Não prevê para já a queda do MPLA? AP: Bem, as surpresas existem. Infelizmente não sou vidente. Mas há muita gente que devia eleger que ficou pelo caminho afastada pela varredura do processo de registo eleitoral. E esses seriam determinantes para uma vitória esmagadora da oposição. Não tenho dúvidas sobre esta possibilidade se a diáspora pudesse votar. Mas para uma verdadeira transição democrática o ideal é que o MPLA perca apenas a maioria que o torna ditadora e arrogante para que comece um processo de aprendizagem da convivência democrática. Lá pra frente sim. Podia descansar. Se calhar definitivamente, caso não viesse a aprender nada. AS: Não acha que a comunidade internacional pode jogar um papel decisivo na prevenção da fraude eleitoral? Sobretudo no apuramento dos resultados eleitorais? AP: É complicado ver essa possibilidade. Nas eleições gerais de 1992 e de 2008 tivemos a presença da comunidade internacional e julgo que voltaremos a ter. O problema é que estamos a viver aquilo que um respeitado político da praça angolana chama de “maldição do petróleo”. A pretexto de bons ofícios cada um vem debicar um pedaço das vantagens dessa maldição e ninguém olha a desgraça dos que estão a volta. Na verdade nunca percebi o verdadeiro papel da comunidade internacional quando se coloca na pele de observador eleitoral. Acho que ficava melhor estar na doação e distribuição de alimentos na fase das eleições. Assim, pelo menos, as pessoas não ficariam de barriga vazia a aturar as enchentes das assembleias de voto. AS: Não é pessimismo exagerado? AP: É a pura verdade…pelo menos como vejo! Mas não custa nada voltar a tê-los no processo eleitoral deste ano. É melhor do que estarmos a sós com os resultados fraudulentos eminentes. AS: Já que fala muito da fraude, tem alguma sugestão para que ela não aconteça? AP: As fraudes em processos e resultados eleitorais acontecem em todo lado. Pensar em acabar com fraudes eleitorais é como pensar em acabar com a pobreza. Simplesmente impossível. Mas podem ser reduzidas ao mínimo possível de modos a tornar cada vez mais credíveis os próprios processos eleitorais. É o que acontece em países politicamente mais organizados. Eu acho que a prevenção da fraude passa pela fase preparatória de todo o processo. Os resultados são apenas o culminar. Se pudéssemos ter órgãos verdadeiramente independentes para o controlo do processo eleitoral seria com certeza um passo importante para começarmos a suspeitar menos. AS: Que órgãos independentes? AP: Uma CNE mais autónoma. Que não tivesse os cargos preenchidos por concursos públicos promovidos pelo Executivo. Que não tivesse que receber do MAT, ficheiros electrónicos como produtos acabados. Que permitisse uma participação mais directa da sociedade civil no processo eleitoral já que diz respeito a todos os angolanos. Por exemplo, o presidente podia ser uma individualidade da sociedade civil que reúna consenso entre os políticos…enfim, uma CNE que garanta mais imparcialidade do que esta que temos ai. AS: Mas tudo isso foi definido por Lei. É o que diz o pacote eleitoral aprovado pela Assembleia Nacional… AP: Claro! E aí é que a porca torce o rabo. Enfim…É o processo que temos (risos)! AS: Pessoalmente como vai para as eleições? AP: Com algum optimismo, porque acima de tudo vejo um povo eufórico que se aproxima para as eleições com vontade de causar alguma surpresa. É o que se sente na atmosfera política angolana!