segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A NOVA ERA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA (Publicado no Semanário Angolense) - Albano Pedro

A eleição do Presidente da República (PR) é o mais marcante evento da democracia angolana do pós-92. Em 1992 contra a resistência do MPLA, a UNITA impôs a democracia ao partido-Estado libertando os angolanos para a corrida pelo Estado de Direito e Democrático que vimos insistentemente reclamando desde então com os mais variados eventos político-partidários e manifestações populares. Foi o maior acontecimento na história dos angolanos depois da proclamação da independência da República de Angola pelo Presidente-fundador Dr. António Agostinho Neto. O país passou da era do Estado centralizado, com uma economia pública completamente falida, apesar dos esforços pela sua recuperação operada com o SEF (Saneamento Económico e Financeiro) e outras medidas heroicamente tomadas num contexto de uma verdadeira anti-economia privada, para a era dos direitos e das liberdades humanas reconhecidos aos indivíduos como instrumento de realização e prosperidade social e económica. Contra esta nova orientação insurgiu-se a ala presidencialista do MPLA apesar da vontade de reforma dos melhores dirigentes deste partido histórico. Assim, surgiu a ala JES comprometendo o MPLA para uma orientação verdadeiramente anti-democrática exibindo a tónica do saudosismo pela ditadura e como tal suprimindo ao mínimo as liberdades humanas fundamentais. Esta desintegração ideológica interna do partido maioritário deu lugar a coligação estratégico-ideológica justamente apelidada nos meios intelectuais por MPLA/JES. A ala presidencialista impõe as estratégias de fundo centralista do Estado com o suporte legal e legítimo do partido, dando vazão a uma onda de crises silenciosas entre os seus militantes cujo grau de maturação aguardam apenas por dias para a sua completa implosão e explosão quando entrarem em contacto com o oxigénio da democracia. Esta parceria evidenciou-se com as eleições de 2008 para permitir a transição constitucional de 2009 como factor de consolidação e estabilidade do poder de JES carente de legitimidade política na base soberana do povo. Neste ano de 2012, dá-se o segundo maior acontecimento em prol da democracia angolana com a eleição do PR, já que transforma o estatuto político do Eng.º José Eduardo dos Santos (JES) de autêntico senhorio do Governo à um verdadeiro inquilino deste, passando a ocupar-se da contagem regressiva dos mandatos e esforçando o desempenho do governo para a reconquista periódica do eleitorado, descontada é claro a possibilidade de uma futura manipulação constitucional do prazo do seu mandato. Não há maior vitória que o povo angolano tenha alcançado desde então. Como também não se vislumbra maior derrota para quem, habituado às honras palacianas, nunca esteve habituado a ver o fim do mandato. Daqui em diante, a normalidade constitucional e democrática que para o povo vem na veste de equilíbrio político (redução da maioria esmagadora do MPLA no parlamento) e para os partidos políticos vem na veste de alternância política (possibilidade material de mudança de partidos políticos no controlo do poder) é uma questão de tempo e de certeza. Para o longo e lento processo de consolidação da democracia falta um terceiro acontecimento crucial: as eleições autárquicas que se esperam para 2014 onde a quebra do poder político na base vai facilitar a animação da participação dos particulares na decisão dos destinos das comunidades. As eleições de 31 de Agosto foram a maior prova de que JES podia passar provando a sua popularidade que afinal, fora da máquina propagandística do MPLA, não é tão evidente. Valeu a prevenção em viciar o processo eleitoral, a organização e o funcionamento da CNE e a contratação dos serviços da empresa espanhola conhecida nas lides da manipulação de resultados eleitorais sacrificando a lei e o jogo democrático aberto. Aliás, ficou claro que a teoria dos milhões do MPLA é um fantasma do saudosismo pós-independência. A pluralidade está instalada. Não fosse a fraude, o MPLA não teria a maioria que augura a partir de 2012. Ficou o aviso aos camaradas para arregaçar as mangas para a construção de um verdadeiro Estado de Direito e Democrático. Lá se foram os 32 anos de falta de legitimidade do PR e como ele a resistência contra a normalidade constitucional. Mesmo que anormalmente consagrada com as irregularidades das eleições de 2012 bem encobertas pelos resultados mal processados e apurados pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE) e pela falta de sentido institucional do Tribunal Constitucional (TC) em atender as impugnações dos partidos políticos prejudicados com os resultados eleitorais. Para este que é o verdadeiro mandato soberano do PR, a Lei Constitucional – LC (Constituição para o legislador) não responde a questão de quem exonera o Vice-Presidente da República já que o mesmo é eleito pelo povo a semelhança do PR. A mais honesta hermenêutica constitucional faz saber que o mesmo está sujeito as condições de elegibilidade e de manutenção do poder do PR, não podendo ser exonerado por este. De todo modo, parece ser uma verdadeira lacuna constitucional se este não tiver sido a intenção do legislador. Da mesma forma persiste o problema da transição de mandato de deputado a PR e Vice-PR. Fala-se em incompatibilidade destes cargos (art.º 149.º- LC) e admite-se a suspensão do mandato de deputado por este facto (art.º 151.º) mas não se vislumbra qualquer norma que condiciona a investidura do PR e do Vice-PR com a suspensão formal prévia do seu mandato e tão pouco o Tribunal Constitucional declara os impedimentos sanados no acto da investidura (como nos apercebemos no dia 26 do corrente mês). Tudo indica que o PR assume funções simultâneas de deputado e de titular do Poder Executivo ao arrepio da lei num momento de investidura em que se viola claramente a ordem de empossamento que devia privilegiar os deputados em primeiro lugar pelo facto de ser a Assembleia Nacional o órgão soberano directa e imediatamente eleito pelo povo. Do que será o mandato no plano político, nenhuma esperança se vislumbra no domínio da “liberalização” do exercício dos direitos e liberdades fundamentais pelos cidadãos como são os direitos de reunião e manifestação e mesmo até o direito a greve em empresas e instituições públicas. Tão pouco se esperam avanços no sector da justiça, para além da aprovação de leis e expansão de serviços dos tribunais e demais órgãos ligados ao sector. A impunidade e a materialização da justiça e outras garantias judiciais em prol das aspirações do povo continuarão a espera de dias melhores. A partidarização das instituições e até dos serviços públicos bem como o afunilamento das oportunidades sociais e económicas por meio de identidade partidária e pela via da intolerância partidária, assim como a indesejável atipicidade constitucional permanecerão ainda por longos e “infelizes” anos contra os necessários avanços do Estado de Direito e Democrático. São ingredientes essenciais para um regime de feições totalitaristas que certamente não serão colocados de lado. Por arrasto, a liberdade de imprensa e a consolidação de uma comunicação social livre e plural continuarão a ser controlados pelos braços fortes da anti-democracia. No plano económico, a reconstrução nacional tem sido o principal cavalo de batalha na governação de JES. É um esforço elogioso que devia dar espaços para o florescimento de uma verdadeira economia privada. Persiste ainda o Estado centralizado no programa de governação anunciado pelo JES até 2025 quando mantém a clara ideia de uma economia pública como motor de desenvolvimento de Angola. No programa de reconstrução nacional o sector privado é apenas chamado a executar. É o Estado que constrói tudo. É o Estado que quer colocar tudo à disposição do povo. Desde as novas centralidades urbanas às barragens hidroeléctricas passando por complexos desportivos, fazendas agrárias de natureza cooperativa, etc. JES ainda pensa, como pensam os adeptos do modelo centralista de Estado, que o Governo deve dar solução a todos os problemas do povo. Neste sentido, anunciou no discurso de investidura, que vai resolver o problema do desemprego e da pobreza da maioria das populações mesmo sem ter a clara ideia do índice demográfico real ou da perspectiva de crescimento do sector empresarial. Quando em economias de iniciativa privada e de livre concorrência, essa função é claramente materializada pelo sector privado através da criação de empresas. Aqui faltou a demonstração do modelo económico pretendido dentro da atipicidade consagrada pelo modelo político. JES e o MPLA fogem da necessidade de organização da economia privada como fogem da implementação da democracia efectiva, preferindo ludibriar a opinião pública com medidas diversionistas quando não são dilatórias. A ideia de mercado de capitais (que é afinal a pedra de toque para o arranque do mercado empresarial privado sustentado) fica apenas entre a entrada em funcionamento de um Fundo de Garantia Soberana e o reforço da capacidade de financiamento do Banco Desenvolvimento Angolano, numa clara alusão ao reforço da economia controlada pelo Estado. JES vai mesmo ao ponto de manter a visão centralista da estruturação programada dos sectores da economia quando enuncia os sectores de investimento prioritários como a energia, água, alimentos, medicamentos, etc., anulando completamente o espaço de participação autónoma e concorrencial de empresas privadas nestes sectores. Não basta anunciar a simplificação e desburocratização do ambiente de negócios ou instalar balcões Bué, no calor das eleições, que acabam promovendo concorrência desleal aos bancos e aos prestadores de serviços afins. O ambiente de negócios evolui essencialmente com a existência e fluidez de capital privado. E esta fluidez depende claramente de um mercado de capitais estruturado; depende ainda de uma política clara e célere de reconhecimento da titularidade de bens imobiliários a favor dos cidadãos para que tenham capacidade de endividamento junto do mercado financeiro; de uma política fiscal simplificada e com menos carga tributária; depende de uma política de investimento privado aberto e flexível aos múltiplos negócios que possam ser criados, legalizados e instalados em Angola. Tudo isso tem sido anunciado laudamente mas não existem sinais claros da sua materialização. Por isso, não veremos tão cedo o surgimento de um mercado de capitais que apresente possibilidades diversificadas de financiamento ao investimento privado; não veremos neste mandato significativos passos para que nasçam micros e pequenos empresários prósperos transformados de vendedores ambulantes, roboteiros e kínguilas porque não existe uma política aberta e honesta que possibilite a prosperidade destes verdadeiros futuros médios e grandes empresários angolanos. O desenvolvimento de Angola aguarda desesperada e irremediavelmente por uma política estruturada de desenvolvimento do parque empresarial privado. E deve começar com o mercado de capitais estruturado a partir da abertura da Bolsa de Valores e Derivados de Angola (BVDA) que será o mercado oficial de transacção de capitais de que as empresas e a economia privada carecem para o início de uma verdadeira revolução económica angolana assente na iniciativa privada e na livre concorrência. Com o BVDA, o mercado de capitais torna consistente o mercado financeiro onde os bancos comerciais, os seguros, os fundos de pensões e outros agentes e serviços relacionados ganharão maior dinamismo dando lugar a uma economia privada progressiva e independente do Estado. Com a BVDA os empreendedores poderão ter os projectos financiados; os inventores poderão ter esperanças de transformarem os seus inventos patenteados em produtos industriais e comerciais através de financiamento das respectivas empresas; os pequenos negócios encontrarão meios de financiamento fora da banca comercial e as grandes empresas (sociedades comerciais anónimas) poderão proliferar mais rapidamente. JES nem se dignou em falar desta instituição que “apodrece” com as instalações físicas montadas há significativos anos sem nunca merecer autorização para o seu funcionamento. Levantam-se vários argumentos contra a sua entrada em funcionamento como a falta de organização contabilística das empresas públicas susceptíveis de serem quotadas na bolsa, mas não passam de puros malabarismos políticos para justificar o receio do surgimento de uma economia privada que dilua o poder político até agora centralizado na pessoa do PR. A eficácia das políticas de combate do desemprego e à pobreza bem como a promoção do bem-estar social e económico dos angolanos depende claramente do surgimento de uma economia privada e nunca de promessas governamentais. Não faz sentido que as grandes urbanizações ou barragens hidroeléctricas sejam construídas exclusivamente com capitais públicos quando o Estado precisa financiar sectores urgentes como o da saúde, da educação, dos desportos e da cultura que são da sua quase inteira responsabilidade. É a ideia centralista de Estado que prevalece aos dias de hoje. JES é desafiado a dar real abertura ao mercado empresarial privado pela manipulação dos grandes agregados económicos que provoquem o desenvolvimento sustentado. Isso implica executar políticas que impliquem uma presença cada vez mais reduzida do Estado na economia. Políticas em que o papel regulador do Estado seja o único sensível na economia, ao contrário da pretensão de desenvolver um sector empresarial público que entra em concorrência com os empresários privados. JES é desafiado a parar de construir as centralidades urbanas. Ao invés, deve participar com a construção de estradas e redes técnicas e permitir que as empresas privadas edifiquem neles os imóveis já livre dos custos com tais infra-estruturas que possam onerar os compradores; JES é desafiado a permitir que os privados invistam na construção de barragens hidroeléctricas e de outros meios de fornecimento de energia eléctrica para a rápida expansão da economia nacional. JES é desafiado a libertar a rede de transportes públicos a exploração privada aberta livremente concorrida e sem subvenções. O surgimento de uma rede ferroviária que ligue os diversos pontos do território nacional e mesmo até de redes ferroviárias urbanas deve ser animado pelo investimento privado. Na mesma senda, os portos e os aeroportos de médio porte em todo o território nacional entre outras soluções. Com a transferência de responsabilidades sobre a economia ao sector privado o Estado pode ocupar-se dos sectores da sua vocação que são do domínio social como é a saúde, a educação, o desporto e a cultura mobilizando para este fim as capacidades humanas e financeiras de que o Estado dispõe. Espera-se que o Eng.º Manuel Vicente na qualidade de Vice-Presidente da República venha emprestar a sua rica vivência administrativa no mundo da economia ao mandato formalizado de JES tornando lúcido a separação das águas na actuação do titular do PR como titular do poder Executivo. Paralelamente JES deve cortar as despesas públicas “supérfluas” (bens e serviços subvencionados, viaturas, moradias a favor dos funcionários públicos) que oneram gravosamente o OGE, apostando pela melhoria dos salários. Só assim, faz sentido o lema: Crescer mais e distribuir melhor. Doutra forma JES arrisca-se a semelhança do plano das um milhão de casas anunciadas nas eleições de 2008, a viver um novo fracasso junto do vasto eleitorado nacional que com a significativa abstenção registada nas eleições deste ano vai dando provas de consciência política e maturidade.

1 comentário:

  1. bom saber nos tempos de hoje ,mesmo com o sistema capitalista que rompe com todas barreiras, inclusive a ética profissional, ainda há homens de coragem, com princípios éticos e morais que querem fazer de Angola um país verdadeiramente democrático e livre de liberdade de imprensa.

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