PARA CONCORDAR COM NELSON PESTANA “BONAVENA”
Albano Pedro
Com a introdução da famosa proposta C – fora dos prazos previstos para entrega dos projectos constitucionais e comportando conteúdos normativos que tornam impossível a continuidade constitucional da República de Angola pela violação dos limites materiais consagrados na actual constituição – ficou claro que o debate constitucional deixou de ter a sua razão de ser. Infelizmente o que os deputados a Assembleia Nacional e os partidos políticos fazem ao animar discussões a volta das três propostas é um exercício diversionista de má vocação equiparado àquele de atirar areia nos olhos dos cidadãos quando está mais do que certo que a proposta C, pela forma impositiva com que foi introduzida e o modo submisso com que foi recebida pelos partidos políticos com assento no parlamento (todos eles sem excepção – apesar da aparente resistência de alguns), é aquela que certamente vincará entre os angolanos.
A lucidez política recomenda que deixemos de lado qualquer tentativa de alimentar o debate constitucional na sua vertente formal, uma vez que estaríamos a concordar com a introdução da proposta C tornando-nos cúmplices de um golpe constitucional, como bem sustenta Marcolino Moco nas suas messiânicas intervenções. O que deve ser encarado com seriedade – e o que deu corpo a um novo e necessário debate – é aquilo a que Nelson Pestana “Bonavena”, eminente jurista e cientista político angolano aclarou em debate apresentado pela estação televisiva angolana TV Zimbo, como sendo o debate sobre a legitimação da ditadura (os termos são meus). Ou seja, se o debate sobre a constituição está viciado pela proposta C então está tudo dito e decidido sobre o futuro da constituição angolana. O que devemos discutir doravante são pois as formas e os modos como a ditadura estabelecida pela cidade alta se vai apresentar nos próximos anos. É do interesse de cidadãos sérios que JES aceite o debate sobre se Angola deve ou não aceitar uma ditadura, em caso afirmativo será de todo útil sabermos quanto tempo ela deve durar e como havemos de sair dela – como lucidamente transpirou Nelson Pestana “Bonavena”. Este debate deve ser trazido com frontalidade e responsabilidade por todos aqueles que se julgam no dever de bons políticos e honestos cidadãos.
Está claro que o MPLA não introduziu a proposta C – e aí está o facto deste partido político não assumir o debate a volta dela nas conferências organizadas pela sociedade civil (falamos da conferência recentemente organizada pela AJPD no Hotel Trópico em Luanda). Para além de que se tornou evidente que o MPLA não tem interesse em afirmar a proposta C que tornará certamente mais dificultada a sucessão – mesmo na liderança partidária – de JES. A UNITA afirma pois que não concorda com a proposta C entretanto não deixa de alimentar o debate sobre a mesma como o fazem os demais partidos políticos com e sem assento parlamentar. A própria sociedade civil (incluindo a igreja) passa de olhos cerrados sobre todas as irregularidades que transpira o procedimento constituinte e aceita gratuitamente a ideia da emergência de uma nova constituição a aprovar pela Assembleia Nacional. É desta falta de seriedade política que emergirá uma ditadura agigantada pela proposta C.
O que o MPLA assume é a proposta B – sobre o regime semi-presidencialista como aliás a maioria esmagadora assume – mesmo a UNITA com a sua proposta Presidencialista assume um semi-presidencialismo funcional da constituição sendo organicamente percebida como sistema presidencialista. Falta coragem política para negar a proposta C – mesmo de partidos como a UNITA. E a prova está em que quando este partido político procura apelar para uma espécie de levantamento da sociedade civil e dos cidadãos para “reprimir” a proposta de constituição imposta pela variante C sem assumir qualquer protagonismo directo, digno da sua fama de maior partido da oposição, deixa visível a sua incapacidade para assumir uma verdadeira reforma constitucional pela repressão do golpe constitucional. Se está claro que os angolanos estão perante uma incontornável manutenção da ditadura do príncipe (como nos tem habituado Nelson Pestana “Bonavena”) – mesmo ao arrepio do maior partido angolano – torna-se igualmente evidente a falta de maturidade política dos angolanos, sobretudo daqueles que não estão satisfeitos com o status quo e que se assumem como representantes políticos deste mesmo povo.
Graças a simulada submissão dos políticos angolanos, JES está hoje a cruzar a fronteira da extrema ditadura que certamente o levarão a um fim inglorioso quando o quadro pode ser invertido mediante uma clara negociação da sua saída do poder com o seu partido e com os angolanos. Escudados em actos visivelmente covardes ou hipócritas, os políticos, quer da situação quer da oposição, manifestam uma onda de bajulação de tal sorte assustadora que legitima por si só a vigência de uma ditadura, mesmo quando não seja eventualmente desejada por JES. São actos aparentemente inocentes que procuram encurralar JES numa ditadura de fama internacional. Provas como a figuração da imagem do Presidente da República no Bilhete de Identidade Nacional ou de baptismos de obras públicas homenageando JES bem como todas as formas de promoção – muitas vezes descabidas – da imagem do chefe em todos os cantos do território nacional ou no pensamento de cada angolano, são provas claras de que o MPLA, por exemplo, tem incorporado uma categoria de suicidas políticos de respeito. Aqueles que estando no aparelho central ou local do Estado, através da combinação do saque ao erário público e a bajulação extrema vão passando a certificação internacional de que Angola é um país corrupto governado por uma ditadura. Nesta conspiração a escala partidária e transpartidária JES deve sentir-se grato pelo trabalho da imprensa privada que não poupa esforço em deixar claro as mazelas da governação transpirando os factos que de outra forma seriam captados com selos de falsificação através dos órgãos de informação públicas controlados pelo seu partido.
Diante desta guerra silenciosa entre o MPLA e JES está um povo que se encontra relegado ao plano abstémio da política. Aqui vale acentuar que a extrema apatia ou dificuldade de assumpção de responsabilidades políticas digna de cidadãos sérios entre os angolanos são factos dignos de análise psicossocial e provavelmente de análise psicanalítica ou mesmo psiquiátrica nos casos mais sérios. O jornalista e jurista William Tonet bem sustenta que a maioria dos responsáveis pela mudança política do país são pessoas “presas pelo estômago” significando que há uma larga preferência forçada, por razões de sobrevivência, pelo acesso aos trocos ou sobras palacianas – descendo pelo corredor da corrupção institucional generalizada – do que pela vontade fiel a natureza de assumir a consciência sobre a mudança dos factos sociais comprometedores do futuro de todos os angolanos. Neste estranho ambiente pode surgir uma proposta C com todas as contestações possíveis mas certamente ninguém vai querer que ela desapareça uma vez que garante a permanência de um quadro sócio-económico favorável àqueles que ganham com a permanência da ditadura.
Assim é que o debate constitucional mesmo esgotado pela propositura do projecto C seja alimentado por uma onda de bajulação ao chefe. Houvesse coragem para travar o chefe prevenindo-o do fim trágico desta petulância em dirigir o país fora dos carris da democracia e do respeito pela Lei como fartam de avisar os poucos políticos sérios como Nelson Pestana “Bonavena”. Afinal é sempre possível termos uma constituição consensual ou negociada – mesmo quando tenha de ganhar timbres centralistas ou ditatoriais – porque o que os angolanos desejam é participar num debate inclusivo sobre a constituição em que as regras da democracia e do respeito a Lei sejam efectivamente cumpridas independentemente do conteúdo da vontade do chefe.
No mercado das relações humanas e sociais, a expressão da palavra e a exposição do pensamento são as mercadorias mais preciosas!
sábado, 28 de novembro de 2009
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
CARTA AO EMANUEL DUNDÃO
SOBRE SE O DIREITO ANGOLANO CONTEMPLA A DESCONSIDERAÇÃO DA SOCIEDADE COMERCIAL A SEMELHANÇA DO DIREITO BRASILEIRO
Albano Pedro
A propósito da interpelação feita pelo compatriota Emanuel Dundão, estudante de Direito e de Administração em universidade brasileira, sobre se o Direito Angolano contempla a figura da desconsideração jurídica a semelhança do Direito Brasileiro, expendemos o seguinte raciocínio técnico:
NOTA PRÉVIA
Mercê da "abusiva" similitude entre o Direito Português e o Direito Angolano é preliminar assentar que tudo que ocorre no âmbito da actualização (não reforma por ser profunda e ontológica, a meu ver) do ordenamento jurídico angolano é directamente importado das reformas legais em Portugal e se a nova Lei das Sociedades Comerciais (LSC) é recente (data de 2004) é evidente a "cópia" sobre o regime português nesse sentido. Desde logo o que vigora em portugal em certa medida vigora em Angola. Assim:
1. Quanto a autonomia do património da sociedade em relação aos sócios é uma realidade que a LSC estabelece no n.º 1 do artigo 7º prevendo que "A sociedade responde civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes legais, nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários" o que nos remete ao Código Civil em matéria de responsabilidade civil pelo risco (art.º 550º) segundo o qual “Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar” o que reforça a personalidade jurídica da sociedade comercial prevista no art.º 5º – LSC “ As sociedades gozam de personalidade jurídica a partir da data do registo do contrato pelo qual se constituem…” e em remate a tudo “ Pelas dívidas sociais respondem a sociedade e, solidariamente, os sócios…” (art.º 997º, n.º1 – C.C);
2. Ora só quando o património da sociedade comercial não é suficiente é que os sócios respondem, vindo disto o regime da solidariedade há muito consagrado em Angola (art.º 998.º, n.º 2 – C.C);
3. Sobre o problema que levanta a propósito da inexistência de personalidade que constatou no nosso Direito Comercial em que vê uma ténue ideia da “ficção jurídica” denominada desconsideração que vamos expender no ponto seguinte, é mister sustentar que o Direito angolano enforma esta realidade no instituto da Sociedade Irregular – i.e., antes da aquisição da personalidade jurídica da sociedade comercial respondem pelos actos praticados em nome desta os próprios sócios, visto que aquela não tem personalidade jurídica. É o que estabelece o art.º 38.º n.º 1 da LSC com a epígrafe RELAÇÕES ANTERIORES À ESCRITURA PÚBLICA” quando afirma que “ Se dois ou mais indivíduos, quer pelo uso de uma firma comum, quer por qualquer outro meio, criarem a falsa aparência de que existe entre eles um contrato de sociedade, respondem, solidariamente pelas obrigações contraídas por qualquer deles.”. Porém em nenhum momento significa desconsideração, pois neste caso a sociedade comercial não existe se quer para ser juridicamente desconsiderada.
4. A desconsideração significa, segundo a doutrina corrente em Angola e tal como me parece no Direito Brasileiro – segundo o que compreendi do seu depoimento –, que a sociedade tem personalidade jurídica, mas por razões de responsabilidade civil é ficcionada a sua inexistência para atacar o património do sócio representante que agiu contra os interesses da sociedade e de má fé em relação a terceiros vindo daí obrigações que de outro modo diminuiriam o património da sociedade comercial. Certo? Assim, sendo, tal como em Portugal, em Angola está legalmente consagrada a figura da desconsideração jurídica da sociedade comercial ao abrigo da LSC que estabelece que “ Os membros dos órgãos e os representantes da sociedade são responsáveis perante esta e perante quaisquer terceiros interessados nas consequências da violação do dever imposto pelo n.º4 do artigo anterior… (art.º 7º, n.º2 – LSC) e precisamente, o artigo anterior (art.º 6.º) estabelece no seu n.º 4 que “As cláusulas contratuais e as deliberações sociais que fixem à sociedade determinado objecto ou proíbam a prática de certos actos não limitam a sua capacidade jurídica, mas obrigam os seus órgãos a não ultrapassar esse objecto ou a não praticar esses actos”. Pelas disposições combinadas fica tudo dito sobre a positividade da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade comercial no sistema jurídico angolano, pois sempre que os sócios contraiam dívidas em nome da sociedade violando os interesses desta e as disposições legais a propósito respondem perante tais credores sem o concurso da sociedade comercial, é o que se chama, entre nós, desconsideração jurídica da sociedade comercial (a empresa é parte integrante da sociedade comercial – a este propósito, se me permite, aprecie alguns subsídios nos textos O QUE SÃO SOCIEDADES COMERCIAIS e A FIRMA COMO NOME DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL E DA SOCIEDADE COMERCIAL publicados no meu blog.
Albano Pedro
A propósito da interpelação feita pelo compatriota Emanuel Dundão, estudante de Direito e de Administração em universidade brasileira, sobre se o Direito Angolano contempla a figura da desconsideração jurídica a semelhança do Direito Brasileiro, expendemos o seguinte raciocínio técnico:
NOTA PRÉVIA
Mercê da "abusiva" similitude entre o Direito Português e o Direito Angolano é preliminar assentar que tudo que ocorre no âmbito da actualização (não reforma por ser profunda e ontológica, a meu ver) do ordenamento jurídico angolano é directamente importado das reformas legais em Portugal e se a nova Lei das Sociedades Comerciais (LSC) é recente (data de 2004) é evidente a "cópia" sobre o regime português nesse sentido. Desde logo o que vigora em portugal em certa medida vigora em Angola. Assim:
1. Quanto a autonomia do património da sociedade em relação aos sócios é uma realidade que a LSC estabelece no n.º 1 do artigo 7º prevendo que "A sociedade responde civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes legais, nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários" o que nos remete ao Código Civil em matéria de responsabilidade civil pelo risco (art.º 550º) segundo o qual “Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar” o que reforça a personalidade jurídica da sociedade comercial prevista no art.º 5º – LSC “ As sociedades gozam de personalidade jurídica a partir da data do registo do contrato pelo qual se constituem…” e em remate a tudo “ Pelas dívidas sociais respondem a sociedade e, solidariamente, os sócios…” (art.º 997º, n.º1 – C.C);
2. Ora só quando o património da sociedade comercial não é suficiente é que os sócios respondem, vindo disto o regime da solidariedade há muito consagrado em Angola (art.º 998.º, n.º 2 – C.C);
3. Sobre o problema que levanta a propósito da inexistência de personalidade que constatou no nosso Direito Comercial em que vê uma ténue ideia da “ficção jurídica” denominada desconsideração que vamos expender no ponto seguinte, é mister sustentar que o Direito angolano enforma esta realidade no instituto da Sociedade Irregular – i.e., antes da aquisição da personalidade jurídica da sociedade comercial respondem pelos actos praticados em nome desta os próprios sócios, visto que aquela não tem personalidade jurídica. É o que estabelece o art.º 38.º n.º 1 da LSC com a epígrafe RELAÇÕES ANTERIORES À ESCRITURA PÚBLICA” quando afirma que “ Se dois ou mais indivíduos, quer pelo uso de uma firma comum, quer por qualquer outro meio, criarem a falsa aparência de que existe entre eles um contrato de sociedade, respondem, solidariamente pelas obrigações contraídas por qualquer deles.”. Porém em nenhum momento significa desconsideração, pois neste caso a sociedade comercial não existe se quer para ser juridicamente desconsiderada.
4. A desconsideração significa, segundo a doutrina corrente em Angola e tal como me parece no Direito Brasileiro – segundo o que compreendi do seu depoimento –, que a sociedade tem personalidade jurídica, mas por razões de responsabilidade civil é ficcionada a sua inexistência para atacar o património do sócio representante que agiu contra os interesses da sociedade e de má fé em relação a terceiros vindo daí obrigações que de outro modo diminuiriam o património da sociedade comercial. Certo? Assim, sendo, tal como em Portugal, em Angola está legalmente consagrada a figura da desconsideração jurídica da sociedade comercial ao abrigo da LSC que estabelece que “ Os membros dos órgãos e os representantes da sociedade são responsáveis perante esta e perante quaisquer terceiros interessados nas consequências da violação do dever imposto pelo n.º4 do artigo anterior… (art.º 7º, n.º2 – LSC) e precisamente, o artigo anterior (art.º 6.º) estabelece no seu n.º 4 que “As cláusulas contratuais e as deliberações sociais que fixem à sociedade determinado objecto ou proíbam a prática de certos actos não limitam a sua capacidade jurídica, mas obrigam os seus órgãos a não ultrapassar esse objecto ou a não praticar esses actos”. Pelas disposições combinadas fica tudo dito sobre a positividade da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade comercial no sistema jurídico angolano, pois sempre que os sócios contraiam dívidas em nome da sociedade violando os interesses desta e as disposições legais a propósito respondem perante tais credores sem o concurso da sociedade comercial, é o que se chama, entre nós, desconsideração jurídica da sociedade comercial (a empresa é parte integrante da sociedade comercial – a este propósito, se me permite, aprecie alguns subsídios nos textos O QUE SÃO SOCIEDADES COMERCIAIS e A FIRMA COMO NOME DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL E DA SOCIEDADE COMERCIAL publicados no meu blog.
O DEVER DE SER RICO E DE VER O MUNDO COMO UM DEUS
COMPREENDER WALLACE D. WATTLES E AMIT GOSWAMI
Albano Pedro
Estou a ler duas obras de cariz ensaístico. Uma da autoria de Wallace D. Wattles editada em 1910 com o título A CIÊNCIA PARA FICAR RICO e outra de Amit Goswami editada em 2007 com o título O UNIVERSO AUTOCONSCIENTE. Aparentemente nada há de comum entre ambas as obras já que a primeira trata de motivar o empreendedorismo atinente as formas, modos e regras para o enriquecimento material e outra o debate a volta da física quântica que traz a tona a causa primeira das grandes revoluções dos dias de hoje proporcionadas pelas tecnologias de informação e comunicação, pela nanotecnologia e pelas biotecnologias. Contudo, ambas têm o mérito de harmonizarem todas percepções psicossociológicas, concepções éticas e crenças religiosas que vinha estruturando e proporcionar uma nova perspectiva do universo.
Wattles sugere que é dever do homem tornar-se rico, visto que na falta da riqueza está toda a incapacidade e consequente desgraça do homem e da sociedade. A pobreza é a projecção clara da incapacidade do homem e da forma dramática como este encara o mundo. O mundo caminha para perfeição e o universo está impregnado de energias que estão prontas a proporcionar riqueza material ao homem bastando que este entre em relação de harmonia com elas, contudo, o homem imbuído na pobreza esta longe de perceber tal harmonia. A pobreza volta o homem contra a harmonia universal; contra Deus e o coloca na condição de não aproveitar a miríade de oportunidades para suprir as suas necessidades e viver em abundância. O pobre vai contra as suas próprias fontes de satisfação de necessidades. Por isso, não há mérito nenhum em ser pobre como sugere a religião cristã. Os muçulmanos ao verem na pobreza o sinal de pecado e da separação entre o homem e Deus estão de acordo com os ensinamentos de Wattles. Se é corrente a ideia de que o dinheiro é a causa de todos os males este pensamento é veiculado entre aqueles que não se propõem em sair da verdadeira causa de todos os males que é a pobreza. Certo é que ter muito dinheiro nada diz para riqueza efectiva do mesmo modo que a acumulação desonesta de meios materiais está longe de proporcionar bem-estar e satisfação plena. Entretanto, ter capacidade material para realizar todos os desejos eleva o homem a categoria divina e aqui é que a riqueza se torna no mais nobre dos objectivos. Ficar rico é uma ciência exacta com proporções matemáticas. Agindo de um certo modo o homem, bondoso ou desonesto, religioso ou ateu, torna-se inevitavelmente rico.
Goswami propõe que não existe separação entre a consciência e o corpo da mesma forma que não é possível tratar da mente sem o cérebro. A matéria não é a fonte de tudo o que existe como pretendeu a física clássica, mas a consciência. Goswami inverte pois o sentido de precedência entre a ideia e a matéria até então defendida por ícones da física mundial como Newton, Descartes, Einstein, etc. Mais a fundo vai para sugerir que existe uma relação de grande harmonia e coerência entre os homens e o universo em todos os seus actos e acontecimentos vindo disto que nada ocorre por acaso, ou fora de um propósito harmonizado pelo universo. Longe de vincar o Determinismo como parece sugerir esta doutrina – que já desventrei nos meus passados anos das especulações filosóficas da obra TRATATUS TEOLOGICUS de Baruch Spinosa – Goswami defende pelas demonstrações da Física Quântica a possibilidade causalista do universo. O homem pode realizar literalmente tudo estando em harmonia com as leis naturais que são sensíveis pela movimentação dos átomos. A Física clássica sugeria – para além de estabelecer o átomo como a ultima matéria – que a natureza enquanto conjunto de átomos é estável e permanente cabendo ao homem descobrir a forma das coisas e fenómenos afim de harmonizá-las aos seus objectivos e propósitos e que o universo espiritual e físico são estância separadas e independentes embora com uma relação natural de causa e efeito. Goswami aclama a unidade entre o mundo espiritual e o material. Ideia e matéria são uma e a mesma coisa vista em ângulos conceptivos diversos como a coroa e a cunha na moeda. É um argumento de força que derruba a ideia da existência de fenómenos físicos e fenómenos não físicos (espirituais ou sobrenaturais). A Física Quântica propõe a manipulação dos átomos dito de outro modo os acontecimentos longe de serem determinados pelas leis da natureza podem ser condicionados pela atitude e acções dos homens. A física quântica deu os primeiros passos para que o homem possa a partir do nada criar algo, bastando a manipulação dos átomos. Assim, a teletransportação que era um fenómeno ficcionado pelo cinema pode ser realizada literalmente como algumas experiências neste sentido já o demonstraram. Tudo graças a nova visão da Física sugerida pela Física Quântica.
Para as duas literaturas o mundo não é determinista. Embora não se fale no antropocentrismo – colocando o homem no centro da inteligência universal – está claro que o homem traça o seu próprio destino neste mar de causas e efeitos de que está impregnado o universos e seus fenómenos. O homem tem ao seu alcance as “ferramentas” que o próprio Deus faz uso na movimentação histórica dos fenómenos do universo. Wattles e Goswami sugerem que tudo promona da consciência. Consciência criadora que imprime o seu sentido de realização na matéria tornando o homem rico ou materializando formas novas na natureza pela manipulação dos átomos revolucionando mais e mais a vida no universo.
Albano Pedro
Estou a ler duas obras de cariz ensaístico. Uma da autoria de Wallace D. Wattles editada em 1910 com o título A CIÊNCIA PARA FICAR RICO e outra de Amit Goswami editada em 2007 com o título O UNIVERSO AUTOCONSCIENTE. Aparentemente nada há de comum entre ambas as obras já que a primeira trata de motivar o empreendedorismo atinente as formas, modos e regras para o enriquecimento material e outra o debate a volta da física quântica que traz a tona a causa primeira das grandes revoluções dos dias de hoje proporcionadas pelas tecnologias de informação e comunicação, pela nanotecnologia e pelas biotecnologias. Contudo, ambas têm o mérito de harmonizarem todas percepções psicossociológicas, concepções éticas e crenças religiosas que vinha estruturando e proporcionar uma nova perspectiva do universo.
Wattles sugere que é dever do homem tornar-se rico, visto que na falta da riqueza está toda a incapacidade e consequente desgraça do homem e da sociedade. A pobreza é a projecção clara da incapacidade do homem e da forma dramática como este encara o mundo. O mundo caminha para perfeição e o universo está impregnado de energias que estão prontas a proporcionar riqueza material ao homem bastando que este entre em relação de harmonia com elas, contudo, o homem imbuído na pobreza esta longe de perceber tal harmonia. A pobreza volta o homem contra a harmonia universal; contra Deus e o coloca na condição de não aproveitar a miríade de oportunidades para suprir as suas necessidades e viver em abundância. O pobre vai contra as suas próprias fontes de satisfação de necessidades. Por isso, não há mérito nenhum em ser pobre como sugere a religião cristã. Os muçulmanos ao verem na pobreza o sinal de pecado e da separação entre o homem e Deus estão de acordo com os ensinamentos de Wattles. Se é corrente a ideia de que o dinheiro é a causa de todos os males este pensamento é veiculado entre aqueles que não se propõem em sair da verdadeira causa de todos os males que é a pobreza. Certo é que ter muito dinheiro nada diz para riqueza efectiva do mesmo modo que a acumulação desonesta de meios materiais está longe de proporcionar bem-estar e satisfação plena. Entretanto, ter capacidade material para realizar todos os desejos eleva o homem a categoria divina e aqui é que a riqueza se torna no mais nobre dos objectivos. Ficar rico é uma ciência exacta com proporções matemáticas. Agindo de um certo modo o homem, bondoso ou desonesto, religioso ou ateu, torna-se inevitavelmente rico.
Goswami propõe que não existe separação entre a consciência e o corpo da mesma forma que não é possível tratar da mente sem o cérebro. A matéria não é a fonte de tudo o que existe como pretendeu a física clássica, mas a consciência. Goswami inverte pois o sentido de precedência entre a ideia e a matéria até então defendida por ícones da física mundial como Newton, Descartes, Einstein, etc. Mais a fundo vai para sugerir que existe uma relação de grande harmonia e coerência entre os homens e o universo em todos os seus actos e acontecimentos vindo disto que nada ocorre por acaso, ou fora de um propósito harmonizado pelo universo. Longe de vincar o Determinismo como parece sugerir esta doutrina – que já desventrei nos meus passados anos das especulações filosóficas da obra TRATATUS TEOLOGICUS de Baruch Spinosa – Goswami defende pelas demonstrações da Física Quântica a possibilidade causalista do universo. O homem pode realizar literalmente tudo estando em harmonia com as leis naturais que são sensíveis pela movimentação dos átomos. A Física clássica sugeria – para além de estabelecer o átomo como a ultima matéria – que a natureza enquanto conjunto de átomos é estável e permanente cabendo ao homem descobrir a forma das coisas e fenómenos afim de harmonizá-las aos seus objectivos e propósitos e que o universo espiritual e físico são estância separadas e independentes embora com uma relação natural de causa e efeito. Goswami aclama a unidade entre o mundo espiritual e o material. Ideia e matéria são uma e a mesma coisa vista em ângulos conceptivos diversos como a coroa e a cunha na moeda. É um argumento de força que derruba a ideia da existência de fenómenos físicos e fenómenos não físicos (espirituais ou sobrenaturais). A Física Quântica propõe a manipulação dos átomos dito de outro modo os acontecimentos longe de serem determinados pelas leis da natureza podem ser condicionados pela atitude e acções dos homens. A física quântica deu os primeiros passos para que o homem possa a partir do nada criar algo, bastando a manipulação dos átomos. Assim, a teletransportação que era um fenómeno ficcionado pelo cinema pode ser realizada literalmente como algumas experiências neste sentido já o demonstraram. Tudo graças a nova visão da Física sugerida pela Física Quântica.
Para as duas literaturas o mundo não é determinista. Embora não se fale no antropocentrismo – colocando o homem no centro da inteligência universal – está claro que o homem traça o seu próprio destino neste mar de causas e efeitos de que está impregnado o universos e seus fenómenos. O homem tem ao seu alcance as “ferramentas” que o próprio Deus faz uso na movimentação histórica dos fenómenos do universo. Wattles e Goswami sugerem que tudo promona da consciência. Consciência criadora que imprime o seu sentido de realização na matéria tornando o homem rico ou materializando formas novas na natureza pela manipulação dos átomos revolucionando mais e mais a vida no universo.
CONSÓRCIO VERSUS SOCIEDADE COMERCIAL
CONSIDERAÇÕES SOBRE OS FUNDOS COMUNS OU CONTA ÚNICA
Albano Pedro
A dinâmica das relações comerciais e o crescendo económico em Angola impôs o surgimento de contratos de cooperação entre empresas dentre os quais o contrato de consórcio – definido como o contrato pelo qual duas ou mais pessoas, singulares ou colectivas, se obrigam entre si a, de forma concertada e temporária, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição (art.º 12º, n.º1 da Lei n.º19/03, de 12 de Agosto). Perante um projecto de execução a curto, médio ou longo prazo as partes podem estabelecer um contrato em que cada uma é responsável pela execução de parte dele perante o dono ou beneficiário da obra.
A provisoriedade do objecto (art.º12º, n.º1) e a inexistência de conta única (art.º 26º) são marcas de deste tipo de contrato que o levam a estabelecer fronteiras com o contrato de sociedade comercial. Para que prevaleça a necessidade de um contrato de sociedade entre sujeitos que se propõem a explorar uma actividade económica, o legislador ordinário entendeu estabelecer tais condições ao contrato de consórcio sob pena de levar a maioria das pessoas (físicas ou jurídicas) a aderir a este tipo de contrato em detrimento ao de sociedade comercial. Até porque a facilidade formal do consórcio (bastando as assinaturas das partes no contrato) e a onerosa tramitação processual na formação das sociedades comerciais (múltiplas fazes, custos elevados e prazos longos) leva a esta tentação.
O contrato de sociedade comercial – em que duas ou mais pessoas se propõem a explorar uma actividade económica com objectivo de repartirem entre si os lucros daí resultantes – é animado pela ideia de continuidade (existência permanente) e partilha de dividendos (conta única). Acontecerá que o chefe do consócio (representante do consórcio perante o cliente) receberá na sua conta o pagamento global do contrato (modalidade de consórcio interno). Contudo, não haverá aqui conta única, i.e., o consorciado receptário não dá qualquer tratamento contabilístico nomeadamente deduzindo as obrigações fiscais e demais encargos inerentes ao apuramento dos resultados líquidos como acontece com as empresas sob formas de sociedades comerciais. Na empresa sob forma de consórcio, a conta receptária serve apenas como canal de distribuição interna dos valores “em bruto” referentes aos pagamentos do cliente a cada um dos consorciados, cabendo a cada um deles o respectivo tratamento contabilístico.
Albano Pedro
A dinâmica das relações comerciais e o crescendo económico em Angola impôs o surgimento de contratos de cooperação entre empresas dentre os quais o contrato de consórcio – definido como o contrato pelo qual duas ou mais pessoas, singulares ou colectivas, se obrigam entre si a, de forma concertada e temporária, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição (art.º 12º, n.º1 da Lei n.º19/03, de 12 de Agosto). Perante um projecto de execução a curto, médio ou longo prazo as partes podem estabelecer um contrato em que cada uma é responsável pela execução de parte dele perante o dono ou beneficiário da obra.
A provisoriedade do objecto (art.º12º, n.º1) e a inexistência de conta única (art.º 26º) são marcas de deste tipo de contrato que o levam a estabelecer fronteiras com o contrato de sociedade comercial. Para que prevaleça a necessidade de um contrato de sociedade entre sujeitos que se propõem a explorar uma actividade económica, o legislador ordinário entendeu estabelecer tais condições ao contrato de consórcio sob pena de levar a maioria das pessoas (físicas ou jurídicas) a aderir a este tipo de contrato em detrimento ao de sociedade comercial. Até porque a facilidade formal do consórcio (bastando as assinaturas das partes no contrato) e a onerosa tramitação processual na formação das sociedades comerciais (múltiplas fazes, custos elevados e prazos longos) leva a esta tentação.
O contrato de sociedade comercial – em que duas ou mais pessoas se propõem a explorar uma actividade económica com objectivo de repartirem entre si os lucros daí resultantes – é animado pela ideia de continuidade (existência permanente) e partilha de dividendos (conta única). Acontecerá que o chefe do consócio (representante do consórcio perante o cliente) receberá na sua conta o pagamento global do contrato (modalidade de consórcio interno). Contudo, não haverá aqui conta única, i.e., o consorciado receptário não dá qualquer tratamento contabilístico nomeadamente deduzindo as obrigações fiscais e demais encargos inerentes ao apuramento dos resultados líquidos como acontece com as empresas sob formas de sociedades comerciais. Na empresa sob forma de consórcio, a conta receptária serve apenas como canal de distribuição interna dos valores “em bruto” referentes aos pagamentos do cliente a cada um dos consorciados, cabendo a cada um deles o respectivo tratamento contabilístico.
sábado, 3 de outubro de 2009
PORQUÊ É QUE A EMPRESA TEM NOME?
Albano Pedro*
A maioria das pessoas pensa que as pessoas físicas (indivíduos) são as únicas obrigadas a obedecer as leis. O dever de obediência a Lei é extensivas as organizações ou pessoas jurídicas (empresas, associações, fundações, clubes, etc.). São pessoas com categoria jurídica, elas nascem, crescem, reproduzem-se e morrem cumprindo um curso natural de vida como os homens. Têm nome, prestígio e concorrem para o sucesso social e económico como os homens, ganhando fama. Assim é a fama do mutibilionário americano Bill Gate (pessoa física) associada a Microsoft (pessoa jurídica). Constituem pois, pessoas que ganham dinamismo paralelo as pessoas físicas ou humanas. A empresa – a ser vista como pessoa – é compreendida do ponto de vista material (económico) como o conjunto de meios materiais, financeiros e humanos cujo escopo se reporta a concretização da produção de meios e equipamentos sociais e económicos (não é viável a discussão teórica sobre os conceito). Como pessoa jurídica ela tem um nome – firma – e uma “certidão de nascimento” que é o estatuto social reconhecido e registado em notário.
A firma ou nome da empresa – seja sob forma de sociedade comercial, seja sob forma de estabelecimento comercial (vide: O que são sociedades comerciais in: http://www.jukulomesso.blogspot.com/) é o elemento identitário da empresa, sendo passível de registo após devido atestado de negação de existência de outro igual (certificado de admissibilidade) nos competentes registos de denominação do Ministério da Justiça.
A firma é pois, o sinal identitário da pessoa jurídica nascida sob forma de empresa devendo ser registada como direito de propriedade industrial sob pena de responsabilidade civil em caso de similitude identitária, i.e., enquanto as pessoas físicas ou humanas podem ter nomes iguais (havendo vários João Pinto ou António Manuel) as empresas ou pessoas jurídicas estão proibidas de tê-los. Se acontecer que uma empresa tem o nome igual a outra, a que tiver registado primeiro – entre outros critérios de avaliação legais – tem vantagem sobre o que tiver registado posteriormente reclamando justa indemnização. Logo, aquele que não tiver o registo da firma é obrigado a indemnizar aquele que a tiver registado regular e oportunamente. Assim é que a empresa tem nome por ser uma pessoa igual a qualquer outra na sociedade gozando de direitos e deveres, podendo ser demandada em juízo como qualquer outra pessoa.
* Consultor e Auditor Jurídico
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
ESTUDOS DE DIREITO PÚBLICO E MATÉRIAS CONEXAS
UMA VISITA PARCIAL À OBRA DE ADÃO DE ALMEIDA
Albano Pedro
ESTUDOS DE DIREITO PÚBLICO E MATÉRIAS CONEXAS como obra de literatura jurídica lançada na passada terça-feira (24 de Setembro) no Auditório Maria do Carmo Medina da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto é uma humilde contribuição do Mestre Adão de Almeida ao debate sobre as sempre polémicas questões do Direito Público e afins que arrastam ao abismo do debate extremo as mais intrigantes e inconciliáveis questões sociais e políticas, sobretudo em países com certo grau de primitivismo político como os africanos; humilde contribuição porque por um lado a insuficiência de textos é indirectamente proporcional, as expectativas que o mundo académico sempre alimentou sobre um dos mais bem sucedidos estudantes de Direito da Universidade Agostinho Neto dos últimos dez anos e por outro lado a grandiosidade da cerimónia de lançamento deixou por justificar a magreza da obra que se limitou a escassos cinco artigos de opinião, assim estampados. Lazarino Poulson de forma exigente precisou juntar muito mais textos para pôr ao consumo público em forma de textos compilado mesmo quando ninguém o tivesse antecedido. Cremildo Paca elevou-se ao nível de um verdadeiro literata do mundo jurídico ensaiando a sua entrada em grande com uma obra de dimensão histórica de grande relevo a partir de Portugal (editora Almedina). Porém Adão de Almeida não precisou tanto. Cinco artigos e mais uma persuasão amigável (e quiçá mercantilista) de Gilberto Luther fez nascer a sua primeira obra. A maioria de seus contemporâneos esperou na primeira obra grande volume teórico e discursivo sobre questões jurídicas – não polémicas porque Adão de Almeida nunca demonstrou qualquer vocação nesse sentido – pelo menos historicamente relevante dado ao grande e inegável desempenho estudantil deste jurista de origem malanjina. Eu próprio esperei um pouco mais do que de Cremildo Paca que trouxe a sua contribuição a volta da justiça administrativa – que confesso, me colocou na condição de a reconhecer como uma das maiores obras jurídicas angolanas dos últimos dez anos – ; esperei uma colectânea dos vários textos elaborados ao longo dos anos em que foi agraciado de prémios por eloquentes desempenhos estudantis. Nesse período vários textos foram certamente elaborados para merecerem prémios. Adão de Almeida frustrou seus admiradores por não colocá-los em exposição pública. Pelo menos na sua primeira obra. Se promete uma próxima edição em que incluirá tais textos estaremos de parabéns. De qualquer modo, está ainda assim de parabéns ao lançar a sua primeira obra. Com ou sem defeitos a primeira obra é sempre glorificada pela coragem e ousadia do seu autor. Passemos então em análise:
Ao tratar de Direito Constitucional, Ciência Política, Direito do Contencioso Administrativo e Metodologia do Direito, Adão de Almeida contrariou seu apresentador Bornito de Sousa, que prefere limitar os investigadores a pesquisa de conteúdos estreitos àquilo que chama de especialização contrariamente ao enciclopedismo, i.e., capacidade de interpretar fenómenos científicos de múltiplas dimensões. Sempre desconfiei que a mediocridade intelectual estivesse ligada a preguiça ou ao auto-limite mental e esta despropositada persuasão deu-me provas acabadas a propósito. Eu própria me sentiria um intelectual sem possibilidade futura de brilho se os meus conhecimentos simplesmente gravitassem a volta do Direito, já porque ser político – caminho seguido por muitos – requer estar preparado para filtrar um pouco de todos os conhecimentos que se cruzam no campo governamental ou legislativo. Adão de Almeida tem o mérito de desenvolver uma análise transversal do Direito Público numa perspectiva claramente enciclopedista. Visitou e revistou matérias que seus antigos mestres (Adérito Correia e Bornito de Sousa) estão já longe de alcançar, um pouco devido a falta de ousadia que começa a caracterizar a nova geração de juristas, encabeçada por Lazarino Poulson. A economia investigativa e altruísmo comunicativo certamente recomendam uma análise pontual da obra. Assim é que nos estreitaremos a um único artigo pela importância social, visto que o conhecimento não útil a sociedade não é digno de ser chamado a discussão.
Afasto preliminarmente a discussão a volta da Metodologia do Direito ou – como prefiro chamar – Metódica Jurídica pela simples razão desta matéria estar entre nós vulgarizada por pouco familiarizada com os mais profundos problemas do Direito. Quando comecei a dialogar com jurista alemães atreitos a filosofia e metodologia do Direito comecei a sentir que falar da metodologia do direito é um pouco mais – e profundamente mais do que falar de meras interpretações técnico-jurídicas ou menos ainda técnico-legais como recomenda o primitivismo académico português dos tempos modernos. É direccionar o discurso jurídico a um dos mais elementares problemas do Direito – hoje desenvolvido em sede da sociologia jurídica – que é a correspondência material do direito formal, i.e., levar a compreensão popular (destinatário da norma jurídica), mediante técnicas adequadas da hermenêutica jurídica, que o Direito completa-se com a correspondência entre a Lei Constitucional e demais leis ordinárias (sistema jurídico) e as vivências do povo angolano em todas as dimensões culturais, artísticas, sociais, económicas e políticas (sistema político). É desta metodologia – a das formas do nascimento e vigência do Direito – que me preocupa por convocar reflexos de profundidade filosófica e metodológica que escasseiam no mercado intelectual angolano. É pois elementar a abordagem metodológica vazada por Adão de Almeida por relacionar conteúdos de natureza judicial.
Deixaremos tudo o resto para recrutarmos em debate a dimensão indagativa manifestada na abordagem do contencioso administrativo pela utilidade lógico-discursiva aí encerrada. Com elevada eloquência, propõe o ilustre mestre que devido a insipiência da tutela judicial efectiva a luz da lei constitucional é urgente a subjectivação do contencioso administrativo, no caso, angolano. Seria certamente um lugar-tenente se os termos dialogassem por si mesmos. Entretanto desenvolve a virulência de um problema de fundo que enferma o contencioso administrativo acantonando todas as actuais soluções a este propósito. Senão reparemos: Quando acha convocável a subjectivação do contencioso administrativo o ilustre mestre prende-se a meras recomendações académicas em que é habitual a ideia fixa de que o contencioso administrativo angolano é de feição puramente objectivo, já porque pontifica um sistema contencioso de mera anulação, já porque permite a invocação da inexecução da sentença. Contudo, esta perspectiva, que o ilustre mestre toma para rumar nestes mares tenebrosos, não atrela em socorro um argumento de grandiosa importância que é a legitimação da subjectividade do contencioso administrativo ao nível constitucional. O ilustre mestre não cura de extirpar o sistema jurídico angolano em Lei Constitucional e Leis ordinárias para achar o meio-termo da análise do problema que levanta. Esquecendo de analisar e polemizar o artigo 43º da Lei constitucional ruma desavisadamente ao encontro de soluções precárias incrustadas na legislação administrativa e conclui, quase robóticamente – e por sugestão académica – que o contencioso administrativo angolano é objectivo por curar mais da legalidade do que dos interesses e direitos subjectivos. Puro erro de análise técnica, a meu ver. A Lei constitucional, rica em contradizer todo o sistema jurídico angolano – por manifesta incapacidade técnica de seus mentores em correspondê-la as demais normas, facto causado pela sua inovação em detrimento de um ordenamento jurídico-infra constitucional arcaico arrastado da era colonial – farta-se em desautorizar a Lei, maxime do contencioso administrativo. Tornou-se já corrente o facto de que o Princípio da Impugnação dos Actos Administrativos impera de forma revogante sobre o sistema judicial administrativo ao ponto de diminuir a importância da chamada obrigatoriedade da precedência do recurso hierárquico. É uma clara demonstração da subjectividade constitucional do contencioso administrativo. Com efeito, o artigo 43º manifesta todo o vigor de um contencioso subjectivo que cura dos interesses e direitos subjectivos em detrimento do fundo legal da norma em tutela de interesses tidos como públicos. Mais. Quando os princípios da administração pública – enquanto balizas estruturantes do procedimento da administração pública, mesmo quando enfrentam os limites contenciosos, permitem que o principio da impugnação dos actos administrativos como unicórnio em favor do particular enfrente isoladamente e de forma equilibrada os demais princípios entre os quais o da legalidade estamos em presença de um sistema subjectivo – a que chamaria de inconsciente pela incapacidade de seus mentores em identificar e teorizar oportunamente.
É minha obsessão que a literatura jurídica angolana desenvolva ao nível das exigências técnicas universais. Daí que, minha reflexão não vem rabiscar qualquer mérito a obra. Pelo contrário vem enaltecê-la curando de identificá-la entre os vários escritos técnicos que levantam argumentos para debates ousados ao nível do Direito potenciando novas obras. Estou certo de que se o autor da obra der alguma importância aos argumentos aqui debitados teremos no futuro a sua obra mais alimentada. Vale pois sustentar que se desejou uma análise enriquecedora de seu texto, susceptível de, na dimensão da sua humildade, posicionar o seu esforço e tamanho intelectual ao nível merecido, este terá pois materializado a sua excelente e preciosa máxima segunda a qual “agradecer quem nos ajuda a alcançar os nossos objectivos é um elementar dever de justiça”. Está de parabéns o autor por “parir” assim o seu primeiro filho intelectual e está de parabéns a Casa das Ideias que sendo uma editora revolucionária no domínio da literatura jurídica concebeu um padrão gráfico atraente e inovador para a obra ora lançada. Bem-haja!
Albano Pedro
ESTUDOS DE DIREITO PÚBLICO E MATÉRIAS CONEXAS como obra de literatura jurídica lançada na passada terça-feira (24 de Setembro) no Auditório Maria do Carmo Medina da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto é uma humilde contribuição do Mestre Adão de Almeida ao debate sobre as sempre polémicas questões do Direito Público e afins que arrastam ao abismo do debate extremo as mais intrigantes e inconciliáveis questões sociais e políticas, sobretudo em países com certo grau de primitivismo político como os africanos; humilde contribuição porque por um lado a insuficiência de textos é indirectamente proporcional, as expectativas que o mundo académico sempre alimentou sobre um dos mais bem sucedidos estudantes de Direito da Universidade Agostinho Neto dos últimos dez anos e por outro lado a grandiosidade da cerimónia de lançamento deixou por justificar a magreza da obra que se limitou a escassos cinco artigos de opinião, assim estampados. Lazarino Poulson de forma exigente precisou juntar muito mais textos para pôr ao consumo público em forma de textos compilado mesmo quando ninguém o tivesse antecedido. Cremildo Paca elevou-se ao nível de um verdadeiro literata do mundo jurídico ensaiando a sua entrada em grande com uma obra de dimensão histórica de grande relevo a partir de Portugal (editora Almedina). Porém Adão de Almeida não precisou tanto. Cinco artigos e mais uma persuasão amigável (e quiçá mercantilista) de Gilberto Luther fez nascer a sua primeira obra. A maioria de seus contemporâneos esperou na primeira obra grande volume teórico e discursivo sobre questões jurídicas – não polémicas porque Adão de Almeida nunca demonstrou qualquer vocação nesse sentido – pelo menos historicamente relevante dado ao grande e inegável desempenho estudantil deste jurista de origem malanjina. Eu próprio esperei um pouco mais do que de Cremildo Paca que trouxe a sua contribuição a volta da justiça administrativa – que confesso, me colocou na condição de a reconhecer como uma das maiores obras jurídicas angolanas dos últimos dez anos – ; esperei uma colectânea dos vários textos elaborados ao longo dos anos em que foi agraciado de prémios por eloquentes desempenhos estudantis. Nesse período vários textos foram certamente elaborados para merecerem prémios. Adão de Almeida frustrou seus admiradores por não colocá-los em exposição pública. Pelo menos na sua primeira obra. Se promete uma próxima edição em que incluirá tais textos estaremos de parabéns. De qualquer modo, está ainda assim de parabéns ao lançar a sua primeira obra. Com ou sem defeitos a primeira obra é sempre glorificada pela coragem e ousadia do seu autor. Passemos então em análise:
Ao tratar de Direito Constitucional, Ciência Política, Direito do Contencioso Administrativo e Metodologia do Direito, Adão de Almeida contrariou seu apresentador Bornito de Sousa, que prefere limitar os investigadores a pesquisa de conteúdos estreitos àquilo que chama de especialização contrariamente ao enciclopedismo, i.e., capacidade de interpretar fenómenos científicos de múltiplas dimensões. Sempre desconfiei que a mediocridade intelectual estivesse ligada a preguiça ou ao auto-limite mental e esta despropositada persuasão deu-me provas acabadas a propósito. Eu própria me sentiria um intelectual sem possibilidade futura de brilho se os meus conhecimentos simplesmente gravitassem a volta do Direito, já porque ser político – caminho seguido por muitos – requer estar preparado para filtrar um pouco de todos os conhecimentos que se cruzam no campo governamental ou legislativo. Adão de Almeida tem o mérito de desenvolver uma análise transversal do Direito Público numa perspectiva claramente enciclopedista. Visitou e revistou matérias que seus antigos mestres (Adérito Correia e Bornito de Sousa) estão já longe de alcançar, um pouco devido a falta de ousadia que começa a caracterizar a nova geração de juristas, encabeçada por Lazarino Poulson. A economia investigativa e altruísmo comunicativo certamente recomendam uma análise pontual da obra. Assim é que nos estreitaremos a um único artigo pela importância social, visto que o conhecimento não útil a sociedade não é digno de ser chamado a discussão.
Afasto preliminarmente a discussão a volta da Metodologia do Direito ou – como prefiro chamar – Metódica Jurídica pela simples razão desta matéria estar entre nós vulgarizada por pouco familiarizada com os mais profundos problemas do Direito. Quando comecei a dialogar com jurista alemães atreitos a filosofia e metodologia do Direito comecei a sentir que falar da metodologia do direito é um pouco mais – e profundamente mais do que falar de meras interpretações técnico-jurídicas ou menos ainda técnico-legais como recomenda o primitivismo académico português dos tempos modernos. É direccionar o discurso jurídico a um dos mais elementares problemas do Direito – hoje desenvolvido em sede da sociologia jurídica – que é a correspondência material do direito formal, i.e., levar a compreensão popular (destinatário da norma jurídica), mediante técnicas adequadas da hermenêutica jurídica, que o Direito completa-se com a correspondência entre a Lei Constitucional e demais leis ordinárias (sistema jurídico) e as vivências do povo angolano em todas as dimensões culturais, artísticas, sociais, económicas e políticas (sistema político). É desta metodologia – a das formas do nascimento e vigência do Direito – que me preocupa por convocar reflexos de profundidade filosófica e metodológica que escasseiam no mercado intelectual angolano. É pois elementar a abordagem metodológica vazada por Adão de Almeida por relacionar conteúdos de natureza judicial.
Deixaremos tudo o resto para recrutarmos em debate a dimensão indagativa manifestada na abordagem do contencioso administrativo pela utilidade lógico-discursiva aí encerrada. Com elevada eloquência, propõe o ilustre mestre que devido a insipiência da tutela judicial efectiva a luz da lei constitucional é urgente a subjectivação do contencioso administrativo, no caso, angolano. Seria certamente um lugar-tenente se os termos dialogassem por si mesmos. Entretanto desenvolve a virulência de um problema de fundo que enferma o contencioso administrativo acantonando todas as actuais soluções a este propósito. Senão reparemos: Quando acha convocável a subjectivação do contencioso administrativo o ilustre mestre prende-se a meras recomendações académicas em que é habitual a ideia fixa de que o contencioso administrativo angolano é de feição puramente objectivo, já porque pontifica um sistema contencioso de mera anulação, já porque permite a invocação da inexecução da sentença. Contudo, esta perspectiva, que o ilustre mestre toma para rumar nestes mares tenebrosos, não atrela em socorro um argumento de grandiosa importância que é a legitimação da subjectividade do contencioso administrativo ao nível constitucional. O ilustre mestre não cura de extirpar o sistema jurídico angolano em Lei Constitucional e Leis ordinárias para achar o meio-termo da análise do problema que levanta. Esquecendo de analisar e polemizar o artigo 43º da Lei constitucional ruma desavisadamente ao encontro de soluções precárias incrustadas na legislação administrativa e conclui, quase robóticamente – e por sugestão académica – que o contencioso administrativo angolano é objectivo por curar mais da legalidade do que dos interesses e direitos subjectivos. Puro erro de análise técnica, a meu ver. A Lei constitucional, rica em contradizer todo o sistema jurídico angolano – por manifesta incapacidade técnica de seus mentores em correspondê-la as demais normas, facto causado pela sua inovação em detrimento de um ordenamento jurídico-infra constitucional arcaico arrastado da era colonial – farta-se em desautorizar a Lei, maxime do contencioso administrativo. Tornou-se já corrente o facto de que o Princípio da Impugnação dos Actos Administrativos impera de forma revogante sobre o sistema judicial administrativo ao ponto de diminuir a importância da chamada obrigatoriedade da precedência do recurso hierárquico. É uma clara demonstração da subjectividade constitucional do contencioso administrativo. Com efeito, o artigo 43º manifesta todo o vigor de um contencioso subjectivo que cura dos interesses e direitos subjectivos em detrimento do fundo legal da norma em tutela de interesses tidos como públicos. Mais. Quando os princípios da administração pública – enquanto balizas estruturantes do procedimento da administração pública, mesmo quando enfrentam os limites contenciosos, permitem que o principio da impugnação dos actos administrativos como unicórnio em favor do particular enfrente isoladamente e de forma equilibrada os demais princípios entre os quais o da legalidade estamos em presença de um sistema subjectivo – a que chamaria de inconsciente pela incapacidade de seus mentores em identificar e teorizar oportunamente.
É minha obsessão que a literatura jurídica angolana desenvolva ao nível das exigências técnicas universais. Daí que, minha reflexão não vem rabiscar qualquer mérito a obra. Pelo contrário vem enaltecê-la curando de identificá-la entre os vários escritos técnicos que levantam argumentos para debates ousados ao nível do Direito potenciando novas obras. Estou certo de que se o autor da obra der alguma importância aos argumentos aqui debitados teremos no futuro a sua obra mais alimentada. Vale pois sustentar que se desejou uma análise enriquecedora de seu texto, susceptível de, na dimensão da sua humildade, posicionar o seu esforço e tamanho intelectual ao nível merecido, este terá pois materializado a sua excelente e preciosa máxima segunda a qual “agradecer quem nos ajuda a alcançar os nossos objectivos é um elementar dever de justiça”. Está de parabéns o autor por “parir” assim o seu primeiro filho intelectual e está de parabéns a Casa das Ideias que sendo uma editora revolucionária no domínio da literatura jurídica concebeu um padrão gráfico atraente e inovador para a obra ora lançada. Bem-haja!
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
IMPLICAÇÕES DA FALTA DE CONTRATO DE TRABALHO
Albano Pedro
É corrente, os empregadores não formalizarem contratos com os trabalhadores. Alguns a pretexto de admitirem provisoriamente os trabalhadores perspectivando o fim da relação laboral a curto prazo devido ao período de estágio ou simples uso provisório dos préstimos laborais do trabalhador, outros por simples má fé contando que a falta de contrato de trabalho retira qualquer responsabilidade legal em caso de despedimento sem justa causa. São pensamentos que ocorrem em muitos empresários quando se propõem a empregar novos trabalhadores. Estratégias que se revelam falhas quando surgem litígios judiciais por propositura de acção em matéria laboral em tribunal pelo trabalhador descontente com o modo injusto com que foi tratado ou despedido.
A Lei Geral do Trabalho (LGT) prevê duas modalidades de contrato de trabalho quanto a sua duração (art.º 14º). A primeira, que é regra, é o contrato de trabalho por tempo indeterminado. A segunda, que é excepcional e que só é admitida nas condições e prazos previstos na LGT (art.º 15º e 16º), é o contrato de trabalho por tempo determinado. Este prevê duas variantes: o contrato de trabalho por tempo determinado a termo certo – em que o prazo do fim do contrato vem expresso no contrato como certo (por exemplo, o contrato finda no dia 10 de Agosto de 2010) e o contrato por tempo determinado a termo incerto – em que o prazo final do contrato é condicionado pela ocorrência de um determinado facto (por exemplo, o prazo do contrato finda com o regresso do trabalhador substituído que foi dispensado por razões de doença grave). Ora, todo o contrato por tempo determinado deve ser reduzido a escrito (n.º 2 do art.º 14º) uma vez que deve estar patente o prazo do contrato – pois trata-se de um contrato com certo prazo de validade – sob pena de inexistência. Assim, sempre que entre o trabalhador e o empregador não se estabeleça um vínculo laboral formal por falta de celebração do contrato de trabalho correspondente a LGT presume inilidivelmente a existência de um contrato por tempo indeterminado – por ser regime regra não é obrigatório que seja reduzido a escrito – que estabelece regimes rígidos para a sua estabilidade.
Havendo um contrato celebrado entre as partes em regime de contrato por tempo determinado em que a data da celebração do contrato é posterior a data do início da relação laboral efectiva, em caso de litígio laboral o tribunal interpretará o contrato como tendo subjacente a modalidade de contrato por tempo indeterminado visto que por altura do início efectivo da relação laboral não ter sido celebrado o contrato desejado remetendo automaticamente a relação jurídico-laboral à modalidade de contrato por tempo indeterminado. Piora a sua situação judicial, em caso de litígio, o empregador que por razões diversas julga prudente não celebrar contrato de trabalho com o trabalhador. A falta de contrato escrito implica a que o trabalhador seja radicalmente defendido pelas cláusulas legais do contrato de trabalho por tempo indeterminado como regra.
É corrente, os empregadores não formalizarem contratos com os trabalhadores. Alguns a pretexto de admitirem provisoriamente os trabalhadores perspectivando o fim da relação laboral a curto prazo devido ao período de estágio ou simples uso provisório dos préstimos laborais do trabalhador, outros por simples má fé contando que a falta de contrato de trabalho retira qualquer responsabilidade legal em caso de despedimento sem justa causa. São pensamentos que ocorrem em muitos empresários quando se propõem a empregar novos trabalhadores. Estratégias que se revelam falhas quando surgem litígios judiciais por propositura de acção em matéria laboral em tribunal pelo trabalhador descontente com o modo injusto com que foi tratado ou despedido.
A Lei Geral do Trabalho (LGT) prevê duas modalidades de contrato de trabalho quanto a sua duração (art.º 14º). A primeira, que é regra, é o contrato de trabalho por tempo indeterminado. A segunda, que é excepcional e que só é admitida nas condições e prazos previstos na LGT (art.º 15º e 16º), é o contrato de trabalho por tempo determinado. Este prevê duas variantes: o contrato de trabalho por tempo determinado a termo certo – em que o prazo do fim do contrato vem expresso no contrato como certo (por exemplo, o contrato finda no dia 10 de Agosto de 2010) e o contrato por tempo determinado a termo incerto – em que o prazo final do contrato é condicionado pela ocorrência de um determinado facto (por exemplo, o prazo do contrato finda com o regresso do trabalhador substituído que foi dispensado por razões de doença grave). Ora, todo o contrato por tempo determinado deve ser reduzido a escrito (n.º 2 do art.º 14º) uma vez que deve estar patente o prazo do contrato – pois trata-se de um contrato com certo prazo de validade – sob pena de inexistência. Assim, sempre que entre o trabalhador e o empregador não se estabeleça um vínculo laboral formal por falta de celebração do contrato de trabalho correspondente a LGT presume inilidivelmente a existência de um contrato por tempo indeterminado – por ser regime regra não é obrigatório que seja reduzido a escrito – que estabelece regimes rígidos para a sua estabilidade.
Havendo um contrato celebrado entre as partes em regime de contrato por tempo determinado em que a data da celebração do contrato é posterior a data do início da relação laboral efectiva, em caso de litígio laboral o tribunal interpretará o contrato como tendo subjacente a modalidade de contrato por tempo indeterminado visto que por altura do início efectivo da relação laboral não ter sido celebrado o contrato desejado remetendo automaticamente a relação jurídico-laboral à modalidade de contrato por tempo indeterminado. Piora a sua situação judicial, em caso de litígio, o empregador que por razões diversas julga prudente não celebrar contrato de trabalho com o trabalhador. A falta de contrato escrito implica a que o trabalhador seja radicalmente defendido pelas cláusulas legais do contrato de trabalho por tempo indeterminado como regra.
ELEIÇÕES LEGISLATIVAS DE 2008: IRREGULARIDADES E ILEGALIDADES
A PROPÓSITO DA OBRA DE VASCO CRISTÓVÃO
Albano Pedro
A obra que me proponho a apresentar cujo título é NÃO É VERDADE QUE AS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS DE 2008, FORAM LIVRES, JUSTAS E TRANSPARENTES: EXISTEM PELO MENOS 100 RAZÕES da autoria de Vasco Cristóvão, Médico e candidato as próximas eleições presidenciais, vem ao grande público angolano como um diálogo estatístico necessário com a consciência do eleitorado angolano que afluiu em massa para o importante acto político – que representa o único momento do exercício de soberania do povo que a constituição angolana tem consagrado. Um diálogo em que a comparação da intenção de construção do Estado Democrático e de Direito é posta a prova ante a visível materialização de um contra-senso político operado com as visíveis irregularidades e ilegalidades. Vasco Cristóvão como Médico – educado e habituado a averiguar com zelo o desempenho do corpo humano em toda a sua dimensão e complexidade – traz a sua obsessão profissional ao terreno social procurando alertar sobre a carga virulenta que enferma a realidade social mormente no exercício dos actos eleitorais. Por isso, publica este testemunho, por isso é candidato as eleições presidenciais. Uma obsessão já experimentada pelo líder fundador da nação – Dr. António Agostinho Neto – que como Médico emprestado à política provou-nos, sobretudo àqueles que viveram os momentos da luta de libertação colonial, que a liberdade de pensar e estar é o mais importante bem psicológico do homem e a melhor condição social de um povo.
Recentemente o Instituto de Desenvolvimento e Democracia (IDD) lançou em Luanda uma obra de teor similar intitulado Angola – Livro Branco Sobre as Eleições de 2008. A obra de Vasco Cristóvão vem completar as reflexões apresentadas naquela obra dando uma dimensão menos partidária e mais nacional da análise do fenómeno da fraude operada com as eleições legislativas de 2008. Afinal, se é sabido que as eleições legislativas de Setembro de 2008 não produziram os resultados esperados pelo povo angolano, ao invés, permitiram o surgimento de uma ditadura parlamentar com vitória esmagadora do MPLA o que por si só faz-nos desconfiar que o povo angolano – consciente e responsável – não desejou tal resultado, uma vez que com ela morre a democracia que se pretende multipartidária, então o povo angolano foi traído pelos resultados eleitorais. Assim, alguma suspeição deve ser colocada ao processo eleitoral. Vasco Cristóvão completa as nossas suspeições com provas concretas das irregularidades e ilegalidades em quantidades arredondadas a 100. Quem desconfia que as eleições não correram bem terá certamente necessidade de adquirir este livro de 91 páginas publicado sob a chancela da editora portuguesa rio de imagem, Lda.
A obra passeia toda a sua magnitude a volta de 100 questões propositadamente seleccionadas num universo de milhares de questões sobre os mecanismos fraudulentos que todos os angolanos testemunharam durante o processo eleitoral que culminou com a eleição do MPLA em maioria esmagadora sobre a oposição civil. A selecção das 100 razões não retira qualquer mérito a todas as outras. Estampam-se as 100 razões por motivos de economia política – permitir que o povo raciocine sobre todo o processo eleitoral a partir da leitura de qualquer uma delas; estampam-se por razões gráficas – a publicar todas as razões o livro teria certamente um tamanho que ninguém conseguiria carregar consigo dado o seu volume e peso para além do preço que seria certamente inacessível para todos aqueles que têm interesse em compreender e reflectir o processo eleitoral e sobretudo estampam-se por razões ético-morais – para que os angolanos possam comparar as fraudes relatadas com os discursos que procuram passar a ideia de que não houveram irregularidades e ilegalidades no processo eleitoral. E acima de tudo, uma base de dados necessária para os políticos, estudiosos, académicos e todos aqueles que queiram sustentar as suas declarações públicas com dados palpáveis quando afirmarem que as eleições legislativas de 2009 afinal não foram livres, justas e transparentes. É um livro-prevenção – para todos nós que auguramos novas e contínuas eleições daqui em diante – alertando-nos sobre os cuidados a ter nos próximos momentos eleitorais; é um livro-alerta – para todos aqueles que não votaram, por razões etárias e outras, e esperam fazê-lo com liberdade, justiça e transparência democrática nas próximas eleições sejam elas legislativas, sejam elas presidenciais, sejam elas autárquicas.
Embora não prefaciada, a obra tem o mérito de apresentar-se por si mesma pela elucidante introdução feita pelo próprio autor, desenha ela mesma uma trajectória que permitirá que o leitor perceba, com necessária antecedência, o conteúdo global da obra e a sua razão de ser. Pelo que declino quaisquer considerações adicionais a esse propósito, visto que se o fizesse retiraria todo interesse em adquiri-la. A obra garante seguramente uma leitura fácil e simultaneamente intrigante sobre as múltiplas fraudes descritas em ordem númerica como sugere a selecção das questões. É pois feliz a obra que vem a bom propósito como um testemunho histórico para gerações presentes e futuras que recorrerão aos seus dados para obterem as impressões necessárias que permitirão um julgamento com rigor a veracidade dos factos sobre as eleições legislativas de 2008 e mais feliz ainda o seu Autor que com senso de vigilância política e idoneidade intelectual para além de demonstrar um espírito de cidadania sólido veio brindar-nos com esta pequena obra de grande impacto político e gigantesca repercussão histórica. Parabéns!
Contacto do Autor da Obra: 923620814 / vascoquibio@yahoo.com.
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
(DES)CONSTRUÇÃO DO ESTADO DE DIREITO
SOBRE OS 30 ANOS DE PODER DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Albano Pedro
Numa análise jurídica e política dos 30 anos de governação de José Eduardo dos Santos (JES) é possível adivinhar três fases essenciais em que os méritos e deméritos se confundem numa governação de cunho autocrático sob formas clássicas primeiro de democracia socialista (centralizada) e segundo de democracia pluripartidária. São essenciais a fase de ascensão (desde a sucessão ao primeiro presidente as primeiras eleições democráticas) – em que JES manifesta uma obediência canina ao MPLA quase confundindo a sua acção governativa com a do partido; a fase da consolidação (desde 1992 ao fim definitivo da guerra civil) – em que JES começa a tomar consciência da governabilidade do Estado de forma não colegial; e a fase do declínio (desde a assinatura do memorando de entendimento do Luena aos dias de hoje) – em que se verifica a separação entre o seu elenco governativo e o MPLA transparecendo apetência para concentração de riqueza e controlo do poder político para além dos interesses do MPLA com a ideia de eternidade no poder por eventual transmissão aos filhos. As três fases completam-se num gráfico em que a curva representa uma queda qualitativa na progressão governativa diminuindo ano após ano as expectativas políticas dos angolanos relativamente aos esforços empreendidos e sacrifícios consentidos na luta pela independência nacional em meio ao desvalor do quadro jurídico-constitucional e legal que ganha o ápice com o total desrespeitos aos mais elementares direitos humanos quer pela violação de direitos e interesses constitucionalmente protegidos quer pela falta de interesse em realizar as expectativas económicas e sociais auguradas pela maioria do eleitorado que tem depositado confiança e esperança a pessoa do Presidente da República.
Dentre os méritos surgem situações visíveis de concretização da soberania popular materializadas com a corporização dos diálogos com a UNITA que deram lugar aos acordos de Bicesse e de Luzaka para o fim da guerra civil – não está em causa quem terá tomado a iniciativa – e a consequente marcação das eleições de 1992 e 2008 – apesar da quase inexistente vontade de “cedência” do poder –, possibilitando o nascimento de um texto constitucional de relativo consenso na forma da Lei 23/92. Nos dias de hoje a grande tendência de extensão económica da governação de JES – embora em detrimento da dimensão social – é sensível com o investimento no betão (plano de megalópoles) e com a formação de uma classe capitalista detentora da maioria do capital, transferindo o poder financeiro do Estado a núcleos de confiança numa clara, porém precária, imitação de Dubai. Uma tentativa de reforma da Lei Constitucional – as restantes são meras “correcções ortográficas” pontuais num fundo constitucional centralista operadas antes de 1992 – podem ser inscritos no palmarés do mais alto magistrado da nação (Lei de Revisão Constitucional n.º 23/92), embora em nada tenha contribuído para conformar a realidade constitucional ao texto constitucional de forma a realizar o encontro dos cidadãos com o texto da Magna Carta.
Em demérito arrastam-se muitíssimos casos que podem ser pulverizados em todos os sectores da vida da nação basicamente sustentados pela existência de um sistema jurídico formal e a sua consequente ineficiência material. A prova primeira desta realidade é a contestável legitimidade do mandato presidencial que se arrasta há anos, desde o longínquo ano de 1992 em que se realizaram as inconclusivas primeiras eleições. Para a gestão do erário público constituem particulares desastres a alienação desregulada do património público em geral (imóveis públicos e expropriação ilegal de grandes extensões de terras aráveis de camponeses) e das empresas públicas por via de falência forçada (casos da Angonave e muitas outras que desapareceram do mapa empresarial do Estado sem visível justificações) dando origem a oligopólios privados. A aprovação da Lei de Terras, o novo regime Jurídico da delimitação das actividades económicas e vários outros diplomas legais reguladores do sector económico e financeiro são dos grandes instrumentos que JES utiliza qual boomerang para arremessar contra os seus partidárias para de seguida voltar-se contra si mesmo. É nesta óptica visível a pretexto de combater a corrupção, a tendência para a expropriação de propriedades, sobretudo imobiliária, detidas por altas patentes das FAA e membros do Governo. Assiste-se assim, a uma coreografia diabólica que levará certamente JES a uma situação de crise irreversível de governação culminando na falta de apoio interno no seio do próprio MPLA descrevendo com isso uma curva negativa na sua progressão política até aqui linear.
As injustiças descritas com inúmeras violações a Lei permitiram o surgimento da greve mais longa do mundo protagonizada pelos trabalhadores da extinta Angonave. É ainda, neste campo, marcante a existência de numerosos diplomas legais inconstitucionais vagando arbitrariamente pelo sistema jurídico angolano. São exemplos a Lei das Reuniões e Manifestações, a Lei de Imprensa entre muitos outros diplomas legais. É sensível neste particular a tendência para impor um quadro normativo antidemocrático para sustentar um modelo governativo do tipo centralista.
A invasão de estrangeiros, viabilizada por um regime jurídico dos estrangeiros perigosamente permissivo, tem sustentação paternal nestes 30 anos de Governação em que os cidadãos são-tomenses e cabo-verdianos tinham título de cooperantes ganhando salários avultados contra a magra remuneração dos angolanos, situação que modernamente se alargou para numerosos estrangeiros entre brasileiros e portugueses entrincheirados nos diversos organismos públicos e interesses detidos pela minoria capitalista emergente ligada ao regime. A negociação do contrato bilionário com a China favorecendo largamente o emprego da mão-de-obra chinesa em detrimento da nacional é o exemplo refinado da falta de vontade política em desenvolver os recursos humanos angolanos para os desafios em prol do desenvolvimento do país.
Com o advento das eleições de 2008 uma acção com vista ao desaparecimento de importantes partidos políticos e a consequente democracia pluripartidária foi desencadeada com a aprovação do pacote legal referente ao processo eleitoral numa clara violação aos princípios consagrados na Lei Constitucional culminando com a vitória esmagadora do MPLA numa clara implementação do projecto de controlo absoluto do poder para completa depredação do erário público e controlo das instituições do Estado ao serviço de interesses particulares. Assim, a democracia alcançada em 1992 foi gravemente diminuída infundindo um clima de incerteza quanto o futuro político nacional.
No campo criminal, mortes como as de Mfulumpinga Nlandu Victor e de Ricardo de Mello não foram sequer alvos de inquérito investigativo conclusivos. A criminalidade infantil impune foi alimentada durante muito tempo pela falta de estabelecimentos prisionais vocacionais. Milhões de dólares americanos desapareceram dos cofres do Estado através de Ministérios e outros departamentos governamentais em diversas ocasiões numa clara alusão a permissividade da corrupção institucional e sem quaisquer consequências graves para os seus titulares, enquanto que Fernando Garcia Miala desaparece aos poucos numa prisão legalmente infundada. Faculdades legais como a amnistia, indulto ou a comutação de penas foram fartas vezes exercidas para beneficiar cidadãos com envolvência criminal aos bens patrimoniais delapidados do Estado em detrimento de indivíduos como os ex-membros da SIE com cadastro criminal de causa e idoneidade duvidosa.
O reflexo das insuficiências, incoerências e violações legais durante os 30 anos de poder de JES é fundamentalmente marcada pela falta de certeza e segurança jurídica – formatado noutros termos como imprevisibilidade funcional das instituições do Estado – a que se encontram mergulhados os cidadãos angolanos ganhando o ponto máximo com situações como as demolições massivas de moradias que ocorrem um pouco por toda a parte de Angola desabrigando milhares de famílias em gritante apelo ao desrespeito aos mais elementares direitos humanos, quando muito e a descompensada petulância na violação das normas de procedimento administrativo, quando menos. O que nos permite dispor que Angola é hoje Estado de Direito sem consagração formal, sobrevivendo com uma prótese constitucional na forma da Lei n.º23/92 em suporte a um aparelho jurídico obsoleto quando se tratam de disposições de natureza cível e criminal e reflectindo, pelas enormes insuficiências, marcadas nuances de uma realidade pró-centralista quando em matérias públicas, cuja provisoriedade se estende de forma indefinida com a recém criada comissão de Revisão Constitucional.
Nesta última fase do mandato de JES (incluindo uma eventual reeleição) é adivinhável a crise instalada no seio do MPLA em que se percebe que JES perde cada vez mais apoio, o que recomenda a necessidade de instalar um mecanismo constitucional como as eleições ditas “atípicas” para não permitir que o MPLA ao controlar o processo eleitoral não o defraude com uma espécie de “golpe partidário” na expectativa de renovar o seu mandato. Urge pois controlar a olhos vistos quem o apoia neste projecto de renovação de mandato. Façanha possível apenas numa Assembleia Nacional habituada ao voto de mãos levantadas.
(Texto comemorativo dos 30 anos de poder de José Eduardo dos Santos como Presidente da República elaborado a pedido de Tandala Francisco, Director Geral do Semanário A CAPITAL)
Albano Pedro
Numa análise jurídica e política dos 30 anos de governação de José Eduardo dos Santos (JES) é possível adivinhar três fases essenciais em que os méritos e deméritos se confundem numa governação de cunho autocrático sob formas clássicas primeiro de democracia socialista (centralizada) e segundo de democracia pluripartidária. São essenciais a fase de ascensão (desde a sucessão ao primeiro presidente as primeiras eleições democráticas) – em que JES manifesta uma obediência canina ao MPLA quase confundindo a sua acção governativa com a do partido; a fase da consolidação (desde 1992 ao fim definitivo da guerra civil) – em que JES começa a tomar consciência da governabilidade do Estado de forma não colegial; e a fase do declínio (desde a assinatura do memorando de entendimento do Luena aos dias de hoje) – em que se verifica a separação entre o seu elenco governativo e o MPLA transparecendo apetência para concentração de riqueza e controlo do poder político para além dos interesses do MPLA com a ideia de eternidade no poder por eventual transmissão aos filhos. As três fases completam-se num gráfico em que a curva representa uma queda qualitativa na progressão governativa diminuindo ano após ano as expectativas políticas dos angolanos relativamente aos esforços empreendidos e sacrifícios consentidos na luta pela independência nacional em meio ao desvalor do quadro jurídico-constitucional e legal que ganha o ápice com o total desrespeitos aos mais elementares direitos humanos quer pela violação de direitos e interesses constitucionalmente protegidos quer pela falta de interesse em realizar as expectativas económicas e sociais auguradas pela maioria do eleitorado que tem depositado confiança e esperança a pessoa do Presidente da República.
Dentre os méritos surgem situações visíveis de concretização da soberania popular materializadas com a corporização dos diálogos com a UNITA que deram lugar aos acordos de Bicesse e de Luzaka para o fim da guerra civil – não está em causa quem terá tomado a iniciativa – e a consequente marcação das eleições de 1992 e 2008 – apesar da quase inexistente vontade de “cedência” do poder –, possibilitando o nascimento de um texto constitucional de relativo consenso na forma da Lei 23/92. Nos dias de hoje a grande tendência de extensão económica da governação de JES – embora em detrimento da dimensão social – é sensível com o investimento no betão (plano de megalópoles) e com a formação de uma classe capitalista detentora da maioria do capital, transferindo o poder financeiro do Estado a núcleos de confiança numa clara, porém precária, imitação de Dubai. Uma tentativa de reforma da Lei Constitucional – as restantes são meras “correcções ortográficas” pontuais num fundo constitucional centralista operadas antes de 1992 – podem ser inscritos no palmarés do mais alto magistrado da nação (Lei de Revisão Constitucional n.º 23/92), embora em nada tenha contribuído para conformar a realidade constitucional ao texto constitucional de forma a realizar o encontro dos cidadãos com o texto da Magna Carta.
Em demérito arrastam-se muitíssimos casos que podem ser pulverizados em todos os sectores da vida da nação basicamente sustentados pela existência de um sistema jurídico formal e a sua consequente ineficiência material. A prova primeira desta realidade é a contestável legitimidade do mandato presidencial que se arrasta há anos, desde o longínquo ano de 1992 em que se realizaram as inconclusivas primeiras eleições. Para a gestão do erário público constituem particulares desastres a alienação desregulada do património público em geral (imóveis públicos e expropriação ilegal de grandes extensões de terras aráveis de camponeses) e das empresas públicas por via de falência forçada (casos da Angonave e muitas outras que desapareceram do mapa empresarial do Estado sem visível justificações) dando origem a oligopólios privados. A aprovação da Lei de Terras, o novo regime Jurídico da delimitação das actividades económicas e vários outros diplomas legais reguladores do sector económico e financeiro são dos grandes instrumentos que JES utiliza qual boomerang para arremessar contra os seus partidárias para de seguida voltar-se contra si mesmo. É nesta óptica visível a pretexto de combater a corrupção, a tendência para a expropriação de propriedades, sobretudo imobiliária, detidas por altas patentes das FAA e membros do Governo. Assiste-se assim, a uma coreografia diabólica que levará certamente JES a uma situação de crise irreversível de governação culminando na falta de apoio interno no seio do próprio MPLA descrevendo com isso uma curva negativa na sua progressão política até aqui linear.
As injustiças descritas com inúmeras violações a Lei permitiram o surgimento da greve mais longa do mundo protagonizada pelos trabalhadores da extinta Angonave. É ainda, neste campo, marcante a existência de numerosos diplomas legais inconstitucionais vagando arbitrariamente pelo sistema jurídico angolano. São exemplos a Lei das Reuniões e Manifestações, a Lei de Imprensa entre muitos outros diplomas legais. É sensível neste particular a tendência para impor um quadro normativo antidemocrático para sustentar um modelo governativo do tipo centralista.
A invasão de estrangeiros, viabilizada por um regime jurídico dos estrangeiros perigosamente permissivo, tem sustentação paternal nestes 30 anos de Governação em que os cidadãos são-tomenses e cabo-verdianos tinham título de cooperantes ganhando salários avultados contra a magra remuneração dos angolanos, situação que modernamente se alargou para numerosos estrangeiros entre brasileiros e portugueses entrincheirados nos diversos organismos públicos e interesses detidos pela minoria capitalista emergente ligada ao regime. A negociação do contrato bilionário com a China favorecendo largamente o emprego da mão-de-obra chinesa em detrimento da nacional é o exemplo refinado da falta de vontade política em desenvolver os recursos humanos angolanos para os desafios em prol do desenvolvimento do país.
Com o advento das eleições de 2008 uma acção com vista ao desaparecimento de importantes partidos políticos e a consequente democracia pluripartidária foi desencadeada com a aprovação do pacote legal referente ao processo eleitoral numa clara violação aos princípios consagrados na Lei Constitucional culminando com a vitória esmagadora do MPLA numa clara implementação do projecto de controlo absoluto do poder para completa depredação do erário público e controlo das instituições do Estado ao serviço de interesses particulares. Assim, a democracia alcançada em 1992 foi gravemente diminuída infundindo um clima de incerteza quanto o futuro político nacional.
No campo criminal, mortes como as de Mfulumpinga Nlandu Victor e de Ricardo de Mello não foram sequer alvos de inquérito investigativo conclusivos. A criminalidade infantil impune foi alimentada durante muito tempo pela falta de estabelecimentos prisionais vocacionais. Milhões de dólares americanos desapareceram dos cofres do Estado através de Ministérios e outros departamentos governamentais em diversas ocasiões numa clara alusão a permissividade da corrupção institucional e sem quaisquer consequências graves para os seus titulares, enquanto que Fernando Garcia Miala desaparece aos poucos numa prisão legalmente infundada. Faculdades legais como a amnistia, indulto ou a comutação de penas foram fartas vezes exercidas para beneficiar cidadãos com envolvência criminal aos bens patrimoniais delapidados do Estado em detrimento de indivíduos como os ex-membros da SIE com cadastro criminal de causa e idoneidade duvidosa.
O reflexo das insuficiências, incoerências e violações legais durante os 30 anos de poder de JES é fundamentalmente marcada pela falta de certeza e segurança jurídica – formatado noutros termos como imprevisibilidade funcional das instituições do Estado – a que se encontram mergulhados os cidadãos angolanos ganhando o ponto máximo com situações como as demolições massivas de moradias que ocorrem um pouco por toda a parte de Angola desabrigando milhares de famílias em gritante apelo ao desrespeito aos mais elementares direitos humanos, quando muito e a descompensada petulância na violação das normas de procedimento administrativo, quando menos. O que nos permite dispor que Angola é hoje Estado de Direito sem consagração formal, sobrevivendo com uma prótese constitucional na forma da Lei n.º23/92 em suporte a um aparelho jurídico obsoleto quando se tratam de disposições de natureza cível e criminal e reflectindo, pelas enormes insuficiências, marcadas nuances de uma realidade pró-centralista quando em matérias públicas, cuja provisoriedade se estende de forma indefinida com a recém criada comissão de Revisão Constitucional.
Nesta última fase do mandato de JES (incluindo uma eventual reeleição) é adivinhável a crise instalada no seio do MPLA em que se percebe que JES perde cada vez mais apoio, o que recomenda a necessidade de instalar um mecanismo constitucional como as eleições ditas “atípicas” para não permitir que o MPLA ao controlar o processo eleitoral não o defraude com uma espécie de “golpe partidário” na expectativa de renovar o seu mandato. Urge pois controlar a olhos vistos quem o apoia neste projecto de renovação de mandato. Façanha possível apenas numa Assembleia Nacional habituada ao voto de mãos levantadas.
(Texto comemorativo dos 30 anos de poder de José Eduardo dos Santos como Presidente da República elaborado a pedido de Tandala Francisco, Director Geral do Semanário A CAPITAL)
AS OBRIGAÇÕES COMO MEIOS DE FINANCIAMENTO ALTERNATIVOS AS EMPRESAS
Albano Pedro
É prática no mercado financeiro angolano as empresas serem financiadas apenas pelo recurso ao crédito bancário. Quando, em mercados financeiros modernos, inúmeros mecanismos de financiamento são expostos à alternativa das empresas concorrendo com os produtos bancários e promovendo maior possibilidade de sobrevivência das empresas recém-criadas ou em risco de falência devido as naturais flutuações do mercado como as que se vivem com a actual crise financeira mundial.
Entre estes produtos financeiros está a obrigação – que se define como um título de dívida através da qual o seu titular tem um direito de crédito sobre a entidade que a emite, estando subjacente uma estrutura jurídica dominada pelo contrato de mútuo (tradicionalmente usada para a concessão de crédito bancário). Acontece que uma empresa é por Lei autorizada, e sob determinadas condições, a emitir títulos de dívidas para o seu próprio financiamento em caso de necessidade de aumento de capital para renovação de investimento entre outros fins (é o que se chama hetero-financiamento por alternativa aos meios de financiamento regulares proporcionados pelo mercado bancário). Quanto a finalidade é muito semelhante aos títulos de dívida pública (bilhetes do tesouro – Treasury bills – e obrigações do tesouro) normalmente emitidos pelo Banco Central para financiar a economia como um todo através de execução do Orçamento Geral do Estado. A obrigação é pois mutatis mutandis a versão privada dos títulos de dívida pública. O reconhecimento da capacidade das empresas para a emissão destes títulos varia de sistemas financeiros. Em Portugal, por exemplo, são as próprias empresas que têm capacidade de emissão directa. Em muitos outros países esta capacidade é reconhecida a entidades financeiras vocacionadas entre empresas gestoras de bolsas de valores e outras instituições financeiras.
A obrigação prevê o pagamento de juros ao seu titular (obrigacionista) numa periodicidade que pode ser semestral, anual ou outra, podendo mesmo acontecer que os juros sejam pagos ao obrigacionista no fim do período de vencimento total da obrigação, altura em que os mesmos são pagos conjuntamente ao reembolso dos valores titulados. Assim, os particulares (indivíduos e organizações com ou sem interesse comercial) emprestam as suas poupanças em reforço aos capitais das empresas quando estas não confiem nas ofertas do mercado bancário. Saiba-se que em certos países, entidades públicas como os municípios recorrem a este mecanismo de financiamento. A inexistência de uma legislação sobre valores mobiliários que regule as obrigações – estabelecendo modalidades, formas e prazos de vencimento bem como entidades com capacidade de emissão das mesmas – impede o surgimento legal deste valioso mecanismo de financiamento alternativo as empresas angolanas imputando-se nesta falta uma das causas da alta taxa de mortalidade das PME (pequenas e médias empresas) angolanas.
É prática no mercado financeiro angolano as empresas serem financiadas apenas pelo recurso ao crédito bancário. Quando, em mercados financeiros modernos, inúmeros mecanismos de financiamento são expostos à alternativa das empresas concorrendo com os produtos bancários e promovendo maior possibilidade de sobrevivência das empresas recém-criadas ou em risco de falência devido as naturais flutuações do mercado como as que se vivem com a actual crise financeira mundial.
Entre estes produtos financeiros está a obrigação – que se define como um título de dívida através da qual o seu titular tem um direito de crédito sobre a entidade que a emite, estando subjacente uma estrutura jurídica dominada pelo contrato de mútuo (tradicionalmente usada para a concessão de crédito bancário). Acontece que uma empresa é por Lei autorizada, e sob determinadas condições, a emitir títulos de dívidas para o seu próprio financiamento em caso de necessidade de aumento de capital para renovação de investimento entre outros fins (é o que se chama hetero-financiamento por alternativa aos meios de financiamento regulares proporcionados pelo mercado bancário). Quanto a finalidade é muito semelhante aos títulos de dívida pública (bilhetes do tesouro – Treasury bills – e obrigações do tesouro) normalmente emitidos pelo Banco Central para financiar a economia como um todo através de execução do Orçamento Geral do Estado. A obrigação é pois mutatis mutandis a versão privada dos títulos de dívida pública. O reconhecimento da capacidade das empresas para a emissão destes títulos varia de sistemas financeiros. Em Portugal, por exemplo, são as próprias empresas que têm capacidade de emissão directa. Em muitos outros países esta capacidade é reconhecida a entidades financeiras vocacionadas entre empresas gestoras de bolsas de valores e outras instituições financeiras.
A obrigação prevê o pagamento de juros ao seu titular (obrigacionista) numa periodicidade que pode ser semestral, anual ou outra, podendo mesmo acontecer que os juros sejam pagos ao obrigacionista no fim do período de vencimento total da obrigação, altura em que os mesmos são pagos conjuntamente ao reembolso dos valores titulados. Assim, os particulares (indivíduos e organizações com ou sem interesse comercial) emprestam as suas poupanças em reforço aos capitais das empresas quando estas não confiem nas ofertas do mercado bancário. Saiba-se que em certos países, entidades públicas como os municípios recorrem a este mecanismo de financiamento. A inexistência de uma legislação sobre valores mobiliários que regule as obrigações – estabelecendo modalidades, formas e prazos de vencimento bem como entidades com capacidade de emissão das mesmas – impede o surgimento legal deste valioso mecanismo de financiamento alternativo as empresas angolanas imputando-se nesta falta uma das causas da alta taxa de mortalidade das PME (pequenas e médias empresas) angolanas.
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
OS DESRESPEITOS CONSTITUCIONAIS
COMENTANDO ABEL CHIVUKUVUKU E RAUL ARAÚJO
Albano Pedro
O apaixonante debate recentemente realizado pela TV Zimbo, opondo o jurista Raul Araújo e o político Abel Chivukuvuku, foi sem dúvidas um dos acontecimentos mais marcantes dos últimos meses na cena política angolana. Promoveu a abertura do “bau” dos segredos sobre as eleições indirectas a que o jurista Carlos Feijó glosou sabia e oportunamente como sendo atípicas na medida em que não se enquadram nos modelos tradicionais por serem produtos de vontades, por vezes disformes ou pouco claras, de indivíduos embora legalmente inofensivos, como de resto são as relações jurídicas atípicas entre as quais comummente encontramos a tipologia de contratos que recebe tal denominação, i.e., contratos atípicos. Procurando distrair a assistência com argumento de que não haveria contraponto discursivo na medida em que estaria como técnico sem compromissos de ordem política, o jurista Raul Araújo não curou de delimitar a sua acção no discurso meramente técnico revelando o grande segredo por detrás das eleições indirectas que é afinal, feitas as contas, a necessidade de impedir a candidatura de Abel Chivukuvuku como candidato independente enquanto ameaça a manutenção do mandato de JES para além das próximas eleições presidenciais. Era vísivel a defesa indisfarçável sobre o projecto de JES (porque Abel Chivukuvuku provou que o projecto não é do MPLA) sobre as eleições indirectas. Sem se afirmar como político Raul Araújo foi mesmo ao ponto de achar aceitável num Estado Democrático e de Direito que sejam impedidas candidaturas individuais – mesmo quando a vontade da maioria dos eleitores nelas se reflicta – por razões quase patéticas como a prevenção da demagogia, como se esta não fosse natural no perfil retórico de políticos para além de não ser mais prejudicial do que a existência de dirigentes corruptos. De tão precária resvalou para uma triste doutrina sobre a proibição da dupla revisão constitucional recomendando a desastrosa ideia de que a doutrina como fonte de Direito tem natureza reformadora sobre a Lei (no caso Constitucional) quando os mais elementares conhecimentos de Direito sustentam sem esforço lógico que a doutrina constitui mera opinião não sendo sequer considerada sobretudo em sistemas legais (Romano - germânico) como o nosso em que a Lei exerce um verdadeiro monopólio sobre as demais fontes de Direito. A dupla revisão constitucional é certamente condenável na opinião de um ou dois juristas – provavelmente agentes de sistemas jurídicos estranhos – não o é concerteza da nossa Lei Constitucional que permite a sua revisão a todo tempo sem curar de limitar as supostas duplicidades. Assim, mesmo quando não era possível defender-se politicamente Raul Araújo devolveu-se mal à sua condição de jurista em numerosos episódios. Por exemplo sustentar que o Presidente da República tem legitimidade para governar é do ponto de vista político um verdadeiro disparate atribuível a uma certa falta de reflexos técnico-legais quando é certo que a simples falta de eleição desse órgão retira o seu sentido de soberania, mesmo quando um suposto acórdão do Tribunal Supremo (nas vestes de Tribunal Constitucional) se esforce ingloriamente em aliviar a situação da ilegitimidade instalada. Erros de palmatória do género, já foram agenciados em foros diversos como na conferência havida na Universidade Lusíada em que o industrioso jurista sustentou que a construção de uma nação é um desafio difícil quando é certo que tal como o fenómeno da economia a nação é um conjunto de valores que evolui espontaneamente sem o concurso consciente dos agentes políticos, não importando esforços por não ser planificável, e que afinal a dificuldade construtiva esta menos no espírito (nação) que no corpo (Estado) de Angola. É o Estado que encerra enormes dificuldades na sua construção e a prova está em que o modelo de Estado unitário tem sido a maior dôr de cabeça dos angolanos ao ponto de fazer jorrar rios de sangue ao longo das guerras pós-coloniais, quando é quase certo a existência material de um modelo de Estado federal ou regional se quisermos com exemplos apresentados por Cabinda e pelas Lundas.
Dizer que o debate sobre as eleições indirectas está no início constitui flagrante falta de respeito a Constituição da República visto que nem devia sequer ter lugar devido aos impedimentos materiais consagrados na respectiva Lei. Tem certamente importância discursiva no plano académico. Houvesse coragem de ser desenvolvido nas universidades em meio aos trabalhos encomendados a estudantes que, sempre ávidos por aprovar de classe, não curam de examinar as matérias de estudo. Não se venha pois intrujar os cidadãos, já enturvados pela fraude eleitoral operada em 2008, com argumentos de tão precária sustentabilidade jurídica.
A chamada de atenção sobre a previsibilidade política do país é certamente o ponto máximo do debate em que Abel Chivukuvuku transpirando incomensurável maturidade académica e experiência política labutou de forma rica e eloquente. Se não fosse o contraponto discursivo – que se pretendeu evitar – Raul Araújo teria dado um grande contributo em sustentar este ponto visto estar atreito a sua condição de jurista como visionário da legalidade. Previsibilidade Política é tudo quanto Angola mais carece e constituindo, a sua falta, a base de toda a insegurança e incerteza jurídica que se vive nos dias de hoje atravessando a vida dos angolanos desde as abusivas demolições, expropriações de terras e bens desaguando na suspensão dos processos eleitorais de forma arbitrária e muitas vezes anárquica enriquecidos de propostas contra-constitucionais como o modelo das eleições indirectas. Graças a imprevisibilidade política o país esta parado e o medo instalado entre os cidadãos. Se houvesse um calendário – estabelecendo a cronometria do processo de eleições legislativas, presidenciais e até autárquicas – o povo ganharia confiança nas instituições e os actores políticos, esperança na estabilidade política.
Horas antes do debate, um parceiro nas lides jurídicas me tinha colocado a questão de saber se devido aos impedimentos constitucionais para o triunfo do modelo de eleições indirectas que caminhos podiam ser trilhados para que a vontade de JES sobrepusesse a da Lei Constitucional. Respondi nos mesmos termos em que Abel Chivukuvuku veio a responder como se houvera uma comunicação telepática sobre as soluções este projecto que se pretende imposto entre os angolanos. Abel Chivukuvuku foi magistral ao desenvolver os passos para que as eleições indirectas sejam viáveis a luz da Lei Constitucional: É necessário que este projecto constitucional ao ser aprovado preveja o referendo constitucional (se necessário em matérias electivas dos órgãos de soberania senão for útil estender materialmente os referendos constitucionais), usando da possibilidade de revisão a todo o tempo da Lei Constitucional esta seria revista após consulta popular favorável as eleições indirectas. O que ultrapassaria o imbróglio a que se prestam certos juristas e políticos do regime. É um raciocínio que ocorre apenas em mentes comprometidas com a boa vontade política e a estabilidade da nação. Foi de lamentar a tendência de refutar tal solução adivinhado nos argumentos de Raul Araújo. Tenham-se porém em conta que mesmo o projecto de eleição advogado por Carlos Feijó em entrevista recente na mesma cadeia televisiva em que pretende adequado a eleição do Presidente da República como cabeça de lista sem necessidade de ratificação parlamentar não deixa de arrepiar os actuais limites materiais que impõe a elegibilidade dos órgãos soberanos. Não colhe por isso o argumento das “eleições conjuntas obrigatórias” por ser, a luz da actual Lei Constitucional, impossível pelos impedimentos materiais da constituição que impõem a separação das eleições dos órgãos executivo e legislativo. Apenas um projecto de descontrução da ordem jurídica constitucional angolana torna viável uma pretensão do género.
Também é verdade que tanta artimanha sobre modelos de eleição violando a previsibilidade política do país é fruto de alguma insegurança no núcleo duro do poder. Razão pela qual é de aplaudir a discussão e aprovação de uma constituição que preveja mecanismo de segurança que garantam imunidades para quem venha abandonar o poder – Abel Chivukuvuku tocou no mais central dos dilemas da alternância política que se prende com o perigo da sobrevivência pessoal e patrimonial de JES e seu “séquito” na fase da pós-governação.
O debate valeu pela lucidez provocada aos telespectadores em particular e ao eleitorado angolano em geral sobre o processo eleitoral e os malabarismos que se cruzam em meio aos planos supervenientes às propostas constitucionais apresentadas a apreciação da Comissão Constitucional da Assembleia Nacional. Estão de parabéns, o político Abel Chivukuvuku pela clareza na explicação das artimanhas em montagem com vista a impor-se o modelo das eleições indirectas e o jurista Raul Araújo pela coragem em fazer conhecer, por opinião própria, um projecto que contraria a consolidação da democracia em Angola que é o impedimento de candidatos individuais as eleições presidenciais. Que Abel Chivukuvuku se regozije com o colossal e multisectorizado esforço em afastar a sua eventual candidatura visto que está aqui quase implícita a certeza de obtenção de resultados eleitorais aceitáveis que apenas uma sondagem aturada e dispendiosa pode fornecer como dado palpável.
Albano Pedro
O apaixonante debate recentemente realizado pela TV Zimbo, opondo o jurista Raul Araújo e o político Abel Chivukuvuku, foi sem dúvidas um dos acontecimentos mais marcantes dos últimos meses na cena política angolana. Promoveu a abertura do “bau” dos segredos sobre as eleições indirectas a que o jurista Carlos Feijó glosou sabia e oportunamente como sendo atípicas na medida em que não se enquadram nos modelos tradicionais por serem produtos de vontades, por vezes disformes ou pouco claras, de indivíduos embora legalmente inofensivos, como de resto são as relações jurídicas atípicas entre as quais comummente encontramos a tipologia de contratos que recebe tal denominação, i.e., contratos atípicos. Procurando distrair a assistência com argumento de que não haveria contraponto discursivo na medida em que estaria como técnico sem compromissos de ordem política, o jurista Raul Araújo não curou de delimitar a sua acção no discurso meramente técnico revelando o grande segredo por detrás das eleições indirectas que é afinal, feitas as contas, a necessidade de impedir a candidatura de Abel Chivukuvuku como candidato independente enquanto ameaça a manutenção do mandato de JES para além das próximas eleições presidenciais. Era vísivel a defesa indisfarçável sobre o projecto de JES (porque Abel Chivukuvuku provou que o projecto não é do MPLA) sobre as eleições indirectas. Sem se afirmar como político Raul Araújo foi mesmo ao ponto de achar aceitável num Estado Democrático e de Direito que sejam impedidas candidaturas individuais – mesmo quando a vontade da maioria dos eleitores nelas se reflicta – por razões quase patéticas como a prevenção da demagogia, como se esta não fosse natural no perfil retórico de políticos para além de não ser mais prejudicial do que a existência de dirigentes corruptos. De tão precária resvalou para uma triste doutrina sobre a proibição da dupla revisão constitucional recomendando a desastrosa ideia de que a doutrina como fonte de Direito tem natureza reformadora sobre a Lei (no caso Constitucional) quando os mais elementares conhecimentos de Direito sustentam sem esforço lógico que a doutrina constitui mera opinião não sendo sequer considerada sobretudo em sistemas legais (Romano - germânico) como o nosso em que a Lei exerce um verdadeiro monopólio sobre as demais fontes de Direito. A dupla revisão constitucional é certamente condenável na opinião de um ou dois juristas – provavelmente agentes de sistemas jurídicos estranhos – não o é concerteza da nossa Lei Constitucional que permite a sua revisão a todo tempo sem curar de limitar as supostas duplicidades. Assim, mesmo quando não era possível defender-se politicamente Raul Araújo devolveu-se mal à sua condição de jurista em numerosos episódios. Por exemplo sustentar que o Presidente da República tem legitimidade para governar é do ponto de vista político um verdadeiro disparate atribuível a uma certa falta de reflexos técnico-legais quando é certo que a simples falta de eleição desse órgão retira o seu sentido de soberania, mesmo quando um suposto acórdão do Tribunal Supremo (nas vestes de Tribunal Constitucional) se esforce ingloriamente em aliviar a situação da ilegitimidade instalada. Erros de palmatória do género, já foram agenciados em foros diversos como na conferência havida na Universidade Lusíada em que o industrioso jurista sustentou que a construção de uma nação é um desafio difícil quando é certo que tal como o fenómeno da economia a nação é um conjunto de valores que evolui espontaneamente sem o concurso consciente dos agentes políticos, não importando esforços por não ser planificável, e que afinal a dificuldade construtiva esta menos no espírito (nação) que no corpo (Estado) de Angola. É o Estado que encerra enormes dificuldades na sua construção e a prova está em que o modelo de Estado unitário tem sido a maior dôr de cabeça dos angolanos ao ponto de fazer jorrar rios de sangue ao longo das guerras pós-coloniais, quando é quase certo a existência material de um modelo de Estado federal ou regional se quisermos com exemplos apresentados por Cabinda e pelas Lundas.
Dizer que o debate sobre as eleições indirectas está no início constitui flagrante falta de respeito a Constituição da República visto que nem devia sequer ter lugar devido aos impedimentos materiais consagrados na respectiva Lei. Tem certamente importância discursiva no plano académico. Houvesse coragem de ser desenvolvido nas universidades em meio aos trabalhos encomendados a estudantes que, sempre ávidos por aprovar de classe, não curam de examinar as matérias de estudo. Não se venha pois intrujar os cidadãos, já enturvados pela fraude eleitoral operada em 2008, com argumentos de tão precária sustentabilidade jurídica.
A chamada de atenção sobre a previsibilidade política do país é certamente o ponto máximo do debate em que Abel Chivukuvuku transpirando incomensurável maturidade académica e experiência política labutou de forma rica e eloquente. Se não fosse o contraponto discursivo – que se pretendeu evitar – Raul Araújo teria dado um grande contributo em sustentar este ponto visto estar atreito a sua condição de jurista como visionário da legalidade. Previsibilidade Política é tudo quanto Angola mais carece e constituindo, a sua falta, a base de toda a insegurança e incerteza jurídica que se vive nos dias de hoje atravessando a vida dos angolanos desde as abusivas demolições, expropriações de terras e bens desaguando na suspensão dos processos eleitorais de forma arbitrária e muitas vezes anárquica enriquecidos de propostas contra-constitucionais como o modelo das eleições indirectas. Graças a imprevisibilidade política o país esta parado e o medo instalado entre os cidadãos. Se houvesse um calendário – estabelecendo a cronometria do processo de eleições legislativas, presidenciais e até autárquicas – o povo ganharia confiança nas instituições e os actores políticos, esperança na estabilidade política.
Horas antes do debate, um parceiro nas lides jurídicas me tinha colocado a questão de saber se devido aos impedimentos constitucionais para o triunfo do modelo de eleições indirectas que caminhos podiam ser trilhados para que a vontade de JES sobrepusesse a da Lei Constitucional. Respondi nos mesmos termos em que Abel Chivukuvuku veio a responder como se houvera uma comunicação telepática sobre as soluções este projecto que se pretende imposto entre os angolanos. Abel Chivukuvuku foi magistral ao desenvolver os passos para que as eleições indirectas sejam viáveis a luz da Lei Constitucional: É necessário que este projecto constitucional ao ser aprovado preveja o referendo constitucional (se necessário em matérias electivas dos órgãos de soberania senão for útil estender materialmente os referendos constitucionais), usando da possibilidade de revisão a todo o tempo da Lei Constitucional esta seria revista após consulta popular favorável as eleições indirectas. O que ultrapassaria o imbróglio a que se prestam certos juristas e políticos do regime. É um raciocínio que ocorre apenas em mentes comprometidas com a boa vontade política e a estabilidade da nação. Foi de lamentar a tendência de refutar tal solução adivinhado nos argumentos de Raul Araújo. Tenham-se porém em conta que mesmo o projecto de eleição advogado por Carlos Feijó em entrevista recente na mesma cadeia televisiva em que pretende adequado a eleição do Presidente da República como cabeça de lista sem necessidade de ratificação parlamentar não deixa de arrepiar os actuais limites materiais que impõe a elegibilidade dos órgãos soberanos. Não colhe por isso o argumento das “eleições conjuntas obrigatórias” por ser, a luz da actual Lei Constitucional, impossível pelos impedimentos materiais da constituição que impõem a separação das eleições dos órgãos executivo e legislativo. Apenas um projecto de descontrução da ordem jurídica constitucional angolana torna viável uma pretensão do género.
Também é verdade que tanta artimanha sobre modelos de eleição violando a previsibilidade política do país é fruto de alguma insegurança no núcleo duro do poder. Razão pela qual é de aplaudir a discussão e aprovação de uma constituição que preveja mecanismo de segurança que garantam imunidades para quem venha abandonar o poder – Abel Chivukuvuku tocou no mais central dos dilemas da alternância política que se prende com o perigo da sobrevivência pessoal e patrimonial de JES e seu “séquito” na fase da pós-governação.
O debate valeu pela lucidez provocada aos telespectadores em particular e ao eleitorado angolano em geral sobre o processo eleitoral e os malabarismos que se cruzam em meio aos planos supervenientes às propostas constitucionais apresentadas a apreciação da Comissão Constitucional da Assembleia Nacional. Estão de parabéns, o político Abel Chivukuvuku pela clareza na explicação das artimanhas em montagem com vista a impor-se o modelo das eleições indirectas e o jurista Raul Araújo pela coragem em fazer conhecer, por opinião própria, um projecto que contraria a consolidação da democracia em Angola que é o impedimento de candidatos individuais as eleições presidenciais. Que Abel Chivukuvuku se regozije com o colossal e multisectorizado esforço em afastar a sua eventual candidatura visto que está aqui quase implícita a certeza de obtenção de resultados eleitorais aceitáveis que apenas uma sondagem aturada e dispendiosa pode fornecer como dado palpável.
sábado, 15 de agosto de 2009
QUANDO DUAS PESSOAS FORMAM UMA SOCIEDADE POR QUOTAS, NO DIREITO ANGOLANO SERÁ QUE QUER DIZER QUE AS DUAS SAO PROPRIETARIAS DOS MUROS DA EMPRESA?
Boa tarde, encontrei o seu e-mail fazendo buscas na net e cai num blog chamado jukulomesso onde escreveu os seus comentários: gostaria por favor que me ajudasse a esclarecer uma situação: quando duas pessoas formam uma sociedade por quotas, no direito angolano será que quer dizer que as duas são proprietárias dos muros da empresa? Muito obrigada pela a sua ajuda,O meu nome é Delcia, tenho 28 anos, e nasci em Angola, e vivo em Paris, tendo um pb a regularizar e não estando actualmente em Luanda fica difícilGracias!
Compatriota Delcia,
Agradeço o seu contacto e a confiança que procura depositar na minha capacidade técnica em esclarecer o assunto que coloca. Espero não ser insuficiente!
Ser proprietário ou não dos muros da empresa depende da forma como a empresa é legalizada. Se a empresa significa o conjunto de meios necessários a exploração de actividade económica a forma de a legalizar, no Direito angolano, varia essencialmente entre a do Estabelecimento Comercial (em que apenas um individuo aparece como proprietário da mesma) e a de Sociedade Comercial (em que duas ou mais pessoas são partes). Ora, em se tratando de Estabelecimento Comercial (como acontece com os Cabeleireiros, Restaurantes, Discotecas e todos os outros empreendimentos titulados por um único indivíduo) é claro que a empresa se confunde com o património geral do individuo seu titular, podendo neste caso afirmarmos que os muros da empresa se confundem com o património do indivíduo sim! Estando responsável pelas dívidas do estabelecimento comercial e toda a sorte de responsabilidade decorrente da exploração da empresa.
No caso de Sociedades Comerciais não há confusão entre o património do indivíduo e o da empresa. A empresa aqui é propriedade da sociedade (enquanto duas ou mais pessoas) e não do indivíduo. Há uma separação perfeita entre os bens dos indivíduos e os da sociedade. A sociedade nasce como uma pessoa jurídica autónoma sendo responsável pelos seus próprios actos e respondendo na maioria dos casos perante terceiros, salvo quando a lei determine formas de responsabilidades que atravessam a sociedade atingindo os seus sócios ou accionistas – casos excepcionais justificados pelo melindre que engendram. A separação dos bens do indivíduos e os da sociedade explica o facto de que em caso de um ou mais sócios pretenderem gerir a sociedade tenha de perceber um salário que os coloca na condição de empregados da empresa titulada pela sociedade. De qualquer forma verifica-se uma certa flutuação no regime da responsabilidade perante terceiros de acordo com o tipo de sociedade comercial. Assim, e destacando apenas dois tipos, na sociedade comercial por quotas a sociedade responde, via de regra, perante terceiros - caso de dívidas regularmente contraídas entre outras despesas - sendo os sócios subsidiários a sociedade, i.é, respondem como reforços em caso de insuficiência patrimonial da sociedade. Já nas sociedades anónimas os sócios (no caso accionistas) são responsáveis apenas pelas suas acções com que entrarem na sociedade, sendo que em caso de surgirem problemas na sociedade basta ao accionista desfazer-se das suas acções a favor de um terceiro mais audaz para "fugir" a qualquer problema que venha da sociedade comercial, embora, em tese geral, o accionista nunca assuma responsabilidades nenhumas contraidas pela sociedade comercial.
É tudo!
Albano Pedro
sábado, 11 de julho de 2009
CARTA AO DOMINGOS DA CRUZ
SOBRE O CASO DA MORTE DA MINGOTA NA PORTARIA DA TELEVISÃO PÚBLICA DE ANGOLA
Albano Pedro
Havendo necessidade de tornar aberto o debate a volta da responsabilidade sobre a morte de Mingota, fomos tecnicamente provocados por Domingos da Cruz, eminente intelectual angolano da nova geração e mano, a debitar argumentos com juízos de legalidade em forma de carta-resposta sobre a possibilidade de responsabilizar a equipa de médica pela morte em causa: Eis-nos em curso:
Querido mano,
A preocupação que manifesta a propósito do desafortunado caso da Mingota (por sinal homónima da irmã que me segue) é legítima por incorporar um caso publicamente repugnante de aceitar por razões óbvias e garante colheita política no sentido em que constitui matéria farta para explorar as graves debilidades do regime na gestão da coisa pública. Suspeito contudo da possibilidade sobre a sua pronta viabilidade jurídica em se tratando de responsabilizar os Médicos pela morte ocorrida por duas razões:
1. Até prova pericial (Legista) em contrário, a morte da Mingota não se afigura como causa directa e imediata da acção (no caso omissão) dos Médicos. Mesmo que a omissão do acto médico seja causa idónea para a verificação do quadro actual será muito difícil concluir que os Médicos causaram a morte a Mingota, já que faltará o nexo de causalidade (como sendo a relação directa e imediata entre o facto praticado – falta de assistência médica - e o resultado verificado – morte) pois, da saída do hospital até a TPA vários outros factores terão concorrido para acelerar a debilidade física da finada, nomeadamente mau manuseamento do corpo, transportação imprópria, esforço físico esgotante, desgaste de energias vitais pelo stress e por emoções debilitantes, etc. podendo mesmo, do ponto de vista legal, estarem aí alojadas as verdadeiras causas da morte da Mingota e como tal susceptíveis de serem directa e imediatamente imputadas as pessoas (prováveis familiares) que a levaram a TPA. Este quadro é o mais óbvio sobretudo por ser manifesta a atitude negligente de quem entendeu levar uma pessoa a carecer de cuidados médicos urgentes a um órgão de comunicação social visivelmente despido de capacidade de intervenção para a salvação da vida da agora finada;
2. Outrossim, não havendo nexo de causalidade a conduta negligente dos Médicos será causa de simples danos (o facto da finada estar exposta as situações ocorridas no trajecto entre o hospital e a TPA antes da morte) que para efeitos de responsabilidade serão vistos no quadro do Direito Civil (art.º 483º - Código Civil) que infelizmente para nós só podem ser judicialmente exigida a sua reparação pelos herdeiros da finada e parentes próximos conforme normas legais afins.
Se por um verdadeiro milagre da Medicina Legal apurar-se que a morte foi causa directa e imediata da conduta negligente ou dolosa dos Médicos – o que duvido – então estaremos perante um crime público (homicídio voluntário ou involuntário conforme a atitude seja dolosa ou negligente) e como tal qualquer cidadão (incluindo nós é claro) pode intentar uma acção judicial que em boa verdade será impulsionada por dever de ofício pelo Procurador competente. Até lá esperemos pela notícia dos médicos legistas que favoreça a responsabilização criminal dos referidos profissionais!
O que não retira em nada a possibilidade dos herdeiros e familiares verem os danos reparados se, querendo, exigirem. Pois, sendo um hospital público a responsabilidade civil dos Médicos (obrigação de indemnizar) mesmo sem culpa (no caso de simples incapacidade material para agir em conformidade com o dever legal – porque faltaram meios e equipamentos, como acontece quase sempre nos hospitais públicos – pode ser vista no âmbito da responsabilidade pelo risco que obriga não os médicos, mas o Estado a reparar os danos morais e patrimoniais operados com a morte de Mingota (art.º 501º - Código civil).
Quanto a questão da responsabilidade disciplinar sobre os Médicos culminando com uma eventual expulsão – por abusiva incúria no exercício de funções públicas – é uma possibilidade que deve nascer após competente processo, sustentado por um rigoroso inquérito, respeitando sobretudo o princípio da imparcialidade na actuação dos órgãos da administração pública competentes. Se o inquérito pode ser conduzido pelo Ministério da Saúde, a condução do processo disciplinar e a aplicação da sanção correspondente pode ser feita pela direcção do hospital público em causa.
Um outro ângulo da responsabilidade disciplinar pode ser visto a partir da omissão de um dever legal – já que o juramento a Hipócrates é de cumprimento inelutável – que deve ser desencadeada pela Ordem dos Médicos por inobservância grave de normas deontológicas no exercício exclusivo da medicina, vindo disto a eventual suspensão do exercício da profissão ou expulsão da corporação de acordo com a gravidade do acto omissivo.
De tudo que se expendeu nos últimos pontos de análise vale para lembrar que não basta a mera exoneração da Direcção do Hospital público em causa como aconteceu nas últimas semanas por pronunciamento oficial do Ministro da Saúde, sob pena de vir a ser um mero exercício estético sobre aquilo que são as responsabilidades gerais decorrentes da morte de Mingota. Quod Erat Demonstrandum!
Aquele abraço!
Albano Pedro
Albano Pedro
Havendo necessidade de tornar aberto o debate a volta da responsabilidade sobre a morte de Mingota, fomos tecnicamente provocados por Domingos da Cruz, eminente intelectual angolano da nova geração e mano, a debitar argumentos com juízos de legalidade em forma de carta-resposta sobre a possibilidade de responsabilizar a equipa de médica pela morte em causa: Eis-nos em curso:
Querido mano,
A preocupação que manifesta a propósito do desafortunado caso da Mingota (por sinal homónima da irmã que me segue) é legítima por incorporar um caso publicamente repugnante de aceitar por razões óbvias e garante colheita política no sentido em que constitui matéria farta para explorar as graves debilidades do regime na gestão da coisa pública. Suspeito contudo da possibilidade sobre a sua pronta viabilidade jurídica em se tratando de responsabilizar os Médicos pela morte ocorrida por duas razões:
1. Até prova pericial (Legista) em contrário, a morte da Mingota não se afigura como causa directa e imediata da acção (no caso omissão) dos Médicos. Mesmo que a omissão do acto médico seja causa idónea para a verificação do quadro actual será muito difícil concluir que os Médicos causaram a morte a Mingota, já que faltará o nexo de causalidade (como sendo a relação directa e imediata entre o facto praticado – falta de assistência médica - e o resultado verificado – morte) pois, da saída do hospital até a TPA vários outros factores terão concorrido para acelerar a debilidade física da finada, nomeadamente mau manuseamento do corpo, transportação imprópria, esforço físico esgotante, desgaste de energias vitais pelo stress e por emoções debilitantes, etc. podendo mesmo, do ponto de vista legal, estarem aí alojadas as verdadeiras causas da morte da Mingota e como tal susceptíveis de serem directa e imediatamente imputadas as pessoas (prováveis familiares) que a levaram a TPA. Este quadro é o mais óbvio sobretudo por ser manifesta a atitude negligente de quem entendeu levar uma pessoa a carecer de cuidados médicos urgentes a um órgão de comunicação social visivelmente despido de capacidade de intervenção para a salvação da vida da agora finada;
2. Outrossim, não havendo nexo de causalidade a conduta negligente dos Médicos será causa de simples danos (o facto da finada estar exposta as situações ocorridas no trajecto entre o hospital e a TPA antes da morte) que para efeitos de responsabilidade serão vistos no quadro do Direito Civil (art.º 483º - Código Civil) que infelizmente para nós só podem ser judicialmente exigida a sua reparação pelos herdeiros da finada e parentes próximos conforme normas legais afins.
Se por um verdadeiro milagre da Medicina Legal apurar-se que a morte foi causa directa e imediata da conduta negligente ou dolosa dos Médicos – o que duvido – então estaremos perante um crime público (homicídio voluntário ou involuntário conforme a atitude seja dolosa ou negligente) e como tal qualquer cidadão (incluindo nós é claro) pode intentar uma acção judicial que em boa verdade será impulsionada por dever de ofício pelo Procurador competente. Até lá esperemos pela notícia dos médicos legistas que favoreça a responsabilização criminal dos referidos profissionais!
O que não retira em nada a possibilidade dos herdeiros e familiares verem os danos reparados se, querendo, exigirem. Pois, sendo um hospital público a responsabilidade civil dos Médicos (obrigação de indemnizar) mesmo sem culpa (no caso de simples incapacidade material para agir em conformidade com o dever legal – porque faltaram meios e equipamentos, como acontece quase sempre nos hospitais públicos – pode ser vista no âmbito da responsabilidade pelo risco que obriga não os médicos, mas o Estado a reparar os danos morais e patrimoniais operados com a morte de Mingota (art.º 501º - Código civil).
Quanto a questão da responsabilidade disciplinar sobre os Médicos culminando com uma eventual expulsão – por abusiva incúria no exercício de funções públicas – é uma possibilidade que deve nascer após competente processo, sustentado por um rigoroso inquérito, respeitando sobretudo o princípio da imparcialidade na actuação dos órgãos da administração pública competentes. Se o inquérito pode ser conduzido pelo Ministério da Saúde, a condução do processo disciplinar e a aplicação da sanção correspondente pode ser feita pela direcção do hospital público em causa.
Um outro ângulo da responsabilidade disciplinar pode ser visto a partir da omissão de um dever legal – já que o juramento a Hipócrates é de cumprimento inelutável – que deve ser desencadeada pela Ordem dos Médicos por inobservância grave de normas deontológicas no exercício exclusivo da medicina, vindo disto a eventual suspensão do exercício da profissão ou expulsão da corporação de acordo com a gravidade do acto omissivo.
De tudo que se expendeu nos últimos pontos de análise vale para lembrar que não basta a mera exoneração da Direcção do Hospital público em causa como aconteceu nas últimas semanas por pronunciamento oficial do Ministro da Saúde, sob pena de vir a ser um mero exercício estético sobre aquilo que são as responsabilidades gerais decorrentes da morte de Mingota. Quod Erat Demonstrandum!
Aquele abraço!
Albano Pedro
quinta-feira, 25 de junho de 2009
A PONTUALIDADE NOS CONTRATOS
Albano Pedro
Em geral a falta de sucesso nos contratos deve-se a inobservância da pontualidade pelas partes na sua execução, dando lugar ao incumprimento como causa idónea para sua rescisão e consequente reparação dos danos pela parte faltosa. V.G: A obra completamente paga não é concluída no prazo prometido pelo construtor comprometendo a oportuna utilização do imóvel no prazo estabelecido – imagine-se a conclusão de um destes estádios de futebol para servir ao CAN 2010 depois do evento ter ocorrido? Ou vindo a ser concluído em tempo útil ganhe uma configuração estranha ao projecto original?
O princípio da pontualidade ou pacta sunt servanda consagrado na lei (art.º 406º - Código Civil – ou C.C.) significa que os contratos devem ser cumpridos ponto a ponto, i.e., cláusula por cláusula (dimensão espacial) e nos prazos determinados pelo próprio contrato (dimensão temporal). Deduz-se assim que o cumprimento dos contratos implica a observância total das cláusulas dos contratos e nos prazos aí previstos. Viola o princípio da pontualidade tanto a parte que se compromete a entregar uma viatura de cor azul entregando outra de cor vermelha como aquele que faz a entrega da viatura, embora adequada, em prazo impróprio.
É de salientar que o cumprimento antecipado do contrato representa igualmente flagrante violação do contrato. A obrigação de indemnizar por cumprimento antecipado do contrato pode surgir em numerosos tipos de contratos desde que sejam causa de danos (art.º 227º - C.C.). Nos contratos de arrendamento o senhorio pode entregar a casa dias antes da data combinada ao inquilino que por via disto é obrigado a interromper a viagem de férias para receber as chaves provocando constrangimentos emocionais a família que a planificou com ansiedade e meticulosidade; nos contratos de compra e venda em que o vendedor de um aparelho electrodoméstico procede a entrega do artigo no domicílio do comprador duas horas antes do horário acertado para entrega, fazendo-o na ausência deste mediante depósito ao vizinho ou empregada doméstica que não cura de averiguar a funcionalidade do mesmo; nos contratos de agência em que o agente recebe novos produtos do fornecedor habitual sem ter tido tempo para os promover em adequado programa de publicidade ou marketing vindo disto prejuízos financeiros pela falta de clientes nos prazos razoáveis de comercialização dos mesmos, etc.
De todo o modo, o incumprimento do contrato por inobservância do princípio da pontualidade é causa suficiente para rescisão do contrato e consequente indemnização por perdas e danos. Sendo de averiguar as situações em que o incumprimento é devido a causa não imputável ao devedor (art.º 790º - C.C), a causa imputável ao devedor (art.º 798.º - C.C) ou a circunstâncias estranhas as partes. Neste último caso, é aplicável o regime do art.º 437º – C.C, que estabelece, inter alias, a possibilidade de avaliar a possibilidade de reparação de danos mediante regras de equidade.
Mesmo quando a inobservância do princípio da pontualidade seja devida a uma situação socialmente aceitável, há obrigação de indemnizar em caso de danos. Veja-se o caso do estádio de futebol entregue em tempo útil mas com acabamentos inadequados ao projecto original com argumentos do construtor ter gasto menos materiais economizando os meios financeiros devido a protecção do orçamento global do projecto contra eventual inflação do câmbio da moeda nacional durante a execução da obra?
Em geral a falta de sucesso nos contratos deve-se a inobservância da pontualidade pelas partes na sua execução, dando lugar ao incumprimento como causa idónea para sua rescisão e consequente reparação dos danos pela parte faltosa. V.G: A obra completamente paga não é concluída no prazo prometido pelo construtor comprometendo a oportuna utilização do imóvel no prazo estabelecido – imagine-se a conclusão de um destes estádios de futebol para servir ao CAN 2010 depois do evento ter ocorrido? Ou vindo a ser concluído em tempo útil ganhe uma configuração estranha ao projecto original?
O princípio da pontualidade ou pacta sunt servanda consagrado na lei (art.º 406º - Código Civil – ou C.C.) significa que os contratos devem ser cumpridos ponto a ponto, i.e., cláusula por cláusula (dimensão espacial) e nos prazos determinados pelo próprio contrato (dimensão temporal). Deduz-se assim que o cumprimento dos contratos implica a observância total das cláusulas dos contratos e nos prazos aí previstos. Viola o princípio da pontualidade tanto a parte que se compromete a entregar uma viatura de cor azul entregando outra de cor vermelha como aquele que faz a entrega da viatura, embora adequada, em prazo impróprio.
É de salientar que o cumprimento antecipado do contrato representa igualmente flagrante violação do contrato. A obrigação de indemnizar por cumprimento antecipado do contrato pode surgir em numerosos tipos de contratos desde que sejam causa de danos (art.º 227º - C.C.). Nos contratos de arrendamento o senhorio pode entregar a casa dias antes da data combinada ao inquilino que por via disto é obrigado a interromper a viagem de férias para receber as chaves provocando constrangimentos emocionais a família que a planificou com ansiedade e meticulosidade; nos contratos de compra e venda em que o vendedor de um aparelho electrodoméstico procede a entrega do artigo no domicílio do comprador duas horas antes do horário acertado para entrega, fazendo-o na ausência deste mediante depósito ao vizinho ou empregada doméstica que não cura de averiguar a funcionalidade do mesmo; nos contratos de agência em que o agente recebe novos produtos do fornecedor habitual sem ter tido tempo para os promover em adequado programa de publicidade ou marketing vindo disto prejuízos financeiros pela falta de clientes nos prazos razoáveis de comercialização dos mesmos, etc.
De todo o modo, o incumprimento do contrato por inobservância do princípio da pontualidade é causa suficiente para rescisão do contrato e consequente indemnização por perdas e danos. Sendo de averiguar as situações em que o incumprimento é devido a causa não imputável ao devedor (art.º 790º - C.C), a causa imputável ao devedor (art.º 798.º - C.C) ou a circunstâncias estranhas as partes. Neste último caso, é aplicável o regime do art.º 437º – C.C, que estabelece, inter alias, a possibilidade de avaliar a possibilidade de reparação de danos mediante regras de equidade.
Mesmo quando a inobservância do princípio da pontualidade seja devida a uma situação socialmente aceitável, há obrigação de indemnizar em caso de danos. Veja-se o caso do estádio de futebol entregue em tempo útil mas com acabamentos inadequados ao projecto original com argumentos do construtor ter gasto menos materiais economizando os meios financeiros devido a protecção do orçamento global do projecto contra eventual inflação do câmbio da moeda nacional durante a execução da obra?
quarta-feira, 24 de junho de 2009
A DEMOLIÇÃO DA FEIRA NGOMA EM LUANDA
ANÁLISE DO PROCEDIMENTO DO GOVERNO DA PROVÍNCIA DE LUANDA
Albano Pedro*
A SITUAÇÃO
Em Luanda, para quem segue a avenida dos combatentes em direcção ao prédio sujo do Marçal pode ver que foi demolida a Feira Ngoma e com ela casa de Kim Zé e dezenas de outros estabelecimentos comerciais. Para quem não conheceu a Feira Ngoma por dentro, a casa de Kim Zé era sem dúvidas o melhor restaurante do local. Um espaço requintado cujo serviço conduzido pelo próprio Kim Zé transparecia competência e capacidade organizativa em hotelaria. De resto a sua inquestionável experiência em restauração conferiram-lhe a autoridade de lidar com a cozinha e todos os serviços conexos. Era a casa – para mim – que servia o melhor Peito Alto da cidade de Luanda. Sendo frequentador assíduo do espaço, vi naquele local ao longo de mais de dois anos gente importante entre políticos, generais, comissários de polícia, deputados, escritores, músicos, empresários, Intelectuais entre pequenas e grandes individualidades a frequentar o local. Tal era a qualidade da clientela em função dos serviços marcados sobretudo pela culinária angolana. O que é marcante é que nos últimos seis meses Kim Zé fizera avultados investimentos no local. Reformou o espaço e conferiu-lhe um ar de luxo – desenvolvendo um serviço diário de self-service (buffet permanente) com variedade de bebidas – onde não faltava um vinho tinto francês que só via no seu estabelecimento e que eu muito gostava de tomar quando lá fosse comer o meu bom peito alto com funji. Caiu a Feira Ngoma e com ela nasceram as grandes preocupações de Kim Zé e de dezenas de outros pequenos empresários. Como pagar o crédito cedido para a reforma do espaço? Onde me instalar para continuar a única actividade que desempenho com competência? Como resolver o problema dos trabalhadores que deixam de trabalhar sem culpa?
Até quinta-feira passada (altura em que foi anunciada a sua demolição pela imprensa – Jornal de Angola) Kim Zé era um proprietário normal como nos outros dias – ciente de que haveria lugar a demolição mediante negociação com o “titular” da feira Ngoma que de todos os feirantes cobrava preços regulares pelo arrendamento de espaços no local. Aguardava assim pela competente solução da situação que se arrastava há meses. Eu sabia pelo Kim Zé que um grupo de empresários anónimos compraria o local para edificar torres para escritórios e residências e que a negociação estava a ser levada a cabo com os representantes da organização que explorava a Feira Ngoma e que eles – os comerciantes – aguardavam pela solução que seria dada a todos os proprietários dos estabelecimentos instalados no local. Havia mesmo uma proposta interessante: os novos proprietários cederiam espaços para que os actuais feirantes, querendo, continuassem as suas actividades, estando contemplado no projecto imobiliário um centro comercial para o efeito. Nesta quinta-feira, após o meu habitual peito alto com funji e o bom vinho francês saí tarde do local tendo inclusive conversado longamente com Kim Zé – não sabendo que era pela última vez que o fazia na qualidade de cliente assíduo da casa. Espantou-me saber que a demolição operou-se na segunda-feira sem qualquer negociação ou contacto com os feirantes e que os argumentos aduzidos foram de que o local era usado para a prática de prostituição entre vários actos imorais e ilícitos, para além de que os feirantes estavam em condições ilegais.
JUIZO DE LEGALIDADE
Tudo indica que o Governo da Província de Luanda (GPL) sensibilizou a população circundante a Feira Ngoma com argumentos de que o local era explorado para a prática de actos imorais e ilícitos para levar a cabo a operação de demolição sem as contrariedades que teve quando protagonizou o mesmo acto em relação aos moradores da Ilha de Luanda aquando da situação das calemas alegando o perigo deste fenómeno tão natural quanto cultural entre os ilhéus. A maioria dos moradores da Avenida dos Combatentes e das pessoas pela Angola fora, caiu que nem patinho, nesse conto de fada apoiando prontamente a acção do governo que foi executado ante a surpresa dos feirantes.
Mesmo que os feirantes se encontrem em situação de ilegalidade e que no local sejam desenvolvidas actividades ilícitas e imorais a demolição operada pelo GPL é completamente ilegal pelo seguinte:
1. Não tendo havido qualquer negociação ou contacto com os feirantes a acção do GPL justificar-se-ia na base do Privilégio de Execução Prévia – instrumento legal que permite que em situação de emergência ou qualquer outra devidamente justificada a Administração Pública desenvolva acções sem a colaboração directa dos particulares visados, sacrificando os seus direitos e interesses;
2. O GPL estaria no uso deste instrumento legal de emergência se observasse os princípios cardeais do procedimento dos órgãos da administração pública constantes do Decreto-Lei 16-A/95 – Normas de Procedimento e da Actividade Administrativa – NPAA dos quais destacamos o Principio da Legalidade (art.º 3º), o princípio da Prossecução do Interesse Público (art.º 4º) o princípio da Proporcionalidade (art.º 5º), princípio da Colaboração da Administração com os Particulares (art.º7º) entre outros que devem ser cumulativos dentro da acção da administração pública em que se inscrevem os actos de gestão pública do GPL;
3. Ao não notificar os feirantes – fazendo mediante um anúncio genérico pela imprensa – o GPL violou – como acontece quase sempre – o princípio da colaboração da administração com os particulares nos termos do qual “ No desempenho das suas funções os órgãos da Administração Pública, devem actuar em estreita colaboração com os particulares, cabendo-lhes nomeadamente: a) prestar informações e esclarecimentos; b) receber sugestões e informações” (art.º7º - NPAA). Viria do cumprimento deste princípio a necessidade de o GPL reunir com os feirantes e acertar com eles as melhores soluções pós-demolição;
4. Mesmo que não existam direitos subjectivos (títulos de propriedade imobiliária, contratos de arrendamento, licenças comerciais, etc.) existem contudo interesses legalmente protegidos. Estes interesses vem em geral na Lei Constitucional nos termos da qual “ O Estado deve criar as condições políticas, económicas e culturais necessárias para que os cidadãos possam gozar efectivamente dos seus direitos e cumprir integralmente os seus deveres” (art.º 50º) entre outros interesses legalmente protegidos;
5. Por violação de interesses legalmente protegidos o GPL viola sobretudo o princípio da proporcionalidade nos termos do qual “As decisões dos órgãos da Administração Pública que entrem em choque com os direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos não podem afectar essas posições em termos desproporcionais aos objectivos a atingir” (art.º5º - NPAA), pois ao sacrificar interesses sem a correspondente compensação o GPL teve uma actuação desproporcional ofendendo gravemente um outro princípio: o da prossecução do interesse público que determina que “ Aos órgãos administrativos cabe prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses dos cidadãos.” (art.º 4º - NPAA);
6. Acresce-se que os actos imorais não têm relevância jurídica, estando ao critério subjectivo das comunidades, pelo que o GPL nunca deve fundamentar a sua acção neles. É o que se passa com a prostituição que no nosso ordenamento jurídico não constitui actividade ilícita. Não existem normas que a proíbam. Outrossim, não houveram provas concretas para as alegadas actividades ilícitas para além de que nunca houve uma notificação sequer dirigida aos feirantes a propósito – sobretudo pela polícia que teve um posto móvel aí montado por longos meses. Quanto a ilegalidade das actividades dos feirantes, onde esteve o GPL ao longo destes anos todos em que os feirantes aí desenvolviam as actividades comerciais?
CONCLUSÃO
Tendo violado a Lei representada pelo Princípio da Legalidade o GPL oferece aos feirantes a possibilidade de impugnação dos seus actos com fundamento no art.º 43º da Lei Constitucional nos termos do qual “Os cidadãos têm o direito de impugnar e de recorrer aos tribunais, contra todos os actos que violem os seus direitos estabelecidos na presente Lei Constitucional e demais legislação”. A Lei fala em impugnação – como mecanismo de abordar o órgão que praticou a acção através da reclamação e do recurso hierárquico – e em recorrer aos tribunais sobre os actos praticados pelos órgãos administrativos. Fala portanto em recurso gracioso e recurso contencioso para questões administrativas e fala em interpelação extracontratual e recurso judicial cível em matéria de Responsabilidade Civil para efeitos de reparação dos danos morais e patrimoniais provocados pelo GPL aos feirantes.
Para o recurso gracioso em matéria administrativa – impugnação da ilicitude do acto administrativo (da decisão tomada em si) –, os feirantes têm de requerer (em petição colectiva se necessário) ao GPL que repare sponte sua (voluntariamente) os danos causados com a demolição da Feira Ngoma. No prazo de 8 dias o GPL deve pronunciar-se (art.º 41º - NPAA), salvo excepções legais sugeridas pelo caso em apreciação. A partir daí há lugar a uma relação de contactos correndo como recurso gracioso que ganha limite máximo com recurso hierárquico quando necessário. Finalmente, se o GPL manter a posição de irreverência ante a ofensa do princípio da Legalidade restará aos feirantes o recurso contencioso de anulação do acto praticado pelo GPL junto do tribunal competente para que uma vez anulado o acto praticado pelo GPL este venha a repor a situação que haveria se não houvesse a demolição, praticando os actos devidos.
Outra via, das mais objectivas e seguras, é a do recurso judicial cível, aquela que obriga o Estado a reparar directa e imediatamente os danos que causa, através dos seus órgãos, agentes ou representantes, aos particulares (art.º 501º - Código Civil), contando que actividade danosa esteja no âmbito da gestão privada do GPL. Com esta acção os feirantes interpõem uma acção junto do tribunal contra o GPL para que este uma vez condenado repare os danos morais e patrimoniais que causou aos feirantes. Nada impede que o processo cível seja concomitante ao contencioso administrativo, sendo de aconselhar que enquanto corre o procedimento administrativo gracioso (negociação com o GPL) os feirantes podem desenvolver as demarches para a constituição de advogado para que seja proposto um processo cível em matéria de responsabilidade civil, para que num prazo não longo sejam reparados os danos e os feirantes retomem as suas actividades com capacidade financeira, se possível acrescida pela reparação dos danos morais e patrimoniais (incluindo nestes o dano emergente e o lucro cessante). Quod Erat Demonstrandum.
Albano Pedro*
A SITUAÇÃO
Em Luanda, para quem segue a avenida dos combatentes em direcção ao prédio sujo do Marçal pode ver que foi demolida a Feira Ngoma e com ela casa de Kim Zé e dezenas de outros estabelecimentos comerciais. Para quem não conheceu a Feira Ngoma por dentro, a casa de Kim Zé era sem dúvidas o melhor restaurante do local. Um espaço requintado cujo serviço conduzido pelo próprio Kim Zé transparecia competência e capacidade organizativa em hotelaria. De resto a sua inquestionável experiência em restauração conferiram-lhe a autoridade de lidar com a cozinha e todos os serviços conexos. Era a casa – para mim – que servia o melhor Peito Alto da cidade de Luanda. Sendo frequentador assíduo do espaço, vi naquele local ao longo de mais de dois anos gente importante entre políticos, generais, comissários de polícia, deputados, escritores, músicos, empresários, Intelectuais entre pequenas e grandes individualidades a frequentar o local. Tal era a qualidade da clientela em função dos serviços marcados sobretudo pela culinária angolana. O que é marcante é que nos últimos seis meses Kim Zé fizera avultados investimentos no local. Reformou o espaço e conferiu-lhe um ar de luxo – desenvolvendo um serviço diário de self-service (buffet permanente) com variedade de bebidas – onde não faltava um vinho tinto francês que só via no seu estabelecimento e que eu muito gostava de tomar quando lá fosse comer o meu bom peito alto com funji. Caiu a Feira Ngoma e com ela nasceram as grandes preocupações de Kim Zé e de dezenas de outros pequenos empresários. Como pagar o crédito cedido para a reforma do espaço? Onde me instalar para continuar a única actividade que desempenho com competência? Como resolver o problema dos trabalhadores que deixam de trabalhar sem culpa?
Até quinta-feira passada (altura em que foi anunciada a sua demolição pela imprensa – Jornal de Angola) Kim Zé era um proprietário normal como nos outros dias – ciente de que haveria lugar a demolição mediante negociação com o “titular” da feira Ngoma que de todos os feirantes cobrava preços regulares pelo arrendamento de espaços no local. Aguardava assim pela competente solução da situação que se arrastava há meses. Eu sabia pelo Kim Zé que um grupo de empresários anónimos compraria o local para edificar torres para escritórios e residências e que a negociação estava a ser levada a cabo com os representantes da organização que explorava a Feira Ngoma e que eles – os comerciantes – aguardavam pela solução que seria dada a todos os proprietários dos estabelecimentos instalados no local. Havia mesmo uma proposta interessante: os novos proprietários cederiam espaços para que os actuais feirantes, querendo, continuassem as suas actividades, estando contemplado no projecto imobiliário um centro comercial para o efeito. Nesta quinta-feira, após o meu habitual peito alto com funji e o bom vinho francês saí tarde do local tendo inclusive conversado longamente com Kim Zé – não sabendo que era pela última vez que o fazia na qualidade de cliente assíduo da casa. Espantou-me saber que a demolição operou-se na segunda-feira sem qualquer negociação ou contacto com os feirantes e que os argumentos aduzidos foram de que o local era usado para a prática de prostituição entre vários actos imorais e ilícitos, para além de que os feirantes estavam em condições ilegais.
JUIZO DE LEGALIDADE
Tudo indica que o Governo da Província de Luanda (GPL) sensibilizou a população circundante a Feira Ngoma com argumentos de que o local era explorado para a prática de actos imorais e ilícitos para levar a cabo a operação de demolição sem as contrariedades que teve quando protagonizou o mesmo acto em relação aos moradores da Ilha de Luanda aquando da situação das calemas alegando o perigo deste fenómeno tão natural quanto cultural entre os ilhéus. A maioria dos moradores da Avenida dos Combatentes e das pessoas pela Angola fora, caiu que nem patinho, nesse conto de fada apoiando prontamente a acção do governo que foi executado ante a surpresa dos feirantes.
Mesmo que os feirantes se encontrem em situação de ilegalidade e que no local sejam desenvolvidas actividades ilícitas e imorais a demolição operada pelo GPL é completamente ilegal pelo seguinte:
1. Não tendo havido qualquer negociação ou contacto com os feirantes a acção do GPL justificar-se-ia na base do Privilégio de Execução Prévia – instrumento legal que permite que em situação de emergência ou qualquer outra devidamente justificada a Administração Pública desenvolva acções sem a colaboração directa dos particulares visados, sacrificando os seus direitos e interesses;
2. O GPL estaria no uso deste instrumento legal de emergência se observasse os princípios cardeais do procedimento dos órgãos da administração pública constantes do Decreto-Lei 16-A/95 – Normas de Procedimento e da Actividade Administrativa – NPAA dos quais destacamos o Principio da Legalidade (art.º 3º), o princípio da Prossecução do Interesse Público (art.º 4º) o princípio da Proporcionalidade (art.º 5º), princípio da Colaboração da Administração com os Particulares (art.º7º) entre outros que devem ser cumulativos dentro da acção da administração pública em que se inscrevem os actos de gestão pública do GPL;
3. Ao não notificar os feirantes – fazendo mediante um anúncio genérico pela imprensa – o GPL violou – como acontece quase sempre – o princípio da colaboração da administração com os particulares nos termos do qual “ No desempenho das suas funções os órgãos da Administração Pública, devem actuar em estreita colaboração com os particulares, cabendo-lhes nomeadamente: a) prestar informações e esclarecimentos; b) receber sugestões e informações” (art.º7º - NPAA). Viria do cumprimento deste princípio a necessidade de o GPL reunir com os feirantes e acertar com eles as melhores soluções pós-demolição;
4. Mesmo que não existam direitos subjectivos (títulos de propriedade imobiliária, contratos de arrendamento, licenças comerciais, etc.) existem contudo interesses legalmente protegidos. Estes interesses vem em geral na Lei Constitucional nos termos da qual “ O Estado deve criar as condições políticas, económicas e culturais necessárias para que os cidadãos possam gozar efectivamente dos seus direitos e cumprir integralmente os seus deveres” (art.º 50º) entre outros interesses legalmente protegidos;
5. Por violação de interesses legalmente protegidos o GPL viola sobretudo o princípio da proporcionalidade nos termos do qual “As decisões dos órgãos da Administração Pública que entrem em choque com os direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos não podem afectar essas posições em termos desproporcionais aos objectivos a atingir” (art.º5º - NPAA), pois ao sacrificar interesses sem a correspondente compensação o GPL teve uma actuação desproporcional ofendendo gravemente um outro princípio: o da prossecução do interesse público que determina que “ Aos órgãos administrativos cabe prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses dos cidadãos.” (art.º 4º - NPAA);
6. Acresce-se que os actos imorais não têm relevância jurídica, estando ao critério subjectivo das comunidades, pelo que o GPL nunca deve fundamentar a sua acção neles. É o que se passa com a prostituição que no nosso ordenamento jurídico não constitui actividade ilícita. Não existem normas que a proíbam. Outrossim, não houveram provas concretas para as alegadas actividades ilícitas para além de que nunca houve uma notificação sequer dirigida aos feirantes a propósito – sobretudo pela polícia que teve um posto móvel aí montado por longos meses. Quanto a ilegalidade das actividades dos feirantes, onde esteve o GPL ao longo destes anos todos em que os feirantes aí desenvolviam as actividades comerciais?
CONCLUSÃO
Tendo violado a Lei representada pelo Princípio da Legalidade o GPL oferece aos feirantes a possibilidade de impugnação dos seus actos com fundamento no art.º 43º da Lei Constitucional nos termos do qual “Os cidadãos têm o direito de impugnar e de recorrer aos tribunais, contra todos os actos que violem os seus direitos estabelecidos na presente Lei Constitucional e demais legislação”. A Lei fala em impugnação – como mecanismo de abordar o órgão que praticou a acção através da reclamação e do recurso hierárquico – e em recorrer aos tribunais sobre os actos praticados pelos órgãos administrativos. Fala portanto em recurso gracioso e recurso contencioso para questões administrativas e fala em interpelação extracontratual e recurso judicial cível em matéria de Responsabilidade Civil para efeitos de reparação dos danos morais e patrimoniais provocados pelo GPL aos feirantes.
Para o recurso gracioso em matéria administrativa – impugnação da ilicitude do acto administrativo (da decisão tomada em si) –, os feirantes têm de requerer (em petição colectiva se necessário) ao GPL que repare sponte sua (voluntariamente) os danos causados com a demolição da Feira Ngoma. No prazo de 8 dias o GPL deve pronunciar-se (art.º 41º - NPAA), salvo excepções legais sugeridas pelo caso em apreciação. A partir daí há lugar a uma relação de contactos correndo como recurso gracioso que ganha limite máximo com recurso hierárquico quando necessário. Finalmente, se o GPL manter a posição de irreverência ante a ofensa do princípio da Legalidade restará aos feirantes o recurso contencioso de anulação do acto praticado pelo GPL junto do tribunal competente para que uma vez anulado o acto praticado pelo GPL este venha a repor a situação que haveria se não houvesse a demolição, praticando os actos devidos.
Outra via, das mais objectivas e seguras, é a do recurso judicial cível, aquela que obriga o Estado a reparar directa e imediatamente os danos que causa, através dos seus órgãos, agentes ou representantes, aos particulares (art.º 501º - Código Civil), contando que actividade danosa esteja no âmbito da gestão privada do GPL. Com esta acção os feirantes interpõem uma acção junto do tribunal contra o GPL para que este uma vez condenado repare os danos morais e patrimoniais que causou aos feirantes. Nada impede que o processo cível seja concomitante ao contencioso administrativo, sendo de aconselhar que enquanto corre o procedimento administrativo gracioso (negociação com o GPL) os feirantes podem desenvolver as demarches para a constituição de advogado para que seja proposto um processo cível em matéria de responsabilidade civil, para que num prazo não longo sejam reparados os danos e os feirantes retomem as suas actividades com capacidade financeira, se possível acrescida pela reparação dos danos morais e patrimoniais (incluindo nestes o dano emergente e o lucro cessante). Quod Erat Demonstrandum.
sexta-feira, 19 de junho de 2009
EDUARDISMO OU SANTOISMO?
A apologia de um debate descontextualizado em João Pinto
Albano Pedro
Ao lermos o texto-tréplica de João Pinto (publicado na edição n.º 320 do semanário angolense sob o título: Eduardismo não é Savimbismo) ganhamos a estranha sensação de que termos comentado o seu primeiro texto representou um exercício igual ao de perseguir um louco – como ele próprio sugere logo no início –, pois para além de uma vísivel desorientação argumentativa o texto engessa-se com ideias e conceitos que o desidentificam do seu texto anterior, o que nos remete a um embaraçoso exercício de interpretação substantiva das intenções do seu autor. Já nos perdemos na percepção sobre a temática da concentração de poderes soberanos. Não sabemos já se a lição do ilustre professor de ciências políticas tinha como sumário o eduardismo ou o santoismo. Pois a tréplica contra os “escritores do jambismo, opositores civis e políticos decadentes” trouxe-nos esta confusão temática para além de visíveis contra-sensos que, por razoabilidade intelectual, urge esclarecer. Eles perdem-se entre a infundada confusão de no texto anterior teorizar sobre o santoismo e no texto seguinte sobre o eduardismo subscrevendo (in) conscientemente a visão propalada pelo semanário angolense.
Ao que nos parece o conceito de Eduardismo foi uma tentativa do semanário angolense de introduzir um oportuno debate a propósito da concentração do exercício de poderes soberanos e não soberanos em Angola que, em países de razoabilidade democrática, não passaria de mais um exercício de cidadania igual a tantos outros próximos a reclamação sobre os mais elementares direitos humanos ou simples violação de interesses juridicamente relevantes decorrente da governação e que serviria para a elevação da visão política dos cidadãos sobre o exercício de poderes políticos necessária a uma educação eleitoral que se impõe para um povo que não se deseja fraudado nas suas mais elementares expectativas. Espanta-nos pois, que um tema tão pacífico como este faça sensação de desgraça nacional para determinados sectores políticos da sociedade angolana como se este fosse o objectivo dos jornalistas e escritores daquele reputado semanário informativo, o que não é de admitir dentro da lógica do razoável.
O que é que se pretende com o jambismo? Dividir o povo entre eduardistas e savimbistas? Parece-nos uma descabida tentativa – já completamente infeliz e de defesa ineficaz – de ressuscitar o fantasma do divisionismo animado pela guerra do passado entre os angolanos. Aqui João Pinto não se lembrou sequer que enquanto se encontrava em Portugal – para onde provavelmente se refugiou da guerra – muitos angolanos tiveram de suportar as intempéries e vicissitudes daqueles momentos de tal maneira que a paz representa um passo necessário para o nascimento de uma consciência nacional. Se tivesse vivido em Angola naqueles momentos – ou estando no estrangeiro sentisse tais momentos na distância – teria sabido certamente a importância de não fazer ressuscitar fantasmas do género. Por isso, tenha-se a clara percepção de que a mais ninguém interessa debates do género, nem mesmo a sectores bajuladores com que se componha em compadrio quando se defende ideais funestos em análise.
Em tudo nos parece que o ilustre professor de ciências políticas estaria então a defender a existência de um savimbismo animado pelos jornalistas do semanário angolense e seus colaboradores. Este savimbismo enquadrar-se-ia em todas as iniciativas que critiquem o status quo e procuram avançar ideias inovadoras e renovadoras para a governação e governabilidade do Estado. Entende-se mesmo, que os mais sensatos exercícios de análise intelectual, mesmo ensaiados por intelectuais de respeito como Manuel Rui Monteiro, Adriano Botelho de Vasconcelos, João Melo entre outros poderiam ser perfeitamente enquadrados num suposto savimbismo. Assim o savimbismo estaria mesmo dentro do MPLA onde membros e simpatizantes sérios procuram uma abordagem política cada vez mais responsável como fazia o mais velho Mendes de Carvalho e como faz hoje Marcolino Moco. Finalmente o savimbismo arrastaria consigo toda a oposição civil, a sociedade civil e todos os angolanos não satisfeitos com os destinos que têm sido dados ao erário público e aos interesses do Estado colocando os eduardistas num espaço mais restrito que é o poder soberano. Então o futunguismo e eduardismo coincidiriam rotulando tudo o resto em savimbistas. Ora, francamente!
Infelizmente as posições apresentadas pretendem atrasar o debate político aberto remetendo os angolanos a um clima de receio em falar sobre o “chefe” e sobretudo infundir um certo TERRORISMO INTELECTUAL que desencoraje as opiniões mais sérias do mercado político e intelectual, o que se revela retrógrado nos dias de hoje em que o povo angolano se une cada vez a mais a volta de um processo irreversível de consolidação das instituições políticas, democrática e legais de Angola e se propõe para uma governação de todos por todos e para todos. De qualquer forma já é de elogiar o facto do texto não ter sido escrito na veste de professor universitário.
Albano Pedro
Ao lermos o texto-tréplica de João Pinto (publicado na edição n.º 320 do semanário angolense sob o título: Eduardismo não é Savimbismo) ganhamos a estranha sensação de que termos comentado o seu primeiro texto representou um exercício igual ao de perseguir um louco – como ele próprio sugere logo no início –, pois para além de uma vísivel desorientação argumentativa o texto engessa-se com ideias e conceitos que o desidentificam do seu texto anterior, o que nos remete a um embaraçoso exercício de interpretação substantiva das intenções do seu autor. Já nos perdemos na percepção sobre a temática da concentração de poderes soberanos. Não sabemos já se a lição do ilustre professor de ciências políticas tinha como sumário o eduardismo ou o santoismo. Pois a tréplica contra os “escritores do jambismo, opositores civis e políticos decadentes” trouxe-nos esta confusão temática para além de visíveis contra-sensos que, por razoabilidade intelectual, urge esclarecer. Eles perdem-se entre a infundada confusão de no texto anterior teorizar sobre o santoismo e no texto seguinte sobre o eduardismo subscrevendo (in) conscientemente a visão propalada pelo semanário angolense.
Ao que nos parece o conceito de Eduardismo foi uma tentativa do semanário angolense de introduzir um oportuno debate a propósito da concentração do exercício de poderes soberanos e não soberanos em Angola que, em países de razoabilidade democrática, não passaria de mais um exercício de cidadania igual a tantos outros próximos a reclamação sobre os mais elementares direitos humanos ou simples violação de interesses juridicamente relevantes decorrente da governação e que serviria para a elevação da visão política dos cidadãos sobre o exercício de poderes políticos necessária a uma educação eleitoral que se impõe para um povo que não se deseja fraudado nas suas mais elementares expectativas. Espanta-nos pois, que um tema tão pacífico como este faça sensação de desgraça nacional para determinados sectores políticos da sociedade angolana como se este fosse o objectivo dos jornalistas e escritores daquele reputado semanário informativo, o que não é de admitir dentro da lógica do razoável.
O que é que se pretende com o jambismo? Dividir o povo entre eduardistas e savimbistas? Parece-nos uma descabida tentativa – já completamente infeliz e de defesa ineficaz – de ressuscitar o fantasma do divisionismo animado pela guerra do passado entre os angolanos. Aqui João Pinto não se lembrou sequer que enquanto se encontrava em Portugal – para onde provavelmente se refugiou da guerra – muitos angolanos tiveram de suportar as intempéries e vicissitudes daqueles momentos de tal maneira que a paz representa um passo necessário para o nascimento de uma consciência nacional. Se tivesse vivido em Angola naqueles momentos – ou estando no estrangeiro sentisse tais momentos na distância – teria sabido certamente a importância de não fazer ressuscitar fantasmas do género. Por isso, tenha-se a clara percepção de que a mais ninguém interessa debates do género, nem mesmo a sectores bajuladores com que se componha em compadrio quando se defende ideais funestos em análise.
Em tudo nos parece que o ilustre professor de ciências políticas estaria então a defender a existência de um savimbismo animado pelos jornalistas do semanário angolense e seus colaboradores. Este savimbismo enquadrar-se-ia em todas as iniciativas que critiquem o status quo e procuram avançar ideias inovadoras e renovadoras para a governação e governabilidade do Estado. Entende-se mesmo, que os mais sensatos exercícios de análise intelectual, mesmo ensaiados por intelectuais de respeito como Manuel Rui Monteiro, Adriano Botelho de Vasconcelos, João Melo entre outros poderiam ser perfeitamente enquadrados num suposto savimbismo. Assim o savimbismo estaria mesmo dentro do MPLA onde membros e simpatizantes sérios procuram uma abordagem política cada vez mais responsável como fazia o mais velho Mendes de Carvalho e como faz hoje Marcolino Moco. Finalmente o savimbismo arrastaria consigo toda a oposição civil, a sociedade civil e todos os angolanos não satisfeitos com os destinos que têm sido dados ao erário público e aos interesses do Estado colocando os eduardistas num espaço mais restrito que é o poder soberano. Então o futunguismo e eduardismo coincidiriam rotulando tudo o resto em savimbistas. Ora, francamente!
Infelizmente as posições apresentadas pretendem atrasar o debate político aberto remetendo os angolanos a um clima de receio em falar sobre o “chefe” e sobretudo infundir um certo TERRORISMO INTELECTUAL que desencoraje as opiniões mais sérias do mercado político e intelectual, o que se revela retrógrado nos dias de hoje em que o povo angolano se une cada vez a mais a volta de um processo irreversível de consolidação das instituições políticas, democrática e legais de Angola e se propõe para uma governação de todos por todos e para todos. De qualquer forma já é de elogiar o facto do texto não ter sido escrito na veste de professor universitário.
quarta-feira, 10 de junho de 2009
O ENSINO DO DIREITO EM ANGOLA
DO ENSINO FUNDAMENTAL AO ENSINO APLICADO: PROBLEMAS E SOLUÇÕES
Albano Pedro*
PROBLEMAS
São cada vez mais visíveis os problemas levantados ao nível do ensino do Direito quer a partir da qualidade de docentes quer a partir dos conteúdos curriculares. Os resultados são por si só eloquentes: Professores com conhecimentos mecanizados (limitados aos magros fascículos que utilizam como base bibliográfica) e com níveis de exigências abusivas (reprovando discentes de forma aleatória), sendo que aqueles que satisfazem as exigências desses mesmos docentes, nem por isso podem decantar manifestos proveitos das lições “mecanizadas” na vida pós-acadêmica ou profissional. Não estranha por isso, que dentre milhares de juristas formados poucos são os que de modo competente e eloquente se impõem no mercado do trabalho. Razão pela qual juristas estrangeiros ganham cada vez mais espaços nos grandes interesses económicos e profissionais em Angola. É de salientar que a falta de definição da carreira de investigadores no sistema de docência universitária e fraco incentivo ao sistema de investigação científica em toda a universidade pública são outras das grandes causas da falta de “brilho” académico e profissional dos estudantes universitários em geral e dos juristas em especial para além de retirar o cariz participativo da universidade na solução dos principais problemas da sociedade pela apresentação de projectos e propostas concretas.
Soma-se que a indefinição da tipologia de ensino nas universidades angolanas levam ao fraco aproveitamento profissional dos formandos. Por exemplo, o curso de Direito da Universidade Agostinho Neto (como única universidade pública) não se define como sendo nem fundamental (no sentido em que procura iniciar os juristas em estudos gerais e aprofundados do Direito) nem aplicado (no sentido em que tem utilidade imediata na vida profissional). Embora, no plano curricular, se apresente mais caracterizado ao ensino do primeiro tipo. De todo o modo, o resultado é que para a maioria dos juristas aí formados falta a capacidade de raciocínio jurídico, visto o exercício técnico-jurídico restringir-se tão só a interpretação de Leis, tornando-os não juristas mas técnicos de Leis. Quando o Direito como realidade cosmológica de dimensão material e formal plurifacética e abrangente compreende a própria Lei, o Costume, a Jurisprudência e a Doutrina como elementos fundamentais que participam da reflexão permanente do jurista. Isto explica, grosso modo, a incapacidade para o pensamento abstracto na análise do sistema jurídico angolano quando se pensa na sua reforma. Por exemplo, se a Metodologia aplicável ao Direito angolano deve ser de cariz romano – germânico (actual) ou de base costumeira angolana é uma questão de fundo que desaparece no horizonte racional da maioria dos técnicos de Direito implicados na reforma do sistema jurídico angolano por mera falta de educação técnica orientada neste sentido. Como podem os juristas não iniciados na técnica de investigação apresentar temas de dissertação ou textos com viabilidade técnica? Como se espera de um jurista que não exercita a oralidade nos temas jurídicos um desempenho aceitável como profissional do foro? Como ter uma redacção irrepreensível sem a prática na elaboração de temas de dissertação nas diferentes disciplinas curriculares? Pensa-se que é por preguiça ou mero acaso que a maioria esmagadora de juristas angolano não se tornou em escribas públicos participando na educação jurídica da sociedade através de escritos na imprensa? Para todos estes problemas vem a justificativa da classe docente de que a má preparação dos discentes ao nível do ensino básico e médio é responsável pelo insucesso profissional dos formandos, razão pela qual julga necessário uma solução tão aberrante como o ensino da Língua Portuguesa num curso superior de Direito.
SOLUÇÕES COM O ENSINO FUNDAMENTAL
Se por um lado, é feliz a iniciativa do Ministério da Educação em inserir na formação de nível médio o curso de Direito – não formará juristas certamente, mas formará técnicos médios de Direito que servirão para melhorar a qualidade de serviços de nível básico e médio dos diferentes serviços vocacionais como cartórios notariais, conservatórias, secretarias e serviços de diligências dos tribunais entre outros tantos serviços –, por outro lado, é necessário que o ensino fundamental do Direito surja na universidade pública para dividir as águas entre o ensino do Direito sustentado pelo Estado e o ensino do Direito da iniciativa privada por si só propensa a concorrência do mercado e como tal naturalmente orientado ao Direito aplicado. Se advogados, procuradores, juízes, escrivães, notários e consultores de grande imposição profissional no mercado podem sair das diferentes universidades privadas, do curso de Direito fundamental ministrado pela universidade pública surgem os docentes e investigadores mais destacados. Desta linha de juristas nascerão os verdadeiros reformadores do sistema jurídico angolano, aos quais, com a profundidade dos estudos poderão achar as soluções para as inúmeras tensões sociológicas e hermenêuticas que o Direito angolano transporta consigo. Aqui o Estado estaria a racionalizar o ensino Direito dirigindo-o a uma categoria de profissionais ao serviço de interesses públicos e naturalmente orientados à reforma jurídica tão necessária para um exercício técnico sustentado da Assembleia Nacional ou do Governo em matéria de análise e elaboração de leis e regulamentos.
O projecto de introdução da disciplina de Língua Portuguesa nos cursos de Direito pode ser substituído com muito êxito pela introdução de disciplinas como Comunicação e Expressão (para treinar a escrita técnica e a oratória). Está disciplina será complementada por novos hábitos ao nível dos docentes: o de exigir dissertações sobre temas diversos durante a formação do estudante nas diferentes disciplinas do curso. A própria universidade deve premiar o trabalho de investigação e promover feiras de apresentação correspondentes, entre milhares de outras iniciativas relacionadas. Afinal a falta de exercício dos conhecimentos obtidos no ensino médio e durante o ensino superior é a verdadeira causa dos insucessos reclamados. Para um raciocínio jurídico apurado – recheado de abstracções e capacidade de coordenação lógica – disciplinas como Metodologia do Direito, Lógica do Direito, Filosofia do Direito (não uma tentativa da História da Filosofia do Direito que é actualmente ministrada da universidade pública), História do Direito Angolano (compreendendo as principais instituições do direito costumeiro no período pré-colonial) entre poucas outras, podem ser introduzidas para reforçar o plano curricular, se a meta for o ensino fundamental. Assim, uma nova especialidade em licenciatura pode ser inaugurada: Ciências Jurídico – Filosóficas, para orientar futuros especialistas, mestres e doutores em História, Filosofia, Antropologia ou Sociologia do Direito. Especialidades estas que marcarão o nascimento de grandes investigadores em ciências jurídicas, dando origem a uma verdadeira visão de reforma do Direito angolano com a imposição gradual de uma escola de direito angolana. Senão que tipo de juristas pensa o Estado angolano formar com os dinheiros de cada um de nós senão aqueles que venham a servir os nossos interesses como um todo reflectidos em todo o sistema jurídico?
SOLUÇÕES COM O ENSINO APLICADO
Longe da inútil e pouco saudável concorrência com a universidade pública as universidades privadas podem orientar as suas “baterias” para o sector empresarial e institucional concreto, divisando especialidades em matérias de consumo imediato para o mercado técnicoprofissional ou laboral. Juristas poderão ser utilmente lançados ao mercado para compreender e concretizar uma miríade de actos e contratos que transtornam o dia-a-dia das pequenas, médias e grandes corporações empresariais, governamentais e não-governamentais interpretando declarações negociais, cláusulas contratuais, bases negociais e causas e soluções dos conflitos contratuais e extra-contratuais conferindo autoridade técnica a consultores e auditores, advogados, magistrados, escrivães, notários, conservadores, etc., em vários domínios do conhecimento jurídico específico. É para aqui que se orienta a necessidade actual dos interessados no sector técnico-jurídico.
Destarte, aos “juristas do Estado” – formados pela universidade pública – voltados ao “Olimpo” do conhecimento geral e profundo do Direito serão dados as maiores tarefas que implicam a análise e solução em abstracto dos vários ramos do Direito angolano quando relacionados com miríade de questões levantadas pela sociedade em todas as suas variantes culturais, económicas, sociais, políticas, etc., enquanto que os juristas formados no sistema privado podem utilmente desenvolver o faro técnico-legal especializando suas competências para a solução de casos concretos que implicam as necessidades de particulares de uma forma geral.
* www.jukulomesso.blogspot.com
Albano Pedro*
PROBLEMAS
São cada vez mais visíveis os problemas levantados ao nível do ensino do Direito quer a partir da qualidade de docentes quer a partir dos conteúdos curriculares. Os resultados são por si só eloquentes: Professores com conhecimentos mecanizados (limitados aos magros fascículos que utilizam como base bibliográfica) e com níveis de exigências abusivas (reprovando discentes de forma aleatória), sendo que aqueles que satisfazem as exigências desses mesmos docentes, nem por isso podem decantar manifestos proveitos das lições “mecanizadas” na vida pós-acadêmica ou profissional. Não estranha por isso, que dentre milhares de juristas formados poucos são os que de modo competente e eloquente se impõem no mercado do trabalho. Razão pela qual juristas estrangeiros ganham cada vez mais espaços nos grandes interesses económicos e profissionais em Angola. É de salientar que a falta de definição da carreira de investigadores no sistema de docência universitária e fraco incentivo ao sistema de investigação científica em toda a universidade pública são outras das grandes causas da falta de “brilho” académico e profissional dos estudantes universitários em geral e dos juristas em especial para além de retirar o cariz participativo da universidade na solução dos principais problemas da sociedade pela apresentação de projectos e propostas concretas.
Soma-se que a indefinição da tipologia de ensino nas universidades angolanas levam ao fraco aproveitamento profissional dos formandos. Por exemplo, o curso de Direito da Universidade Agostinho Neto (como única universidade pública) não se define como sendo nem fundamental (no sentido em que procura iniciar os juristas em estudos gerais e aprofundados do Direito) nem aplicado (no sentido em que tem utilidade imediata na vida profissional). Embora, no plano curricular, se apresente mais caracterizado ao ensino do primeiro tipo. De todo o modo, o resultado é que para a maioria dos juristas aí formados falta a capacidade de raciocínio jurídico, visto o exercício técnico-jurídico restringir-se tão só a interpretação de Leis, tornando-os não juristas mas técnicos de Leis. Quando o Direito como realidade cosmológica de dimensão material e formal plurifacética e abrangente compreende a própria Lei, o Costume, a Jurisprudência e a Doutrina como elementos fundamentais que participam da reflexão permanente do jurista. Isto explica, grosso modo, a incapacidade para o pensamento abstracto na análise do sistema jurídico angolano quando se pensa na sua reforma. Por exemplo, se a Metodologia aplicável ao Direito angolano deve ser de cariz romano – germânico (actual) ou de base costumeira angolana é uma questão de fundo que desaparece no horizonte racional da maioria dos técnicos de Direito implicados na reforma do sistema jurídico angolano por mera falta de educação técnica orientada neste sentido. Como podem os juristas não iniciados na técnica de investigação apresentar temas de dissertação ou textos com viabilidade técnica? Como se espera de um jurista que não exercita a oralidade nos temas jurídicos um desempenho aceitável como profissional do foro? Como ter uma redacção irrepreensível sem a prática na elaboração de temas de dissertação nas diferentes disciplinas curriculares? Pensa-se que é por preguiça ou mero acaso que a maioria esmagadora de juristas angolano não se tornou em escribas públicos participando na educação jurídica da sociedade através de escritos na imprensa? Para todos estes problemas vem a justificativa da classe docente de que a má preparação dos discentes ao nível do ensino básico e médio é responsável pelo insucesso profissional dos formandos, razão pela qual julga necessário uma solução tão aberrante como o ensino da Língua Portuguesa num curso superior de Direito.
SOLUÇÕES COM O ENSINO FUNDAMENTAL
Se por um lado, é feliz a iniciativa do Ministério da Educação em inserir na formação de nível médio o curso de Direito – não formará juristas certamente, mas formará técnicos médios de Direito que servirão para melhorar a qualidade de serviços de nível básico e médio dos diferentes serviços vocacionais como cartórios notariais, conservatórias, secretarias e serviços de diligências dos tribunais entre outros tantos serviços –, por outro lado, é necessário que o ensino fundamental do Direito surja na universidade pública para dividir as águas entre o ensino do Direito sustentado pelo Estado e o ensino do Direito da iniciativa privada por si só propensa a concorrência do mercado e como tal naturalmente orientado ao Direito aplicado. Se advogados, procuradores, juízes, escrivães, notários e consultores de grande imposição profissional no mercado podem sair das diferentes universidades privadas, do curso de Direito fundamental ministrado pela universidade pública surgem os docentes e investigadores mais destacados. Desta linha de juristas nascerão os verdadeiros reformadores do sistema jurídico angolano, aos quais, com a profundidade dos estudos poderão achar as soluções para as inúmeras tensões sociológicas e hermenêuticas que o Direito angolano transporta consigo. Aqui o Estado estaria a racionalizar o ensino Direito dirigindo-o a uma categoria de profissionais ao serviço de interesses públicos e naturalmente orientados à reforma jurídica tão necessária para um exercício técnico sustentado da Assembleia Nacional ou do Governo em matéria de análise e elaboração de leis e regulamentos.
O projecto de introdução da disciplina de Língua Portuguesa nos cursos de Direito pode ser substituído com muito êxito pela introdução de disciplinas como Comunicação e Expressão (para treinar a escrita técnica e a oratória). Está disciplina será complementada por novos hábitos ao nível dos docentes: o de exigir dissertações sobre temas diversos durante a formação do estudante nas diferentes disciplinas do curso. A própria universidade deve premiar o trabalho de investigação e promover feiras de apresentação correspondentes, entre milhares de outras iniciativas relacionadas. Afinal a falta de exercício dos conhecimentos obtidos no ensino médio e durante o ensino superior é a verdadeira causa dos insucessos reclamados. Para um raciocínio jurídico apurado – recheado de abstracções e capacidade de coordenação lógica – disciplinas como Metodologia do Direito, Lógica do Direito, Filosofia do Direito (não uma tentativa da História da Filosofia do Direito que é actualmente ministrada da universidade pública), História do Direito Angolano (compreendendo as principais instituições do direito costumeiro no período pré-colonial) entre poucas outras, podem ser introduzidas para reforçar o plano curricular, se a meta for o ensino fundamental. Assim, uma nova especialidade em licenciatura pode ser inaugurada: Ciências Jurídico – Filosóficas, para orientar futuros especialistas, mestres e doutores em História, Filosofia, Antropologia ou Sociologia do Direito. Especialidades estas que marcarão o nascimento de grandes investigadores em ciências jurídicas, dando origem a uma verdadeira visão de reforma do Direito angolano com a imposição gradual de uma escola de direito angolana. Senão que tipo de juristas pensa o Estado angolano formar com os dinheiros de cada um de nós senão aqueles que venham a servir os nossos interesses como um todo reflectidos em todo o sistema jurídico?
SOLUÇÕES COM O ENSINO APLICADO
Longe da inútil e pouco saudável concorrência com a universidade pública as universidades privadas podem orientar as suas “baterias” para o sector empresarial e institucional concreto, divisando especialidades em matérias de consumo imediato para o mercado técnicoprofissional ou laboral. Juristas poderão ser utilmente lançados ao mercado para compreender e concretizar uma miríade de actos e contratos que transtornam o dia-a-dia das pequenas, médias e grandes corporações empresariais, governamentais e não-governamentais interpretando declarações negociais, cláusulas contratuais, bases negociais e causas e soluções dos conflitos contratuais e extra-contratuais conferindo autoridade técnica a consultores e auditores, advogados, magistrados, escrivães, notários, conservadores, etc., em vários domínios do conhecimento jurídico específico. É para aqui que se orienta a necessidade actual dos interessados no sector técnico-jurídico.
Destarte, aos “juristas do Estado” – formados pela universidade pública – voltados ao “Olimpo” do conhecimento geral e profundo do Direito serão dados as maiores tarefas que implicam a análise e solução em abstracto dos vários ramos do Direito angolano quando relacionados com miríade de questões levantadas pela sociedade em todas as suas variantes culturais, económicas, sociais, políticas, etc., enquanto que os juristas formados no sistema privado podem utilmente desenvolver o faro técnico-legal especializando suas competências para a solução de casos concretos que implicam as necessidades de particulares de uma forma geral.
* www.jukulomesso.blogspot.com