sexta-feira, 21 de maio de 2010

NOVA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA V

QUESTÕES NORMATIVAS E PROCEDIMENTAIS NO CONTEXTO DA ORDEM JURÍDICA PÚBLICA INTERNACIONAL


Albano Pedro

As relações entre Estados são geralmente concluídas na forma de contratos internacionais normalmente conhecidos por tratados na linguagem técnica comummente usada neste nível. Não importa se os políticos ou estadistas lhes chamem acordos ou memorandos. Os tratados podem ser bilaterais – envolvendo dois Estados –, ou multilaterais – envolvendo mais de dois Estados. Embora as relações internacionais públicas envolvam em regra os Estados, são também qualificados como sujeitos deste nível de relações as organizações internacionais de Direito Público. Nomeadamente aquelas que congregam no seu seio Estados. Os exemplos fazem perfilar a União Africana, Organização das Nações Unidas, União Europeia entre outras. Umas têm âmbito internacional permitindo a filiação de todos os Estados mediante condições previamente determinadas, outras circunscrevem-se ao âmbito regional filiando apenas os Estados abrangidos pelos seus limites geográficos como a SADC ou a MERCOSUL. Umas têm objectivos mais gerais como é a Organização das Nações Unidas e outras objectivos mais específicos como a OTAN (Organização do Tratado Atlântico Norte). Ficam de fora as organizações internacionais que comportam indivíduos como a Associação Internacional de Juristas; comportam organizações regidas pelos respectivos direitos internos, caso das organizações internacionais que filiam partidos políticos segundo tendências ideológicas (Internacional Socialista) ou organizações internacionais que filiam empresas ou sindicatos de trabalhadores, porque o critério de personalização do Direito Internacional Público importa princípios inerentes a soberania dos Estados e a sua continuidade em outras pessoas jurídicas integradas na comunidade internacional. Na base deste critério é que os movimentos de luta armada que eclodiram ou pouco por toda África e América Latina antes dos anos 70 mereceram a dignidade de sujeitos de Direito Internacional Público quando lhes fosse reconhecido o direito de reivindicar a independência do território visado. Assim é que o Brasil foi o primeiro sujeito da comunidade pública internacional a reconhecer a soberania do Estado angolano aquando da independência proclamada por Agostinho Neto, como líder de um movimento de libertação (MPLA), a 11 de Novembro de 1975. Entre nós, recentemente, foi este o critério aplicado para emancipar a UNITA ao convívio das nações quando o Governo lhe reconheceu dignidade como contraparte contratual na celebração dos Acordos primeiro do Lusaca e depois de Bicesse com a participação de observadores internacionais como a RUSSIA, os EUA e Portugal conhecidos então como a Troika de Observadores.

No uso da doutrina clássica jus-publicista internacional a UNITA não pode ser vista como sujeito de Direito Internacional Público porque a reivindicação do Estado mediante processo de libertação ser-lhe-ia reconhecido com prejuízo da existência constitucional do Estado angolano dirigido pelo Governo com quem celebrou os acordos. Entretanto, o reconhecimento pelo Estado angolano como parte idónea para a celebração dos acordos de Lusaka e Bicesse, elevaram ipso facto a UNITA à categoria de sujeito de Direito Internacional Público perfeitamente enquadrável nos critérios de acesso subjectivo que assiste a comunidade pública internacional. Isto na prática, significa que a UNITA passou a ter a garantia de cumprimento dos acordos celebrados com o Governo assistidos pelos mecanismos internacionais reconhecidos para aplicar justiça e dirimir conflitos entre Estados, cabendo neles plenamente os recursos contenciosos relativos a violação das normas acordadas.

A vigência das normas internacionais no Direito interno de cada Estado impõe-se sob duas regras comuns. Uma que a doutrina denomina como regra da transformação directa dos tratados no direito interno em que o Tratado celebrado entre os respectivos chefes do Estado entra automaticamente em vigor na ordem jurídica interna sem a necessária aprovação pela Assembleia Nacional, Ratificação pelo Presidente da República e consequente publicação no Diário Oficial. Este tipo de tratado impõe-se automaticamente sobre a Lei Constitucional sempre que constituído, modificado ou extinto. Em Angola a Lei Constitucional de 1991 conferia este privilégio a Carta Organização das Nações Unidas, a Carta da Organização de Unidade Africana e aos princípios do Movimento dos Países Não-Alinhados (art.º 16º). A Lei Constitucional de 1992 manteve a letra e o espírito (art.º 15º). A Lei Constitucional vigente retira deste leque apenas os princípios do Movimento dos Países Não-Alinhados (art.º 12º) e estende o privilégio para a generalidade de tratados de que Angola seja parte e que estejam inscritos no plano das relações entre as nações do globo integrando assim o Direito Internacional Público comum (art.º 13º, n.º 1). Esse mecanismo de adopção directa dos tratados na ordem jurídica interna dos Estados impõe uma vinculatividade eterna que apenas a revisão constitucional pode afastar, também de forma automática.

Para a transformação indirecta, aos tratados são traçados, pela Lei Constitucional e normas de Direito Internacional Público, um percurso lógico desde a celebração a sua publicação como condição necessária para a vigência na ordem jurídica interna (art.º 13º, n.º2). O percurso ascendente – aquele que coloca os Estados no plano das conversações e consequente conclusão de pré-acordos finalizando com a celebração entre os respectivos chefes do Estado -, tem interesse executivo e é por isso um processo que se expõe à autoridade técnica de especialistas em Relações Internacionais e a competência executiva de altos funcionários ligados aos negócios estrangeiros do Estado, sem prejuízo dos procedimentos e obrigações que impõe a assistência de juristas atreitos ao ramo. O que tem proeminência jurídica, e para análise no plano da nova Lei Constitucional, é o percurso descendente na sequência do qual o tratado ora celebrado pelo Presidente da República, na qualidade de chefe de Estado, vai a Assembleia Nacional para a competente aprovação (art.º 161.º alínea k). Os deputados analisarão os aspectos que circundam os interesses nacionais na adopção e execução do respectivo tratado vindo de seguida a aprovação quando seja a opção deliberativa. O Presidente da República que celebrou o tratado na veste de chefe do Estado volta a receber este mesmo instrumento da Assembleia Nacional, e aqui está na veste do mais alto magistrado da nação, para cuidar de comparar as normas aprovadas com a ordem jurídica interna encimada pela Lei Constitucional. O exercício tem como consequência a Ratificação do Tratado cujo conteúdo tem a mesma importância que a promulgação das leis internas (art.º 119º, alínea r). O Presidente pode sempre solicitar, querendo, a fiscalização preventiva do Tratado (art.º119º alínea c) para o qual o Tribunal Constitucional terá o prazo único de 45 dias para pronunciar-se sobre a constitucionalidade do diploma legal internacional (art.º 228º). Havendo inconstitucionalidade o Presidente da República pode sempre vetar o Tratado impondo a sua devolução à Assembleia Nacional para nova apreciação e aprovação (art.º 229º). Não havendo nada para obstar a vigência do Tratado é dado o último passo para o efeito: a publicação no Diário da República (art.º 119º, alínea r).

Questão de interesse discursivo é a de saber qual seja a importância do condicionamento da aprovação da Assembleia Nacional de tratados celebrados pelo Chefe de Estado, uma vez que, por um lado, este é investido com a dignidade de um órgão soberano e como tal representante natural dos interesses nacionais, por outro, sempre volta a “averiguar” o tratado por si celebrado no plano jurídico interno quando vai a ractificar e com a possibilidade de veto? Entende-se, pois, que as relações jurídico-internacionais públicas são assistidas pelos princípios da autodeterminação dos povos que se realiza através dos órgãos do Estado pelo princípio da soberania dos Estados e pelo princípio da boa-fé. Este último, reflexo claro da manutenção do poder de contratar no plano internacional na esfera jurídico-política dos cidadãos determinados colectivamente. Uma vez que os Estados, embora pessoas jurídicas, não têm vontade própria “societas delinquere non potest”. Deriva disto que sempre que o Presidente da República movimenta os interesses nacionais para o plano dos acordos deve merecer a posterior confirmação do povo seu mandante. O poder originário de contratar é assim soberanamente confiado aos deputados a Assembleia Nacional na qualidade de fiéis depositários da vontade individualizada do povo como um todo (art.º 3º, n.º1). Faz sentido, assim, que os acordos internacionais celebrados entre os Estados reflictam a autodeterminação dos povos no contexto das nações.

Outra questão de interesse prático, embora com laivos de teoria, é a de saber se uma vez vigente na ordem jurídica interna, os tratados dispõem apenas para o futuro, como logicamente é sensível, ou tem efeitos retroactivos sobre as situações jurídicas e políticas internas anteriores a sua vigência? Pense-se por exemplo num acordo internacional sobre proibição de tráfico de armas e drogas que incrimina seus agentes, em que Angola seja parte, que ao ser alterada e consequentemente incorporada na ordem jurídica interna passa a dispor que todos os estrangeiros, antes presos sob tal acusação, sejam descriminalizados? Colocar-se-á o problema de determinar se a liberdade prevista no tratado abrange os estrangeiros presos antes ou apenas os estrangeiros que passar a ser presos depois da sua entrada em vigor. É o problema de saber se os tratados têm efeito ex-nunc ou apenas efeito ex-tunc ou ainda ambos os efeitos. A generalidade da doutrina propõe soluções diversas alternando entre as duas soluções ou ambas de acordo com as situações jurídicas e políticas que as partes tendem a acautelar. Assim é o procedimento no plano das negociações para a celebração do tratado em que as partes cuidam de averiguar o grau de benefício ou prejuízo na aplicação das normas internacionais propondo em consequência a formas e modos da sua vigência interna. Acórdão efectivo em toda a doutrina extensiva a prática tratadística está para aquelas situações que favoreçam a condição dos seus destinatários, normalmente pessoas físicas, em que a regra da retroactividade das normas do tratado modificado é acolhida sem reservas. É uma constante nos tratados internacionais de natureza criminal nos casos em que as novas medidas a aplicar para o passado favoreçam o réu. É a solução acolhida pela Lei Constitucional (art.º 65º).

Novidade no plano internacional acolhida pelo texto magno está na possibilidade do Estado angolano participar “em forças de manutenção da paz e em sistemas de cooperação militar e de segurança colectiva” apesar de manter a proibição de instalação de bases militares estrangeiras em território nacional (art.º12º). O contexto da guerra fria em que os americanos não eram bem-vindos determinou a proibição de instalação de bases militares e foi assim mantida com espírito consciente até 1992. A sobrevivência desta disposição na nova Lei Constitucional é um claro sinal da necessidade de consolidação da paz recentemente alcançada. A Lei Constitucional de 1991 era peremptória em desactivar qualquer forma de participação militar internacional de Angola (art.º 18º) e a Lei Constitucional de 1992 não alterou a redacção (art.º17º). A lei Constitucional de 2010 acolhida com o fim da guerra e pelo sucesso das campanhas militares não declaradas desenvolvidas além fronteira por Angola, mesmo ao arrepio da Lei Constitucional, para a estabilidade da paz em toda região, recomenda novas inspirações constitucionais como a que surge com a nova redacção determinando a possibilidade de participação militar internacional de Angola. Embora seja de discutir a importância estratégica de inspirar um clima de receio por invasão militar entre os países vizinhos.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

MENSAGEM PATRIÓTICA À NOSSA GERAÇÃO

Da necessidade de solidariedade geracional para a sobrevivência histórica de todos nós!


Albano Pedro


Texto dedicado à
Adão Ramos, meu amigo.



Escrevo estas linhas para corresponder ao apelo lançado pelo jornalista Jorge Eurico que tive a oportunidade de aceder a partir do Club-K reflectindo com todos os da nossa geração de cidadãos, jovens, que têm sido ironicamente categorizados como sendo o futuro da nação, para a alerta geral sobre a consciência de geração nos termos que se seguem:

Se entendermos que a juventude, que somos, se encontra envolvida numa luta em que os interesses políticos e económicos beneficiam ainda a geração daqueles que reclamam a autoria das guerras e da independência vindo de todas as sensibilidades políticas e partidárias a partir do maqui, devemos pois admitir que vivemos uma época tenebrosa sobre a nossa trajectória histórica onde a percepção do interesse comum e a consciência de geração se encontram em absoluta crise fenomenológica.

Reparemos no modo como defendemos os partidos políticos em que pertencemos relegando o outro jovem ao plano de absoluto desprezo ou na forma como procuramos justificar os erros dos nossos líderes governamentais e partidários? Não existe maior tendência para a defesa radical do que aquela que acontece mesmo entre nós os jovens.

Mas se repararmos bem para o quadro político mesmo a frente de todos nós, havemos de notar que os partidos políticos junto com as suas ideologias e causas que a nossa geração desconhece o fundo fazem o jogo de pingue-pongue onde as bolas somos nós, os jovens. Quando procuramos analisar a postura da UNITA criticando a forma como encara o sentido de oposição somos tidos como defensores do MPLA; quando procuramos chamar atenção sobre os erros de governação de MPLA somo rotulados como membros da UNITA. Se criticamos o MPLA e a UNITA juntos, então estamos loucos ou perdidos. Eis o jogo de pingue-pongue em que a bola vai de um lado e do outro entre dois jogadores opostos. Pior. Somos mesmos nós os jovens que assim nos acusamos, esquecendo que os mais velhos do MPLA ou da UNITA as tantas arranjam sempre um tempinho para tomarem juntos uns copos celebrizando a forma como manipulam a nossa geração dentro dos seus interesses.

Somos nós que acabamos afastando o outro do nosso convívio por pertencer a um outro partido político com receio de que se formos descobertos pelos nossos não teremos as oportunidades prometidas e depois somos nós que ficamos frustrados porque os mais velhos nunca nos dão o que prometeram. Lembro-me que há mais de 10 anos quando se formou o CNJ (Conselho Nacional da Juventude) os da minha faixa etária eram maioritariamente estudantes e sem qualquer perspectiva de projecção política. Éramos centenas de jovens representando organizações juvenis diversas entre organizações partidárias e não partidárias. O CNJ tornou-se num verdadeiro areópago juvenil onde ensaiávamos já grandes debates sobre a nação no ângulo das preocupações da juventude. Lembro-me que quando a JMPLA (do MPLA) dirigida por Álvaro Boavida Neto como seu Primeiro Secretário e JURA (da UNITA) dirigida pelo Adalberto Katchiungo seu Secretário Geral entrassem em discussão sobre as mais prementes agendas sobre a juventude os dois partidos entravam em alvoroço pela determinação que os jovens tinham na condução dos assuntos juvenis. Ambas as direcções eram muitas vezes chamadas pelas respectivas direcções partidárias para relatórios e planos estratégicos. Era, na época uma verdadeira demonstração de capacidade de exercício político. Entretanto, apesar da maturidade que tínhamos ao conduzir os assuntos da juventude as nossas resoluções eram sempre condicionadas pelos mais velhos. Assim é que o estatuto de utilidade pública solicitado já no início da formação do CNJ apenas recentemente foi atribuído a organização passando a beneficiar de fundo afectados pelo Orçamento Geral do Estado sem causa visível para o seu atraso e o dia nacional da juventude escolhido para um dia que não seja 14 de Abril continua arquivado. Volvido este tempo quantos de nós saídos do CNJ ganhou a confiança dos seus partidos para a direcção do Partido ou de órgão de soberania do Estado? Dentre as centenas de jovens com discurso estruturado e bem orientado que éramos, apenas Álvaro Boavida Neto foi nomeado Governador do Namibe seguido mais tarde pelo Yaba Pedro primeiro como Deputado a Assembleia Nacional e depois como Vice-Ministro da Juventude e Desporto e Paulo Pombolo como Governador do Uige para além do Reis Cuanga que acabou sendo Deputado a Assembleia Nacional e poucos outros que a memória não apela de momento a representar o MPLA. Ainda por cima com idades acima dos 35 anos num país onde a média de idade atesta a favor da juventude. Quanto a UNITA que era parte do GURN nem para a Assembleia Nacional nem para Governo indicou um jovem sequer para não falar da atitude semelhante seguida pelos outros partidos com assento na Assembleia Nacional.

O que aconteceu com a geração amadurecida de jovens ensaiados pelo CNJ naqueles áureos tempos em que o exercício político entre a juventude era trespassado pela preocupação com o conflito militar e o clima de intolerância política? Simplesmente os mais velhos não cederam lugar para a nossa geração e continuamos a mendigar o nosso momento assumindo cargos menores. E no meio disto tudo, somos os Rottwaillers ou os Pitbulls dos mais velhos quando querem afastar os outros com os quais não se simpatizam publicamente embora nas escuras comam juntos.

Da mesma forma há mais de 8 anos quando eu (agora Jurista), Gilberto Figueira (agora Matemático), Adriano Cristóvão (agora Médico), Paulo Aguiar (agora Geólogo), Celso Gomes (agora Físico), Rafael Aguiar (agora Sociólogo), Valente (agora Engenheiro Civil), Adalberto Costa (agora Economista) entre outros então simples estudantes organizamos a primeira manifestação dos estudantes da Universidade Agostinho Neto envolvendo mais de oitocentos estudantes das diferentes unidades orgânicas, tínhamos tomado uma decisão cujos contornos políticos viriam a ser revelados mais tardes com as mudanças radicais operadas na forma como a Universidade Agostinho Neto era encarada pelo Governo. As exigências dos professores universitários em greve na altura acabaram sendo satisfeitas graças a pressão que exercemos contra o Governo numa manifestação que levou-nos a enfrentar a Polícia anti-motim acabando muitos de nós detidos por acusações diversas. Muitos estudantes universitários daquela época ão de lembrar-se desta narração. O que acabou sendo benefício para todos os estudantes e professores foi no momento combatido por outros estudantes e professores que procuraram inclusive desacreditar a legalidade da manifestação. Aconteceu mesmo que fomos acusados de estarmos a servir interesses de partidos políticos da oposição. E quem dizia isto? Outros estudantes jovens que até estavam a viver o mesmo perigo que nós de verem o ano lectivo anulado devido a greve dos professores. Salvamos o ano lectivo e aqueles que nos acusaram também beneficiaram desta operação. Hoje quase todos gostaríamos de ver aquele dia consagrado como o dia do Estudante Universitário em Angola pela coragem única que tivemos em levantarmo-nos contra os abusos que impendiam sobre os estudantes.

Hoje a maior parte daqueles que nos acusaram pretendendo sabotar a manifestação a favor das orientações do MPLA continuam a procurar afirmar-se como profissionais embora tenham já o canudo universitário. Foram enganados com falsas promessas de que teriam a fidelidade premiada.

Tudo serve para ilustrar o quão, a nossa geração, tem sido manipulada pelos mais velhos por causa da falta de solidariedade geracional entre nós. Por isso, não será estranho que este meu discurso apesar de servir a todos nós venha a ser visto por alguns dentre nós como sendo anti-geracional, porque infelizmente ainda continuamos enganados e a manipular interesses que não nos beneficiam. Quando vamos mudar? Quando começaremos a perceber que a medida em que nos atacamos uns contra os outros estamos a comprometer o nosso próprio futuro, a nossa própria realização profissional ou académica, enfim a nossa própria geração?

Levantemo-nos todos! Não contra partidos políticos. Mas contra as nossas próprias consciências. Continuemos o país de todos nós com os interesses que unem a nossa geração. Haja visão comum sobre os interesses económicos e sociais mesmo que as ideologias partidárias sejam incompatíveis. Enfim, apelemo-nos com Jorge Eurico, defendamos os nossos interesses e deixemos de ser ingénuos no momento de unirmos forças. Porque no fim seremos todos, os a favor e os contra, os únicos beneficiários do esforço da nossa geração!

NOVA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA IV

O SISTEMA UNIFICADO DE JUSTIÇA VERSUS CONSTITUIÇÃO JUDICIÁRIA

Albano Pedro

Sendo os tribunais a ultima ratio da Lei são também os verdadeiros garantes da legalidade do Estado não se concretizando em consequência o Estado de Direito sem a sua completa independência no contexto dos poderes soberanos. As sociedades humanas, compostas de emoções conflituosas pelos desnivelamentos racionais e culturais dos seus membros que abanam perigosamente os interesses colectivos, não sobreviveriam ao longo da História se não lhes assistisse um conjunto de mecanismos capazes de harmonizar os interesses individuais no conjunto das prioridades colectivas. A Moral do indivíduo sacrificada pela necessidade de convivência colectiva passou a ceder a Ética enquanto conjunto apurado de valores individuais eleitos ao convívio social e esta passou a ser tutelada pela coercibilidade própria do Direito, ou seja, pela susceptibilidade de fazer incidir castigos ou desvantagens sobre as condutas desviantes aos interesses eleitos pela comunidade como garantes da paz e harmonia social. Ao longo da evolução dos povos, o Direito oral (geralmente descrito como Direito Consuetudinário) evoluiu para o Direito escrito, também identificado como Direito posto ou positivo pela actividade reguladora do Estado que passou assim a monopolizar a composição dos conflitos determinando para o efeito procedimentos que deram razão ao surgimento dos tribunais enquanto corpos de juízes integrados num sistema de hierarquia orgânica denominada como poder judiciário pela soberania que modernamente lhes assiste nas civilizações mais idóneas.

A multiplicação de tribunais quer horizontal (comportando tipos comuns e especiais) quer vertical (espécies inseridas em toda a estratificação administrativa do Estado, onde a linha desde os tribunais comunais e municipais ao tribunal supremo, passando pelos tribunais provinciais e os tribunais da relação, admitindo em meio os julgados de paz e os tribunais arbitrais) é sempre sinónimo da multiplicação de actos e contratos numa sociedade difusa pela densidade crescente de interesses individuais impostos pelo consumismo frenético que ao Estado, dinâmico e provedor do bem-estar e segurança pública, urge tutelar acautelando aqueles em risco de colisão ou em colisão efectiva com outros, cuidando inclusive dos prejuízos derivados de tais fricções bem como racionalizando as margens admissíveis de inobservância das obrigações comuns pelos indivíduos acantonados, da agressividade das relações sociais, como os incapazes ou os ausentes. Um dinamismo interactivo (Estado – justiça – particular) que passa a cronometrar a evolução social e económica das comunidades politicamente organizadas num círculo presidido pela recorrência rígida e constante entre a norma, acção e coerção.

Tendo sobrevivido da experiência colonial uma construção judiciária que previa ao lado de tribunais comuns os tribunais especiais, esta ruiu desconsoladamente ante ao poder demolidor de um novo sistema de justiça completamente estranho e revelador da opção política nacional pelo comunismo gerido pelo Partido-Estado (MPLA). Sistema de justiça adoptado sobretudo pela irrelevância que este conferia a actividade judiciária, visto que para a doutrina ideológica dos Estados centralistas com vocação comunista em que tristemente se inscreveu Angola, o Direito é um mecanismo, criado pelas orientações sociais do tipo burguesas, através do qual os mais capazes (fortes) subjugam os menos capazes (fracos), como apregoou Karl Marx para inspirar W. I. Lenine na perspectivação do socialismo como estágio prévio para o comunismo qualificado como científico em que as forças conflituosas, pela impossibilidade dialéctica do tipo hegeliana, entrariam numa espécie de nirvana político onde a confraternidade paradisíaca era possível arrastando todos ao sonho quimérico da paz eterna. Era na verdade um ingrediente contra natura, tanto ao arrepio do evolucionismo darwiniano quanto da dialéctica cristã, que levaria os mais elementares mecanismos reguladores da sociedade humana investidos no Direito à extinção. Pois, acredita-se, com as lentes do comunismo, que a garantia ao Direito da sua redução ao mínimo de importância na sociedade equivale a promoção da igualdade no seio do povo, não cidadão pela ausência de estatuto jurídico atinente, dividido entre proletários e camponeses.

Não espanta que os juízes e advogados, desta época escura entre os angolanos, rotulados como “populares” eram convertidos a partir de indivíduos curiosos ou simples candidatos a empregados públicos, a mais das vezes, sem concorrência visível na disputa das vagas disponíveis, com classificação literária pouco exigente para inserção socioprofissional inseridos num ambiente em que o legislador popular ordinário instalou um sistema de justiça em que todos os tribunais obedecem a uma hierarquia piramidal convergindo no topo com o Tribunal Popular Supremo. Nasce desta visão distorcida da importância da justiça na regência do Estado, a Lei 18/88 – Lei do Sistema Unificado de Justiça e com ela morreram os tribunais especiais entre os quais tribunais marítimos, tribunais fiscais entre muitos outros que fazem gritante falta a dinâmica económica do Estado actual que ser deseja pela Democracia e pelo Direito.

Esta lei encontrou correspondência normativa na Lei Constitucional então vigente e sobreviveu até a Lei Constitucional de 1991 consagrando a nomeação dos juízes pelo Presidente da República num ambiente político que justificou plenamente a razão da norma. Desde 1992 com a consagração do Estado Democrático e de Direito defendendo que a soberania reside no povo que determina a sua transmissão através de eleições periódicas para a legitimação dos órgãos de soberania esta Lei, ainda vigente, encontra finalmente razões para ser declarada inconstitucional e em consequência ser erradicada do convívio das leis vigentes. Sistema de justiça nela vigente é, nos dias de hoje, visto como contraproducente para além de emperrar o sistema de justiça num quadro arcaico em tribunais que acompanham a dinâmica económica do Estado estão completamente desactivados e fora do quadro de prioridades.

A nova Lei Constitucional vem repor a previsão do legislador constitucional colonial em matéria de tribunais especiais afastando o sistema unificado de justiça e prevendo a existência de sistemas paralelos. Um sistema de jurisdição comum encabeçado pelo Tribunal Supremo e um sistema de jurisdição militar encabeçado pelo Supremo Tribunal Militar para além de admitir outros sistemas de jurisdição (art.º 176.º). Prevê, como novidade acentuada, o perdão genérico a todo o povo angolano de todos os crimes militares ou a estes relacionados cometidos até 2002 (art.º 244.º) como forma de ultrapassar a possibilidade de responsabilização criminal que impende sobre todos aqueles que tendo participado no conflito armado cometeram actos dignos de procedimento judicial. Infelizmente, as normas constitucionais correspondentes ao conteúdo normativo da Lei 18/88 em matéria de nomeação de juízes sobrevivem aos dias de hoje. O Presidente da República continua com os poderes de nomear magistrados judiciais (art.º 119.º) numa altura em estes podiam ensaiar mecanismos de eleição interna entre os próprios magistrados libertando-se da dependência do poder executivo. São competências que se impõem injustificadamente e contra um sistema jurídico-constitucional que admite o princípio da separação dos poderes soberanos colocando em suspeição a possibilidade de exercício independente das funções jurisdicionais (art.º 175.º). Analisado numa perspectiva vertical a partir da base, o poder judicial clama por um verdadeiro ajustamento aos sistemas democrático e de Direito já que órgãos de instrução criminal como a Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC) e as respectivas divisões provinciais se encontram afectos a Polícia Nacional como corpo distendido do poder executivo, quando uma polícia judiciária dependente do poder judiciário tem tudo para nascer com urgência. Aliás, o poder judiciário é, em Angola, o único que não tem sido alvo de acesas, ou melhor, sérias discussões entre os políticos, visto que estes demonstram estarem mais interessados na estrutura do poder executivo do que quaisquer outros. Sendo aquele o mais importante de todos os órgãos de soberania em se tratando de garantir a estabilidade política do Estado pela observância e aplicação da lei para todos em igualdade de circunstâncias permitindo a edificação efectiva de um Estado Democrático e de Direito.

terça-feira, 11 de maio de 2010

CARTA A CREMILDO PACA

Com conhecimento de Fonseca Bengui, da Editoria de Política do Jornal de Angola


Estimado amigo Cremildo Paca,

É de reconhecer a grandeza do esclarecimento dado ao vasto público angolano sobre a nova mecânica administrativa ao nível da Lei Constitucional pela entrevista publicada na página n.º 4 do Jornal de Angola na sua edição n.º 11823 de Quinta-feira, 28 de Abril de 2010. Um exercício que alcança milhões de curiosos num único momento e que em boa verdade ultrapassa aquele que vem sendo feito pelos deputados a Assembleia Nacional em esclarecimento pontual e localizado do novo texto magno numa passeata programada pelo território nacional. Facto para parabenizar o também jurista Fonseca Bengui no papel de jornalista que teve a ousadia de levar a cabo a entrevista ao arrepio das técnicas pouco indagativa e conformadora com o status quo habitual aos jornalistas da imprensa estatal muito pela traição que a sua formação técnica exerceu no momento da entrevista, quero crer. Afinal as questões oportunas e sincronizadas procuraram forçar a exposição de tudo quanto se pode saber do novo modelo de Administração Pública. As questões juridicamente organizadas deram lugar a respostas tecnicamente coerentes de um Cremildo Paca com os motores científicos ainda acelerados pela participação na competição que foi a elaboração da nova Lei Constitucional em cuja acta vem o nome registado para a eternidade da História Constitucional angolana. Como duas inteligências por mim conhecidas desde as carteiras universitárias e fora delas devo reconhecer que cada um no seu papel esteve a medida das suas capacidades e o resultado foi uma rica entrevista que certamente foi bem-vinda para quem teve acesso. Afinal poucos espaços públicos se têm formado para o esclarecimento dos mecanismos da nova Lei Constitucional. É de elogiar a iniciativa do Editor de Política do Jornal de Angola que se espera contínua até que a Lei Constitucional se torne familiar entre os menos atentos dos angolanos.

É de nota obrigatória que o ambiente propiciador de um debate nacional e generalizado sobre a aplicabilidade da nova Lei Constitucional não está ainda criado sobretudo devido a ressaca de uma oposição civil inconformada com as inúmeras “rasteiras” que levou até o surgimento da III República e que se vê a relaxar do “sprint” eleitoral de alto fôlego com ameaças de extinção no percurso em cuja pista estão ainda os calçados da frustração, as camisolas do desespero e os trapos da insegurança pelo futuro político da nação inspirada pela descontinuidade constitucional nascida da violação das cláusulas pétreas. Logo, pouco se quer debater sobre cada métrica normativa do novo texto magno, pelo menos neste momento em que o MPLA espreguiça-se de orgulho pela esmagadora vitória contra todos outros partidos políticos num parlamento pouco concorrido e onde os partidos que a alcançaram com estrondosas dificuldades eleitorais não querem quaisquer aventuras que os ponham a debater as disposições constitucionais com quem a projectou no uso de uma autoridade técnica incontornável, embora questionável. O que implica uma ignorância generalizada da parte dos cidadãos que pouco agem a favor ou contra as questões de natureza constitucional. Até porque as normas constitucionais ricas em terminologias de alto labor académico insurge-se de forma inteligível para a larga franja de angolanos sua destinatária. Cabe, por isso, a cidadãos plenos de saúde ética e moral, para além do conhecimento técnico necessário, a missão de esclarecer a nova Carta dos angolanos a todos aqueles que dela precisam tomar conhecimento por meio de todas as formas possíveis como esta que foi adoptada para a entrevista em consideração.

Elevei-me de ansiedade quando o lide da entrevista passou a ideia do esclarecimento da função dos Ministros de Estado, estas figuras invasoras, que surgem pela primeira vez no panorama executivo central do pós-indepêndencia. Cremildo Paca deixou-me com a curiosidade nas mãos ao traçar apenas a primazia política e protocolar em relação aos ministros. Quando os Ministros do Estado apareceram dias depois para a imprensa percebi então o significado de primazia política. Consiste certamente no surgimento de executivos de alto nível próximos as honras palacianas para oferecerem o rosto a um Governo em que o titular não se apresenta disposto a encarar com frequência os holofotes da imprensa. Tem então um trio de “estafetas” para as relações públicas. É obrigatória concordar consigo no facto de que o sistema de governo adoptado no plano teórico não comporta conflito latente sobretudo quando o partido vencedor exprime-se a partir de números eleitorais fracos que confiram maioria simples por exemplo. O raciocínio nesta matéria alicia-nos inclusive a ver que mesmo no plano prático o conflito intra-sistemático encontra todas as portas trancadas na nova Lei Constitucional porque o titular do executivo polariza de tal forma o poder político que pouco ou nada resta para a Assembleia Nacional, enquanto poder legislativo e verdadeiro centro da soberania do Estado. Mesmo que fosse mantida a possibilidade de candidaturas independentes para o cargo de Presidente da República. O mandato do Presidente independente que encontraria um partido maioritário pouco simpático aos seus programas em pouco causaria desestabilização suficiente para abalar o sistema, visto que ambos os poderes soberanos estão fadados a convivência necessária porque apenas o Presidente da República pode invocar motivos para dissolver a Assembleia Nacional (art.º 128º) com o sacrifício do seu cargo. O que não faz sentido num sistema em que o Presidente da República é eleito a boleia dos créditos eleitorais de um partido que muito se sacrifica para tê-los para não esperar interromper mandatos. Faltam moções de censura, o que é aceitável no sistema de governo do tipo presidencialista, e esperar que se intentem processos criminais contra o Presidente da República para forçar o fim do mandato (art.º 129º) é um exercício para charlatães e dementes metidos a políticos quando este poder não gravitar fora do partido maioritário na Assembleia Nacional. Os mecanismos de controlo recíproco dos poderes soberanos que animariam o princípio da interdependência de poderes estão suficientemente deslocados a favor do Presidente da República para que apenas este crie desestabilização política. Tal é o excesso de poderes transferidos ao Presidente da República no quadro da actual Lei Constitucional.

De todo o modo os esclarecimentos a volta da organização e funcionamento da Administração Pública no seu todo, que muito trás de novo em meio a complexidade do novo sistema de governo, nascem com uma coerência rara na História jurídica da Constituição da República as quais a crescente autoridade técnica de Cremildo Paca, como professor universitário e investigador assíduo, com dimensões que começam a visitar o mercado jurídico internacional soube transmitir com mestria. Muito há para concordar, discordar e discutir sobre a excelente incursão técnica só não me disponho a cansá-lo com mais linhas que podem muito bem ser transformadas naquela boa conversa que temos conseguido manter quando podemos. Parabéns e continue.


Aquele abraço!

Albano Pedro

NOVA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA III

SOBRE O PRESIDENTE DA REPÚBLICA E O NOVO SISTEMA DE GOVERNO


Albano Pedro


O Presidente da República é, nos sistemas de governo presidencialista, um órgão centralizador da actividade do executivo conduzindo de forma singular os destinos da nação e sem a colegialidade ou solidariedade dos membros do executivo normalmente admitida em sistemas que consagram a figura do Primeiro-Ministro. É demasiado forte e perigoso para a concretização harmonizada da vontade de um povo normalmente divergente na prioridade da execução dos seus interesses. Por isso é que nas leis constitucionais brasileira e americana são reconhecidos ao povo o poder de destituir o Presidente da República mediante um mecanismo chamado impeachment exercido sob determinadas condições por subscrição popular numericamente limitado dirigido em petição ao Tribunal Supremo como o verdadeiro contrapeso a governação absolutista e tendente ao desvio do Presidente da República. É o que aconteceu com o antigo presidente brasileiro Collor de Mello que viu este mecanismo a ser exercido contra si, pela primeira vez em todo o mundo, resultando na sua expulsão do Governo na sequência do julgamento judicial causado por uma petição subscrita pelo povo desiludido com o clientelismo e corrupção que montara com o seu regime. Com este mecanismo os sistemas presidencialistas procuram prevenir-se do regresso, embora eventualmente mitigado, dos sistemas absolutistas tradicionais que paralisaram a Europa por longos séculos até a chegada da revolução burguesa e do movimento constitucional universal.

Na realidade angolana o presidencialismo consagrado vem regularizar de certa forma o exercício concentrado de poderes habitual ao Presidente da Republica. Vem mesmo tornar clara esta concentração de poderes, embora seja de reconhecer que do ponto de vista formal esta concentração é reduzida se tivermos em atenção a visível concentração verificada materialmente sobre todos os poderes soberanos. Já que pela manutenção do cargo de presidente do MPLA controla a Assembleia Nacional através da sua bancada maioritária e é lhe legalmente reconhecido poder de nomear os juízes do Tribunal Supremo violando a independência deste órgão soberano.

A Lei Constitucional revista em 1991 não previa qualquer forma de responsabilização criminal do Presidente da República. Era ainda vigência do Estado impune por ser previdente dos sistemas comunistas. Porém, era já o chefe do Estado e do Governo cabendo a nomeação do Primeiro-Ministro e de todos os Ministros e Vice-Ministros. Era igualmente competente para nomear os Juízes do Tribunal Popular Supremo (art.º 47º). Esta última disposição era consonante com a Lei 18/88 – Lei do Sistema Unificado de Justiça que concretizava o seu conteúdo em matéria de nomeação de juízes pelo Presidente da República. Passo revolucionário na época é o poder que lhe era reconhecido de submeter a refendo questões de grande relevância e interesse nacional, entre os quais podemos incluir os referendos constitucionais já que não eram proibidos. Este alargamento implícito para referendos constitucionais resultava do facto do MPLA identificar-se com Estado não podendo em consequência alterar a Lei Constitucional contra os seus próprios interesses e portanto não ter necessidade de referendar a própria Lei Constitucional. É de reconhecer que com a Lei Constitucional de 1991 vigorava o sistema presidencialista entretanto com feição ditatorial sem enquadramentos verdadeiramente democráticos.

Com aprovação da nova Lei Constitucional ao abrigo da Lei de Revisão Constitucional n.º 23/92, os poderes do Presidente da República confundiram-se num sistema presidencialista com a expressão de um semi-presidencialismo na aparência das normas. Na medida em que reconhecia ao Presidente da República a chefia do Estado e não do Governo (art.º 56º) entretanto com competências para presidir ao Conselho de Ministros como órgão superior da Administração Pública representativo do Governo (art.º 108º, n.º 1), apesar de ser reconhecido ao Primeiro-Ministro a condução do Governo (art.º 114º). Tal é a confusão de sistemas e a percepção enevoada da direcção do Governo que obrigou mais tarde ao esclarecimento pelo Tribunal Supremo nas vestes de Tribunal Constitucional através de um acórdão que veio a depositar ao Presidente da República os poderes de direcção do Governo. A Lei Constitucional admite ainda nomeação dos juízes pelo Presidente da República conformando-se ao regime da Lei 18/88 – sobre o Sistema Unificado de Justiça ainda vigente. Os referendos constitucionais foram proibidos como se o legislador constituinte tivesse despertado do perigo de os manter implicitamente, não permitindo se quer ao titular do executivo que os pudesse convocar mesmo em matéria diversa a fim de fazer valer uma coabitação necessária com a Assembleia Nacional ao longo de todo o mandato (art.º73º). Era então uma disposição constitucional com forte inspiração política saída do forno das negociações entre a UNITA e o MPLA. Previa este último que se a popularidade de Jonas Savimbi o levasse a vencer as eleições presidenciais embora garantida a vitória legislativa ao partido rubro, a convivência forçada levaria a um exercício presidencial mais ou menos controlado e sem afectar os interesses políticos do MPLA, nascendo daí a confusão já apontada dos sistemas de governos. Em 1992 o MPLA venceu as eleições legislativas e infelizmente para a Lei Constitucional as eleições presidenciais não aconteceram, obrigando a manutenção do mandato presidencial e a forçar o seu titular a uma verdadeira manobra para adaptar-se a nova realidade jurídico-constitucional.

Ainda na sequência das negociações bilaterais, a insegurança do MPLA na vitória do seu candidato presidencial levou a admissão de um Presidente da República que passasse a ser responsabilizado criminalmente por via de um leque de condutas e condições de imputabilidade nos termos dos quais nascia já a ideia do julgamento do Presidente da República mediante acusação de uma Assembleia Nacional por si controlada (art.º65º). Estava-se então perante um mecanismo próximo ao impeachment dos sistemas presidencialistas já que era exercido pela Assembleia Nacional e não directamente pelo povo embora com as mesmas consequências: a promoção do processo de destituição do Presidente da República quando culpado dos crimes de que fosse acusado.

A Lei Constitucional de 2010 é finalmente aprovada num clima de plena serenidade de um MPLA sem medos de adversários no poder para gerir e vem definitivamente esclarecer o sistema de Governo como sendo presidencialista reconhecendo ao Presidente da República a chefia do Estado e depositando nele toda a confiança e responsabilidade do executivo (art.º 108º). O mandato de 5 anos já admitido na Lei Constitucional anterior mantém. Mas, o Presidente da República deixa de ser um órgão soberano elegível passando a beneficiar da vitória do seu partido no qual é cabeça de lista (art.º 109º). O que resulta num mecanismo de eleição sub-repticiamente combinada ao qual o jurista Carlos Feijó denominou por “eleições conjuntas obrigatórias” com a nossa discordância lógica na medida em que há apenas uma única eleição, a legislativa, reforçada por uma indicação interna do candidato pelo partido para partir na pole position em relação aos restantes candidatos a regência pública que a partir do terceiro lugar acabam acantonados no parlamento. O que é desolador é manutenção do procedimento que leva a destituição do Presidente da República nos mesmos termos da Lei Constitucional anterior com insignificantes alterações nas condições processuais (art.º129º). O legislador constituinte escapa assim a condução garantística do sistema presidencialista angolano aos tradicionais sistemas presidencialistas como o vigente nos EUA. O Presidente da República todo-poderoso não encara um verdadeiro mecanismo que desacelere o seu ímpeto eventualmente marginal a Lei porque conta com uma maioria parlamentar que jamais o pode colocar no olho da rua sem prejuízo para os respectivos deputados, embora esteja prevista a auto-demissão do Presidente da República como condição para a dissolução da Assembleia Nacional (art.º 128º) mesmo quando não enumera as perturbações na relação de poderes soberanos que impulsionem a utilização deste mecanismo constitucional.

Politicamente está-se ainda num sistema em que o partido dominante não pretende concluir o processo de reconhecimento e transferência efectiva da soberania ao povo como vem sendo consagrada desde a Lei Constitucional de 1991. Porque um sistema presidencialista democraticamente aceite admitiria sem reservas que o povo em determinadas condições se substituísse a Assembleia Nacional na iniciativa processual motivada pela responsabilização criminal do Presidente da República. Desde que a finalidade fosse a destituição provada que fosse a culpa. Seria certamente a garantia-chefe de todo o sistema político num momento em que os poderes do Presidente da República formal e materialmente não conhecem limites, pela travessia horizontal que faz sobre todos os poderes soberanos, arrastando consigo toda a sorte de actos, entre ilícitos e lícitos, protagonizados pelos seus mandatários.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

ENTREVISTA COM ALBANO PEDRO

(cedida gentilmente pela angolainfo para o jukulomesso.blogspot.com)

Em face das transformações políticas e económicas que vêem sendo operadas em Angola com a realização das eleições de 2008, a aprovação da Constituição da República e a consequente reestruturação do Governo, a ANGOLAINFO convidou o Jurista e Político Albano Pedro, que tem publicado inúmeros artigos e comentado na imprensa nacional e estrangeira sobre questões jurídicas e políticas, para reflectir este quadro, sem deixar de analisar o impacto político da recente conferência de imprensa apresentada pelos Ministros de Estado e traçar as grandes expectativas no horizonte futuro para os angolanos de uma maneira geral.

ANGOLAINFO: - Que balanço faz do estado da Nação?
ALBANO PEDRO: - Positivo, se vermos a normalização democrática de Angola com a realização das últimas eleições legislativas, as transformações, do ponto de vista de produção de documentos regentes da III República desde 2008 com as estradas e pontes em reconstrução a ligarem aos poucos o país por dentro. Negativo, se olharmos para o desrespeito pelos direitos humanos, intolerância política e agregação avultada de riqueza privada a custo do Estado juntamente com a persistência dos musseques de lamas e águas concentradas, demolições anárquicas de moradias pelo Governo em todo o território nacional, as escolas sem carteiras ou alunos sem escolas se quer, os funcionários públicos sem salários aceitáveis para além de atrasos crónicos no seu pagamento, exércitos numerosos de vendedores ambulantes nas ruas das cidades sem enquadramento na economia formal através de registos, licenças ou inscrição para pagamento de impostos, os jovens sem perspectiva de continuar a formação ao nível superior pelo número exíguo de universidades e sem emprego pela falta de política de incentivo do sector privado da economia nacional!

ANGOLAINFO: - Recentemente o Governo apresentou um plano executivo que se pretende exequível até 2018. Que análise faz?
ALBANO PEDRO
: - É um sinal interessante, embora estejamos habituados a exercícios ora dilatórios ora diversionistas de um Governo que nunca mostra nada de novo mesmo depois das promessas eleitorais. Planos a longo termo de um governo sem hábito de cumprir com as promessas políticas são pouco credíveis e no meio disto é de recear a racionalização do volume bilionário de investimento público a custo da acumulação de dívidas públicas que virão certamente a onerar as próximas gerações. Entretanto, julgo que começa a haver vontade política visível apenas pela forma como se procurou adequar o executivo a um modelo de governação dinâmica com Ministros de Estado no meio a procurar apresentar uma nova feição executiva ao Presidente da República para quem a nova Lei Constitucional confirmou poderes centralizadores do Estado!

ANGOLAINFO: - O Governo ora criado é adequado para os desafios que se impõem?
ALBANO PEDRO:
- Os programas executivos desde que sejam realistas em relação aos números fornecidos pela economia real são os únicos factores de eficácia dos governos. A sua composição ou estrutura pouco importa. Penso que o Presidente da República começa a revelar-se mais interessado no relançamento económico de Angola!

ANGOLAINFO: - Nunca esteve interessado?
ALBANO PEDRO:
- O país mergulhou em corrupção e clientelismo crónico e durante muito tempo não se ouviu falar de programas executivos concretos nem em conferências de imprensas voluntárias. Penso que a reforma do sistema de Governo esta a ajudar para este novo quadro!

ANGOLAINFO: - Neste quadro que papel se reserva a oposição política?
ALBANO PEDRO:
- Quase nenhum porque a oposição civil está historicamente ultrapassado. O GURN (Governo de Reconciliação Nacional) habituou os partidos políticos, incluindo o próprio MPLA a debates insultuosos a volta do exercício político, com acusações sobre autorias de guerras, sofrimentos e misérias, na sequência do qual o parlamento foi transformado até hoje num círculo com palhaçadas que desviam o povo do verdadeiro plano de reconstrução política, jurídica e democrática da nação. A nova postura do Governo, inaugurada com explicações públicas sobre os programas executivos, recomenda acção analítica de governação do Estado. É preciso que os partidos políticos passem a monitorizar a acção governativa do Estado desenvolvendo crítica sequencial e sustentada sobre os programas executivos, o que não é possível sem hábitos neste sentido!

ANGOLAINFO: - O GURN não cumpriu com o seu papel?
ALBANO PEDRO:
- O GURN foi um instrumento de relançamento da convivência pacífica do pós-guerra. Mas se tornando num palco de troca de acusações sobre a governação responsabilizada ao MPLA numa mistura inédita de partidos da oposição no Governo. Por isso, educou mal o povo para a coexistência democrática resultando no afastamento da oposição civil das preferências da maioria de eleitores. E também mal gerida pela UNITA que não soube ao abrigo do mesmo exigir o cumprimento global dos acordos de Lusaka através do mecanismo bilateral criado para o efeito ou pelas prerrogativas internacionais que assistiam a sua condição de contraparte do Governo nos acordos de paz. Não conseguiu inserir os seus antigos efectivos militares e políticos na vida social com sustentabilidade para além de ter sido incapaz de criar um ambiente envolvente para todos os partidos da oposição despoletando a condição explosiva em seu desfavor verificada com as eleições de 2008. Com o fim do GURN a oposição civil junto com milhares de expectativas geradas pelos acordos de Lusaka caíram até ao fundo do poço!

ANGOLAINFO: - É possível uma recuperação da oposição?
ALBANO PEDRO:
- Claro! Desde que haja uma visão estratégica de estabilização e relançamento político nacional em prol de uma governação eficaz. Os partidos políticos devem ver o país como um todo e agir em conjunto se identificarem as causas comuns de alternância do poder, nomeadamente a caducidade política do actual regime e a falta viciosa de cumprimento de programas executivos. Visão estratégica significa também acordos permanentes com vista ao derrube eleitoral de um regime que em nada beneficia o povo. A UNITA e a FNLA por exemplo foram cúmplices na aprovação da Lei Eleitoral que arrumou com a maioria dos partidos da oposição em 2008. Quer melhor exemplo de falta de visão estratégica?

ANGOLAINFO: - Havia muitos partidos políticos…!
ALBANO PEDRO:
- Os muitos partidos manifestam a existência do Democracia consagrada na Lei Constitucional para além de oferecer maior leque de opções ao eleitorado. Não importa o número. Sabe-se que alguns desaparecerão com o tempo. Cabe ao eleitorado fazer a selecção dos partidos políticos num ambiente de livre e sã concorrência garantindo ao povo a oportunidade amadurecer as suas opções democráticas. Nos Estados Unidos da América apesar do poder político estar entre os Democratas e os Republicanos há em volta destes centenas de partidos que procuram discutir os vários ângulos da política pública. Mais partidos, mais discussão. Mais discussão, mais soluções. É a lógica das democracias. Os que defendem a redução de partidos políticos mostram estarem presos as regras de regime totalitaristas do partido-Estado e não terem, por isso, clara consciência do que seja Democracia!

ANGOLAINFO: - Esta a falar de caducidade política? O partido no poder ainda goza de grande influência eleitoral!
ALBANO PEDRO:
- O MPLA perdeu quase toda a credibilidade política junto do eleitorado nacional e do seu próprio eleitorado. Não por acaso. É fruto de anos de incoerência no cumprimento e execução dos programas políticos no interesse do povo. O pouco de credibilidade está nas mãos de históricos como Mendes de Carvalho, Paulo Teixeira Jorge, Lopo do Nascimento, França Van-Dúnem e até Lúcio Lara entre poucos outros que se encontram visivelmente marginalizados pelo regime vigente ou em políticos vigorosos como João Melo, João Lourenço, Aníbal Rocha, Marcolino Moco, Vicente Pinto de Andrade, Virgílio de Fontes Pereira que pouca expressão têm nas decisões do partido conduzido por José Eduardo dos Santos. O descrédito só não está evidente porque a oposição tem ainda menos credibilidade junto do eleitorado, o que arrasta o povo num ambiente de incerteza em que reina o medo de piores governos. E o resultado é a preferência em manter o mau partido porque ninguém precisa conhecer o pior partido angolano em estreia pelo Governo numa espécie de concurso de “mister partido político terrível”. O MPLA tem beneficiado desta situação!

ANGOLAINFO: - A guerra não permitiu muita coisa ao MPLA. Isso não desculpa a sua inoperância junto do eleitorado?
ALBANO PEDRO:
- O problema é que o MPLA continua com as mesmas desculpas do período da guerra mesmo quando governa com maiorias folgadíssimas que eu e o cientista político Nelson Pestana Bonavena chamamos de maioria abusiva na sequência dos resultados forçados de 2008. A falta de fornecimento regular da água e da energia eléctrica em todo o território nacional ainda é presente quando no período da guerra a única causa era o inimigo. A guerra terminou a III república nasceu e sempre temos os problemas de habitação, de saúde, de educação, saneamento básico, enfim no mesmo plano de gritante necessidade do passado!

ANGOLAINFO: - Os resultados eleitorais foram forçados?
ALBANO PEDRO:
- A fraude eleitoral em 2008 foi evidente. Embora o povo tenha efectivamente votado no MPLA os resultados envolveram números que ultrapassaram na realidade o eleitorado registado. A falsificação dos resultados não era necessária porque o povo tinha mais certeza de ter um MPLA tido como ladrão mas com experiência no poder do que um bando de assaltantes ansiosos pelos benefícios do poder do Estado vindo de uma oposição feita sombra de si mesma. É por isso que durante as campanhas eleitorais de Setembro de 2008 as vozes populares lardeavam o slogan “ comeram-me os ossos agora comam-me a carne!” ou “É maluco, mas é nosso filho!” para proteger um MPLA que não proporciona qualquer benefício aos cidadãos desfavorecidos. Essa situação vai manter-se nas próximas eleições até a oposição ganhar credibilidade!

ANGOLAINFO: - Como ultrapassar este quadro?
ALBANO PEDRO
: - Com o surgimento de partidos credíveis. De políticos não comprometidos com a corrupção ou com a necessidade de transformar a cena política num conjunto de oportunidades de negócios. É preciso credibilizar a oposição com agentes políticos sérios que não mendiguem cargos públicos por razões de sobrevivência económica, promovendo um verdadeiro saneamento político que force o afastamento dos “presos pela barriga”, como tem dito o jornalista William Tonet, quer no MPLA quer na oposição, o que é possível se o eleitorado passar a votar nos programas e não em pessoas. Para isso uma nova geração de políticos é chamada a intervir; Uma geração de profissionais multisectorizados que vêem no exercício político uma missão meramente altruísta, ou seja, em prol do desenvolvimento do país e que tenha saudade de voltar para as suas ocupações privadas depois dos mandatos. Acabaremos assim com os profissionais da política deixando de inspirar sonhos as crianças de virem a tornar-se presidente da república como perspectiva de realização profissional!

ANGOLAINFO: - Fora disso?
ALBANO PEDRO:
- Fora disso continuaremos a ver na oposição uma passeata de oportunistas sedentos de oportunidades materiais e financeiras proporcionadas pelo exercício do poder político e um MPLA acarinhado por milhões de falsos militantes e simpatizantes em busca das tetas do Estado para sugar o máximo!

ANGOLAINFO: - No meio disso existem políticos sérios na oposição!
ALBANO PEDRO:
- São poucos no meio daqueles que exibem o seu oportunismo para descredibilizarem a oposição civil. E quando se expõem a própria oposição trata de combatê-los devido a falta de cumplicidade na missão “secreta” de delapidar o erário público. Abel Chivukuvuku só tem sido combatido pelo seu próprio partido porque perspectivou uma UNITA verdadeiramente comprometida com uma governação pelo povo. Filomeno Vieira Lopes não teve os sucessos de coligação desejados entre a extinta FpD e outros partidos da oposição para as eleições de 2008 pela sua visão reformista do Estado apostada para uma governação pela dimensão social e humana ao contrário daquele que o MPLA prioriza com as infra-estruturas económicas. A maioria dos partidos políticos da oposição não quer trabalhar em prol do bem-estar dos cidadãos porque tem projectos alheios aos interesses do povo angolano é por isso facilmente subornada e desviada do seu papel fiscalizador do governo!

ANGOLAINFO: - A mesma análise vale para o MPLA?
ALBANO PEDRO:
- Acho que sim. O MPLA tem figuras políticas de respeito que mostram o seu descontentamento pelo silêncio que exercem no exercício político. Isso percebe-se sobretudo na Assembleia Nacional!

ANGOLAINFO: - Há o problema da dependência financeira dos partidos políticos ao Orçamento Geral do Estado…!
ALBANO PEDRO:
- Está aqui a prova do oportunismo dos políticos. Como é que queremos partidos sérios com membros que nem sequer contribuem para as organizações em que acreditam. Porquê é que não se pagam as quotas exigidas pelos próprios estatutos? Porquê é que os políticos acreditam no que querem com o Estado e não no que fazem pelos partidos políticos? Quem acredita na honestidade dos seus actos investe sem receios e não precisa condicionar a sua acção política com orçamentos afectados pela gestão do adversário político, para depois queixar-se dos atrasos de verbas em plenas campanhas eleitorais. É tudo para ser o cúmulo da negligência!

ANGOLAINFO: - O partido no poder também depende do OGE …!
ALBANO PEDRO:
- Não deixa de haver oportunismos!

ANGOLAINFO: - Não será porque os próprios membros e simpatizantes dos partidos políticos não ajudam em nada neste sentido?
ALBANO PEDRO:
- Acho que os membros e simpatizantes perceberam que embarcaram em navios sem rumo onde os capitães não traçam coordenadas claras sobre os propósitos colectivos. É uma questão de percepção das realidades partidárias que os leva a não gastar os seus parcos recursos em projectos publicamente indefinidos. Veja que Barack Obama teve a maior parte do financiamento para a sua campanha as presidenciais do Estados Unidos da América vinda de contribuições do povo. E foram somas avultadas juntadas de tostão a tostão que serviu para enfrentar a grande capacidade financeira por detrás do seu rival mandatado pelo partido republicano. E porquê? Porque o povo americano acreditou no seu programa de governo! Em Angola quantos partidos conseguem transmitir publicamente os seus programas de governo para o eleitorado com números, prazos e metas incluídos?

ANGOLAINFO: - Voltando ao Governo. Acredita que Angola pode perspectivar o desenvolvimento em pouco tempo?
ALBANO PEDRO:
- Escrevi uma carta aberta ao Presidente da República que foi publicada pelo Club-K e pelo Folha 8 em que apresentei a minha perspectiva sobre os mecanismos jurídicos e económicos a adoptar pelo Governo para que Angola entre na corrida pelo desenvolvimento num processo a concluir entre 5 a 15 anos, se a memória não me falha. O Governo tem desejado ir neste sentido, embora deixe de lado a dimensão humana em benefício da dimensão material, o que torna inexequível este projecto!

ANGOLAINFO: - Como assim?
ALBANO PEDRO:
- O Governo anunciou uma série de medidas executivas até 2018. Espera-se que até lá as infra-estruturas económicas e os serviços inerentes estejam concluídos e funcionais. Teremos então estradas, novas casas, água e energia eléctrica em todo o território nacional incluindo a possibilidade de interligação rodoviária e energética com todos países vizinhos. Mas onde fica a formação do homem e a sua dignificação através de planos de saúde, emprego e mesmo de educação de qualidade?

ANGOLAINFO: - Temos novas universidades públicas…!
ALBANO PEDRO:
- Nem gostaria de falar da formação universitária, embora as universidades públicas criadas não tenham capacidade para absorver se quer 1/3 da população estudantil que se marginaliza do ensino todos os anos. Falo da educação como base prioritária para o desenvolvimento de Angola. Não há prioridade efectiva neste sentido, se atendermos que os números de crianças e jovens fora do sistema de ensino continua assustador!

ANGOLAINFO: - Mesmo com ensino privado?
ALBANO PEDRO:
- O ensino privado serve apenas a franja do povo com alguma capacidade económica. A maioria do povo angolano está nos limites da pobreza e não tem como pagar colégios ou universidades privadas. Por isso, apesar do número crescente de escolas privadas continuamos a registar muitas pessoas a margem do ensino!

ANGOLAINFO: - É a mesma explicação para a saúde?
ALBANO PEDRO:
- Com as necessárias adaptações é claro! Morrem centenas de milhares de pessoas todos os dias em hospitais públicos por falta de medicamentos ou tratamentos adequados, enquanto as clínicas privadas não acessíveis a maioria dos angolanos reflectem todo o conforto que estes carecem. Não se pode perspectivar desenvolvimento neste quadro. Os programas traçados num ambiente deste género são perfeitamente falíveis. Nem precisamos de especialistas em economia para dar parecer neste sentido. Construir estradas, pontes e cidades para pessoas pobres e analfabetas é como construir parques de recreação com todos os brinquedos e meios de diversão para nele colocarmos porcos. O resultado é lógico. Parece até um quadro cómico pela absoluta ineficácia que representa para o crescimento e sustentabilidade económica de Angola. Completa perda de dinheiro se quisermos!

ANGOLAINFO: - De qualquer modo verifica-se alguma atenção nos sectores da saúde e educação!
ALBANO PEDRO:
- É quase nada se olharmos as realizações do Governo numa perspectiva de proporcionalidade entre o investimento humano e material. Construíram-se quatro estádios de futebol em menos de um ano por causa do CAN, ao passo que o campus universitário de Luanda não tem prazo marcado para atender os primeiros estudantes devido a injustificada lentidão nas obras. Inauguram-se escolas sem carteiras enquanto se instalam passagens aéreas com desenhos de ponta e muitas vezes desnecessários nos pontos em que são colocados. Começam a surgir shopping center e edifícios modernos, mas não se perspectivam zonas verdes dentro das cidades para lazer e conservação do ambiente e nem a construção de museus para garantir a continuidade cultural do povo. Aliás o próprio CAN foi um exemplo disso. Investiram-se milhões de dólares na construção e outros tantos na organização do evento, mas quase nada para o apoio, prémio e reconhecimento dos jogadores nacionais que eram afinal as estrelas principais do show. O resultado foi o fraco desempenho da selecção nacional cujos resultados levaram certas pessoas a visitarem hospitais em situação de emergência, embora os atletas se tenham batido de forma exemplar e heróica. De que valeu para o orgulho dos angolanos? Tem de haver correlação entre o aspecto humano e material. É o que proporciona o chamado desenvolvimento sustentado!

ANGOLAINFO: - Para si quais devem ser as prioridades do novo executivo angolano?
ALBANO PEDRO:
- As prioridades clássicas. Não tem segredo nenhum para o novo executivo que até conta com executivos de alto nível académico e intelectual para concepção e execução de programas idóneos de governação do qual cito apenas o jurista Carlos Feijó e o economista Manuel Nunes Júnior pelas posições executivas cimeiras que ocupam. O Governo deve olhar de forma harmoniosa para a educação, para a saúde e para o relançamento económico concentrando toda a atenção ao desenvolvimento integrado do homem. Isto envolve uma governação atenta a protecção dos direitos humanos e interesses colectivos e a gestão parcimoniosa do erário público com uma visão coerente até para a segurança e defesa nacional como garantes da execução estável dos programas executivos no curto, médio e longo prazo!

ANGOLAINFO: - Comente a Tolerância Zero?
ALBANO PEDRO:
- É curioso que Joseph Kabila Kabange, Presidente da República Democrática do Congo também adoptou esse mecanismo numa altura em que a sua governação já não tem credibilidade absolutamente nenhuma entre os congoleses. Isto significa que não é uma medida séria. É mais fácil ver na tolerância zero um artifício para afastar de oportunidades financeiras os membros do Governo e do aparelho do Estado que não estejam próximos das honras palacianas. Tudo indica que no ambiente que paira sobre as acções do novo governo está sub-repticiamente perspectivada uma classe burguesa com membros bem definidos cuja missão é no futuro breve sustentar e condicionar o exercício do poder político em Angola. Esses burgueses têm de ser membros da “família” e não aventureiros ou forasteiros se quisermos. Na base da famosa Lei da Probidade Administrativa os aventureiros que forem apanhados estão lixados. Assim, os principais colaboradores da cidade alta que gerem estas oportunidades através de negócios privados que dias após dias se transformam em verdadeiros oligopólios têm garantido o seu ingresso na futura classe burguesa afunilando tudo num esquema que mantém o clientelismo e a corrupção no alto nível do Estado. A tolerância zero não vai sair do âmbito da administração pública de nível básico e intermédio para cair sobre as empresas que se criam por aí a custo de avultadas somas fornecidas pelo erário público. Em boa verdade a boa governação e transparência não implicam exercícios malabaristas como estes. Bastam a regularidade na apresentação das contas públicas e a responsabilização dos funcionários públicos desde o Presidente da República até ao empregado de limpeza em todo o sistema administrativo do Estado. Para isso as Leis são abundantes. Temos Leis contra práticas ilícitas de funcionários públicos, temos leis que criminalizam condutas nos domínios económicos, financeiros, etc., para servir estas medidas. Não precisamos de Tolerância Zero, precisamos sim de cumprir e exigir a aplicação de todas as leis vigentes em Angola sem distinção de cidadãos ou cargos políticos. A tolerância zero significa em síntese que “nós agora podemos ter e vocês já não devem ter!”.

ANGOLAINFO: - Com esta situação, o que propõe aos angolanos?
ALBANO PEDRO:
- Maior seriedade e sentido de responsabilidade política para os governantes e para os governados, já que o povo tem sempre o governo que merece. É necessário que todos saibamos o país que queremos. O que não é difícil. Em Setembro de 2008, as eleições ocorreram num clima de plena emoção com jovens a experimentar o voto pela primeira vez e adultos a verem o regresso das eleições há muito desaparecidas no horizonte político. Não houve seriedade se olharmos para o conjunto de eleitores que num dia falava mal do MPLA e noutro já estava a rever tudo subornado pelas maratonas promovidas pelo partido no poder. Nem se quer houve consciência de aposta na oposição civil em nome da estabilidade política nacional que já dava sinais positivos com o GURN. Recomendo pois, que o povo eleja com consciência de estar a eleger um governo sério e não com medo de ver emergir um bando de velhacos no poder vindo do desconhecido, porque o povo pode sempre fiscalizar os seus actos para além de que pode sempre não votar se não for possível ver um partido sério para um governo alternativo!

ANGOLAINFO: - Em Cabinda morreram atletas estrangeiros que colocaram Angola na imprensa mundial. Acções da FLEC FAC justificadas?
ALBANO PEDRO:
- Ataques armados nunca justificam nada nem mesmo interesses independentistas. Mahatma Ghandi e Nelson Mandela são exemplos mundiais de que as grandes reivindicações políticas podem ser agenciadas de forma pacífica com muito sucesso. Mas nem todas condições são iguais e acho que a intenção de quem despoletou a acção armada foi chamar a atenção ao mundo e aos próprios angolanos distantes da realidade política e militar de Cabinda que a paz no enclave não é efectiva como nos foi ensaiada com a criação do Fórum Cabindes para o Diálogo integrado por figuras seriamente contestadas pelos próprios cabindas em nome de uma suposta reconciliação entre as forças rebeldes e o Governo!

ANGOLAINFO: - Neste caso como resolver o problema de Cabinda?
ALBANO PEDRO:
- Cabinda não tem problema. O problema está nas formas pouco claras em como o Governo administra os interesses económicos em Cabinda e nas atrocidades praticadas contra os que se levantam contra estas mesmas formas pouco claras violando direitos humanos. Os cabindas querem apenas que o petróleo que tanto produzem sirva também para o seu bem-estar e desenvolvimento e que não é justo que o nível de vida seja bastante alto com milhões de barris dia produzidos. É claro que também existe a necessidade de ligar o enclave ao resto do país por terra de modo a permitir que os cabindas se envolvam com outras realidades sociais e culturais de Angola para que abandonem aos poucos a tendência para verem nos congoleses parentes mais próximos do que os restantes angolanos. Se o projecto de construção da ponte da província do Zaire à Cabinda materializar-se será um passo histórico nesse sentido. O Acesso ao resto de Angola será barato e fácil e o Tratado de Simulambuco muito reclamado pelas alas belicistas pró independentistas deixará de ter suporte do povo que verá mais vantagens em manter-se parte de Angola do que em ganhar o estatuto de Estado. Nem será preciso que o Governo pense na regionalização de Cabinda para lhe conferir estatuto especial!

ANGOLAINFO: - Desarmamento da população civil é sinónimo de paz efectiva?
ALBANO PEDRO:
- Não acredito na eficácia do desarmamento da população civil porque não é sinónimo de paz e de segurança, embora entre nós consolide o fim da guerra estabelecido com memorando de entendimento do Luena de 4 de Abril. Nos EUA existem Estados com volumes assustadores de armas na posse de particulares sem afectar a paz das comunidades, simplesmente porque os EUA são uma nação com índices avançados de desenvolvimento que se reflecte nas populações. Porque a paz é sobretudo assegurado pela melhoria das condições económicas e sociais que ajudam a reduzir os índices de criminalidade. Cidadãos marginalizados podem desenvolver acções perturbadoras da ordem pública e da integridade física das pessoas com armas brancas, instrumentos contundentes e muitos outros artefactos causando enormes prejuízos e perdas de vidas humanas sem recurso a arma de fogo. Prefiro que as populações sejam desarmadas da fome e das necessidades básicas que os enterram na pobreza muitas vezes extrema!

ANGOLAINFO: - A nova Constituição da República. Quer comentar?
ALBANO PEDRO:
- Constituição é a dimensão política dos valores fundamentais de um povo da qual são decantados aqueles que constarão de um pacto que é a Lei Constitucional enquanto dimensão jurídica. Prefiro o conceito de Lei Constitucional porque nem sempre os deputados positivam aquilo que é fundamental, colectivo e ancestral na convivência dos povos. Aliás foi durante as duas primeiras repúblicas utilizado o conceito de Lei Constitucional e só na III República é que passou a ser Constituição por razões de mera academia, quero crer. Ora a nova Lei Constitucional pode ser vista sob dois planos. Do plano formal a nova Lei Constitucional é feliz pelo volume normativo que comporta superando todas as outras até antes desta vigentes, mas contém imprecisões semânticas, tal é o exemplo do conceito de “auto-demissão” como pedido entre tantos outros, e é muito concretizadora em muitos episódios normativos retirando o sentido abstracto das normas de natureza constitucional. Nalguns casos é ingenuamente imperativa como por exemplo quando diz que “a maioridade é adquirida aos 18 anos” sem ressalvar outras formas de emancipação estabelecidas no Código Civil. Do plano material os méritos todos morrem pela inconstitucionalidade parcial da nova Lei Constitucional que foi aprovada com a violação das cláusulas pétreas constantes na Lei Constitucional de 1992. Devia ser solicitada a fiscalização sucessiva da nova Lei Constitucional ao Tribunal Constitucional!

ANGOLAINFO: - A nova Lei Constitucional acaba com a possibilidade de candidatos independentes as eleições presidenciais. Como encara essa situação?
ALBANO PEDRO:
- Do ponto de vista jurídico um verdadeiro desastre porque coloca em regressão a ideia de Estado Democrático e de Direito, embora acho promissor o novo regime de eleição do Presidente da República no que toca a alternância efectiva do poder político no médio e longo prazo. Mas, do ponto de vista político é uma oportunidade para os ex-candidatos as eleições presidenciais darem a volta acima aderindo a forças políticas mortas para as revitalizarem. Mas eu ainda penso que toda a oposição civil devia juntar-se em torno de um único canditado para as próximas eleições conjuntas!

ANGOLAINFO: - Quer avançar um nome para candidato da oposição?
ALBANO PEDRO:
- Há figuras bem conhecidas que transpiram coerência e dignidade no mosaico político angolano!

ANGOLAINFO: - A propósito, quais são as figuras políticas que mais lhe despertam simpatia ou admiração?
ALBANO PEDRO:
- Figuras simpáticas são muitas. Em Angola existem pessoas que interpretam cenas de comédia até em situações de alta responsabilidade política e que nos ajudam a esquecer as nossas amarguras com as gargalhadas que nos proporcionam. Sobretudo aqueles que defendem os partidos políticos ou dirigentes destes de forma tão fanática como se de suas próprias almas se tratassem. Mas a admiração eu reservo apenas para aqueles que começam a ver a necessidade de olhar para a nação como um todo independentemente da filiação partidária ou credo religioso. São os que exercitam a tolerância política e acreditam que os seus partidos políticos também falham e os seus representantes cometem erros passíveis de crítica honesta e séria. Não vou citar nomes para não correr o risco de excluir qualquer deles, mas estes estão no MPLA, nos partidos da oposição civil e na sociedade civil só não têm espaços cimeiros na governação do país porque os oportunistas são muito mais velozes. Estou certo que é com a influência ética e moral de tais homens que é possível o relançamento do Estado Democrático e de Direito nos próximos anos!

ANGOLAINFO: - O futuro de Angola?
ALBANO PEDRO:
- Apesar de tudo, muito promissor, se trabalharmos juntos sem intolerâncias políticas ou ganâncias no exercício do poder político que impeçam o desenvolvimento da iniciativa privada. Porque cabe a todos os angolanos transformar todo esse manancial de recursos naturais fartamente dados por Deus, em riqueza que sirva ao bem-estar social e económico de todos. Temos tudo o que precisamos, apenas falta a capacidade humana cuja superação depende somente de nós. Não há maior dádiva que um povo tenha recebido em todo o mundo!

NOVA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA II

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS LIMITES DA REVISÃO CONSTITUCIONAL


Albano Pedro


É sabido que a revisão constitucional que deu origem a nova Lei Constitucional foi marcada pela violação de um dos limites materiais da Lei Constitucional revista. O que provocou uma grave descontinuidade a base formal da constituição angolana e materializou um verdadeiro golpe constitucional revelando a triste incapacidade dos angolanos, sobretudo os familiarizados com o poder político, em manter compromissos colectivos na base da legalidade.

Sendo a constituição a base sócio-cultural expressa pelo sentido de compromisso colectivo mantido durante séculos de existência dos povos de Angola e em cuja complexidade assenta a identidade nacional dos angolanos, a Lei Constitucional surge como a forma escrita ou legal deste compromisso assumido desde os nossos ancestrais e construído com múltiplos sacrifícios entre guerras e mortes, muitas das quais com marcas profundas na alma de cada angolano. Daí que embora o movimento constitucionalista universal seja tributário da revolução burguesa que projectou a ideia do pacto social escrito dos povos com o derrube do absolutismo simbolicamente transparente no despotismo exercido pelo Rei Luís XIV e celebrizado com a máxima “L´Etat cest moi!”, a ideia de constituição seja tão antiga quanto a existência das primeiras sociedades humanas organizadas. A Constituição é difusa comportando valores maleáveis as circunstâncias e exigências históricas dos povos no seu processo evolutivo reflectindo por fim o seu inconsciente político colectivo. É a dimensão abstracta dos laços fundamentais ou a matriz, se quisermos, das relações de convivência perene que se tornam concretas com a Lei Constitucional. A Lei Constitucional é assim o documento escrito que reflecte os princípios unanimemente escolhidos pelo povo do manancial de valores incorporados na Constituição. A Lei Constitucional é a dimensão jurídica da Constituição enquanto dimensão política do compromisso de coexistência pacífica e progressiva dos povos num mesmo espaço territorial, embora o legislador constituinte prefira a terminologia Constituição da República para a nova Lei.

A revisão constitucional, como mecanismo através do qual é alterado o texto da Lei Constitucional em benefício da sua adaptação histórica, é na essência o processo de conformação entre a Lei Constitucional e a Constituição vindo daí a identificação da vontade da maioria popular ao seu texto pela alteração do seu conteúdo. Os limites surgem para estabelecer fronteiras entre os valores maleáveis e os não maleáveis. Estes últimos são o garante da estabilidade política sem a qual é impossível a manutenção do vínculo da colectividade política. É por isso que a descontinuidade provocada na Lei Constitucional vem abalar a estabilidade deste compromisso ancestral traindo profundamente o povo, seu destinatário. O legislador constituinte reconhece a violação do limite material na nova Lei Constitucional quando ultrapassando a inviolabilidade da forma de eleição dos órgãos soberanos admite a existência de órgãos de soberania não elegíveis (alínea h) do art.º 236º). Um verdadeiro desastre político-constitucional que cumpre ser resolvido pelas próximas gerações de legisladores constituintes sem compromissos com práticas ilegais na de gestão de interesses colectivos. De todo o modo, é a Lei Constitucional vigente, assim determinada pela ditadura parlamentar do partido no poder que a legitimou com a necessária cumplicidade negativa (por inacção) da oposição civil gerada pela sua apatia política e é obrigação da nossa geração administrar as suas consequências presentes.

A Lei Constitucional actual comporta limites formais, materiais e pela primeira vez na história constitucional um verdadeiro limite temporal expresso pela condição de revisão da lei magna decorridos 5 anos após a última revisão (art.º 235º, n.º1), já que a anterior Lei Constitucional previa a sua revisão a todo o tempo condicionado pelo pedido de um mínimo de 10 deputados (vide: art.º 158º, n.º 2 - Lei Constitucional aprovada ao abrigo da Lei n.º 23/92 – Lei de Revisão Constitucional) como ainda é mantido no novo texto magno. Os limites formais mantêm a base substancial da anterior Lei Constitucional (a aprovação das alterações a Lei Constitucional passou a ser condicionada por 2/3 de deputados em efectividade de funções mantendo a ideia de que o Presidente da República não pode recusar a promulgação de Leis de Revisão Constitucional – art.º 234º, n.º 1 e 2) sendo de notar apenas as alterações óbvias no leque dos limites materiais (art.º 236º) que gozam igualmente de um incremento de elogiar com os novos limites consagrados como o respeito pela forma republicana de Governo; pela autonomia local – limite material claramente positivado para proteger de futuro as autarquias locais – e pela independência dos tribunais na revisão da Lei Constitucional.

A revisão de 1991 sobre a Lei Constitucional como última presença da Constituição Revolucionária de 1975 não previu quaisquer normas relativas a revisão da própria Lei Constitucional tal era a falta de percepção jurídica do Estado própria dos sistemas centralistas de poder agenciada a sollo pelo MPLA. Estas nascem pela primeira vez com a revisão que se opera 1992 na sequência dos acordos de Bicesse. E nascem condicionadas por três limites (temporal, formal e material) onde os limites temporais não surgem de forma expressiva dando-se maior destaque aos limites materiais devido a preocupação que as duas forças beligerantes obreiras da II República, embora questionável, tinham em relação a protecção dos seus interesses constitucionais. A Revisão da Lei Constitucional podia ser operada a todo o tempo (art.º 158º n.º 3) – não havendo aqui qualquer limite temporal, com a excepção daquele que proibia a revisão da constituição em situações de emergência ou estado de sítio (art.º 160º do referido diploma constitucional). O interesse que presidia tamanha leveza na positivação dos limites temporais era sem dúvidas a percepção provisória da Lei Constitucional que cada um dos partidos políticos (UNITA e MPLA) tinha durante o processo de revisão. Cada partido julgava vir a alterar a Lei Constitucional tão logo alcançasse o poder político que julgava absolutamente certo de aceder dada a popularidade junto do eleitorado reclamada dos dois lados, pelo que era de aliviar a pressão dos limites temporais sobre tais pretensões.

O limite temporal introduzido na nova Lei Constitucional é resultado de um exercício político de mau feitio que pretende proteger o novo modelo de legitimação do Presidente da República enquanto interessar ao regime no poder. Na provável visão estratégica político-partidária e eleitoral de seus mentores o 5º ano, em que é possível uma revisão da Lei Constitucional, coincide com o curso do segundo e último mandato regular do actual titular do cargo máximo do executivo. Fica assim salvaguardada e segura a elegibilidade de JES a boleia dos créditos eleitorais de um MPLA cada vez menos interessado em manter o seu mandatário político a testa dos destinos da nação. É uma façanha que passou para certificar a incapacidade dos partidos da oposição civil em discutir assuntos de fundo político-normativo e determinar um poder legitimado para concretizar planos de médio prazo assentes na instauração de uma burguesia forte que condicione o exercício do poder político de futuro. É claro que os poderes de revisão constitucional reconhecidos a todo o tempo a Assembleia Nacional limitam-se a alterações pontuais e que não coloquem em risco a estabilidade do partido que exerce a ditadura parlamentar e como tal nunca será exercido contra a cláusula pétrea revista, mantendo assim incólume os interesses constitucionais do actual regime.

A semelhança do que se recomendou para a alteração das cláusulas pétreas pela aprovação de referendos constitucionais que possibilitem a revisão da Lei Constitucional nos termos em que foi feita (vide: www.jukulomesso.blogspot.com/comentandoabelchivukuvukueraularaujo), é de recomendar o pedido de inconstitucionalidade parcial ao Tribunal Constitucional da actual Lei Constitucional para, sendo declarada, permitir a retoma da continuidade constitucional pela introdução de referendos constitucionais que permitam a introdução regular de órgãos soberanos não elegíveis. Em relação ao Presidente da República a boleia de mandatos anteriores não confirmados não geraria neste contexto qualquer inconstitucionalidade. A maioria do MPLA certamente assegura o voto popular favorável ao modelo de legitimação do Presidente da República em caso de referendo constitucional que pode ser introduzido a todo o tempo em revisão constitucional. Para tamanha empreitada basta a ousadia de grupos parlamentares, representantes da oposição civil, com forte vontade na defesa dos interesses da nação. Uma atitude que lavaria a honra de partidos como a UNITA que declinaram a aprovação do presente texto constitucional estando obrigados a gerir o exercício parlamentar sob a sua sustentação.