PARA COMPREENSAÕ DOS PARADOXOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO ANGOLANO
Albano Pedro
A pedido do Semanário Angolense me proponho a debitar algumas linhas para a compreensão da problemática das manifestações e da questão das autorizações para a sua concretização que lhes subjazem, uma vez que por um lado, a luz da nova Lei Constitucional as manifestações não carecem de quaisquer autorizações e, por outro a Administração Pública (maxime Governos Provinciais) impõe a necessidade de comunicação da manifestação, um formato hermenêutico que sugere autorização, ao ponto de rotularem algumas manifestações de, senão ilícitas pelo menos espontâneas, para usar uma terminologia em voga a este propósito.
A liberdade de manifestação está consagrada na Lei Constitucional (art.º 47º) que determina que a mesma não carece de autorização para ser exercida, embora seja recomendado que o seu exercício ocorra nos termos da lei ordinária correspondente (Lei n.º 16/91, de 11 de Maio – Lei Sobre o Direito de Reunião e de Manifestação - LSDRM). A questão que se coloca é: Se a Lei Constitucional prescreve claramente que o direito de manifestação pode ser exercido sem quaisquer autorizações porquê é que se interpreta a comunicação aos órgãos da administração pública como sendo um pedido ao ponto de condicionar o exercício do direito em causa? Colocada a questão de outro modo: porque é que a Lei Constitucional não coloca quaisquer impedimentos ao exercício da liberdade de manifestação e as autoridades públicas agem, a mais das vezes, ao contrário?
Já expusemos num outro texto (www.jukulomesso.blogspot.com/genese-das-liberdades-fundamentais:o-direito-de-reuniao-e-de-manifestação) que as liberdades fundamentais são intrínsecas aos cidadãos sendo somente reconhecidas pelo Estado através das leis ao contrário dos direitos propriamente ditos que são atribuídos pelos poderes públicos. O que se passa no ordenamento jurídico angolano é a existência de um reconhecimento claro desta liberdade no nível da legislação constitucional e a prescrição de um conjunto de condições para o seu exercício no nível da legislação ordinária. Para as condições previstas na LSDRM que se apresentam como limites é preferível esmiúça-las em três categorias de impedimentos a que ensaio como sendo a) impedimento temporal, b) impedimento espacial e c) impedimento procedimental. O grupo de impedimentos temporais (art.º 5º) expõe a restrição do tempo para o exercício da manifestação “ As reuniões e manifestações não poderão prolongar-se para além da meia-noite, salvo se realizadas em recinto fechados (…)”, “Os cortejos e desfiles não poderão ter lugar antes das 19:00 horas nos dias úteis e antes das 13:00 horas aos sábados, salvo em situações devidamente fundamentadas e autorizadas.” O grupo de impedimentos espaciais vem implícito (art.º 5º) impondo que as reuniões e manifestações em recintos abertos só podem ocorrer até as 19:00 nos dias úteis e até as 13:00 aos sábados. Não podendo acontecer aos domingos tal como as que acontecem em recintos fechados. O grupo de impedimentos procedimentais (art.º 6º) prescreve que as reuniões e manifestações deverão ser informadas ao Governador da Província “(…) com antecedência mínima de 3 dias úteis”. O que deixa claro que a falta de cumprimento desta exigência importa inviabilidade da reunião e da manifestação em causa, embora a Lei prescreva uma vantagem: a decisão do Governo Provincial deve ser notificada por escrito aos promotores da reunião ou da manifestação “ (…) no prazo de 24 horas a contar da recepção da comunicação (…)” sendo que a falta desta reacção por parte do Governo Provincial interpretada legalmente como sendo “autorização tácita” conforme prescreve a LSDRM (art.º 7.º n.º2). A LSDRM prescreve ainda um conjunto de excepções que não importa chamar a depoimento. Contudo, fica bem patente o conflito hermenêutico instalado entre uma Lei Constitucional aberta e uma LSDRM restritiva. Logo, as autoridades, embora reconhecendo a liberdade de manifestação constitucionalmente consagrada, agem em conformidade com a LSDRM que é manifestamente inconstitucional como podemos atestar. O que se passa é pois a vigência de uma lei ordinária ultrapassada no tempo e no espaço e com todos os “ingredientes” para ser afastado do leque dos diplomas legais que vigoram a luz do novo sistema constitucional.
O que as autoridades esquecem, durante a aplicação desta Lei, é que as reuniões e manifestações não são apenas de âmbito e natureza política. São também os cortejos fúnebres, as passeatas desportivas, os desfiles carnavalescos e muitos outros actos públicos cujas autorizações da administração pública nunca percebemos por nunca acontecerem. O que denuncia um critério de análise e viabilidade baseado em dois pesos e duas medidas, i.e, em se tratando de manifestações políticas as exclusivamente realizadas por grupos antipáticos ao status quo a Lei é chamada às decisões dos órgãos competentes. Assim se compreende que eventos como os do Movimento Nacional Espontâneo e outros não passem no crivo da LSDRM enquanto que o PADEPA e outros grupos sociais tiveram de provaram do “molho” das ilicitudes das manifestações previstas no diploma legal em causa. É também, neste espírito, de intolerância democrática e de interpretação “carnavalesca” da Lei em matéria de manifestações que são tipificadas as chamadas manifestações espontâneas.
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