segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O CÔNJUGE SOBREVIVO E A HERANÇA - Albano Pedro

Uma das questões que levanta a morte de uma pessoa casada, ou com uma qualquer outra forma de relação matrimonial constituída ao tempo da morte, é a transmissão e a partilha dos bens constituídos na constância da relação matrimonial. O problema coloca-se sobretudo no âmbito da transmissão dos bens por virtude da morte ou como se diz tecnicamente por tramissão mortis causa, i.e., no âmbito da herança. A questão do acesso a herança por parte do cônjuge sobrevivo tem provocado as mais acesas discussões nas escolas de Direito. As correntes mais aguerridas defendem que o cônjuge sobrevivo deve figurar na primeira linha dos sucessíveis acedendo ipso facto ao património do outro cônjuge por direito de participação directa na sua constituição ao tempo da relação. O facto é que a Lei não prevê o cônjuge como um herdeiro prioritário. Coloca-o no 4º lugar da linha dos sucessíveis, antecedido pelos descendentes, ascendentes e pelos irmãos e descendentes do de cujus (cônjuge falecido). A paixão pelo assunto nasce do facto de não parecer justo que o cônjuge que tenha participado activamente na constituição do património da economia doméstica seja relegado a um plano em que quase dificilmente é chamado a suceder como herdeiro. Todavia, o cônjuge sobrevivo tem direito a meação. O que significa que os bens patrimonial do casal são divididos pelo casal numa divisão equitativa sendo a parte do património do de cujus, somado aos bens reconhecidos como propriedade individual, aquele que integra a herança. Deste modo, agiu o legislador com uma assinalável prudência. Não permitindo que o cônjuge sobrevivo, afastando os parentes do falecido e os próprios filhos, venha a ter o controlo absoluto dos bens constituídos durante o matrimónio. E a prudência é muito mais notória quando se verifica a possibilidade de existência de filhos do cônjuge falecido nascidos de matrimónios diversos. Pois, ao permitir o acesso primário dos ascendentes, o legislador garante segurança patrimonial pela via da herança aos descendentes daquele cujo sangue não coincide com o do cônjuge sobrevivo. E isso em relação a cultura bantu representa algum avanço no plano da harmonização dos interesses e valores normativos conflituantes entre a cultura jurídica de origem ocidental e a aquela que corporiza a vivência dos povos de Angola, visto que ficam assim preservados importantes valores consuetudinários entre os quais a solidariedade familiar. A própria base ética da economia matrimonial nega a possibilidade de acesso do cônjuge sobrevivo a outra parte do património que por direito cabe ao falecido. Restringiria significativamente o direito de dispor livremente do património constituído durante parte significativa da vida enquanto trave-mestra do Direito das Sucessões. A lei privilegia ainda o cônjuge sobrevivo com o cargo de cabeça-de-casal, quando seja meeiro ou seja herdeiro (art.º 2080.º do Código Civil – CC). Significa que o cônjuge sobrevivo tem ex-lege plenos poderes para administrar a herança do cônjuge falecido. Podendo por essa via agir diligentemente no sentido de melhor afectar parte do património em que ele contribuiu afincadamente, vindo por isso a ter maior zelo. Porém, o que fica claro é que o cônjuge sobrevivo apenas sucede quando a herança, por défice e outras anomalias inerentes ao processo de afectação aos herdeiros – tais como a indignidade do sucessível, seja repudiada ou negada ao herdeiro legal na ordem dos sucessíveis já enunciada. De todo o modo a Lei admite pacificamente que o cônjuge sobrevivo prefira, a ordem dos sucessíveis, aos parentes na linha colateral do de cujus até ao 6º grau e ao Estado por entender o papel residual destes candidatos a herança na afectação meritória de parte do património do casal. Aliás, é communis opinio, que o Estado é chamado a suceder como o garante do pagamento das dívidas, havendo-as em montantes tais que tornam a herança deficitária, i.e., tendo mais dívidas do que créditos. Com o chamamento obrigatório do Estado a herança, o legislador garantiu o pagamento das dívidas mesmo com a morte do devedor. O que representa um extraordinário reforço as garantias patrimoniais permitindo a que a penumbra da morte sobre o homem não impeça a realização da vida económica das pessoas. Aqui esta a solução legal para o pagamento das dívidas contraídas com empréstimos bancários não reembolsados por morte do devedor. O Estado paga a dívida se for chamado a suceder na herança deficitária do de cujus por insolvência superveniente (incapacidade patrimonial por virtude da morte) deste. Mas antes que o Estado, como último e irrecusável herdeiro, venha a ser chamado a suceder, por rejeição ou indignidade dos anteriores sucessíveis, poderá surgir a questão de quem deve pagar as dívidas contraídas pelo de cujus. Por exemplo, o cônjuge falecido estava a pagar livros, vestuários e artigos pessoais, uma viatura ou a própria residência familiar ao tempo da sua morte. O problema simplifica-se tratando-se de bens patrimoniais que sejam susceptíveis de divisão entre o casal por integrarem a economia matrimonial. Assim, quase não restam dúvidas que o processo de meação venha a resolver o problema quando os bens adquiridos a crédito venham a integrar a parte patrimonial do cônjuge sobrevivo. Assim será com a viatura de uso familiar e a moradia comum. Já o problema parece diferente se os bens forem de carácter pessoal e como consequência não integrarem a parte do património do cônjuge sobrevivo por meação, como são o caso dos livros e de vestuários e artigos de uso pessoal. Aqui o problema resolve-se com a própria herança visto que juridicamente ela tem personalidade própria e como tal responde por si mesma (mediante cabeça-de-casal) enquanto se manter indivisa, i.e., enquanto não forem os herdeiros habilitados como tais podendo por via disso partilhar a herança. Assim, os herdeiros assumem as dívidas do de cujus, exonerando o cônjuge sobrevivo. Essa solução legal é reforçada pelo facto da morte ser causa de extinção do vínculo matrimonial exonerando o cônjuge solidário por essa via. Dixit.

3 comentários:

  1. Queria saber quais são os argumentos que o nosso legislador tem usado para que o cònjuge sobrevivo continue a ocupar a 4ª posição nos sucessíveis?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O Legislador português do qual herdamos o actual Código foi altamente discriminatório. Para além disso não consigo encontrar outro argumento. Por isso mesmo, a revisão do Código Civil em vigor deverá alterar a posição do cônjuge, até porque em Portugal as coisas sofreram alterações.

      Eliminar
  2. a nossa lei é uma cópia do modelo português, Portugal, já alterou a posição do cônjuge sobrevivo que passa agora a concorrer com os descendentes, mas angola continua, que justificação se tem apresentado já que na prática quem herda é a mulher/marido juntamente com os filhos?

    ResponderEliminar