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segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
OS CRIMES E A TERRITORIALIDADE DAS LEIS (Publicado no Semanário Angolense) - Albano Pedro
Certa imprensa doméstica e internacional veiculou a informação segundo a qual o activista angolano dos direitos humanos Rafael Marques está a ser processado por generais angolanos em Portugal por crime de injúria, calúnia e difamação devido ao facto deste activista ter accionado um processo-crime contra os mesmos generais num tribunal angolano através do qual pretende responsabilizá-los pela indústria e comércio dos chamados “diamantes de sangue” cuja matéria probatória se encontra vertida no livro da sua autoria com o mesmo título, i.e., Diamantes de Sangue.
Coloca-se então o problema de saber se um crime ocorrido em Angola pode ser julgado em Portugal.
É claro que a lógica jurídica regista uma possibilidade que terá ocorrido nesta situação que opõe os generais a Rafael Marques. E a possibilidade esta no facto de Rafael Marques ter feito o lançamento da obra Diamantes de Sangue em Portugal, local em que terá feito pronunciamentos públicos, incluindo entrevistas à imprensa. Neste caso, é fácil aferir que os generais tenham baseado a sua queixa-crime em tribunal português com bases em factos protagonizados por Rafael Marques em território Português. E nesse caso não haver quaisquer problemas de desvirtudes por comentar.
Porém, se a queixa-crime dos generais efectivamente ter como base o processo judicial iniciado em tribunal angolano, então coloca-se o problema da territorialidade das leis em caso de crimes. Ou seja, se é regra cardeal em direito Penal que aos factos ocorridos em certo território aplicam-se as leis deste mesmo território, Rafael Marques não pode ser julgado por factos que tenham ocorrido em território angolano e que estejam sujeitas as leis deste mesmo território. Aqui a doutrina fala em locus delicti (local do cometimento do crime) como critério da competência territorial dos tribunais. Entende-se com este critério que apenas os tribunais do local em que ocorreu o crime são competentes para julgarem o seu autor.
É verdade que existem crimes que devido ao seu prolongamento no tempo e pelo facto de virem a serem consumados em território diverso daquele em que em que os actos preparatórios iniciaram colocam o problema de saber onde efectivamente foram cometidos. V.g.: um indivíduo que tenham sido envenenado em Menongue e que venham a falecer em Luanda pode trazer o problema de saber qual o tribunal com competência para julgar o crime assim cometido. O problema será colocado da mesma forma quanto ao indivíduo que tenha sido alvejado em território congolês e que venha a falecer em território angolano após atravessar a fronteira. Em ambos os casos, a acção criminal consuma-se em local diverso daquele em que os actos criminais deram inicio. Nestes casos, a doutrina, interpretando a lei maioritária, privilegia o local da consumação do crime. Lá onde o crime completou o seu ciclo formativo é lá aonde se impõe a competência do tribunal. Não é o caso do crime de envenenamento em que basta a simples administração do veneno para se falar na sua consumação. Assim, no exemplo do sujeito envenenado é competente o Tribunal de Menongue, sem sombras de dúvidas devido a natureza tipológica desta espécie de crimes.
Contudo, na maioria dos crimes (e o de injúria, calúnia e difamação não ficam de fora) o local da consumação determina a competência forense em razão do território. Aliás a regra da territorialidade das leis e da competência forense respectiva monopoliza a maioria esmagadora dos factos sujeitos a responsabilidade de qualquer natureza jurídica. Não importam, por isso, se são factos cíveis, laborais, fiscais, administrativos ou outras.
Os acordos de extradição, não colocam em causa a territorialidade das leis. O que aconteceu na efectivação dos acordos de extradição é que o autor do crime se encontra em território diferente daquele em que o cometeu e o tribunal deste último pretende julgá-lo. Porém, impossibilitado de fazê-lo pela ausência física do seu autor, solicita ao Estado em que o autor que se encontra para que este seja extraditado a fim de ser julgado competentemente. Havendo acordo entre ambos os Estados, o autor é extraditado.
Destarte, Rafael Marques não pode ser julgado em tribunal português por crimes que tenham sido cometidos em Angola, sob pena de violação do princípio da territorialidade das leis penais e da competência dos tribunais em razão do território. Dixit.
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