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sexta-feira, 1 de agosto de 2014
O PERIGO EMINENTE DA ESTABILIDADE DO ESTADO E A NECESSIDADE DE TRANSIÇÃO POLÍTICA EM ANGOLA - Albano Pedro (Publicado no Club-K)
Com o fim do mandato de José Eduardo dos Santos como Presidente da República desaparece um dos regimes mais antigos do mundo, mas não emerge linearmente um novo status quo político em que os desejos e anseios do povo não realizados no âmbito do seu longevo governo podem finalmente triunfar realizando o projecto de Estado de Direito e Democrático suspenso desde o seu nascimento em 1992. Como todos os regimes que não cedem a pressão eleitoral sobrevivendo ao próprio tempo razoável a um mandato verdadeiramente democrático, o fim de JES prenuncia-se como catastrófico recrutando em si um conjunto multiforme de eventos dramáticos, sobre os quais nos vamos debruçar ao longo deste comentário, que passam pela periferia analítica do povo angolano em geral e dos políticos em especial e, que, como tais ameaçam a estabilidade das instituições jurídicas e democráticas em construção do próprio Estado se percebidos com algum rigor e imparcialidade.
É certo que, o governo do MPLA caracteriza-se como sendo centralista do ponto de vista económico (colocando os interesses económicos a gravitarem a volta de interesses públicos agenciados pelo Estado, sendo este o maior fornecedor e o maior comprador suprimindo ao mínimo a ideia de economia de mercado lançada desde 1992) e cerceador de liberdades fundamentais do ponto de vista político (reduzindo ao mínimo as tendências reivindicativas dos cidadãos e os espaços de intervenção dos partidos políticos). É uma blindagem assumida pelo MPLA contra qualquer possibilidade de alternância política protagonizável por forças partidárias rivais e contra quaisquer tendências para revoltas massivas do próprio povo de quem, por isso, se vem diminuindo a soberania. Os instrumentos fundamentais que caracterizam esta blindagem são a pobreza extrema, para gerar subserviência ao partido no poder e a inversão dos valores morais e éticos da própria sociedade colocando os angolanos num plano de cumplicidade quanto a corrupção, clientelismo e outros males nascidos deste sistema de governação; e a manipulação ideológica, que eleva os índices de intolerância política entres os angolanos dividindo-os entre cidadãos criminalizados pelo próprio Estado pelo facto de não serem membros do partido no poder e cidadãos privilegiados por exibirem cartões de filiação partidária.
Portanto, não cria ricos, porque receia perder o controlo do poder a favor de novas forças políticas, financeiramente autónomas e incapazes de quaisquer formas de manipulações das suas lideranças, e em consequência não permite o surgimento de um ambiente de capitalismo lícito e concorrencial onde todos podem produzir riqueza e aumentar individualmente os níveis de bem-estar social e económico optando pelos melhores serviços de que necessitam. Pelo contrário, o MPLA mantém o Estado Previdência que a todos “dá de comer” estabelecendo um verdadeiro ambiente de mendicidade institucional pontuada pela completa dependência pelo Estado do qual se percebe que para o controlo do eleitorado, todos os angolanos são obrigados a empregar-se no funcionalismo público e em consequência estabelece-se uma taxa acentuada de angolanos desempregados por não desenvolverem ofícios e mesteres compatíveis com as necessidades dos serviços públicos (artistas, cientistas, escritores, artesãos, industriais, inventores, comerciantes, etc.) que são afinal os promotores directos do desenvolvimento em economias de mercado (sobre este tema escrevi o texto: A Cultura da Mendicidade Institucional e a Negação do Desenvolvimento em Angola – fonte: www.jukulomesso.blogspot.com). Deste emaranhado de laços que asfixiam a maioria dos angolanos sacrificando completamente as suas liberdades nasce o receio dos cidadãos dependentes da máquina do Estado em envolver-se em actividades partidárias e em projectos reformistas de Estado que ponham em causa os projectos do partido no poder, morre o espírito de cidadania e a iniciativa intelectual necessária a transformação social dos angolanos e finalmente nascem verdadeiros “cidadãos-robôs” colocados a mercê de projectos contra sua própria realização social.
Este status quo político está longe de realizar o sonho angolano identificado com a democratização das instituições políticas, a instauração de um sistema de justiça que materialize a igualdade entre os cidadãos, o lançamento de uma economia de mercado – aberta a iniciativa privada e a livre concorrência dos sectores público, privado e misto – e fundamentalmente orientada ao lançamento das bases do desenvolvimento que ultima ratio se traduz na realização da segurança e bem-estar dos cidadãos enquanto fim do próprio Estado. Bom seria que fosse estancado por processos eleitorais regulares e transparentes. Contudo, desde as primeiras eleições democráticas operadas em 1992, a mudança de partidos políticos no processo de governação de Angola está longe de se tornar um facto. Contribui para isso a falta de garantia de eleições livres, justas e transparentes que impossibilitam a materialização de uma lógica de transformação política e económica de Angola pela via da alternância política (mudança de governos pela sucessão de partidos políticos). A inexistência da sucessão de partidos políticos no controlo político vai esgotando as esperanças dos angolanos sedentos por mudanças efectivas no seu modo de viver e em consequência vai desmobilizando vontades para o esforço de mudanças políticas e económicas que se impõe. Paralelamente, assiste-se a um discurso dos partidos políticos completamente descompassado com a vontade real do povo. Este deseja o bem-estar que se traduz no desenvolvimento económico e humano e os políticos insistem numa alternância política que satisfaça os seus interesses de luta política, embora claramente impossíveis aos olhos dos cidadãos, como vimos atrás. O resultado é a desmobilização generalizada dos cidadãos pelo sonho de mudança de uma governação desigualitária e injusta para com a maioria dos angolanos.
Se por um lado, essa maneira de governar contra os interesses de harmonização da sociedade possibilita a longevidade do MPLA no poder, por outro lado, emerge o perigo do fim do mandato de JES que se aproxima com a incapacidade natural sugerida pela idade (seja por morte, seja debilidade das faculdades mentais) que vão obrigar a um abandono inelutável das suas funções como Presidente da República. O perigo deste quadro pode ser esquadrinhado em vários ângulos de abordagens. Num primeiro ângulo, o fim do mandato de JES por morte no poder – em pleno exercício de funções – desenha uma instabilidade social de dois pólos. Um pólo interno com duas vagas de acção, em que a primeira vaga é caracterizada pela insegurança dos seus mais directos colaboradores (membros dos serviços presidenciais, sobretudo) e dos membros da sua própria família (seja restrita, seja alargada) que assim estarão expostos a perseguição criminal por razões, fundamentalmente patrimoniais (locupletamento massivo e abusivo a custa do erário público) por parte dos militantes do MPLA insatisfeitos – e actualmente acobardados sob a capa de obediência partidária – que não perderão a oportunidade de colocar os membros da família de JES nas condições, eventualmente piores, daquelas que se encontram os membros da família de António Agostinho Neto, Presidente fundador da República de Angola. Na segunda vaga de acção pode ser identificada a pressão interna no MPLA caracterizada pelo refazer dos grupos de influência para uma nova liderança que vai impor-se no controlo do mandato em curso.
Essa segunda vaga de acção no pólo interno, tem o gravoso defeito de desencadear um choque de resistência pelos membros da Presidência da República - não membros dirigentes do MPLA – (trata-se da ala dos militares e agentes da ordem pública e segurança nacional fieis e altos dirigentes civis sem enquadramento e simpatia nos órgãos de topo do partido) que não está longe de transparecer a antecipação de um Golpe de Estado (preventivo) por parte dos colaboradores de JES no controlo da máquina presidencial deixado pelo seu titular. Este quadro será claramente desencadeado pelo facto de faltar a este grupo o conforto do MPLA que lhes garanta a manutenção das suas posições tradicionais na máquina do Estado no pós-eduardismo. Esta situação desenha uma das mais prováveis causas de perigo para a estabilidade do Estado, mesmo quando existam concordatas implícitas ou explicitas entre os colaboradores directos de JES e a cúpula do MPLA (membros do Bureau Político).
No pólo externo com duas vagas de acção está – na primeira vaga – a comunidade internacional, senhora de uma teia de interesses económicos e financeiros estratégicos com o regime de JES. Essa vaga de acção que tem vindo a pressionar a substituição, ainda que gradual, de JES por um novo líder no controlo do executivo (O exemplo evidente é o aparecimento – certamente encomendado contra a vontade de JES – do Eng.º Manuel Vicente ex-empresário público na cena política como Vice-Presidente da República) entrará em colisão natural com a liderança do MPLA interessada em reaver o mandato governamental e o controlo do próprio Estado há muito assumido de forma autocrática pela pessoa de JES. Havendo alguma resistência entre as partes, um novo perigo se desenha: a possibilidade, ainda que aparentemente remota, de intervenção militar externa (mesmo disfarçada sob a capa da ONU) para a salvaguarda dos interesses estratégicos bilionários (assentes sobretudo na exploração do petróleo e dos créditos derivados). Nesse sentido, a República Democrática do Congo (RDC), com uma liderança política ajoelhada aos interesses da comunidade internacional e palco de conflitos militares induzidos para justificar a presença das forças militares da ONU, é o modelo mais próximo de que Angola se pode tornar. O que alimenta um nova variante de perigo contra a estabilidade social (política e económica). É natural, que no momento em que vigora o mandato de JES, os interesses internacionais e a ala dura do MPLA (membros tradicionais do Bureau Político - BP) estejam em concordata expressa neste aspecto. Todavia, trata-se de vaticinar um momento em que a liderança partidária de JES deixará de existir, libertando os “lobos” famintos pela sucessão na liderança do partido e do próprio Estado roubada desde a morte de António Agostinho Neto. Pois é facto patente que a liderança histórica do MPLA vive inconformada com a liderança do “jovem” JES que estava longe de ser o sucessor natural de António Agostinho Neto e que não tem permitido qualquer alternância na liderança do partido entre os membros históricos do BP. Na segunda vaga de acção estão os grupos de influência interna do MPLA que certamente vão animar a onda de tendências internas semelhantes ao tempo dos conflitos que o partido enfrentou logo após a independência da República e que obrigou o seu líder a promover o genocídio do 27 de Maio de 1977. A história da afirmação das lideranças dentro do MPLA passou por conflitos conhecidos como Revolta Activa e Revolta do Leste. Em se tratando de protagonizar uma luta pelo controlo de um partido que detém o controlo do Estado não deixa de ser um outro foco de conflitos generalizado entre os angolanos, ainda que identificados com a cor de um único partido político.
Os eventos descritos parecem facilitar a vida dos partidos políticos na oposição que almejam em suceder a um MPLA fragilizado na coesão da sua estrutura interna. Pura utopia. Perante o clima de insegurança generalizada o MPLA, enquanto partido, vai certamente protagonizar um ambiente de completa concentração dos poderes do Estado diminuindo ao mínimo as liberdades fundamentais e com ela os direitos políticos, marginalizando da cena política activa os partidos da oposição (pode acontecer a suspensão da Assembleia Nacional mesmo fora dos termos constitucionais. E porque não da própria Constituição?), intelectuais e membros da sociedade civil hostis a sua hegemonia dictatorial e o regresso a sombra do comunismo pós-independência acontece sob a capa de estado de sítio ou outro argumento de emergência nacional legalmente sancionável. Tratando-se de sobreviver a um assalto do poder por parte de forças políticas rivais, a acção do MPLA será facilmente admitida por uma comunidade internacional conivente como se percebe nos dias que correm, sobretudo quando percebemos que nem mesmos os EUA apoiam o fortalecimento do processo democrático em Angola pelo financiamento efectivo das iniciativas da sociedade civil em matérias de afirmação dos direitos humanos e da consciência de cidadania. Todos estes eventos que caiem perfeitamente no âmbito de um prognóstico racional ameaçam claramente a estabilidade social dos angolanos de uma maneira geral
No segundo ângulo – em que se prognostica o fim do mandato de JES fora do poder – o quadro é eventualmente menos dramático. Aqui admite-se uma transição política em que o próprio JES se apresenta como o agente principal da sua própria sucessão. Parece ser a lógica da aclamada transição política que vai sendo veiculada de modo periférico na praça política nacional por alguns políticos que denunciam alguma discussão existente sobre o assunto. Entretanto, factores relacionados com a sua segurança pessoal fora do exercício do poder político vão certamente pressioná-lo a não aderir a esta solução claramente vantajosa até para os membros da sua própria família. Aqui nem mesmo a ideia de assumir o controlo do partido deixando a máquina do Estado em mãos “estranhas” (incluindo nas eventuais mãos do próprio filho) criam a tranquilidade necessária para uma reforma antecipada. Portanto, a incapacidade natural sobrevinda ao poder, esgotada acima, é o facto mais relevante na nossa análise quanto as medidas preventivas contra uma instabilidade social generalizada.
Perante este quadro de consequências prováveis de uma situação de falsa ou má transição política entre os angolanos, José Eduardo dos Santos, enquanto Presidente da República está obrigado a assumir uma postura de abertura ao diálogo para as soluções viáveis que previnam uma situação social conturbada, sobretudo em nome da segurança dos membros da sua própria família. Uma transição política que preserve vidas e descriminalize cidadãos em perigo devido a desprotecção política resultante do fim do mandato de JES deve ser discutida desapaixonadamente e com objectividade por todos os angolanos em nome da estabilidade do próprio Estado, mesmo entre os que se acham tomados pela ideia fixa da removibilidade obrigatória dos poderes públicos vigentes. JES está obrigado a ultrapassar os seus próprios receios e assumir com coragem um diálogo inclusivo que estabeleça um destino seguro para os angolanos e para os seus próprios filhos nos momentos que se seguem ao termo legal ou natural do seu mandato.
É claro que está análise não é bem-vinda para quem acredita na alternância política como solução a desenhar-se com as próximas eleições com prazo marcado para 2017. Entretanto, a experiência vem mostrando que o controlo da máquina eleitoral pelo partido no poder é uma garantia incontornável para sua própria manutenção no poder pelo que não há como considerar esta solução como viável, na medida em que a própria oposição política se tem revelado absolutamente incapaz de resolver o problema da fraude eleitoral. O que torna a alternância política num instrumento de estabilidade social difícil, senão impossível, de se concretizar. Acresce-se que, a lógica da alternância política inaugurada desde 1992, para além de não conferir resultados evidentes e afundar os partidos políticos no descrédito, vem atrasando a harmonia social e o desenvolvimento dos angolanos pela promoção de batalhas político-partidárias que inspiram intolerância política, divisionismo e vitimização social e toda a sorte de consequências nefastas próprias de posições divergentes assumidas pelos partidos políticos. Não tem sido o caminho ideal para a realização do sonho angolano, pelo que urge uma nova lógica de transição política que concilie os interesses dos angolanos, independentemente das cores partidárias, e garanta sobretudo a continuidade do próprio Estado e acelere a democratização das suas instituições e o desenvolvimento dos cidadãos.
Destarte, os militantes do partido no poder imbuídos de fanatismo doentio ou os militantes dos partidos da oposição obcecados pela alternância política vão certamente considerar estes prognósticos como sendo um gratuito alarmismo procurando acalmar o eleitorado de que buscam apoios para os seus intentos egoístas, a semelhança do que aconteceu com a negligência grosseira que governantes e operadores económicos chaves assumiram até ao rebentar da bolha financeira que arrasou com a economia mundial a partir dos EUA. Mas, é precisamente no ponto de ponderação da continuidade do mandato de JES em que se impõe uma necessária e urgente transição política. Uma transição política que não assuma necessariamente a veste de uma sucessão política e que não seja apenas viabilizada pelo próprio JES, pelo MPLA ou apenas o MPLA e os partidos da oposição. Uma transição política sustentável passa por convocar a decisão do próprio povo pela via do referendo cuja decisão passa a ter força constitucional. Essa decisão deve privilegiar a estabilidade política em nome de um compromisso pelo estrito respeito da lei e das liberdades fundamentais, pela democratização das instituições do Estado, pela segurança e pelo desenvolvimento de todos os angolanos, preservando assim os interesses políticos alcançados e a paz (ainda que militar) conquistada e, obviamente, assente em princípios invioláveis que garantam a sua exequibilidade por parte de todas as forças vivas – colectivas e individuais – de Angola. Dixit.
terça-feira, 24 de junho de 2014
A CULTURA DA MENDICIDADE INSTITUCIONAL E A NEGAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO EM ANGOLA - Albano Pedro
Há quem se sinta feliz por ouvir falar em crescimento da economia angolana segundo os relatórios das mais credíveis instituições financeiras do mundo; que as cidades estão a ser construídas e com elas as estradas, que surgem cada vez mais escolas e mais hospitais no âmbito do programa do Executivo. As imagens da televisão pública (que é estatal apenas) povoam os sentidos com um suposto “paraíso de betão” reflectindo glórias que se percebem em outras realidades do mundo moderno. Com elas nasce a ilusão de bem-estar que bafeja a maioria esmagadora dos angolanos sem referências de uma vida organizada, digna e próspera desde os mais remotos momentos do nascimento desta República que cedo mergulhou nas profundezas das mais vis opções políticas e económicas de que restam tristes memórias relacionadas com a pobreza extrema. E quem se rebela contra esta ilusão procurando alertar da necessidade de um desenvolvimento sustentável urgente aproveitando o crescimento da economia é visto como opositor do programa do executivo que aponta para o “rumo certo”. E então a ignorância generalizada estimulada pelo fanatismo político-partidário impõe-se contra os esforços dos cidadãos sérios e realistas. Infelizmente, os angolanos não conseguem perceber dos seus profetas (os intelectuais) a mensagem segundo a qual o crescimento não é (e nunca foi) sinónimo de desenvolvimento económico.
E disto resulta que o crescimento económico confundido com o desenvolvimento acaba sendo uma realidade que não se reflecte na qualidade de vida das pessoas, na realização do indivíduo ou do cidadão angolano, humilde ou grande. Sob este prisma Angola se tornou num país incapaz de fazer feliz as pessoas porque não existe um crescimento do índice de bem-estar próprio do desenvolvimento. O que percebe claramente com a falta de um sistema de saúde em que as pessoas possam confiar nos serviços médicos e hospitalares. Qualquer um de nós, com dinheiro ou sem ele, morre em qualquer unidade hospitalar por falta de qualidade de assistência médica. Da mesma forma, não existe qualidade de ensino, seja de base, médio ou superior. Qualquer um de nós, com bastante dinheiro ou sem ele, não obtém formação académica de qualidade seja nas escolas ou universidades públicas, seja nos colégios ou universidades privadas. Não existe uma economia privada (a única capaz de desenvolver qualquer país). As empresas privadas que prosperam são aquelas que dependem das oportunidades do Estado dadas pelos concursos públicos. E sob este aspecto, estas empresas podem ser consideradas empresas públicas (do ponto de vista funcional), já que nunca sobreviveriam se operassem exclusivamente no domínio privado onde a taxa de mortalidade das empresas é inevitavelmente dramática.
O que os cidadãos pouco percebem é que um Estado tem uma missão concreta para cada um de nós, tomado no conjunto chamado povo. O Estado não existe por acaso. A sua tradicional finalidade se reporta a dois aspectos necessários a realização dos indivíduos: a segurança e o bem-estar. A segurança obtém-se com a paz militar e com a ordem pública inibidora da criminalidade e dos excessos do poder público dentro de um sistema de justiça organizado e funcional, mas o bem-estar obtém-se com o desenvolvimento. Nessa ordem o fim almejado por todos (ainda que de modo inconsciente) é o bem-estar a alcançar com desenvolvimento, sendo a segurança um meio para realizar esse sonho que é afinal sinónimo de felicidade. Ou seja, o Estado angolano tem a missão de tornar todos angolanos felizes através do desenvolvimento.
O desenvolvimento de uma sociedade não resulta do esforço do Estado em parte nenhuma do mundo. Não parte do Estado para o povo, mas da soma dos esforços dos indivíduos para o Estado. É das famílias e das empresas privadas que vem o desenvolvimento. Resulta pois da organização de uma economia privada devidamente estruturada pelo sistema financeiro onde um mercado de capitais forte que comanda toda a dinâmica dos agentes económicos. É do esforço de cada um em busca da satisfação das suas necessidades que surge a interacção económica num jogo que coloca as partes em contacto tendente a satisfação recíproca, guiados por aquilo a que Adam Smith, histórico economista inglês denominou “mão invisível”, (lei da procura e oferta) que é o único mecanismo regulador da economia. Pois, economia alguma regulada por decretos (economia planificada ou centralizada) pode sobreviver a esta lei natural. O exemplo da economia planificada dos anos 80 em Angola é elucidativo dessa verdade. Ou seja, a natureza estabeleceu regras para que a economia se auto-regule de tal maneira que sempre que o Estado nela intervenha (pelo menos directamente como ainda acontece entre nós) ela constrange-se dramaticamente. Para os religiosos esta lei é uma ordem divina “ do suor do teu rosto comerás o pão” disse Deus a Adão ao expulsá-lo do paraíso. Com esta ordem Deus determinou a economia de mercado assente na livre iniciativa e todos os modelos económicos que contrariam essa lei natural nunca prosperam. Não é por acaso que as economias centralizadas (controladas pelo Estado) empobrecem dramaticamente os seus cidadãos colocando-os numa mendicidade angustiante (Ex-URSS, Cuba, Coreia do Norte, etc.). Angola viveu intensamente essa realidade nos anos 80 com demonstrações de pobreza generalizada entre os cidadãos (governantes ou governados) levando a emergir dessa situação um Estado Criminoso em que os governantes transformaram-se em delapidadores crónicos do erário público. Pelo contrário, os modelos de economias em que o Estado tende a libertar-se da missão de “alimentar” o povo declinando a triste função paternalista para com os cidadãos. Conferem maior liberdade aos indivíduos, permitindo que estes com sua criatividade e ambição em realizar sonhos e satisfazer necessidades imediatas desenvolvam o todo; a sociedade. A China que percebeu esse recado da natureza suprimiu ao mínimo o Estado centralista preferindo um modelo híbrido onde a economia foi libertada ao império da liberdade dos indivíduos; a democracia económica. O resultado óbvio dessa opção inteligente dos seus dirigentes é a prosperidade da economia que a torna actualmente numa das maiores potências económicas do mundo realizando parte significativa dos seus cidadãos através da prosperidade e do bem-estar.
É a partir desta realidade que ao longo da História universal recente (desde o século XVII) se verificaram verdadeiras revoluções (primeiro intelectuais e depois políticas) em busca dos melhores modelos económicos que realizassem a ideia de segurança e bem-estar das pessoas nascendo o Estado constitucional (Estado moderno e que sobrevive ao pós-modernismo); ou Estado legitimado pela soberania dos indivíduos. Os Estados estamentários (organizados em estamentos – classes sociais rígidas e incomunicáveis entre si: clero, nobreza, burguesia e camponeses) proliferaram pelo mundo até que na Europa surgiu a revolução burguesa em França pondo fim a estrutura de relações económicas injustas. Assim nasceu o Estado Liberal iniciado em França, que pelas características fluidas das relações económicas atreladas ao puro império da vontade dos indivíduos passou a ser conhecido pela máxima “Laissez faire laisses passé”. O que reflectia a ideia de completa liberdade dos agentes económicos resultando no extremo das relações injustas do Estado estamentário. Cedo o Estado Liberal atraiu uma crise crónica levando a que os mais ricos dominassem os mais pobres em prejuízo da ideia da harmonia social augurada com a queda da monarquia. Desta crise nasceu a ideia do Estado Neoliberal onde o poder público devia protagonizar a chamada intervenção indirecta na economia. Devia apenas regular as relações económicas e nunca participar delas como um agente activo, nomeadamente criando empresas e dominando os negócios privados. As características do Estado Liberal que consistiam num Estado que não se “intrometia” na vida dos cidadãos desapareceram dando lugar a um Estado polícia para as relações económicas. Ora a crise do Estado liberal, levou Karl Marx a teorizar a necessidade do fim das relações desiguais na economia pretendendo o fim dos ricos. Essa ideia, eternizada no tratado em dois volumes denominado o Capital (Das Kapital), foi levada ao extremo por Vladimir I. Lenin e Engels que acabaram por levar ao delírio o povo russo fundando o quimérico Estado comunista (URSS) que colocava fim a propriedade privada e as relações económicas opondo pobres e ricos colocando tudo a mercê de um pretensa ditadura do proletariado no auge desta forma de Estado. O Estado Neoliberal ganhou assim novas nuances chegando a vagar noutras partes do mundo como Estado Social, fora o extremo alcançado pela ideia da ditadura do proletariado. Actualmente o Estado social enfrenta o processo de síntese entre o Estado liberal e o Estado centralista modelando as relações económicas em nome da justiça e harmonia social tendente a segurança e ao desenvolvimento dos povos.
Em Angola sobrevive a lógica do Estado centralista operado no remoto período do pós-independência. Onde a ideia defendida por Agostinho Neto segundo o qual “O mais importante é resolver os problemas do povo” empresta ao Estado uma roupagem paternalista cuidando das necessidades de todos os angolanos. Há quem pensa que o Estado comunista desapareceu. Pura ilusão. As características actuais do Estado angolano são precisamente as mesmas de um Estado centralista. O Estado é o principal agente económico (com algum rigor, o único) monopolizando a própria procura e oferta. A economia privada foi suprimida ao mínimo possível (continua suprimida desde 1975) sobrevivendo a rasca no sector microeconómico informal, onde por “acréscimo” os seus agentes imbuídos numa luta de sobrevivência atroz enfrentam o próprio Estado (caso das zungueiras perseguidas e maltratadas, quando não são assassinadas por agentes de autoridade pública). Essa lógica de organização torna impossível o desenvolvimento de Angola, na medida em que o desenvolvimento de qualquer economia que seja depende absolutamente da iniciativa privada.
O resultado desta lógica que levou a economia angolana a “encravar” (não tendo qualquer possibilidade de marchar adiante) é a vigência de uma mendicidade institucional, caracterizada pela hegemonia do Estado na decisão da vida dos próprios cidadãos que começa com o provimento do emprego público. O empregado público é humilhado pelo próprio Estado sendo reduzido a mendigo e dependente. Recebe tudo do Estado: viatura, casa, viagens e outros benefícios. Por conseguinte a sua criatividade é nula e a capacidade de enriquecimento deixa de existir gravitando o desejo a volta de um comodismo que o leva a aguardar pela aposentadoria. Sente então uma sensação anestésica conferida pela sensação de conforto pela renda de sobrevivência olhando com desdém aqueles que procuram sobreviver no violento campo da economia informal vergastados pelo próprio Estado centralizado e uma sensação de alívio visita a espinha para levar a crer que estamos numa economia em franco progresso. É a base da cultura da mendicidade estabelecida pelo Estado que força os jovens criativos e sonhadores ao dormente campo do funcionalismo público afastando-o de áreas de realização com potencialidade para garantir prosperidade em ambiente de economia privada. Os criadores de artes e os inventores, esse núcleo humano que impulsiona o desenvolvimento com suas ideias e inovações é marginalizado pelo próprio Estado que não tem como emprega-lo nos seus serviços não permitindo igualmente que sobrevivam por conta e risco próprios. É o Estado contra o bem-estar dos indivíduos desejando sustentar a todos com base na triste máxima “o mais importante é resolver o problema do povo”, quando na verdade seria o povo a resolver os seus próprios problemas cabendo ao Estado regular as relações sociais e económicas.
O resultado da actual estrutura económica angolana é a exacerbação da cultura da incompetência, do clientelismo e da corrupção e a ausência gritante de meios lícitos de enriquecimento. Sendo quatro as fontes comuns de enriquecimento (salário, renda, lucro e herança) e duas as formas especiais – eventuais - de enriquecimento (jogos de fortuna e azar e indemnizações), o facto é que nenhuma economia centralizada permite o surgimento de qualquer delas. Em economias organizadas para atender a iniciativa privada, os salários capazes de criar riquezas são pagos pelo sector privado e assim nascem milionários (basta ver os artista de cinema, músicos, gestores de empresas prosperas, etc.). Essa riqueza criada pelo sector privado estimula a renda, o lucro que se transmite por herança. Por outro lado, os cidadãos prósperos conseguem investir em jogos de fortuna e azar e os prémios de jogos realizam outros cidadãos, embora poucos. Um país onde existem cidadãos prósperos, alguns processos judiciais exigindo indemnizações (raparação de danos) realizam igualmente outros cidadãos, tornando-os abastados. E assim a sociedade marcha para a riqueza dos indivíduos e, em consequência, para o desenvolvimento.
Os sintomas de uma economia que dá espaço para a iniciativa privada são fáceis de detectar: a existência obrigatória de um Bolsa de Valores e Derivados que estimule a organização e o funcionamento do mercado de capitais, instrumento imprescindível para nascimento e crescimento de uma economia privada sustentável. Segue-se a facilidade de criação de empresas; de legalização da propriedade imobiliária que facilite e garanta o crédito ao investimento entre outros elementos dinamizadores de uma economia orientada para o desenvolvimento. Disto surge a iniciativa privada que se verifica com o crescimento e prosperidade dos profissionais liberais (artistas e prestadores de serviços em nome individual); a estratificação económica dividindo cidadãos que detém riqueza e que não precisam trabalhar para mantê-la (ricos), cidadãos que realizam riqueza pelas ideias e materialização das mesmas (classe média) e cidadãos que ajudam a realizar a riqueza com os seus esforços emprestados a terceiros através do trabalho (classe baixa). Tudo acontece espontaneamente, bastando apenas ao Estado regular a economia para que as relações não evoluam em prejuízo da segurança e bem-estar dos indivíduos.
A democracia política realiza-se com a democracia económica e a nossa triste realidade é que não nasce democracia política porque não existe democracia económica. Sobre isso Karl Marx chamou atenção alertando que a superestrutura (política), como realidade imaterial ou ideológica, é o reflexo de uma realidade material e tangível que denominou estrutura (economia). O quadro actual em Angola é de uma economia absolutamente pública (centralizada) que cria cidadãos-parasitas (povo) e cidadãos-criminosos (governantes) onde os cidadãos honestos que procuram sobreviver numa economia informal são tomados como marginais, invertendo a pirâmide dos valores morais e éticos da sociedade. Por conseguinte aqueles que dependem do aparelho do Estado foram reduzidos a cidadãos incapazes de sobreviver numa economia de concorrência onde a competência é determinante para a qualidade de oferta de bens e serviços e para o consequente enriquecimento dos cidadãos capazes. Oferecendo carros, casas, viagens e tudo mais, o Estado angolano arrasta as forças produtivas ao campo do comodismo e não estimula a participação do sector privado que é afinal o único garante do desenvolvimento económico que levará os angolanos a experimentar a segurança e o bem-estar nunca vividos desde a independência de Angola. É caso para dizer “que um Estado que emprega a sua melhor força de trabalho no funcionalismo público enterra os seus cidadãos no ócio e no comodismo arrastando a sociedade ao empobrecimento e a miséria”. No mínimo tais cidadãos deviam merecer aumentos constantes de salários com vista ao ajustamento das capacidades de aquisição permitindo a aquisição autónoma dos seus bens e a satisfação discricionária das suas necessidades. Atribuindo viaturas e casas normalmente padronizadas o estado cria um exército de cidadãos-parasita devidamente identificados nas vias públicas estampando uma grosseira humilhação contra um povo que procura dignidade e prosperidade legitimando assim uma verdadeira cultura de mendicidade institucional como negação do desenvolvimento de Angola.
Destarte, soam irónicos e até insultuosos os discursos de certos governantes apelando a juventude para não enveredar no consumo excessivo de álcool e apostar no aproveitamento das suas energias e potencialidades criativas, como se tais jovens tivessem alguma alternativa proporcionada pela estrutura económica vigente, visto que é o próprio Estado que combate o desenvolvimento dos indivíduos desviando-os dos seus objetivos claramente realizáveis numa economia privada de cujos escassos espaços de manobra asfixia de forma evidente. Se há quem defenda o modelo de organização económica vigente em Angola baseada na omnipresença do Estado na economia (agindo mais directamente do que indirectamente) e no excessivo e doentio paternalismo institucional que fique claro: Angola nunca e jamais terá uma economia desenvolvida e por conseguinte nenhum angolano vai sentir-se verdadeiramente próspero conquistando plena dignidade. Dixit.
Fonte: Jukulomesso.blogspot.com
sábado, 14 de junho de 2014
A AMNISTIA E O INDULTO: CAUSAS E EFEITOS JURÍDICOS - Albano Pedro
Quando se fala em política de clemência é comum ser referenciados a amnistia e o indulto ou comutação de penas. São formas (causas - in rigore) de extinção de responsabilidade penal. Entretanto, a compreensão destes instrumentos da política criminal levantam sérios problemas no que tange a diferenciação dos mesmos, pelo que se apresenta necessário debitarmos alguma opinião a respeito.
Amnistia (do grego – amnestia, ou seja esquecimento) é um acto legal (emanado do poder legislativo) em virtude do qual são declarados impuníveis todos os delitos criminalmente relevantes praticados por todos quanto o tenham feito num determinado lapso de tempo fazendo cessar todos os actos processuais para aqueles crimes que ainda não tenham sido sentenciados, assim como todos aqueles cujas penas estejam em execução eliminando todos os efeitos jurídicos de responsabilidade criminal correspondentes. Visa a generalidade das pessoas sendo baseado no critério objectivo, na medida em que se refere a espécie de crime e não atendendo a qualidade ou quantidade de sujeitos que tenham cometido. O indulto é da competência do Presidente da República e visa uma pessoa ou pessoas em concreto - é o perdão da sua majestade tributário do período medieval europeu – e visa estancar a execução da pena a que o indultado esteja sujeito ao tempo do indulto. Diferenciam-se da pessoa que emana o acto - amnistia é da competência da Assembleia Nacional e o indulto é da competência do Presidente da República; da forma do acto – a amnistia toma a foma de Lei e o Indulto a forma de um acto administrativo com derivação legal, é claro).
Mais importante: A amnistia extingue a responsabilidade criminal antes e depois da sua entrada em vigor e os seus efeitos compreendem a reabilitação total da pessoa do criminoso levantando os impedimentos civis e políticos que tenham sido impostos em virtude da condenação. Extingue todo o procedimento judicial anterior a sentença condenatória e todos aqueles que não tenham ainda sido sujeitos de um processo-crime em virtude do crime extraem-se ipso facto da imputabilidade a que estavam sujeitos ao tempo do inicio da vigência da lei da amnistia. Já o Indulto apenas extingue a execução da pena em causa (o indultado é extraído da prisão em que se achava a cumprir a pena). Todavia, os efeitos jurídicos da condenação mantêm-se (v.g.: os impedimentos civis e políticos em virtude da condenação mantêm-se tal como não fica ilibado das responsabilidades jurídicas laterais ao crime como a responsabilidade civil (dever de indemnizar, por exemplo). Na prática o indultado apenas fica livre da prisão; de cumprir a pena a que foi condenado permanecendo tudo o resto tal como configuram a totalidade da responsabilidade jurídica relativa a sua situação em concreto. Compete a Assembleia Nacional conceder amnistia (art.º 161º, alínea g) – Lei Constitucional – LC (Constituição, para o legislador). É diferente do indulto e da comutação de pena pelo facto destes instrumentos serem da competência do Presidente da República – PR (art.º 119.º alínea k) – LC, e serem aplicados em benefícios de certos cidadãos ou estrangeiros dentro das conveniências da sua condição de chefe de Estado. O indulto tem como efeito a extinção total da pena, enquanto a comutação extingue parcialmente a pena, ou seja, estando o réu a cumprir 5 anos de prisão pode ver reduzida para 3 ou 2 anos. O indulto e a comutação de penas beneficiam apenas réus que estejam a cumprir penas de prisão, nunca aqueles que ainda não tenham sido julgados como acontece com a amnistia. A LC não prevê, como a generalidade dos sistemas jurídicos penais, que o indulto ou a comutação de penas seja concedido pelo PR ouvido o Governo pelo facto do Presidente da Republica ser ele mesmo o Governo (titular do Poder Executivo). Também não está claro que apenas o PR concede indulto e comutações de penas, à competência de conceder amnistia assistida a Assembleia Nacional está agregada também a capacidade de conceder “perdões genéricos” que por argumento de maioria de razão (ad maius) incluem o indulto e comutação de penas. De todo o modo, tanto a amnistia quanto o indulto ou a comutação de penas são considerados instrumentos de clemência. A amnistia e o indulto podem sugerir algum diferendo gnoseológico visto serem duas formas de extinção total da responsabilidade criminal e das sanções correspondentes. Com elas as penas aplicadas extinguem-se completamente, deixando seus beneficiários ex-novo no quadro das relações jurídico-criminais. Acontece que existe uma subtil diferença para além diferença dos órgãos com poderes de os decretarem. Enquanto, a amnistia beneficia tantos os criminosos condenados quantos os agentes de crimes que ainda não tenham sido condenados, o indulto (tal como a comutação) de penas beneficiam apenas os criminosos, i.e., aqueles que estejam a cumprir a pena no momento é que é decretado pelo PR. Um outro ângulo de análise do problema está em saber as consequências destes instrumentos de clemência para criminosos que tenham cumprido integralmente as suas penas no momento em que são decretados. Ou seja, que efeitos jurídicos conferem aos criminosos que já tenham cumprido as respectivas penas. A resposta é de ordem teleológica. O surgimento destes instrumentos de natureza penal deveu-se a necessidade de implementação de políticas de clemência com vista a redução da população prisional verificadas determinadas situações. Logo, faz sentido que apenas beneficiem aqueles que ainda estejam a cumprir as suas penas (caso da amnistia, indulto e comutação de penas) e aqueles que ainda não estejam a cumprir penas estando em condições criminais de as cumprirem (caso da amnistia). Contudo, o problema torna-se diferente tratando-se de eliminar os registos criminais das pessoas condenadas e que tenham já cumprido a totalidade da pena. Por argumentos ad maius apenas a amnistia possibilita a eliminação de cadastro criminal dos agentes que tenham cumprido a pena no âmbito temporal em que é aplicada, já que é a única forma de clemência que retroage abrangendo situações jurídicas remotas e como tais ocorridas antes da sua entrada em vigor. O que quer dizer que os efeitos das condenações com pena de prisão cumpridas não produzem quaisquer efeitos no âmbito temporal da aplicação da amnistia. O que já não faz sentido para o indulto e para a comutação de penas porque estas só abrangem as penas em fase de execução para extingui-las (indulto) e para reduzi-las (comutação). No caso específico do indulto, a lei impõe que o réu beneficiário tenha cumprido pelo menos metade da pena ao tempo da sua entrada em vigor (art.º 126.º, parágrafo 1º - CP). Vale prevenir a quem se acha escudado na amnistia - como garantia constitucional - que este “artefacto” normativo “instalado” na LC com puro objectivo político apenas protege os dirigentes angolanos no âmbito interno, i.e., dentro do território angolano. Nada impede que os mesmos sejam condenados por crimes contra humanidade em tribunais internacionais. Porque estes crimes não prescrevem, para além de que a amnistia assim consagrada não tem qualquer efeito no âmbito do Direito Internacional Penal e, como tal, sem reflexos nos respectivos comandos normativos e procedimentos judiciais. A própria LC, colaborando com o sistema penal internacional, admite que se tais crimes (ocorridos no âmbito do conflito armado) forem qualificados como genocídio ou crimes contra humanidade (crimes hediondos ou violentos – para usar a linguagem dispersiva e abstracta utilizada pelo legislador constitucional) não prescrevem e os seus autores não podem ser amnistiados e nem podem gozar de liberdade provisória (art.º 61.º). Também serve de aviso à navegação, que estas formas de clemência analisadas (amnistia, indulto e comutação de penas) não ilibam os seus beneficiários (suspeitas, arguidos ou réus) da respectiva responsabilidade civil. Portanto, estes não deixam de reparar os danos causados por virtude dos crimes cometidos, embora perdoados. Por fim, vale deixar claro que o impedimento invocado para a candidatura se refere pessoas condenadas em julgamento com trânsito em julgado e que em consequência tenham o registo da pena aplicada no seu cadastro criminal. Este impedimento, não se refere a simples arguidos ou suspeitas de cometimento de crime. Se refere apenas aos agentes de crimes aos quais tenham sido aplicadas as respectivas penas e que estas penas tenham duração superior a 2 anos, ainda que não tenham cumprido integralmente a respectivas penas. Dixit.
A SUSPENSÃO DA DIRECÇÃO DA FAB E AS CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS QUE SE IMPÕEM - Albano Pedro
Há poucos dias vazou pela imprensa a notícia sobre a suspensão da direcção da FAB (Federação angolana de Basquetebol) liderada por Paulo Madeira que com sua lista B terá vencido as eleições de Dezembro de 2013 numa base de suspeições sobre a regularidade eleitoral que deu azo a um processo judicial interposto no interesse dos candidatos derrotados. A notícia merece alguma atenção por se tratar de uma suspensão e não de anulação das eleições (recomendando novas). Ou seja, se o tribunal tivesse decidido na base do processo principal (do processo em cuja causa de pedir se referisse a fraude eleitoral e o pedido se referisse a nulidade do processo eleitoral havido) pouco restaria para discutir em se tratando de uma decisão assente em factos probatórios materialmente verificáveis e de idoneidade imperturbável. A questão parece assustar em se tratando de uma mera suspensão (volvido mais perto de 5 meses do acto eleitoral) que como se pode depreender decorre de um providência cautelar. E assusta porque a ser consequência de uma providência cautelar, o tribunal da decisão põe em causa o efeito útil do direito invocado judicialmente na base dessa espécie processual apropriada para situações de extrema urgência no acautelamento dos direitos e interesses legalmente protegidos de quem se sente lesado ou na eminência de contrair lesão juridicamente relevante. O que nos obriga a algumas considerações sobre a importância e a razão de ser das providencias cautelares.
Se imaginarmos a hipótese de um individuo proprietário de uma moradia surpreendido com um aviso (notificação) para abandonar o conforto da residência pelo facto de ter sido vendida a um terceiro não ter tempo suficiente para recorrer judicialmente do facto alegando ser legitimo proprietário com vista a obter sentença favorável a integração da propriedade – uma vez que o processo judicial regular conhece um ritual de actos que comporta muito tempo -, percebe-se a partida que, nalguns casos, seria inútil recorrer aos tribunais já que, na hipótese, o individuo nem sequer conseguiria pleitear em tribunal mantendo-se na moradia. Uma outra hipótese, hermeneuticamente menos densa, é da uma mãe divorciada de quem o ex-cônjuge recusa alimentos. Se tiver que aguardar por um processo enfeitado de diligências probatórias e de argumentação contraditória exaustiva até ao julgamento, sabe-se que a senhora e o filho terão passado de cidadãos confortados a mendigos, padecendo de fome e outras necessidades. É para acautelar essas situações que o direito assumiu uma espécie de processo denominado Providencia Cautelar, cuja finalidade é acudir a situações judiciais em que se afiguram direitos e interesses legalmente protegidos com natureza perecível ou fugidia no tempo. Dito de outro modo, as providências cautelares visam proteger o efeito útil do direito reclamado pela parte lesada antes mesmo da decisão sobre o mérito da causa em julgamento da relação material controvertida, independentemente de a decisão favorecer ou não a pessoa que dele lance mão. A providência cautelar radica a sua razão na necessidade de proteger um interesse achado como razoável a luz da lei ainda que não se prove, no momento, a existência do respectivo direito na esfera jurídica do interessado, i.é, sustenta-se na fama de um bom direito como dizia os jurisconsultos latinos “ fumus boni iuris” e na cautela do exercício útil do direito “periculum in mora” que de outro modo desapareceria da esfera jurídica do interessado mesmo antes do julgamento das partes em litígio, colocando em causa o fim ultimo do direito que é a certeza e segurança jurídicas ao serviço da paz e felicidade dos cidadãos. É por isso uma espécie de processo de urgência e que como tal não se compadece com atrasos na decisão como parece ser o caso da suspensão proclamada judicialmente. Então a providência cautelar antecipa o processo judicial que deve por fim o conflito entre as partes com a jurisdição competente e final realizada com o julgamento e respectiva condenação ou absolvição da parte recorrida conforme o caso.
No caso em que se proclama a suspensão, ainda que válida, não faz muito sentido que o seja pela via da providência cautelar depois de decorrido tanto tempo. O próprio efeito útil do exercício do direito ou interesses legalmente protegido lesado entra em crise e com ele a importância, pertinência e oportunidade da providência cautelar. Aqui a extemporaneidade do efeito útil da providência cautelar pode pôr em causa outras situações jurídicas, eventualmente já constituídas, como as contratações com terceiros (funcionários, atletas, treinadores, patrocinadores, etc.) feitas pela direcção suspensa da FAB, bem como a estabilidade funcional do mandato em curso se considerarmos o facto de cada mandato ter um prazo estanque em que realiza um conjunto de actos programáticos previstos num calendário de prazo preciso que atende ao programa executivo aprovado para o ciclo olímpico em que correm os mandatos das associações desportivas nacionais gestoras de fundos públicos, também conhecidas por federações desportivas. É por duvidar do efeito útil da suspensão que nos parece razoável admitir a possibilidade de recurso judicial sobre a decisão do tribunal da causa. Ademais, os interesses que se avolumaram desde as eleições colocando em vinculação a actual direcção e terceiros de boa-fé merecem que uma decisão judicial mais oportuna decida a questão alegada na providência cautelar em definitivo. Dixit.
RECURSOS JUDICIAIS EM CASOS DE CRIME - Albano Pedro
O Prof. Grandão Ramos, eminente penalista angolano, define o recurso judicial em matéria de crimes como sendo “ o mecanismo processual mediante o qual uma decisão proferida por um tribunal (tribunal «a quo») é reexaminada e reapreciada por outro tribunal funcionalmente superior (tribunal «ad quem») – Cfr: Direito Processual Penal – Noções Fundamentais, 1995, Editora Ler & Escrever – leitores Reunidos, Lda., pág. 391, 1º§ -, estando claro que é a possibilidade de se solicitar a um outro tribunal (hierarquicamente superior) a apreciação da decisão de um determinado tribunal a favor de quem se sente atingido e/ou lesados pelas suas consequências. Sendo certo que o recurso deve ser interposto ao Tribunal Supremo nos termos do ordenamento jurídico angolano vigente nessa matéria. A lógica dos recursos assente no facto de que o juiz que proferir a sentença não pode ele mesmo revê-la sponte sua (voluntariamente) sob pena de ferir os valores da certeza e segurança jurídicas e a própria soberania dos tribunais, uma vez que o juiz julga ouvindo e obedecendo tão só a sua própria consciência orientada para a justiça e em estrito respeito da lei.
Via de regra é a parte condenada a solicitar o recurso para ser ver livre das consequências da sentença proferida contra si – quer ver extinta a punição arbitrada na sentença, quer ver a justiça reposta nos casos que se sinta injustamente condenado e inocente, etc., - mas, há casos em que o recurso interessa a parte queixosa. Imaginemos o caso em que a pena solicitada não seja suficientemente persuasiva e tenham por exemplo exorbitado injustamente o âmbito da moldura penal abstracta. O indivíduo condenado cometeu um crime de homicídio e tenha sido condenado a uma pena que exorbita a pena mínima da moldura penal abstracta de tal maneira que resulta em escândalo para a parte queixosa – o réu condenado (e assim já considerado criminoso) matou com visíveis requintes de crueldade recheado de manifesto dolo, tendo antes levado ao sofrimento extremo a sua vítima, e venha a ser condenado a pena de 10 anos de prisão efectiva, quando o homicídio assim cometido segundo os pressupostos legais levaria a uma pena concreta a ser fixada entre 20 a 24 anos de prisão da sua moldura abstracta assim estabelecida nos termos do art.º 315.º do Código Penal, por se tratar de um homicídio qualificado. Os recursos feitos nestes termos seguem-se a sentença proferida pelo juiz e chama-se recursos extraordinários. Esta espécie de recursos, quando necessária, via de regra devem ser solicitado mediante declaração expressa ou tácita antes do julgamento, i.é, a parte interessada deve antecipar o pedido de recorrer a sentença futura, mesmo que venha a ser benéfica a si. É uma medida de cautela processual que leva o juiz a considerar a possibilidade da sua sentença vir a ser recorrida pela parte manifestante. O recurso ordinário deve ser feito em prazo legalmente sancionado de acordo com a espécie de processo penal em que tramita o caso sub iudice. Quando o recurso ordinário já não seja possível, ou porque o prazo para recurso expirou ou porque a instância de recurso esgotaram (por exemplo a decisão é a última no âmbito da pirâmide judicial, i.é, tenha sido proferida pelo último juiz possível) há lugar ao trânsito em julgado, i.é, diz-se que a sentença judicial transitou em julgado porque já não pode ser recorrida ordinariamente. É nesse momento em que se torna possível uma nova e última espécie de recursos: o recurso extraordinário. Como termo sugere, é extraordinário o recurso que é interposto contra decisões judiciais transitadas em julgado, enquanto os recursos ordinários, que vimos, pressupõe que o processo judicial se mantenha recorrível ou com a decisão sem trânsito em julgado.
Ora, os recursos judiciais de carácter extraordinário tendem a ser reclamados para resolver situações de clamorosa injustiça e, geralmente, nos casos em que a pena já esteja a ser executada – o condenado já pagou a multa (pena pecuniária) ou já está encarcerado (pena de prisão). Existem três tipos de recursos extraordinários em processo penal. O recurso ao Plenário do Tribunal Supremo, que visa a uniformização da jurisprudência numa base comparada entre a sentença com transito em julgada recorrida e uma outra sentença judicial igualmente com transito em julgado sobre a mesma matéria proferida pelo mesmo tribunal (no caso Tribunal Supremo). O objectivo desta espécie de recurso é eliminar a discrepância entre as decisões judiciais sobre a mesma matéria evitando soluções jurisprudenciais dissonantes que afectem a boa e correcta interpretação da lei colocando em perigo a harmonia do sistema jurídico vigente.
Já o recurso de revisão de sentença visa, como o termo sugere, rever o conteúdo material (direitos) e ou formal (regras processuais) quando se percebe que o réu foi injustamente condenado, punido desmedidamente, etc. É um recurso que assenta na necessidade de rever os pressupostos em que se baseou a decisão judicial. Imaginemos um caso de um indivíduo acusado de furto de um veículo de que se vem a perceber ser proprietário da mesma depois de ter sido condenado e estar a cumprir cadeia. O furto, como facto criminal, desaparece dando lugar a inexistência do crime de que foi acusado. Vejamos ainda situação de uma outra pessoa que tenha sido julgado por crime de burla ou extorsão e condenado exemplarmente, mas que vem a provar-se que o facto em que assenta o crime de burla é afinal uma retenção feita no âmbito do incumprimento de um contrato pela contraparte que o acusou. Aqui, a relação contratual afasta a possibilidade criminal por se tratar de uma consequência natural de relações jurídicas disciplinadas pelo Direito Civil, e portanto, no mínimo ser considerado, caso seja, um ilícito civil – se não devia proceder a retenção – e nunca um ilícito criminal. Assim desaparece igualmente a matéria criminal dando lugar a extinção do conteúdo da sentença e da respectiva pena. Ou seja, o recurso de revisão de sentença visa, no essencial, a revisão do conteúdo da sentença por assentar em factos falsos embora juridicamente possíveis e como tais merecedores de uma sentença assim arbitrada. Ou seja, o réu não devia ter sido condenado se o tribunal soubesse da verdade dos factos (matéria de crime) ou não tivesse observado certas normas ou pressupostos da tramitação judicial (matéria processual), pois que a verdade formal; aquela que é apurada no respeito das normas processuais é a que é considerada contrariamente a verdade material que a mais das vezes encontra muitas causas de justificação – exclusão criminal – na própria lei. É o caso de um indivíduo condenado que efectivamente matou alguém podia ser condenado por crime de homicídio, todavia, veio a saber-se que é um doente mental devidamente atestado pelos serviços médicos. O que exclui a culpa e a consequente possibilidade de ser condenado. A demência torna-o inimputável e em consequência não pode ser condenando conduzido a cadeia. Aqui a verdade formal nega a verdade material e provoca o sentimento de injustiça no senso comum que leva a pensar que os tribunais favoreceram aquele que devia ser considerado criminoso. Pelo menos as pessoas assim pensam e se manifestam contrariados quando o juiz decide pela verdade formal em detrimento da verdade material, crua e nua na mente das pessoas vulgares. Portanto, no caso de uma sentença de revisão o objectivo é excluir a culpabilidade do réu refazendo os pressupostos da sua condenação.
É diferente do recurso da cassação (recour du cassation – do francês), o último tipo de recurso extraordinário na ordem de análise que estabelecemos, que visa a extinção da própria sentença e os respectivos feitos. Não se fala em rever a sentença aplicando uma outra em substituição e cuja novidade dos factos carreados seja favorável ao réu devidamente condenado ao abrigo do processo que impendeu sobre a sua acusação. Não. Aqui pretende-se que a sentença deixe de existir pura e simplesmente devolvendo a pessoa do réu a liberdade como se o julgamento nem sequer tivesse existido. Portanto, o recurso de cassação assenta no erro sobre a pessoa, sobre o facto ou sobre o tipo e pressupostos do processo de um julgamento que proclama uma injustiça clamorosa nos termos dos quais a condenação resulta em manifesta injustiça. Ou seja, enquanto o recurso de revisão vai contra uma sentença justa mas baseada em pressupostos falsos ou com fraco poder probatório contra o réu, o recurso de cassação vai contra uma sentença injusta; uma sentença ab initio vista como impossível de ser proferida por juiz sensato e a luz de um julgamento justo. E.g: o réu foi condenado por um tribunal de natureza penal que não devia ter arbitrado a sentença por se tratar de um ilícito cível e não criminal; o réu foi condenando a cumprir cadeia por um facto que nem é crime a luz do ordenamento jurídico vigente, ou porque o facto foi despenalizado a luz de uma nova lei vigente ao momento da condenação ou porque o facto foi erradamente qualificado como crime quando afinal é um mero ilícito civil, ou na pior das hipóteses nem sequer é um facto jurídico. Recordemos do exemplo fáctico que debitamos num artigo publicado neste periódico dando conta de uma sentença de dissolução matrimonial de um casamento religioso e que como tal não chegou a ser formalizado pelo registo civil a luz do ordenamento jurídico angolano. Ora, para a Lei, esse casamento não existe e portanto a própria sentença não existe igualmente. Portanto, o objectivo da Sentença de cassação é eliminar as sentenças baseadas em erros de julgamento. Erro sobre pessoa do réu – error in persona - (o individuo condenado pelo crime de furto nem sequer estava no local do furto quando tudo aconteceu ou se prova que é parecido ao verdadeiro autor do crime segundo um retrato falado ou imagem real do acontecimento).
Questão interessante em recurso de cassação, e que nenhum penalista angolano responde ou debita com necessário interesse doutrinal, é a de saber a razão do prazo dessa espécie de recurso ser apenas de 2 anos nos casos regulares e de 4 nos casos devidamente justificados. Parece que o legislador socorre-se da regra axiológica dormientibus non socurrit ius (correspondente ao dito popular: “camarão que dorme, a onda leva”) em homenagem a necessidade de celeridade do réu interessado em se abstrair da situação de falso julgamento que impende sobre si, inocentando-se a luz da lei. Há como que uma aceitação do “comportamento masoquista” do réu em ver-se graciosa e orgulhosamente na pele de um criminoso. Pois, vencido o prazo, o réu suporta a condenação injusta a que esta submetido. Portanto, pesa sobre ele uma condenação por inobservância de meros pressupostos processuais e não por ter efectivamente cometido o crime. Se o recurso de cassação não é interposto no devido momento, o réu cumpre a pena como se tivesse cometido o crime embora as autoridades judiciais e o público em geral saibam que o não cometeu efectivamente; embora todos saibam que é inocente. Apenas um indulto ou a amnistia pode salvar o réu de cumprir integralmente a pena nos casos em que possa ocorrer. Dixit.
REGISTOS E ARQUIVOS INSTITUCIONAIS DE DOCUMENTOS DOS PARTICULARES - Albano Pedro
Há dias fomos surpreendidos por uma matéria publicado neste periódico dando conta de uma sentença proferida num tribunal angolano cujo processo que deu causa se encontrava desaparecido. A sentença ditava a dissolução de uma relação matrimonial contraída segundo procedimentos religiosos e como tal sem qualquer base jurídico-legal. A questão que vem a baila não é a falta de base legal para um sentença judicial, até porque percebe-se claramente que um processo assim é inexistente, pois o matrimónio religioso a luz do Direito é pura e simplesmente inexistente, i.é, não existe como relação jurídica para merecer atenção de um jurista e muito menos de uma instância judicial. Mas a questão não é essa. Na verdade o que arrepia no facto é o desaparecimento do processo assim declarado pelo juiz da causa contactado a propósito. O que levanta várias questões: Como podem desaparecer processos em instituições públicas? A quem responsabiliza o desaparecimento de processos dos particulares confiados aos órgãos e serviços do Estado?, etc,etc.
Na verdade a questão central é mais funda: O que fazer em caso de desaparecimento de processos individuais? Como reconstitui-lo e a quem compete a responsabilidade de fazê-lo? É claro que no caso do juiz que produziu a sentença ao que parece terá percebido o erro da declaração judicial sem base jurídico-legal que produziu e preferiu sonegar a informação sobre o processo (minha opinião). Mas que dizer por exemplo, de situações em que um particular (pessoa física ou jurídica) que tenha feito certo tipo de registo (registo civil, automóvel, comercial, etc.,) é surpreendido com informação de que não existem arquivos documentais sobre o processo que reclama quando vai a instituição no intuito de solicitar a emissão do documento por simples caducidade ou perda? Há casos de pessoas cujos arquivos dos respectivos registos civis foram destruídos junto com as conservatórias que os albergavam ao longo do conflito armado que assolou o país, como também existem milhares de casos de pessoas incapazes de provar as habilitações literárias porque os arquivos dos processos escolares foram destruídos com os respectivos estabelecimentos de ensino. Outros casos semelhantes podem ser chamados a elencar os exemplos muito férteis num país que como o nosso emergiu recentemente do caos da guerra e da destruição.
A partida, o Estado e seus agentes são responsáveis pelos danos causados aos particulares no cumprimento ou não das suas actividades. É a ideia central das disposições normativas constitucional (art.º Lei Constitucional – LC – Constituição para o legislador) e ordinária (art.º 430.º do Código Civil – CC). Delas, e de outras, se desencantam a responsabilidade na reparação dos danos resultantes dos desaparecimentos dos processos e da impossibilidade de emissão de novos. Entretanto, a questão que interessa é se o Estado deve ou não refazer os processos e como? Estamos longe de um enunciado normativo que impõe claramente essa responsabilidade aos órgãos e serviços do Estado. Entretanto, nada impede que essa obrigação decorra de uma sentença judicial cujo processo e intentado no sentido de obrigar o Estado a reconstituir o processo desaparecido ou extraviado pelos seus agentes. Não será certamente no seguimento de normas do Direito Público, nomeadamente do Direito Administrativo, mas de um processo judicial com tramitação cível e em homenagem ao princípio processual segundo o qual “todo o direito corresponde a um processo” (art.º 2.º, n.º2 – Código de Processo Civil – CPC). O que não descarta quaisquer responsabilidades disciplinares ou criminais vertidas contra os agentes que com dolo (manifesta intenção) terão motivado o desaparecimento dos processos em causa.
Entretanto, um processo judicial intentado com o propósito de produzir a reconstituição de processos administrativos em benefício de particulares carece de elementos probatórios idóneos. As cópias dos documentos devidamente reconhecidas no notário são bastantes. Mas raramente existem. Então o recurso a cópias com menos força probatória acrescido de leques de testemunhas e vários factos produzidos em esferas jurídicas com sustento dos respectivos documentos (contratos, inscrições, etc.) podem facilitar a reunião de provas. Mas há casos em que a reconstituição de processos documentais nesses termos não é possível. Então pode ser facultada ao particular a possibilidade de reiniciar a constituição do processo desaparecido reunindo os documentos que constituem a sua base. Aqui falamos de reconstituição voluntária contrariamente a reconstituição litigiosa que exemplificamos acima. Ora, a reconstituição voluntária por disponibilidade dos serviços públicos quando seja facultada ao particular a todo o tempo não tem porque gerar conflitos e nem danos aos particulares. Por exemplo, a possibilidade de fazer o registo civil caso não hajam quaisquer meios de prova de ter sido feito antes não +e condicionada no tempo. A qualquer momento, e no completo arbítrio do particular, o registo pode ser feito e ponto final. Entretanto, existem casos, não raros, em que o momento da constituição ou da reconstituição dos documentos é condicionada pelos próprios serviços do Estado. Pensemos no chamado registo civil de adultos que vem sendo feito apenas quando o Estado, através dos seus serviços, entende lançar uma campanha a propósito com o fim de registar os cidadãos sem quaisquer documentos de identificação civil (cédula, certidão de nascimentos, bilhete de Identidades, etc.). O facto de ser periódico o registo potencia danos na esfera jurídica dos particulares. Imaginemos a situação em que o individuo na condição de adulto sem registo precisa viajar para um outro país por imperativos patrimoniais ou outros de cuja falta acarreta graves prejuízos na sua vida pessoal e não tem documentos pessoais por falta de registo civil que não pode ser feito por falta de actividade ou autorização da respectiva campanha? O Estado é seguramente responsável pelos danos que recaírem na esfera jurídica do indivíduo nessa condição. Por ser aquele que impediu a verificação da condição de que carecia para viajar.
Que dizer pois dos casos em que por causa da falta de documentos o particular terá sofrido prejuízos incalculáveis? Por exemplo, a criança que não pode iniciar os estudos por inscrição num estabelecimento de ensino público ou privado devido a falta de documentos dos pais que impossibilitaram o seu registo civil, o registo de um automóvel na conservatória que não pode ser feito por falta de arquivo do respectivo livrete, etc., são casos que geram prejuízos com danos incalculáveis que como vimos responsabilizam o Estado e seus agentes nos termos do que já dissemos acima. Para estes casos, mais uma vez chamamos a responsabilidade do Estado pelos danos produzidos na esfera dos respectivos interessados. Dixit.
O ESTADO E A ACTIVIDADE EMPRESARIAL: A PRÓPOSITO DA EXPLORAÇÃO DE ACTIVIDADE HOTELEIRA PELA ASSEMBLEIA NACIONAL - Albano Pedro
O programa de exploração de actividade hoteleira pela Assembleia Nacional surpreendeu alguns políticos da nossa praça, para além de surgir como algo novo para a opinião pública nacional. De facto, à Assembleia Nacional, enquanto órgão de soberania do Estado, é reconhecida a actividade de legislar em nome do povo exercitando assim a soberania própria deste (art.º 3.º - Lei Constitucional – LC, Constituição, segundo o legislador). Desde logo, nenhuma outra competência ou atribuição, para além daquelas que decorrem da sua actividade soberana, é reconhecida por Lei (LC).
Com efeito, ao Estado, enquanto pessoa jurídica, é reconhecido o papel de agente económico (consumidor e fornecedor de bens e serviços) ao lado das empresas e das famílias, protagonizando, na vertente do fornecimento, o sector público da economia (empresas públicas) e o sector misto da economia (empresas mistas – em que o Estado associa-se a entes particulares). Esta qualidade de agente económico leva a definir o modelo de economia vigente em Angola como sendo o de iniciativa privada e de livre concorrência entre os agentes estabelecendo a coabitação dos sectores público, misto e privado da economia (art.º 92.º - LC). Ora, o Estado como agente económico activo (fornecedor) é, representado pela administração pública, enquanto corpo executivo do Governo. Ora, a Assembleia Nacional (poder legislativo) e Governo (poder executivo) tem atribuições distintas, embora algumas das competências própria de um órgão sejam exercidas pelo outro, designadamente nos casos de reservas relativas de competências que acontece no âmbito legislativo (art.º 165.º - LC). Esta divisão constitucional do âmbito dos poderes impõe limites de acções recíprocas em esferas exclusivas dominadas por qualquer um deles, incluindo o poder judiciário (representado pelos tribunais), como terceiro órgão clássico de soberania do Estado.
O Estado enquanto pessoa jurídica (muito semelhante a uma empresa) tem como principal objectivo a segurança e o bem-estar das pessoas compreendidas no seu espaço territorial (art.º 1.º - LC). Nessa condição é representado por três órgão “soberanos” (embora em Angola se verifique rigorosamente em apenas um) cuja missão é criar leis (poder legislativo), executar leis (poder executivo) e fiscalizar leis (poder judicial) com vista a materializar os seus objectivos em nome dos interesses soberanos do povo. Aqui faz sentido que em Constituições típicas ou normais, o Governo seja um órgão de soberania porque nessa qualidade titula em nome do povo toda a res-publicae (coisa pública) ou o património colectivo da sociedade. Esta condição obriga a desenvolver uma actividade financeira por meio da qual capta e despende meios financeiros, i.é, obtém receitas e realiza despesas com objectivo de sustentar o Estado, como sociedade política organizada. Ora, a actividade financeira é exclusiva do Governo (poder executivo) daí que o orçamento geral do Estado seja executado por este órgão embora beneficiando os demais. Ou seja, compete ao poder executivo obter meios financeiros para sustentar a actividade de todos e quaisquer órgãos do Estado.
Não faz sentido que a Assembleia Nacional, se preste a explorar actividades rentáveis com imediato objectivo de captar receitas para o seu sustento ou para cobrir determinadas despesas. Aliás, resulta esdrúxulo tentar perceber que a Assembleia Nacional que aprova o Orçamento Geral do Estado prevendo os exactos montantes financeiros para a gestão de todo o Estado evita aumentar a sua própria rubrica financeira preferindo concorrer com o Executivo que o executa também em seu benefício. Se não for por razões manifestamente inconfessas, a exploração de actividades comerciais é pura e simplesmente descabida. É o mesmo que retirar essa função do poder executivo reconhecendo que é incapaz de satisfazer as necessidades da colectividade. Para além de que o poder legislativo assim se presta a uma actividade inconstitucional por exorbitar grosseiramente o âmbito das suas atribuições. Dixit.
NAÇÃO, PÁTRIA E ESTADO II: DO NACIONALISMO AO PATRIOTISMO - Albano Pedro
No processo de formação de uma sociedade observa-se num primeiro momento a formação da Nação e num segundo momento a Pátria, embora pareçam, em geral, simultâneos no seu surgimento. O facto reside na simples lógica e que os homens formam uma sociedade e depois escolhem o local (território) para assentá-la, embora o contrário seja igualmente possível – aqui não consideramos as excepções – perversões se quisermos - a essa regra, que são os já citados (no texto anterior) povos sem Pátria (Ex. os nómadas, como os povos ciganos e entre nós os Kung de Angola – Bosquímanos). Assim é o processo de formação da maioria das sociedades africanas que iniciaram com a Nação e por fim realizaram a Pátria depois de os seus povos protagonizarem longas migrações. Angola é um exemplo disso. Os bantu – dos quais a maioria dos angolanos descende -, ocuparam os territórios demarcados actualmente como Angola depois de longas e milenares migrações desde o continente asiático. A formação das nações bantu deu-se de modo ambulatório ao longo de milhares de anos. Porém, percebe-se que a aquisição do sentimento patriótico é um dado posterior a ideia de Nação já perfeitamente formado na consciência dos bantu.
Nesse aspecto, o Estado como síntese jurídica da Nação e da Pátria resulta dos movimentos constitucionalistas nascido da revolução burguesa que derrubou a monarquia vigente ao longo do período medieval com as chamadas sociedades estamentárias, i.é, constituídas por estamentos ou classes sociais rígidas e incomunicáveis – no sentido de interacção - entre si, designadamente camponeses, burgueses, nobres e clero. O derrube da nobreza e dos seus privilégios assegurados pelo clero sobre as restantes classes deu lugar ao conceito jurídico de Estado (porque nascido do direito concertado socialmente – Cfr. Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau e das ideias iluministas de outros pensadores europeus da época). O Estado ou sociedade constitucional nasceu com o movimento liberal – Estado Liberal (que foi um outro extremo em relação ao Estado estamentário) que por sua vez foi superado pelo Estado Neoliberal, Estado social, etc., na busca de uma sociedade cada vez mais harmonizada aos interesses de todos com fundamento na constituição. É o Estado moderno e pós-moderno que passa pelo nosso momento histórico.
Portanto, do ponto de vista histórico e da própria sucessão dos elementos, a Nação é sempre anterior ao Estado, embora a Pátria nalguns casos seja simultânea ao Estado. O Povo namibiano é um exemplo de que a Pátria é simultânea ao Estado, pois a proclamação da independência (nascimento do Estado) foi simultânea a formação da Pátria, embora a Nação (representada pelo movimento de libertação – SWAPO) tenha sido anterior. Aliás, é a nação que suportou o movimento de libertação. De uma maneira geral, o Estados independentes pós-coloniais em África são desta configuração. Os Estados são simultâneos a Pátria (o que não é o caso de Angola cujo Estado usurpou a Pátria – Cfr. texto anterior sobre está temática). Entretanto, não são anteriores a Nação como algum sector da doutrina jurídico-constitucional angolana – cfr. Jurista e constitucionalista Adérito Correia – pretende insinuar, quando defende que em Angola, a Nação está num processo de formação depois da independência. Jamais a Nação será posterior ao Estado por formar o seu substracto humano. Pois, sem o povo de que emana a Nação, o Estado não existe pura e simplesmente. Já a proclamação da República de Angola resultou numa contradição constitucional na medida em que a Pátria que lhe subjaz não foi consagrada no texto magno desde então.
O Estado como síntese jurídica da Nação e da Pátria, representa ambas dimensões cristalizadas pelos direitos fundamentais dos quais nascem os Deveres Cívicos (Cives – cidade) ou deveres de cidadania em prol da harmonização dos interesses dos indivíduos. O patriotismo e o nacionalismo são anteriores aos deveres e direitos de cidadania e estabelecem uma relação com estes nos mesmos moldes que os direitos naturais (direitos anteriores a sociedade e como tais ligados ao homem enquanto ser) estabelecem com o Direito positivo (vigente na forma de lei e que corporiza o Estado). O sentimento nacionalista e patriótico é mais profundo e mais forte que os deveres de cidadanias e quando ameaçados provocam alterações na ordem constitucional de modos a estabelecerem novos deveres de cidadania e mais conforme com os mesmos. As revoluções violentas e os golpes de Estado são exemplos da força imperativa de fundo nacional e patriótico sobre os direitos fundamentais e a ordem política que estes legitimam. A cidadania é assim o estatuto jurídico do patriotismo e do nacionalismo estabelecendo os marcos delimitativos da sua manifestação nos indivíduos.
Em Angola, o Estado Unitário consagrado constitucionalmente é uma ficção jurídica asfixiante. Suprime a pluralidade de nações e impõe a uniformização do sentimento nacional actuando como um perfeito instrumento de escravidão e alienação dos indivíduos. Vem disto a crise de identidade dos angolanos. E o que hoje é considerado crise de valores não tem outra causa na medida em que ao retirar a Pátria, em arrasto, o Estado promoveu uma pobreza generalizada (crise económica) entres os angolanos. O que responde ao ideal e projecto da colonização portuguesa. O Estado devia cumprir a sua missão harmonizadora das nações e das pátrias, o que seria possível com o projecto de Estado Federal reagindo positivamente a liberdade das nações e com um projecto de Pátria efectiva para cada um dos angolanos.
O sentimento patriótico é o que justifica todos os meios possíveis para a sua manifestação sem sanções visíveis na ordem ética e jurídica internacional. Não existem meias medidas quando o assunto é defender o território contra os invasores. Apesar das extremas baixas sofridas pelos americanos ao longo da guerra de ocupação contra o Vietname, jamais os americanos (e o mundo de uma maneira geral) apontaram exageros nos morticínios causados pelos vietnamitas e seus dirigentes. Já o nacionalismo, via de regra, exalta hegemonia de uns contra outros desequilibrando a balança da igualdade entre os indivíduos e a ideia da justiça. Os exageros nesse campo são gravemente sancionados. Em 1994, o genocídio do Ruanda provocado pela Nação Hutu contra a Nação Tutsi levou as barras dos tribunais todos os seus mais destacados autores e as atrocidades condenadas pelo mundo. E tudo porque o nacionalismo ataca pessoas e seus interesses enquanto o patriotismo preserva bens e os direitos inerentes. Todavia, o exercício da cidadania implica a manifestação do sentimento nacionalista e patriótico. São partes intrínsecas da natureza das regras e princípios que forjam os direitos fundamentais consagrados no texto Magno.
Entre nós, angolanos, o sentimento nacionalista é plurilocalizado – ou seja pode ser identificado como obedecendo a motivações distintas de acordo com as aspirações dos diferentes grupos étnico-linguísticos (ambundu, bakongo, ovimbundu, nganguela, cokwe, ovambo, etc.) que compõem os povos de Angola. Não é uniforme e nem é harmonizado. E até um certo ponto, não é benéfico a sociedade a sua manifestação por tender pela exaltação do regionalismo. Portanto, é um erro considerar nacionalista quem lutou pela expulsão da potência colonizadora do território angolano através dos movimentos de libertação. É patriota (pelo menos seria se este estatuto não fosse negado constitucionalmente – já conferimos o art.º 15.º da Lei Constitucional – LC, Constituição para o legislador). O nacionalismo em Angola não defende a integridade do Estado mas a hegemonia e até a separação dos povos (Cabinda e Lundas são exemplos). O sentimento regionalista de alguns povos de Angola resulta manifestamente de um justificado nacionalismo trazido desde a ancestralidade dos mesmos. Justificado porque o Estado nega os valores de Nação destes povos.
O nacionalismo, entre nós, conhece duas nuances. Uma defendida pelo partido-Estado (MPLA) desde a independência e que persiste de modo injustificável nalgumas decisões institucionais. E outra que anima as tendências político-partidárias dos diferentes povos de Angola. Percebe-se que a tendência da FNLA ter apoios incondicionais na zona norte de Angola, a UNITA, na zona centro e sul de Angola e o MPLA tender para uma miscigenação é a manifestação dessa realidade operada desde as lutas de libertação. Por exemplo, a tendência para determinar o encerramento das igrejas islâmicas em Angola espelha um nacionalismo de Estado, por nascer da decisão dos governantes. Mas um nacionalismo fundamentalista por extrapolar a própria ideia de Estado plural e laica constitucionalmente consagrada. Ainda por cima podemos considerá-la um Nacionalismo Fundamentalista de Estado por ser agenciado pelo Executivo em nome de todo um conjunto de povos, que certamente não estão em acordo entre si nesta matéria. Os exemplos de nacionalismos são vários, mas em Angola têm de comum não defenderem em concreto valores do povo. Porque o povo angolano não é um e como tal identificado pelos mesmos padrões axiológicos como os governantes procuram impor. Daí que a cultura angolana não seja claramente padronizada de modos a ser homogeneamente representada entre outros povos. Disto resulta a permeabilidade aos valores culturais estrangeiros, sobretudo ocidentais por imporem alguma harmonia. Isso é para ser percebido com clareza, antes de ser condenado. Dixit.
NAÇÃO, PÁTRIA E ESTADO: DO CONCEITO IDEOLÓGICO A REALIDADE POLÍTICA - Albano Pedro
Desde a independência da República de Angola que o slogan “Um só povo e uma só nação” se tornou num pretexto de unificação dos angolanos em torno de um ideal de sociedade. Um pretexto de relançamento social pós-colonial e um pretexto de organização e desenvolvimento dos angolanos na base de um sentimento comum de pertença aos valores políticos, económicos e culturais. Era um slogan de forte valor mobilizacional, desde a independência ao final dos anos 80 altura em que Angola era governado na base de um modelo de Estado de economia centralizada e de partido-único. Era então um slogan que servia fundamentalmente interesses ideológicos da política dominante.
Passados anos e enterrado (pelo menos formalmente) o sistema de partido-único e de Estado de economia centralizada, o exame sobre a ideia de unidade nacional do povo merece alguma atenção a partir dos conceitos que lhes subjazem ou lhes são inerentes. Se analisada na essência, uma nação entre os angolanos é simplesmente impossível pelos factos lógicos que vamos a debitar. O conceito de nação está ligado a origem sanguínea e biológica comum e nos dias de hoje o conceito corporiza a ideia de unidade cultural. Dizer uma só nação para os angolanos seria então negar a existência de várias culturas (vários grupos etnolinguísticos – como são os ambundu, cokwes, bakongo, nganguelas, ovambos, etc. – constituindo um arquipélago de laços culturais autónomos de fundo sanguíneo e biológico assim percebidos dos seus ancestrais. O conceito de nação exalta o sentimento de pertença cultural a um grupo social especifico. Um grupo unido pela identidade cultural e de duração indefinida no tempo desde os períodos mais remotos da sua história.
É diferente do conceito de Pátria que está relacionado com a ideia de ligação telúrica (ligação a terra) que bem exprime o seu étimo do latim patrius, que quer dizer terra dos antepassados. Assim, Pátria esta relacionada com os pertences físicos deixados desde os ancestrais. Os bens materiais que exprimem a existência histórica do individuo desde a sua origem. Todo o património, onde se destaca a terra ou a propriedade fundiária com os seus derivados imobiliários que venham a integrar a titularidade de propriedade sobre bens. Ou seja, a Pátria só existe quando o individuo está vinculado a sociedade por título de posse (reconhecida pela sociedade) ou propriedade (reconhecida por lei). Por um direito ligado a terra ou bem imóvel, bem como os bens móveis a eles ligados (acessorium sequitur principale) que sejam pertença sua por vínculo aos seus ancestrais.
Alguns exemplos podem ser chamados para a destrinça das dimensões de Nação e de Pátria. Ao longo do período pré-colonial e mesmo colonial, os escravos não tinham nação e nessa condição eram equiparados aos estrangeiros no que tange a legitimidade de pertença nacional, com a diferença de estarem reduzidos a coisas (res), integrando o património do seu senhor e por isso estando sujeito a transacções tal como acontece a qualquer mercadoria. Não tinham nação porque eram deles extraídos para servirem a outros povos – quando a saída do seu meio social (grupo étnico-linguistico) acontecesse. Mantendo-se nela a dimensão nacional prevalecia apenas na lógica de mero enquadramento geo-histórico já que a Pátria desaparecia com a sua conversão nessa condição. Os povos ocupados, entretanto ao perderem os seus bens titulados desde os ancestrais perdiam a Pátria, embora preservando a nação. Dos exemplos decantamos que não é possível nação sem pátria e vice-versa. Qualquer das dimensões implica a outra para que se realize axiologicamente a integridade moral e ética do indivíduo em relação a sociedade em que pertence. Os povos nómadas são exemplos de Nação sem Pátria, enquanto os estrangeiros podem aceder a Pátria sem Nação. Ambas as dimensões são de tal modo dependentes que sem os mesmos não se fala em Cidadania. A cidadania plena significa legitimidade de pertença biológica e patrimonial. Isso, mesmo as constituições modernas reconhecem quando garantem o estatuto de cidadão, aos indivíduos com vínculo de sangue (Nação) ou solo – terra (Pátria). A dependência está no facto das relações de sangue (Nação) implicarem ligações telúricas (Pátria) ao Estado de que se é nacional.
Desde logo, a Angola não é pátria para muitos (no sentido jurídico e não histórico como veremos abaixo) embora desta maioria seja nação. Enquanto para o conceito de Nação, a ideia está no nascimento e desenvolvimento do indivíduo num grupo social definido, a Pátria diz respeito a posse efectiva – e por direito ancestral – de bens imóveis (especialmente terras) nos quais se pode dar a continuidade da descendência. Portanto, a Pátria exalta o sentimento de pertença patrimonial.
Os sentimentos que a Nação e a Pátria inspiram nos indivíduos, embora correlacionados, não se confundem, uma vez que a Nação está para o povo tal como a Pátria está para o território. O patriotismo reflecte os valores que inspiram a defesa do território, enquanto que o nacionalismo diz respeito a defesa dos valores do povo. Por dizer respeito a dimensão intangível ou espiritual, o nacionalismo pode ser exacerbado chegando aos limites do fundamentalismo com todos os seus efeitos nefastos que desequilibram a harmonia entres os indivíduos na mesma sociedade. A defesa dos valores religiosos (em Angola cresce a onda de hostilização das igrejas não católicas), culturais (os homossexuais estão a ser combatidos em muitos quadrantes), artísticos (há dirigentes que desdenham e não dão espaço a música e a dança kuduro), etc., são provas da dimensão nacional das pessoas que como se percebe facilmente descamba em sentimentos doentios. É em nome do nacionalismo que Adolf Hitler levou o mundo a II Guerra Mundial, da mesma maneira que actualmente motiva muitos ditadores de se sentirem no direito de governar sobre os povos em nome da protecção dos seus valores. Os crimes contra a humanidade e as grandes barbaridades são praticados em nome do nacionalismo. Daí as revoluções violentas – por assentarem em nacionalismos febris – sejam perigosas devido a obsessão dos seus agentes pelos valores do povo, muitas vezes mal compreendidos (Cuba foi formada na base de um sentimento nacionalista, mas seguramente, o povo cubano jamais desejou viver a privações do comunismo – o exemplo serve igualmente para muitos países africanos, incluindo Angola). O patriotismo, porém, jamais alcança dimensões fundamentalistas. Não é possível pelo simples facto de ser histórico de que para a protecção da integridade territorial todos os meios são poucos e por isso necessários. E o mundo não concebe exageros quando se trata da defesa do território. Via de regra, os valores de pátria animam os militares nas frentes de combate e o povo que se prepara para conter uma invasão ao seu território. Sem os valores de pátria ninguém está verdadeiramente motivado a defender o Estado contra invasões externas. Num latifúndio preste a ser tomado por invasores, os assalariados, temendo o perigo das suas vidas, abandonam sem cerimónias o latifundiário que é afinal o único que deve reagir contra a invasão em nome do seu legítimo património. Da mesma maneira que soldados estrangeiros, quando não mercenários, são os menos motivados num exército em actividade militar intensa.
Aliás, o Patriota (do grego patriotes – donde o termo Patrício - identificava o cidadão romano da alta classe social (nobreza) e a organização militar romana reflectia claramente a relação de Pátria e o individuo. Os graus militares eram atribuídos em função da condição patrimonial. Os detentores de grandes posses eram os centuriões (hoje seriam os generais) e eram os que comandavam as legiões montados a cavalo com vestes militares distintas e ostensivas. Os decuriões (oficiais subalternos) e os legionários (soldados) eram os plebeus e escravos. A lógica do sistema militar romano assentava no facto de o interesse pela defesa aguerrida da pátria estar muito mais na vontade dos patriotas (patrícios) do que dos restantes extractos sociais pelo facto de serem os maiores possuidores de bens patrimoniais. Aliás, a Pátria da origem ao conceito de República (do latim, res publicae ou coisa pública exprimindo o conjunto dos bens públicos. O que é o mesmo que património público nos dias de hoje) e vem da organização de Roma que bem reflectia a importância da ligação patrimonial do individuo na defesa da integridade do território. Ou seja, quanto maior a capacidade patrimonial, maior o sentimento patriótico.
O Estado por sua vez é uma realidade jurídica (síntese das dimensões política e económica como veremos) em que tradicionalmente se identificam o território, o povo e o poder político. Vem desta tríplice perspectiva do Estado a divisão das constituições modernas – a nossa é aqui tomada como referência - em três partes, quais sejam: primeira parte que versa sobre a organização da república - Território (do art.º 1º ao art.º 21.º), a segunda sobre direitos fundamentais – Povo (do art.º 22.º ao art.º 104.º) e a terceira sobre a organização do poder do Estado – poder político (a partir do art.º 105.º). As mais recentes correntes das Ciências Políticas resumem o Estado ao substracto humano: o povo. Por ser o destinatário da própria ideia de Estado. Do ponto de vista teleológico, o Estado está para a harmonização dos interesses do povo através da imposição de uma autoridade (potesta) que é afinal a razão da organização política e económica da sociedade. Ora, ao conceito de território, subjaz a ideia de Pátria, enquanto ao conceito de Povo, subjaz a ideia de Nação. Consequentemente, destas duas realidades resultam o facto de que a Nação está para a expressão política de um povo tal como a Pátria está para a expressão da sua economia. É da expressão económica do Estado que se toma o conceito de República por exaltar a pertença patrimonial sobre o Estado. Então, Estado é a forma jurídica da Nação e da Pátria. A forma jurídica da realidade política e económica de um povo, se quisermos um resumo.
A nação e a pátria corporizam juntos a ideia de soberania de um povo. Historicamente, a Nação e a Pátria (portanto, a soberania dos angolanos) foram interrompidos ao longo do processo de colonização de Portugal sobre os territórios dantes ocupados pelos diferentes povos de Angola. Impôs-se a nação e pátria (soberania) de um outro povo: o português. Os angolanos passaram a nascer em solo português e a constituírem laços telúricos em território dominado pelo colonizador. Depois da colonização, ao povo foi devolvido parcialmente a nação com a independência de Angola, entretanto, a Pátria deixou de existir com a nacionalização do território e da propriedade fundiária. A devolução parcial que ainda persiste nos dias de hoje resulta do reconhecimento jurídico-legal (via constitucional) do povo e suas liberdades fundamentais sem que tal se traduza na realidade fáctica. Já a Pátria não nasceu por supressão legal. Nesse sentido, a Lei Constitucional – LC (Constituição, segundo o legislador) atesta que «A terra, que constitui propriedade originária do Estado, pode ser transmitida para pessoas singulares ou colectivas, tendo em vista o seu racional e efectivo aproveitamento, nos termos da Constituição e da Lei.» (art.º 15.º, n.º1). A Pátria resultaria de a terra pertencer originariamente ao povo; aos indivíduos que o compõem. Não se concebendo nesse caso que as pessoas colectivas tenham acesso directo a terra por não poderem exprimir sentimento de pertença patriótica. Assim, não é possível falar-se em dever patriótico ou em apelos a defesa da pátria, por esta dimensão material não existir em cada um dos angolanos devido a deliberada expropriação operada por via constitucional. E aqui reside a essência da ruptura entre a constituição originária (reconhecida legalmente ao povo – art.º 3.º - LC) e a constituição derivada (materializada pelos deputados, cuja representação efectiva do povo é assim posta em causa).
Destarte, não faz sentido que Angola seja uma só nação. Pelo contrário, são várias nações, embora não sejam legalmente reconhecidas como tais. Tal como não faz sentido que exista uma Pátria e em consequência uma República. Pois, os angolanos estão despidos de titularidade de terras, quebrando os vínculos telúricos, por via constitucional. Todavia, o Estado, esse conceito vai sendo imposto pela via legal a partir do seu nascimento operada pela independência (de uma República materialmente inexistente) como justo título jurídico originário, porém progredindo sem a sua dimensão política (Nação) porque ao povo é negado as liberdades fundamentais e sem a dimensão económica (Pátria) porque ao povo é igualmente negada a propriedade sobre a terra. Como ficou claro, ambas as dimensões não podem ser compreendidas isoladamente no que tange a ideia de Estado e da soberania do povo. Portanto, o povo angolano não é soberano como as normas constitucionais consagram. Dixit.
DIREITOS DO CONSUMIDOR: RAZÃO DA SUA PROTECÇÃO - Albano Pedro
No pretérito dia 15 de Março comemorou-se o dia mundial do consumidor. A data foi institucionalizada em 1983 por decisão da ONU em homenagem ao dia em que John Kennedy dirigiu uma mensagem ao Congresso (1962) por ocasião da proposta do primeiro documento normativo para protecção exclusiva dos consumidores (Consumer Bill of Rights) que ele mesmo propôs. Foi a partir desta proposta legislativa que se tornou vulgar o conceito jurídico de consumidor consagrando a essa nova categoria subjectiva não só a susceptibilidade de ser destinatário de direitos mas também de ser titular dos mesmos envolvendo quatro pilares: segurança, informação, escolha entre produtos com preços competitivos e direito de ser ouvido pelos governos na formulação de políticas de consumo.
Na verdade a problemática dos direitos do consumidor começa a ser vista apenas a partir dos anos 60, altura em que a dinâmica da economia mundial sugeria a desigualdade nas relações de compra e venda entre os indivíduos (famílias) e os grandes fornecedores sobretudo colectivos (empresas). Muito longe de ser equivalente ao simples contrato de compra e venda onde impera a vontade das partes e a reciprocidade de vantagens (entre nós, relação disciplinada pelo Direito das Obrigações – Código Civil), as relações jurídicas de consumo se revelavam desequilibradas. O consumidor (comprador) é visto como um tipo hipossuficiente (fraco) numa relação de compra e venda onde a contraparte (conhecido como fornecedor) transferia a mais das vezes custos e prejuízos de difícil compensação ou reparação. Ou seja, se por um lado existiam relações de compra e venda perfeitamente equilibradas tal como acontece com a compra e venda civil (entre o comprador e o vendedor – vide: um individuo que adquire um bem a um outro não comerciante habitual deste bem) e a compra e venda comercial (entre sujeitos de direito comercial nomeadamente comerciantes – vide: uma loja de revenda que se abastece de um armazém adquirindo as mercadorias de que dispõe), por outro percebiam-se relações de compra e venda completamente desequilibradas onde uma das partes figurava completamente desprotegida em face ao poder de manobra mercadológica (marketing) do fornecedor (propaganda enganosa, defeitos de fábrica, má informação do produto ou serviço, falsificação, etc.). Era pois a relação entre um indivíduo (sujeito de direito civil) e um comerciante (empresa – para usar um conceito moderno) que é um sujeito normal de Direito Comercial. Portanto, o desequilíbrio nasce a partir do momento em que sujeitos cujos direitos são normalmente disciplinados por ramos de direitos distintos entendem estabelecer uma relação jurídica.
A percepção desta relação desequilibrada e necessidade de estabelecer políticas de defesa para a parte mais fraca levou os EUA aprovar várias leis visando a protecção do consumidor e em 1980 os direitos do consumidor foram levados a ONU e que acabou aprovando a Resolução n.º 39/248, em 9 de Abril de 1985. Desde então os direitos de consumidor começaram a incorporar os diversos direitos internos dos países membros iniciando uma nova era mundial no tratamento desta espécie única de relação de compra e venda.
No ordenamento jurídico angolano, os direitos do consumidor estão consagrados no art.º 78.º da Lei Constitucional – LC (Constituição, para o legislador) e toda a sua disciplina normativa se concentra na Lei n.º15/03 de 22 de Junho, conhecida como Lei de Defesa do Consumidor (LDC) prevendo dentre vários, o mecanismo de responsabilização do fornecedor lesante dos interesses do consumidor. E quais sãos as partes da relação de consumo? Desde logo, o simples comprador de um bem adquirido de um vendedor não habitual (um não comerciante ou profissional do bem ou serviço) não é protegido pela LDC tal como não é protegido o lojista que adquiriu mercadorias para venda a retalho de um armazenista. No primeiro exemplo, a protecção é declinada porque os sujeitos protagonizam uma relação jurídica de natureza puramente obrigacional (direito civil) e no segundo exemplo, a relação é puramente comercial (Direito comercial) e em ambos os casos há equilíbrio entre os sujeitos. A relação de consumo é estabelecida entre o comprador que adquire bem de um comerciante (empresário) ou profissional tipificado na LDC. Aqui o comprador ganha o estatuto de consumidor por comprar de um profissional ligado ao bem ou ao serviço. E não é qualquer comprador: assim também, não é consumidor o indivíduo que adquiriu de um comerciante e depois vendeu a um terceiro mesmo não sendo revendedor. Nessa condição não pode reclamar os direitos que protegem o consumidor se o terceiro a quem vendeu o bem vira a provar que ele foi enganado pelo seu fornecedor. A LDC fala no destinatário final (a teoria consumista assim defende). É consumidor «…toda a pessoa física ou jurídica a quem sejam fornecidos bens e serviços ou transmitidos quaisquer direitos e que os utiliza como destinatário final, por quem exerce uma actividade económica que vise a obtenção de lucros.» (art.º 3.º, n.º1). O consumidor é aquele que figura em último lugar na cadeia de compra e venda de um bem ou serviço.
Quanto ao fornecedor, não é qualquer um que se acha como tal. A LDC tipifica igualmente essa categoria subjectiva estabelecendo que é «…toda a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem actividade de produção, montagem, criação, construção, transportação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de bens ou prestação de serviços.» (art.º 3.º, n.º2). Desde logo o Estado não é fornecedor quando presta serviços da sua esfera de competência exclusiva (serviços judiciais, notariais, administrativos, etc.) por não perseguir fins lucrativos. Apenas quando o faz por intermédio das suas empresas (empresas públicas) – como quando fornece luz eléctrica, água, recolha de lixo e outras actividades úteis as populações. Assim também é o critério utilizado para classificar os restantes entes de Direito público que participam da relação jurídica de consumo.
O bem objecto da relação de consumo tanto pode ser material como imaterial e o serviço prestado é qualquer actividade fornecida mediante remuneração (art.º 3.º, n.º3 e 4). Desde logo não basta que haja um fornecedor e se perceba um consumidor. É preciso que o bem ou serviço sejam pagos ou remunerados. O bem ou serviço não pago (total ou parcialmente) não desencadeia a responsabilidade jurídica do consumidor. Dixit.