sábado, 28 de janeiro de 2012

ALBANO PEDRO ENTREVISTADO PELA REVISTA FIGURAS&NEGÓCIOS

ALBANO PEDRO

(Entrevista concedida a Revista Figuras & Negócios em Novembro de 2011)

FIGURAS&NEGÓCIOS (F&N) Acha que a desconfiança que se estabeleceu quanto à composição da Comissão Nacional Eleitoral Independente tem ou tinha razão de ser?Tanta contestação porquê?
ALBANO PEDRO (AP): Pelo que a oposição política interpreta por independência, e o resultado da hermenêutica constitucional não é diferente, é que a composição desse órgão seja não só heterogênea prevendo a integração de personalidades ligadas a sociedade civil e com alto nível de credibilidade ética e de integridade moral, escolhidos através de um processo completamente imparcial, como também seja verdadeiramente independente do Executivo, seja do ponto de vista humano, financeiro, técnico, logístico e material. Pretende-se, enfim que a participação do Executivo em todo o processo eleitoral seja meramente acessória e dependente da CNE como condição de um processo eleitoral transparente e sem margens para fraudes.
F&N: Acha que o partido no poder esteve por detrás da crise que se despoletou, quer no processo de aprovação da constituição da referida CNE, como na condução do registo e actualização do cartão do eleitor?
AP: O MPLA através do Executivo, tem desviado os poderes da CNE para o MAT (Minsitério da Administração do Território) em muitos aspectos que dizem estritamente respeito àquele órgão. Assiste-se a antecipação de um conjunto de actos que em boa verdade deveriam ser conduzidos pelo CNE , como um orgão imparcial.
F&N: Como personalidade activa na vida política do país considera que esta crise acaba por fortalecer o partido no poder ou não?
AP: É claro que ilusoriamente o MPLA sai a ganhar porque pode arrastar-se no poder sem eleições para além do tempo estabelecido constitucionalmente e no meio disso pode gabar-se publicamente de que o empecilho foi provocado pela oposição política por se esta que não admite o pacote eleitoral nos termos em que se apresenta. Mas isso é tudo para irritar o povo, já saturado, aprofundando mais ainda a fraca credibilidade de que goza.
F&N: Acredita que foi um erro estratégico de todas as forças vivas da sociedade não rebaterem, logo no início das discussões a nível do parlamento, a questão do registo e actualização dos eleitores? De todo modo, foi , e é, o Ministério da Administração do Território quem acabou por encabeçar este processo…
AP: O que se passa é que o MPLA através do Executivo sempre se mostrou bem lúcido quanto ao processo por si organizado e tudo se apresentou tão milimetricamente controlado desde o início que nunca houve margens de manobras para os partidos da oposição influenciarem o processo.
F&N: Acha que a oposição pode resolver a questão, inviabilizando, por si só, tudo o que foi feito até agora pelas instituições afectas ao Executivo na preparação das eleições de 2012?
AP: Se a solução tiver de surgir da oposição política então surgirá uma verdadeira crise com contornos alarmantes para a estabilidade política nacional. Porque as soluções da oposição civil seriam reactivas e com laivos de contestação generalizada e extensíveis ao povo alavancando todo o clima de insatisfação que ja assistimos com as manifestações espontâneas que temos vindo a assistir um pouco por todo o país. Pois que, a oposição está apenas a reivindicar a implementação dos mecanismos constitucionalmente consagrados.
F&N: Perspectivado a realização das eleições no tempo previsto, também sugere que possa existir fraude? Porquê?
AP: Com o controlo do processo pelo MAT prevê-se que o sistema informático venha a ser viciado para facilitar os resultados em favor de quem controla. Este é o maior mecanismo de fraude que se adivinha durante as eleições de 2012, se medidas sérias não forem adoptadas pela oposição política bem como pelo bom senso do MPLA.
F&N: O que é que perspectiva para as próximas eleições sem uma oposição forte?
AP: Prevejo um MPLA a passar da maioria absoluta para maioria “absurda”. Isto é, o MPLA poderá ganhar as eleições com uma maioria “pior” que a actual e com isso poderá inaugurar uma verdadeira era de declinio politico, porque as victórias esmagadoras em política destroem a cerdibilidade dos partidos politicos e desgastam a imagem e a importância histórica dos seus agentes. Daí que a ditadura parlamentar do MPLA tem sido um mau exemplo de democracia para os angolanos. Enquanto que os partidos politicos da oposição terão de desenhar novas estratégias se quizerem sobreviver no campo politico-partidário.
F&N: A se registar uma eventual fragilidade política na Unita, acredita que surja uma outra força partidária mais forte no panorama político nacional?
AP: O povo angolano está a perder confiança pelos partidos políticos e começa a dar sinais, com as manifestações generalizadas, de estar saturado e disposto a avançar a todo custo para uma verdadeira revolução política para a mudança das condições sociais e económicas altamente deprimentes para a maioria dos cidadaos que são manifestas com as demolições não compensadas de casas, preços exorbitantes de moradias sociais, falta de emprego, carência de água e energia electrica bem como de educação e saúde de qualidade, altos índices de corrupção, criminalidade perpetrada por altos dirigentes do Estado e a correspondente impunidade que gera desamparo total. O povo pede uma nova liderânça que os conduza para esse objectivo. Se esta surgir, então veremos um verdadeiro movimento social e político – senão um levantamento mesmo - que vai arrastar os partidos politicos para uma definição clara no xadrez politico nacional. O surgimento de uma coligação com feições patrióticas é o que se afigura mais evidente nos próximos momentos se os partidos políticos da oposição continuarem com evidentes sinais de estarem moribundos ou em coma profunda.

OS TRANSTORNOS E CONTORNOS DA NOMEAÇÃO DO PRESIDENTE DA COMISSÃO NACIONAL ELEITORAL

Albano Pedro

Desde que começou a onda de contestação sobre a nomeação da Dra Luzia Inglês para Presidente da CNE nos meios políticos e nos mídias privados, simplesmente dei razão a minha intuição que, desde inicio, me levou a um cepticismo crónico sobre a impossibilidade de sucesso da fase organizatória do processo eleitoral. Bem, essa situaçãao também não me torna nenhum génio em adivinhação. É apenas fruto de experiências passadas. Já ao tempo do Dr. Caetano de Sousa, como Presidente da CNE, a sua condição de juiz em plenas funções foi igualmente contestada por todas as forças políticas da oposição e lembro-me inclusive da AJPD, dirigida por Fernando Macedo, ter tecido considerações públicas legalmente consistentes sobre a incompatibilidade que resultava da sua indicação àquele cargo. Hoje , o Pacote Eleitoral tornou claro que o magistrado (juiz ou procurador) que venha a ocupar a cadeira máxima na hierárquia do comando da CNE deve cessar as suas funções no momento da nomeação.
A intuição sempre me levou a crer que alguma maquinação estava a ser levada a cabo para tornar a CNE num órgão completamente dependente do Executivo. Quando perguntei ao Deputado à Assembleia Nacional de um importante partido na oposição sobre se havia possibilidade de uma CNE independente. A resposta negativa me fez confirmar uma situação exasperante. Percebi que a própria oposição estava disposto a colaborar para esse fim. Porque eu tinha certeza que a fase da aprovação do pacote elitoral era única oportunidade dos partidos imporem o seu “basta” aos avanços pouco claros do partido no poder nessa matéria. Já que a aprovação devia acontecer com consenso e não por voto de uma maioria parlamentar. Mesmo quando percebi que a oposição tinha abandonado uma das sessões parlamentares em que seria votado o pacote elitoral, nem por isso o ceepticismo me abandonou. Era umaa questão de tempo e a oposição se dobraria aos caprichos do partido no poder. Foi uma das situações que levei num programa sabatino realizado pela Rádio Despertar cujo debate sobre a CNE animei com a Deputada Clarice Kaputo. E assim foi. Para mim a batalha a favor de uma pacote eleitoral equilibrado respeitando os marcos constitucionais ficou definitivamente perdida neste momento. Se a oposição ganhou alguma coisa com isso, é uma questão que fica no ar. Claro que não acredito na inocência da oposição parlamentar a esse respeito. Mas, a verdade é que goraram as espectativas da maioria do eleitorado desconfiado da transparência de todo o processo eleitoral.
Hoje a insistência pela indicação da Dra Suzana Inglês faz parecer que a indicada ou “fez corredores” ou tem insistido ela mesma em ser indicada para tais funções. Como conheço bem a minha antiga professora de Direito das Sucessões, não seria certamente sua intenção resistir contra as vaias da oposição desnorteda com as “fintas” que esta a levar em todo o processo. A minha querida professora, calma e moderada como a conheci quando era assistente da cadeira, não é polémica a este ponto. Está mais para uma senhora zelosa com o lar de que é responsável do que para barafundas políticas que a exponham desnecessariamente. A coitada não tem nada haver com os vicios que se impõem a olho nu. Aliás, quero crer que a visivel docilidade que transparece na sua atitude seja a causa da insistencia pela sua indicação por ofereecer maior confiança no que toca a obediência pronta aos comandos políticos que se espera de um Presidente da CNE.
Como disse a batalha para uma CNE independente ficou perdida com a aprovação do pacote eleitoral. Foi nessa altura que os deputados entenderam que o Presidente deste importante órgão nacional para a condução do processo eleitoral, tivesse de vir entre os magistrados. Este simples requisito tornou clara a ideia de dependência da CNE do Executivo. O que torna claro o fio lógico da maquinação política aprovado com o beneplácito da oposição. O requisito da magistratura é então um subtil êngodo, certamente embrulhado numa verborreia jurídica que oposição prefere não deslindar por não enteder patavina, que passou como argumento válido para a desgraça do processo eleitoral. Afinal, a independência da CNE estaria mais clara se o acesso para o cargo máximo estivesse aberto para individualidades ligadas a sociedade civil (mesmo que não garantam completa isenção). A indicação de um magistrado é crucial por duas razões: primeira, porque os magistrados estão ligados obrigatoriamente ao Estado e a sua aparente equidistância política os tornam obedientes aos comandos políticos do partido no poder para além de que a maioria dos juizes de Direito com mais de 20 anos de carreira sejam membros do MPLA por razões históricas (formaram-se numa altura em que o acesso à universidade era pela via partidária) e como tal pertençam, eventualmente, ao seu comite de especialidade jurídica. Segundo, porque os magistrados judiciais dependem hieraquicamente do Executivo (enquanto fonte de poder). O Presidente da República nomeia os juizes do Tribunal Supremo (alínea f) art.º 119º Lei Constitucional, Constituição para o legislador) e mesmo quando estes sejam indicados pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial o presidente deste órgão é o juiz presidente do Tribunal Supremo que é previamente nomeado pelo Executivo. Fica clara a completa dependência do sistema judicial por arrasto da organização judicial do topo a base. Mesmo que o candidato seja magistrado do ministério público (procurador), o problema é o mesmo. O Procurador Geral da República é tão só o mandatário legal do Presidente da República na sua qualidade de mais Alto Magistrado do Estado (alguns chamam Nação). E aqui também se instala uma cadeia de comando que vai até a base envolvendo todos os magistrados deste órgão. Assim, fica ainda mais do que evidente que o Executivo controla a CNE a partir da qualidade profissional do seu presidente. Dixit.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

ALBANO PEDRO EM ENTREVISTA AO SEMANÁRIO ANGOLENSE

SEMANÁRIO ANGOLENSE (SA): O Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) diz, num documento que fez chegar à Assembleia Nacional, que a jurista Suzana Inglês não foi legalmente exonerada do cargo de juíza do Tribunal de Menores em 1992. Faz algum sentido este argumento?
ALBANO PEDRO (AP): O facto de ter sido ou não exonerada em 1992 não a torna Juiza ao momento da sua indicação ao cargo de Presidente da CNE porque a legislação eleitoral vigente determina que o magistrado indicado para esse cargo suspende as funções de magistrado no momento que exerce validamente as funções. Isso acontece no acto do empossamento. O que não é o caso. É um argumento tecnicamente infeliz pela falta grosseira de lógica e coerência que manifesta.
SA: Em seu entender, não haverá alguma contradição entre a exoneração que ocorreu em 1992 e a e o Estatuto dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público (Lei n.º 7/94, de 29 de Abril) que terá entrado em vigor dois anos após à exoneração?
AP: Se o argumento de defesa a favor da ilegalidade da nomeação for justificado pela entrada em vigor de novas disposições que regulam a carreira e a condição dos magistrados, então pretende-se lançar mãos aos efeitos retroactivos desse diploma legal para justificar a suposta ilegalidade. Porque, como facilmente se percebe, o estatuto entra em vigor anos depois da exoneração. Salvo nas questões penais em que a nova lei se aplica aos actos e condições passadas desde que beneficie o réu, na generalidade das situações a Lei só dispõe para o futuro. Tem apenas efeitos utractivos, mesmo quando a mesma estabeleça a possibilidade de retroactividade. É um princípio cardeal do Direito relativo a aplicação temporal das normas de uma maneira geral contra a qual só a incensatez técnica nos pode lançar. Não vejo brecha alguma pela qual a aplicação reatroactiva possa passar para beneficiar a declaração da ilegalidade de um acto que no seu tempo nem sequer foi reclamado como tal pelo interessado. Bom seria que essa declaração trouxessem em anexo algum processo de recurso gracioso ou mesmo contencioso que tenha sido movido pela Dra Suzana Inglês por altura da exoneração. Daria maior consistência para a argumentação. De todo modo, penso que para essa polêmica a eventual contradição entre o acto de exoneração e do diploma legal é irrelevente. O foco do problema esta na falta de preenchimento de um requisito legal. O de ser magistrado. E esse requisito não foi preenchido pelo candidato ao cargo de Presidente da CNE ao momento da sua indicação. É esta a verdade incontornável.
SA: O ministro que a nomeou tinha ou não competência para exonerá-la do cargo? Ou, então, existia alguma lei que limitava a competência do titular da Justiça nesse sentido?
AP: Normalmente quem nomeia também exonera. Essa condição vem da lógica formal do sistema jurídico-administrativo e dos principios axiológicos que lhe são universamente inerentes. É bem verdade que a necessidade de promoção da soberania dos tribunais recomenda que as nomeações de magistrados por órgãos externos nomeadamente políticos sejam descartadas. É o que se pretende no novo contexto político em que opção política consensual é favorável ao primado da Lei e a Democracia. Mas não pode ser estranho que assim fosse naquela altura porque por um lado a opção política do Estado vertia o totalitarismo na forma de centralização política das decisões. Nestes sistemas o princípio da separação dos poderes não se observa claramente, porque o partido-Estado é omnipresente, e por isso não faz sentido que se apele pela limitação de competências que estejam de acordo com ideia centralizadora do Estado. E por outro lado, vigorava, como de certa forma ainda vigora, a Lei do Sistema Unificado de Justiça (Lei 18/88) que estabelecia claramente a competência do Ministro da Justiça para nomear e exonerar os juizes dos tribunais provinciais e dos juizes municipais, para estes últimos verificadas determinadas condições legalmente sancionadas. Não me parece haver lugar a práctica de actos estranhos no que toca ao exercicio regular dessa competência.
SA: Colhe o argumento do CSMJ segundo o qual a exoneração de Suzana Inglês foi ferida de ilegalidade, por não ter sido publicada no «jornal oficial competente», ou seja, no Diário da República?
AP: Bem, se a exoneração foi inquinada de qualquer vício de legalidade não me parece inteligente chama-lo a depor em defesa da validade do documento produzido pelo CSMJ. Os actos ilegais devem ser atacados para que deixem de produzir os efeitos correspondentes. E isso faz-se com a práctica de actos que produzam efeitos contrários. No caso seria repor a situação anterior ao vício que se defende existir. Os actos devem ser recorridos graciosa ou contenciosamente. A falta desse exercício denuncia a inércia do interessado desencadeando resultados correspondentes a essa vontade implícita presumida. Uma delas é que a situação se mantém até que a práctica do acto devido (acto que visa afastar os efeitos da exoneração) seja praticado. De qualquer modo, exonerada ou não, o facto é que a Dra Luzia Inglês era advogada regularmente inscrita na OAA ao momento da sua indicação à CNE. O argumento da ilegalidade da exoneração não faz qualquer sentido nessa altura, para além de macular a seriedade técnica e profissional da senhora em causa.
SA: Admitindo-se que a aludida exoneração não produziu os efeitos jurídicos, é legitimo afirmar-se que Suzana Inglês exerceu ilegalmente a advocacia durante vários anos?
AP: Sem dúvidas. O regime das incompatibilidades para os magistrados é claro quanto a incompatibilidade do exercício de advocacia com a acumulação das funções de magistrado judicial ou do ministério público e o estatuto da OAA reconhece tais incompatibilidades como impeditivas do exercício da advocacia. Levaria a suspensão imediata da sua condição de membro dessa corporação profissional impondo o comptente inquérito que levaria a sua expulsão (exclusão, para ser suave) dela em caso de confirmação da sua condição de magistrado judicial. As consequências seriam graves. Uma delas seria a interdição da práctica de actos de advocacia em processos judiciais pendentes em que esteja constituida mandatária judicial para além de recomendar responsabilidade jurídica (eventualmente criminal, civel e até disciplinar) para a Dra Suzana Inglês por exercício ilícito do patrocínio judiciário e dos demais de actos de advocacia previsto no estatuto da OAA.
SA: Por força dessa eventual ilegalidade, todos os actos por ela praticados podem ser considerados ilegítimos e susceptíveis de nulidade?
AP: A ilicitude dos actos decorreriam da prática dos actos de advocacia posteriores a suspensão e exclusão da OAA. Tenho dúvidas que os actos judiciais transitados em julgados em forma de sentenças ou acórdãos sejam susceptíveis de nulidade, mesmo quando não dispensem a responsabilidade jurídica decorrente da falsa qualidade do advogado que os praticou. Até porque não tem interesse nenhum revolver processos com mérito judicial atribuível ao seu conteúdo, uma vez que não beneficiam em nada os réus ou requeridos que neles forem condenados e tão pouco altera a condição de quem deles saiu beneficiado. Já os actos de advocacia em processos judiciais pendentes devem merecer continuidade mediante substituição de mandato judicial, o que não seria o mesmo que substabeler porque este acto implica a manutenção da qualidade profissional de quem o pratica. A substituição surgiria como forma de suprir o abandono do processo pelo mandatário judicial. De todo modo, compete aos magistrados denunciar essa situação no momento do exercício ilicito do patrocínio judicial do advogado irregular.
SA: Que leitura faz da postura do Parlamento que, não obstante os protestos Oposição e aos pedidos de impugnação do acto eleitoral promovido pelo CSMJ, decidiu conferir posse a presidente da CNE e aos restantes membros desse órgão?
AP: Parece que o argumento formal de um órgão conhecido como soberano (embora rigorosamente não seja) como é o poder judicial obriga ao acatamento pela Assembleia Nacional até prova em contrário. É uma questão de procedimento normativo que deve levar os partidos políticos inconformados a proceder em conformidade praticando os actos formais necessários a manifestação do seu descontentamento. Recorrer do empossamento seria uma dessas medidas legais se o abandono da sessão parlamentar como medida política não fossem chamada a acudir a pretensão da oposição em contrariar a práctica de um acto considerado ilegal.
SA: Não haverá nenhuma arrogância ou sobranceira do partido maioritário em relação às demais forças da oposição?
AP: Politicamente a questão pode ser vista como demonstração de uma certa petulância política fruto da folga que confere a maioria parlamentar de que goza o partido no poder. Porém, o facto é que as razões legais de procedimentos, como disse, podem justificar validamente a atitude do partido no poder. O que é certo é que os partidos insatisfeitos longe de abandonarem o parlamento são legalmente obrigados a impugnar o acto porque o empossamento, até prova em contrário decorrente de decisão judicial contrária, presume-se conforme a Lei. É tolerável que os partidos políticos tenham mecanismos expontâneos, mesmo com eficácia duvidosa, para solução de problemas urgentes, desde que não sejam aplicados em detrimento da lei que é o critério geral de tolerância entre os cidadãos, senão resultam sempre em atitudes irreflectidas que como tais merecem sempre a justa sensura da sociedade.
SA: Este gesto poderá colocar em causa a transparência e a lisura do processo eleitoral?
AP: A transparência e a lisura do processo eleitoral está posta em causa desde o início e cristalizou-se com a aprovação do pacote eleitoral. Até agora miriade de actos ilegais foram praticados com o conhecimento claro da população eleitoral. Alguns mais relevantes que outros mas todos tendendo para a fraude geral das eleições deste ano. O que se passa agora é tão só o seguimento de um conjunto de actos para manter a linha lógica que o processo vem tomando desde que começou.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

ACIDENTES NA ESTRADA E A RESPONSABILIDADE DO ESTADO

Albano Pedro



Quando ouço falar dos altos índices de sinistralidade nas estradas de Angola e sobre as assustadoras estatísticas da Polícia Nacional a esse respeito, lembro-me do acidente em que me vi envolvido há pouco menos de cinco anos atrás. Eu vinha do Porto Amboim para Luanda ao volante de um Toyota Celica 2.0, uma viatura com características desportivas. Na altura haviam muitos buracos, alguns dos quais verdadeiras crateras, ao longo da estrada que liga as cidades de Sumbe e de Luanda. As crateras estabeleciam descontinuidade na via de tal maneira que era necessário abrandar ao mínimo para passar por elas (porque o carro descia para dentro da cratera e depois saia para retomar o asfalto). Uma dessas crateras apareceu-me de repente depois de uma ligeira curva a saída do Rio Longa para a sede municipal do Cabo Ledo. Eu vinha então a 160 km/h quando o enorme fosso se apresentou. Os escassos segundos de raciocínio que tive perante o perigo eminente me sugeriram a acelerar ainda mais, já que a travagem repentina a essa velocidade era mais prejudicial do que benéfica. A viatura lançou-se no ar até embater-se contra a base pedregosa do enorme buraco. Com o estrondoso impacto, as jantes de liga leve desfizeram-se completamente e a viatura imobilizou-se pouco tempo depois por falta de pneus porque estes saíram do carro como se estivesse sido desmontados das jantes. Tudo isso aconteceu em segundos. Tal é a rapidez com que a morte se nos apresenta, mesmo quando não seja para levar-nos consigo como foi o caso. Uma enorme nuvem de poeira foi o testemunho do acidente para quem estava há algumas léguas de distância. Valeram o design desportivo e o esmagamento das jantes, factos que não permitiram o capotamento da viatura. Mas valeu ainda o facto de eu me manter sentado no banco seguro com o cinto de segurança. O que evitou que a minha cabeça se esmagasse contra o pára-brisas ou o peito contra o volante da viatura já que o volante adaptado não tinha airbag. É claro que a viatura ficou completamente imobilizada pelos graves danos que contraiu.

A primeira impressão de quem viu o acidente é de que a alta de velocidade com que trazia a viatura era a única causa do aparatoso acidente, embora seja sabido que fora das localidades não se colocam limites claros de velocidades. Na verdade, antes da curva não havia qualquer sinal que me chamou atenção tanto da curva quanto da enorme cratera. É verdade que quando saí de Luanda passei por ela no sentido ascendente, mas no regresso perdi a noção do local em que se situava porque o sentido era obviamente diferente. Logo após o acidente, reabilitei completamente a viatura. Mas desde então tenho bem consciente que se não fosse a falta de sinalização na via não teria protagonizado tal acidente. Aliás naquele troço muitas viaturas enfrentavam a mesma situação numa estatística de 2 em cada 10 viaturas, tal como os populares da zona preveniram para evidenciar a falta de sinalização. Tive uma dura e triste experiência sobre o perigo da falta de sinalização nas estradas. E hoje quando a Policia Nacional alerta os automobilistas sobre o uso do álcool na condução como causa principal dos acidentes eu me revolto porque quando se trata de acidentes fora das localidades nem sempre a causa é associada ao uso de álcool entre as muitas mortes que os acidentes produzem nesses locais. Me revolto porque sinto que a PN descarta o papel do Estado na sinalização das estradas como a principal meio de prevenção de acidentes mais do que desencorajar o consumo de álcool.

A sinistralidade na estrada mistura também peões numa valsa mortífera que arrasta milhões de almas todos os dias em todo o mundo. Sem que, na maior parte das vezes, as vítimas vejam a parte causadora do facto danoso já que o automobilista escuda-se na falta de sinalização ou na simples violação das regras de sinalização por parte da vítima. No meio disso vem a questão de saber sobre o papel do Estado na reparação de tais danos. Facto que nos oferece analisar nesta reflexão.

Durante muito tempo a nossa legislação constitucional manteve-se silenciosa, por via de lacuna normativa, quanto a responsabilidade do Estado aos danos causados aos particulares em todas as situações em que era visível a sua influência na produção do facto causador da responsabilidade. Em todo o sistema jurídico angolano, não havia claramente uma ideia sobre os mecanismos que levariam o Estado a responder pelos danos contraídos pelos particulares envolvidos em acidentes de viação em que era sensível a falta de culpa destes. Apenas o Código Civil permitia discutir essa possibilidade por derivação de uma hermenêutica em que o Estado apenas era responsabilizado em situações muito concretas, como em caso de mero risco pelos factos danosos imputáveis assumidos por seus agentes ou representantes – responsabilidade pelo risco, e não directamente por factos que lhe fossem imputáveis (art.º 501º), i.é, a responsabilidade na reparação dos danos era apenas imputável aos agentes e representantes do Estado. É o critério de que quem tem benefício de uma actividade deve arcar com os respectivos riscos (ubi commoda, ibi incommoda).

A nova Lei Constitucional (Constituição, segundo o legislador) estabelece claramente a responsabilidade civil do Estado impondo que este responda pelos danos que causar, por omissão ou acção, aos particulares por meio dos seus agentes, serviços e órgãos (art.º 75º). Para além de prever em reforço, a responsabilidade solidária. Ou seja, o Estado responde solidaria e civilmente. Ambas constituem novidades no ordenamento jurídico angolano. A responsabilidade solidária significa que o Estado reforça a condição patrimonial do agente ou representante culpado da acção danosa nos mesmos termos que o fazem os responsáveis solidários (caso das sociedades por quotas no Direito Comercial) previstos pela Responsabilidade pelo Risco já avançado acima. Aqui significa que o culpado é o agente ou o representante do Estado. Só que pela eventualidade de não ter capacidade patrimonial suficiente para proceder a indemnização a lei estabelece a responsabilidade do Estado como garantia efectiva para o lesado. Na verdade o Estado tem o mesmo papel do fiador nos contratos de empréstimo bancário, se quisermos um exemplo mais radiante. Quanto a Responsabilidade civil propriamente dita, o Estado responde como o próprio causador dos danos. É o que se passa nos casos em que o agente não tenha culpa nenhuma do sucedido e contudo o facto danoso lhe é imputável ou naqueles casos em que o dano verificado é pura obra da natureza.

Para exemplificar a responsabilidade solidária do Estado atentemos para a situação de uma viatura pertença do GPL (Governo Provincial de Luanda) que por condução em estado de embriaguês do motorista tenha investido contra uma concentração de populares que vendia ou comercializava produtos de necessidade básica (praças do arreiou-arreiou) que se encontrava a berma da estrada. Aqui o Estado não tem culpa mas sim o motorista/agente ou representante). Quem assume os danos é portanto o motorista. Porém como fica claro que o motorista é incapaz de cobrir os danos causados na sua totalidade o Estado intervém a título complementar. Para exemplificar a Responsabilidade Civil do Estado, os exemplos na verdade abundam: o meu caso é o primeiro porque o buraco na estrada de certeza surgiu sem efectiva culpa imputável a alguém em concreto, a menos que o construtor da estrada tenha dado alguma garantia temporária da sua durabilidade (o que não acredito porque aquela estrada era de construção colonial e ainda por cima destruída certamente pela acção da guerra civil). O buraco é obra da erosão ou do desgaste natural em caso de nenhum ser humano ou máquina por ele conduzida ter intervindo no seu surgimento.

Na verdade, a responsabilidade solidária prevista na LC não se confunde com a responsabilidade pelo risco prevista no Código Civil como fizemos referência acima. Na responsabilidade solidária, o agente tem culpa e assume os danos. Mas também são assumidos pelo Estado em caso do culpado não poder cobrir completamente os custos. Há uma espécie de recurso ao Estado por insuficiência de meios patrimoniais do causador efectivo do dano. E depois tudo fica pago e ninguém deve nada a ninguém. Nem mesmo o causador do dano em relação ao Estado que pagou sem culpa. Já no caso da Responsabilidade pelo Risco, a culpa efectiva é também do agente ou representante mas o Estado paga a título de antecipação porque se presume que o culpado não tem capacidade para cobrir as despesas. Mas no fundo que assume, e sozinho, os danos é o agente ou o representante porque o Estado depois vai descontar os gastos feitos nos rendimentos deste. É o que se chama direito de regresso. O que não acontece quando há lugar a solidariedade na responsabilidade civil. Percebe-se o avanço na Lei constitucional nessa matéria?

Mas o verdadeiro avanço mesmo é a possibilidade do Estado assumir os danos devidos a sua acção ou omissão. Os casos para isso são variadíssimos: Pedregulhos que rolam de uma encosta e se instalam no meio da estrada nacional provocando danos as viaturas que contra ela embatem desavisadamente; derramento de petróleo e lixos líquidos diversos provocando danos as espécies marinhas e que como consequência provocam carências as populações que delas dependam (aqui a responsabilidade do Estado vem do caso de não imputar a responsabilidade ao causador do dano quando não sejam os seus agentes ou representantes); etc. Pela primeira vez na história jurídica angolana da pós-independência o Estado assume responsabilidade directa pelos danos provocados pelos seus agentes ou representantes, ainda que sem culpa.

Quando o facto omissivo ou activo seja imputável a um agente do Estado em concreto, é possível ainda um procedimento criminal ou disciplinar individualizado. Supondo, que o peão tenha atravessado a estrada ao sinal de um regulador de trânsito que não cuidou de sinalizar a viatura que vinha em alta velocidade e esta venha a colher mortalmente o peão, fica bem claro que a morte é devida a incúria do agente regulador de trânsito que neste caso é igualmente arrolado no procedimento judicial para além do Estado dentro da relação de comissão que caracteriza a vinculatividade de ambos. Serve finalmente de aviso de que o foro judicial, lá aonde se interpõe correspondente processo judicial, para o caso de reparação dos danos ou indemnização para melhor eludição técnica, é a comarca do local do acidente, quando outra não seja a indicação legal. Dixit.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

CARTA AOS PARTIDOS POLÍTICOS X

(Texto publicado em 2008 no Semanário A Capital)

Albano Pedro



Recentemente fui convidado por uma importante organização da sociedade civil para moderar a palestra cujo tema oportuno e candente, apresentada lauda e magistralmente por um referenciável investigador em matérias jurídico-políticas, inseria no seu conteúdo a problemática das eleições autárquicas em Angola. O sentido de oportunidade se apresentou com o facto de ser então publicamente ventilada a possibilidade de convocação de eleições autárquicas pelo Presidente da República. A sua candência, no facto de ser um tema novo (pelo conteúdo onto-gnoseológico), quase obscuro porque não fácil de inferir e como tal polémico. A polémica se afirma entre duas linhas de combate discursivo entre os cidadãos e organizações interessados, estando por um lado aqueles que defendem a ideia de que as eleições autárquicas surgem como um expediente político para retardar o debate sobre a fixação temporal das eleições legislativas e presidenciais, em princípio e informalmente, previstas para o ano em curso e por outro lado aqueles que não vendo sequer os entraves formais e materiais desta possibilidade receberam com júbilo a tão apetecível enunciação.

É facto assente que a ideia das autarquias tem incrustações constitucionais, tanto é assim que já a “Constituição Revolucionária” (1975) tinha no seu conteúdo esta sustentação. Por isso, faltar ao debate sobre esta realidade é no mínimo minimizar o dever de cidadania que nos assiste a todos com o cumprimento dos ditames supraordenacionais do texto e do espírito da Constituição da República. Mas, a dose acrescida da polémica está no facto de não estar clara a ideia da autarquia. E esta é pois a situação que o debate sobre este tema deixa a descoberto. O que é uma autarquia? E uma vez definida – que espécie de autarquia se pretende para Angola? Apelamos para as autarquias territoriais ou institucionais? E se decidirmos pelas autarquias territoriais – e esta é ideia do texto constitucional – qual será o seu nível político-administrativo? A nível comunal ou municipal (como a doutrina jurídico-política herdada de Portugal nos tem habituado) ou provincial e ou mesmo regional (como alguns políticos argutos e audaciosos procuram propor na tentativa de enriquecer este dabate)? E assim enquadrada a questão, que espécies de competências e atribuições estarão compreendidas nas autoridades autárquicas e nas respectivas autarquias e qual a linha divisória entre as mesmas e os poderes compreendidos nos órgãos centrais do Estado?

Não é pretensão minha responder as questões, senão envia-las ad facsimile como base de dados lógica ao raciocínio de quem se avizinhou com este tema, visto que a própria Lei Constitucional e as leis ordinárias em razão desta matéria quase nada avançam, quando não é para confundir os intérpretes, no sentido de dar resposta a estas questões. O que torna oportuno um debate aceso e fundamentado neste sentido. Mas, não é difícil avançar a ideia de que quem aposta no facto de a convocação ser um expediente dilatório decerto não terá respondido para si a questão de saber se a convocação das eleições autárquicas tem vantagens para o povo que reclama pela brevidade das eleições ou para o poder sustentado pelo partido na situação. Porque, responder a esta questão significará certamente determinarmos os interesses subjacentes a convocação desta espécie de eleições pelo Presidente da República, mesmo quando a intenção primeira seja tão só a normalização das instituições políticas e democráticas.

Os entraves formais e materiais para esta possibilidade estão enunciados na forma de questões já encimadas para assistir àqueles que se acham de ânimo flutuante (jubilante) com a convocação destas eleições. A lei quando pretende estabelecer a ideia de autarquia persiste no triste sistema centralizado de Estado procurando submeter os mais altos dignitários das mesmas (porque não se sabe se mantém a figura de Administrador Municipal ou se há previsão bastante para a ideia de Presidente da Autarquia) no quadro da hierarquia presidida pelo Governador da Província. Enuncia o projecto de tornar as autarquias locais em unidades orçamentais como se isso significasse autonomia, ou independência se quisermos, financeira que apenas a descentralização política pode trazer consigo.

A própria Lei, revestida de vícios de toda a sorte, oblitera em resumo a possibilidade de autonomia política (fonte local de poder, i.e., o mesmo que os munícipes – porque é esta a categoria política dos cidadãos ao nível de uma autarquia, quando municipal – elegerem os seus representantes nas respectivas circunscrições autárquicas) com o natural apêndice da autonomia financeira. Pois, não estão definidas as formas de eleições das autoridades autárquicas e nem as bases normativas para um estatuto financeiro próprio para as referidas autarquias está enunciada – mesmo na forma de Lei das Finanças Autárquicas.

O rótulo institucional visível desta ideia na forma de Gabinete dos Assuntos Autárquicos do Ministério da Administração do Território, mesmo quando procure assentar as bases formais para a materialização das autarquias locais, não é suficientemente persuasivo para garantir seriedade a este importante empreendimento jurídico-político e político-administrativo. Faltará, pois ver esta questão a um nível constitucional – as autarquias são órgãos descentralizados do Estado – e apurar o debate para decisão da mesma ao nível da Assembleia Nacional e não a partir do “laboratório” de um departamento governamental como é o Ministério da Administração do Território cuja visão técnica porque administrativa e parcial está longe de alcançar o âmago do modelo de autarquia local desejado pela maioria dos angolanos.

Mas, persiste a indagação sobre o sentido de oportunidade desta espécie de eleições. Valerão a pena? Claro, se considerarmos que a normalização política do Estado é tarefa eminente e inadiável. Carecerá, sem dúvidas, de meticulosa cautela se atentarmos ao facto de, a engenharia que assiste a construção formal e material de uma autarquia local ao nível e à forma legalmente enunciada, requerer minúcia que assista a uma infinidade de condições, situações e circunstâncias relacionadas com história recente e a profunda experiência política dos angolanos, adicionando a isto o espaço temporal suficiente para a maturação de um projecto com tamanha magnitude. Não vá ela, por falta deste cuidado, tornar-se numa aventura política digna de charlatães e como tal catalogável como sendo um mero expediente de dilação política.

CARTA AOS PARTIDOS POLÍTICOS II

(Texto publicado em 2008 no Semanário A Capital)

Albano Pedro

Um dos sinais de incompetência e desmedida ignorância das mais elementares técnicas de operação política manifestada pelos partidos políticos da e na oposição civil é a falta de um corpo especializado e competente de assessores e técnicos, assim como de serviços nacionais e internacionais contratados, que ajudem as suas direcções a rumarem seguros para os diversos portos que os fenómenos e factos políticos em Angola aconselham ou determinam. Assentam, por isso, as suas previsões em factos completamente empíricos e casuais desprovidos assim de qualquer cientificidade. Um desses factos é a base estatística do eleitorado provável para as suas ambições de alternância do poder.

Salta facilmente a vista que a maioria das organizações políticas se sustenta no facto de que a base eleitoral de 1992, que conduziu partidos como o PRS, PDP-ANA, FNLA, UNITA e o próprio MPLA ao poder se mantém incólume e como tal mantém-se a “velha” ordem de 1º, 2º ou 3º maior partido da oposição. Nada mais falso! As mesmas formações políticas sustentam ainda as hipóteses de viabilidade eleitoral no facto de a governação do MPLA estar contra o interesse da maioria do povo angolano. Deduzindo o infeliz raciocínio de que a maioria esmagadora do eleitorado arrastar-se-á naturalmente a favor da oposição civil, como se de autómato se tratasse.

Com efeito, o sentido de novidade e esperança na alternância que a UNITA trouxe na voz imponente do seu líder nas primeiras eleições gerais, esfumou-se com o tempo. Para tanto, determinaram o retorno a guerra e as sucessivas crises vividas por esta importante agremiação política. Vale para o efeito as divisões operadas e autonomizadas como a ala belicista e o Movimento Renovador acrescidas de “devastadoras” campanhas de intimidação, ameaça efectiva e perseguição a todos os níveis sobre aqueles que se identificaram desde então com este partido, além de que a falta de abertura do seu núcleo duro a diversidade étnica e cultural determina a lenta marcha na conquista de uma base eleitoral alargada. Mais se acresce que os ex-militares que constituía a massa fundamental no número de votos se encontra desamparada pela falta de acção na conclusão dos acordos de Lusaka que ofereceria esperanças renovadas através da reinserção social de todos os desmobilizados.

A FNLA tem conseguido desgastar as esperanças dos seus militantes e simpatizantes com as crónicas lutas internas pela sucessão na direcção do partido, para além de estar afectada por uma grave paralisia política. E aqueles que alguma vez acreditaram nos ideais operados pelo Holden Roberto hoje vão se convencendo que a falência desta formação política se transformou em realidade. O PRS, muito disciplinado antes das eleições gerais de 1992, se tornou numa base de combate entre traídos e traidores configurando hoje uma imagem não desejada pela base eleitoral maioritária do leste de Angola que o legitimou. Se o FDA visualizando o ambiente de escassa base eleitoral inteligentemente procurou a sua anexação ao partido da situação por via de extinção, o FPD sobrevive graças a sua especial vocação de partido que se quer de quadros e que aposta no debate aberto e na proliferação de ideais renovadores aguardando com justeza que o próximo pleito eleitoral traga para o seu enriquecimento novos eleitores. É provavelmente a formação política que mais opera junto da sociedade civil sóbria e do povo consciente dos seus direitos políticos procurando partilhar linhas de actuação e interesses na viabilização da governação de Angola. A simpatia acumulada pelo PDP-ANA foi gravemente afectada após a sua decapitação. Pelo que, vale referenciar que o carismático professor Mfulupinga Landu Victor levou consigo significativa esperança de voto para este partido. As consequências do 27 de Maio foram durante muito tempo o factor de mobilização em que assentou a base de simpatia pelo PRD, hoje, porém a miséria em que mergulhou o povo angolano é tal que o motivo da opção pela alternância do poder pelo abusivo sofrimento dissolveu a maior parte da tendência de voto para este partido. O PADEPA, não fosse a sua limitação no espaço geográfico de Luanda e a sua acção sindicalista pouco consentânea com os sistemas democráticos em que se privilegia o debate e prognostica a derrota do adversário pela força do discurso público e pela proposta de projectos de governação, seria o partido com mais probabilidade de assumir o comando dos partidos da e na oposição civil. Manifesta e opera factos políticos que chegam ao conhecimento dos potenciais simpatizantes como nenhum outro, impressionando os seus destinatários. Os POC protagonizaram o seu próprio insucesso pelo enterro dos partidos nele compreendidos. Hoje a base de militantes e do eleitorado está desorientada quanto a quem deve apoiar e votar. O próprio MPLA, não fosse pelos simpatizantes que querem ver o seu património privado e cargos públicos conservados, não teria sequer votos dignos da sua dimensão nacional. Pois, tem conseguido frustrar os seus próprios membros pela obstrução de acesso ao poder económico dos militantes históricos; pela falta de oportunidade de progresso interno para os aderentes jovens nas suas estruturas orgânicas que se encontram devidamente controladas pelos tradicionais militantes; pelas exonerações injustificadas em cargos públicos; pela falta de aproveitamento e enquadramento socioprofissional dos quadros jovens formados, etc., incubando com isso um clima de revolta interna que a seu tempo se manifestará.

De facto, se transformados em partidos políticos, o comando da oposição civil em Angola estaria configurado na seguinte ordem: IURD (Igreja Universal do Reino de Deus) pela grande capacidade e sucesso na propaganda, mobilização e influência, embora contestada, sobre o povo necessitado e desamparado; AJPD (Associação Justiça, Paz e Democracia) pela forte influência junto da juventude, maioritariamente estudantil, reivindicadora de um Estado Democrático e de Direito; Associação MÃOS LIVRES pela simpatia alcançada da maioria esmagadora de trabalhadores das empresas públicas, e não só, abandonados a sua sorte pelo Governo; SOS HABITAT pela força que representa junto dos cidadãos removidos e expulsos dos centros urbanos e peri-urbanos; OPEN SOCIETY pela persistente campanha de denúncias internacionais sobre a delapidação do erário público através da corrupção; ADRA pela advocacia a favor dos “sem-terra” que já começam a fazer uma assustadora presença entre os angolano; Os próprios irmãos Pinto de Andrade (os professores Vicente e Justino) nas suas incessantes intervenções a favor dos “descamisados” e na divulgação dos ideais democráticos, etc. E a lista não iria muito além por escassez de forças sociais vivas e actuantes.

A questão do eleitorado é tão séria que quando o MPLA através do Governo e demais órgãos do Estado facilitou, em 1992, a formação e legalização de partidos políticos, fê-lo com o faro profético, obviamente intencional, de que os perto de 200 partidos teriam pela frente uma luta renhida pela partilha de votos, dificultando a sua ascensão folgada, diante de um poder com votos garantidos pelos fiéis seguidores e “escravos” do regime que se contam aos milhões. Assim, a UNITA jamais somaria os votos para uma confortável folga parlamentar. E a oposição junta nunca alcançaria os números da bancada parlamentar do partido no poder. Tal é o sucedido.

A falta de consideração a vontade eleitoral é tal que os partidos políticos preferem elaborar as necessidades económicas e sociais em discussões de gabinetes que partir para o diálogo com o eleitor, constatando as suas reais necessidades. Preferem conjecturar que o aldeão tem necessidades urbanas prometendo-lhe mais do que efectivamente necessita. Afastam os debates públicos e a comunicação directa com a base eleitoral através de abusivas manobras burocráticas de acesso aos serviços dos órgãos vocacionais dos partidos. Muitos dos dirigentes destas formações políticas se dirigem ao povo com arrogância através de linguagens e gestos marcadamente elitistas; se fazem acompanhar de guardas em eventos públicos e sociais evitando o contacto afectivo com o seu eleitorado e exibem as mesmas riquezas fazendo o uso das mesmas formas de aquisição de bens patrimoniais que aqueles que se encontram na situação de tal ordem que colocam o eleitorado em dúvida sobre a possibilidade efectiva de serem os mais indicados para a alternância do poder.

Na verdade se qualquer partido tivesse a coragem de encomendar estudos estatísticos sobre a intenção de voto do eleitorado, certamente se surpreenderia ao ver os resultados que hoje apontam mais para abstenção do que para o voto efectivo. A maioria dos partidos descansa a sua confiança no número de militantes do que no número de simpatizantes hoje em franca escassez. Não tendo cores partidárias definitivas e correndo para a realização dos seus interesses, estes são os que decidem a eleição efectiva de quem se propõe ao poder. Se os militantes decidem a renovação dos mandatos internos dos partidos, são os simpatizantes que decidem a condução destes mesmos partidos ao poder do Estado. Os simpatizantes, os quais não é possível determinar o número senão em bases de probabilidades estatísticas sérias, não se apresentam a preencher boletins de inscrição para ingresso nas fileiras partidárias, podem ser até membros de outras formações políticas que convencidos por um discurso arrebatador decidem em votar contra as próprias organizações partidárias em que militam. Estes buscam-se com fortes e consequentes persuasões operadas por sucessivas campanhas de mobilização e em número esmagam qualquer base de militantes efectivos.

De novo, visualizando as próximas eleições, impõe-se que todos os partidos políticos, incluindo o MPLA, operem com bases de probabilidade estatísticas aproximadas as reais, avaliando com seriedade e direccionando com perspicácia o seu eleitorado para que os resultados dos escrutínios sejam efectivos frutos dos esforços operacionais de cada formação política. Assim, o povo elege com a plena consciência de cidadania e o partido assim eleito traça a sua rota política mais para os reais interesses do eleitorado. Eis a lógica que estabelece a cumplicidade entre o eleitor e o eleito.

O DIREITO A GREVE

AS CONDIÇÕES LEGAIS E PROCEDIMENTOS PARA A SUA REALIZAÇÃO


Albano Pedro


A Greve é uma liberdade fundamental e como todas as outras liberdades previstas na Lei Constitucional é destinada a manifestação da autonomia dos cidadãos no âmbito da livre expressão da sua vontade e desenvolvimento da sua personalidade. Nesta Lei Magna é estabelecido que a greve é um direito de uma classe específica: os trabalhadores (art.º 51º n.º1) e devido ao seu exercício pelos trabalhadores, o empregador não deve fazer “chantagens” nomeadamente paralisar as actividades da empresa (proibição do lock out), para forçar os trabalhadores a dela desistirem com receio das consequências económicas graves nas suas vidas, por exemplo (art.º 51º n.º2), assim como os trabalhadores não podem forçar ao extremo as possibilidades de solução dos conflitos laborais subjacentes pelos empregadores criando situações que dificultem a continuidade da actividade da empresa tais como a interdição dos locais de trabalho pelos trabalhadores grevistas aos trabalhadores não grevistas e outros por exemplo (art.º 51º, n.º 2) visto que o exercício da greve deve em casos especiais prever a continuidade de certos serviços considerados essenciais para a satisfação das necessidades sociais impreteríveis (art.º 51º, n.º 3) como é o exemplo dos serviços hospitalares e outros.

A Greve é a simples paralisação das actividades laborais em que fica expressa a recusa colectiva, total ou parcial, concertada e temporária pelos trabalhadores em prestar o trabalho devido (art.º 2º, n.º 1 – Lei n.º 23/91 de 15 de Junho – Lei da Greve, daqui em diante LG). Não se considera Greve a alteração voluntária e concertada de horários de trabalhos ou dos métodos de realização de tarefas, bem como da redução das obrigações laborais por parte dos trabalhadores (art.º 2º n.º2 – LG) como por exemplo quando acontece que certo número de trabalhadores descontentes com o excesso de trabalho diário em relação a remuneração estabelecida decide trabalhar apenas em certos dias e horas reduzindo o tempo de trabalho estabelecido pelo empregador ou pelo contrato. A Greve não se confunde com Manifestação. Esta pode surgir para complementar o exercício da greve tornando-a pública. Acontece então que os trabalhadores se juntam para demonstrarem publicamente que estão em greve como forma de criar “incómodos” sociais ou políticos aos empregadores que desta forma se sentem pressionados a resolver os conflitos laborais em favor dos trabalhadores. A realização da manifestação obedece aos critérios de um outro diploma legal (Lei n.º 16/91 de 11 de Maio – Lei Sobre o Direito de Reunião e de Manifestação) que estabelece as condições em que acontece sem prejudicar os interesses públicos.

A Greve só tem lugar depois dos trabalhadores cumprirem alguns requisitos estabelecidos pela LG, sem os quais a Greve é considerada ilícita levando a que o empregador e outros interessados legalmente protegidos responsabilizem os seus responsáveis imputando-lhes os correspondentes prejuízos. Os requisitos são:

1. Que os trabalhadores tenham consciência de que esta liberdade lhes é reconhecida e garantida por Lei, uma vez que existem trabalhadores aos quais a Lei não reconhece o Direito à Greve (art.º 6º). Os militares, polícias, procuradores da república, Presidente da República, deputados, juízes, agentes e trabalhadores ligados aos serviços prisionais, trabalhadores civis de estabelecimentos militares e os bombeiros não têm direito a Greve.

2. Que os trabalhadores apresentem um caderno reivindicativo - contendo as reivindicações dos trabalhadores e de tentativa de solução do conflito por via de acordo – (art.º 9º n.º 1) e no prazo de 5 dias a contar da recepção pelo empregador, este deve apresentar a sua resposta por escrito, a menos que os próprios trabalhadores entendam dar um prazo superior ao empregador para este se pronunciar (art.º 9º n.º 2). Se não der qualquer resposta neste prazo os trabalhadores são livres de declarar Greve.

3. Havendo resposta do empregador, porém não satisfatória, os trabalhadores devem estar abertos a negociações por um período legal de 20 dias durante os quais estes e o empregador devem chegar a uma solução satisfatória. Não chegando a quaisquer conclusões aceitáveis os trabalhadores podem declarar Greve (art.º 9.º n.º 3).

São os passos a seguir para que a greve seja declarada. Porém, ela pode ser devidamente declarada e não ser lícita se por exemplo ela for acompanhada de ocupação dos locais de trabalho, tenha sido limitado o seu exercício ou suspensa por resolução do Governo entre outros motivos (art.º 7º). Mas a decisão da Greve só pode ser tomada em Assembleia de Trabalhadores convocada com antecedência mínima de 5 dias pelo organismo sindical ou por 20% dos trabalhadores abrangidos e em que estejam presentes pelo menos 2/3 desses trabalhadores (art.º 10.º). Uma vez declarada a Greve esta deve ser comunicada a entidade empregadora, aos organismos competentes do Ministério do Trabalho, Administração Pública e Segurança Social e ao organismo administrativo de coordenação do sector em que se enquadra a actividade da empresa em greve (Repartição Municipal, Direcção Provincial ou ao Ministério de tutela da actividade conforme a empresa seja de âmbito municipal, provincial ou nacional). Esta comunicação deve acontecer 3 dias (o mesmo que 72 horas) antes do início da Greve (art.º 12º).

Tornada efectiva a Greve, a mediação do conflito laboral por parte dos serviços competentes do Ministério do Trabalho, Administração Pública e Segurança Social pode acontecer por iniciativa deste ou pela solicitação dos trabalhadores ou do empregador (art.º 14º), contudo todas as partes envolvidas são obrigadas a estarem presentes. A LG proíbe ao empregador de retirar do local de trabalho os equipamentos, máquinas ou instrumentos de trabalho (art.º 15º), ou de substituir os trabalhadores em greve, nomeadamente através de recrutamento de novos outros (art.º 17º). Da mesma forma, os trabalhadores em greve devem proteger os equipamentos, máquinas e instrumentos de trabalho colocados nos respectivos postos de trabalho (art.º 19º). A LG impõe que a greve dos trabalhadores seja efectivada através de piquetes em que enquanto uns se mantém em greve efectiva outros devem manter a actividade laboral. Esta condição é obrigatória em empresas de utilidade pública inseridas nos sectores de correios e telecomunicações; controlo do espaço aéreo; serviços de saúde e farmácia, captação e distribuição de água; produção, transporte e distribuição de energia eléctrica e distribuição de combustíveis; operações de carga e distribuição de produtos alimentares de primeira necessidade para o abastecimento à população e perecíveis; transportes colectivos; saneamento e recolha de lixo e serviços funerários. O Governo pode determinar a substituição de trabalhadores em greve por outros recrutados caso se justifique a necessidade de desempenho em prol de interesses colectivos das empresas que operam nestes sectores (art.º 20º). Dentre os efeitos da greve contam-se a suspensão do vínculo laboral em matéria de salário e dever de obediência enquanto esta durar (art.º 21º). Quem discriminar ou prejudicar de qualquer forma um trabalhador por ter aderido a greve é criminalmente responsabilizado com pena pecuniária ou pena mais grave (art.º 25º). Penas mais graves são aplicadas para quem impede a realização de greves lícitas (art.º26º). Para todas as penalidades e infracções previstas na LG sãos competentes os Tribunais Comuns – Sala de Trabalho no caso angolano – (art.º 29º). Dixit.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO LEGAL

NAS RELAÇÕES ENTRE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, SEUS AGENTES E OS PARTICULARES




Albano Pedro



Vemos nas ruas e estradas de todo o país agentes da Polícia de Ordem Pública a interpelar indivíduos exigindo o cumprimento de certas formalidades ou agentes da Polícia de Trânsito a mandar parar viaturas e pedir cartas de condução sem uma justificação prévia e o nosso senso de justiça nos leva a interrogar sobre as regularidades de tais actos. Esses casos proliferam de modo endémico na relação entre os órgãos e agentes do Estado e os particulares com expressões diversas: as zungueiras a serem espancadas sem terem conhecimento das normas legais que violam, os candidatos a concursos públicos em órgãos e serviços do Estado com resultados negativos de sem clara satisfação dos critérios de selecção; dos concursos em prestação de serviços ao Estado cujos mecanismos de selecção não são claros para as empresas concorrentes ou acesso de certas empresas ou profissionais na prestação de serviços ao Estado sem uma clara informação dos mecanismos de admissão ou contratação. Na verdade a questão que se nos coloca é: pode um agente da administração do Estado interpelar um indivíduo sem uma justificação ou pode um órgão da administração pública tomar uma decisão sem o conhecimento do seu destinatário?

Ora, tudo isso levanta o problema da fundamentação do acto administrativo, ou melhor da justificação das decisões tomadas pelos órgãos e agentes da administração pública.

O dever de fundamentação legal se traduz na necessidade dos órgãos e agentes do Estado (Administração Pública) justificarem as suas decisões junto dos particulares quando a estes se destinem com base na lei. V.g: A recusa, pela Administração Municipal de Viana ou do Lumbala Nguimbo, de um pedido de direito de superfície obre um terreno baldio; de um pedido de licenciamento de uma obra destinada a construção de uma residência em zona não permitida ou o indeferimento do pedido interposto à um Ministério por um particular para obtenção de um alvará de qualquer género de actividade legalmente permitido para o funcionamento de uma empresa regularmente constituída. São actos (decisões) que carecem de ser apresentados junto dos interessados (requerentes) de modo fundamentado, i.e., com as devidas justificações sobre as razões da sua prática. Sejam decisões negativas ou positivas. Contudo, a decisão dos órgãos ou agentes do Estado não só são obrigatórias como devem ser apresentadas conforme a Lei, já que o Estado é uma entidade sem vontade própria e como tal sem moral. O que implica que os seus actos sejam praticados segundo a Lei. O conceito de particular que a lei utiliza pretende abranger pessoas físicas ou morais, singulares ou colectivas cujos actos são disciplinados pelo Direito Privado. Entre estas pessoas são de destacar as pessoas com título de cidadania ou estrangeiras), as empresas e as ONG (Organizações Não-Governamentais) ou entidades de domínio e actividade privada. A Lei determina que “Para além dos casos em que a lei especificamente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que total ou parcialmente: a) neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo, direitos ou interesses legalmente protegidos ou agravem deveres, encargos ou sanções; b) decidam reclamação ou recurso; c) decidam em contrário de pretensão formulada por interessado ou de parecer, informação ou proposta oficial; d) decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução dos casos semelhantes ou na interpretação e aplicação dos mesmos principio s ou preceitos legais; e) impliquem revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior. (art.º 67.º - Decreto-Lei 16-A/95 – Normas de Procedimento da Administração Pública – em frente NPAD)

O dever de fundamentação legal é diferente da obrigatoriedade de publicitar os actos administrativos. Este significa que uma vez praticados os actos do Estado devem ser publicados, i.e., tornados publicados. São então publicados no Diário da República por regra. É o que acontece com as nomeações e exonerações de responsáveis de cargos públicos e com a maioria dos actos legislativos entre outros actos que em número representam uma quantidade inferior aos actos susceptíveis de serem fundamentados. Na verdade o dever de fundamentação é extensivo a todos os actos que provoquem efeitos importantes na esfera jurídica e até moral dos indivíduos quando sejam praticados pelo Estado.

Quanto a fundamentação do acto administrativo a Lei é clara: “1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito de decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto. 2. Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.” (art.º 68º - NPAD).

Os actos orais da administração pública levantam o problema de legalidade uma vez que nem sempre podem estar previstos por Lei. Então o órgão ou agente do Estado goza do privilégio de execução prévia, que confere a faculdade de executar actos administrativos sem a concordância legal confirmada pelos destinatários. Porém, susceptíveis de confirmação posterior. A lei estabelece formas de prática de actos administrativos orais para cobrir todas as situações em que somos interpelados directamente por um agente da administração pública, i.e., do Estado.Dixit.

sábado, 14 de janeiro de 2012

CONSEQUÊNCIA DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS

ALBANO PEDRO

Recentemente veio a público a condenação de alguns gestores públicos pelo Tribunal de Contas (TC) que levantou uma série de questões nomeadamente se os condenados cessariam as suas funções como gestores públicos imediatamente ou como ocorreram os julgamentos se não se percebeu o momento em que os gestores em causa foram arrolados nos respectivos processos entre outras dúvidas pertinentes.
Tudo se compreenderia com muita facilidade se o Tribunal de Contas fosse um mero tribunal administrativo. Então, julgaria apenas as contas, avaliando em auditoria competente o grau de transparência na gestão quantificando os desvios de fundos publicos correspondentes. Verificado o comprometimento da gestão pública encaminharia os processos em forma de queixa aos tribunais judiciais competentes (civel e criminal) que assacariam as respectivas responsabilidades civis (indemnização ao Estado) e criminal (multas ou penas de prisão) aos gestores públicos vindo como consequência da cominação das respectivas sanções o abandono voluntário ou coercivo do cargo público entre outras .
Não é assim que se passa com o Tribunal de Contas. O legislador cometeu o erro de imprecisão metodológica, como não acontece em muitas partes do mundo e nem mesmo em Portugal, de inseri-lo no sistema judicial angolano tornando-o num verdadeiro tribunal (soberano nas suas decisões) ao mesmo tempo que as suas sentenças não se completam sem o concurso de outros tribunais que são assim chamados a reforças as sanções do TC. Pior do que tudo, o TC decide sobre matérias que seriam melhor decididas se o fossem pelo tribunal cível. Trata-se da Responsabilidade financeira (art.º 30º e SS – Lei Orgânica e do Processo do Tribunal de Contas – LOPTC), que consiste na reintegração da posse pelo Estado do património (a lei fala de fundos) desviado que é afinal a consequência natural de uma decisão tomada em sede de um tribunal civel. Mais. O TC aplica multas (que como penas pecuniárias mais se adequam às sentenças criminais que, estranhamente, o TC não dispensa). Assim acontece que a responsabilidade criminal que implica uma forte actividade investigativa não é chamada a intervir antes da sentença proferida pelo TC que afinal pode contrariar os resultados investigativos que sustentam a sentença deste tribunal. O que periga o sentido de justiça das decisões e o bom nome das pessoas visadas.
É desta situação processual mais ou menos deficiente que resultam as inquietações levantadas pela opinião pública. Na verdade, o TC estaria melhor confortado se não tornasse público nenhuma sentença até que as pessoas visadas fossem condenadas por outros tribunais em sentenças com trânsito em julgado. Não se colocaria em causa a presunção de inocência dos arguidos, tão pouco os condenados continuariam a exercer as suas funções como se nada tivesse acontecido. Dixit