Durante a reunião da Conferência Internacional Sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL) havida recentemente em Luanda contando com a participação de Angola, RDC, República do Congo, República Centro Africana, Zâmbia, África do Sul (convidado), Sudão, Sudão do Sul, Tanzânia, Quénia, Burundi, Ruanda e Uganda, o presidente cessante deste mecanismo internacional, Yoweri Museveni, estadista ugandês, deixou claro que a causa dos conflitos na região dos Grandes Lagos assenta em vários factores bem identificados que fez questão de elencar. Dois destes factores podem ser apresentados como as verdadeiras causas dos conflitos, mesmo quando se lhes assaquem várias outras nuances. Tratam-se dos conflitos étnicos e tribais e da manipulação externa.
CONFLITOS ÉTNICOS E TRIBAIS
Um dos factos que é desconhecido da maioria dos angolanos, e que está patenteado em muitas fontes orais registadas, ainda que de modo impreciso, é que a migração dos povos bantu da região dos Grandes Lagos para a região sul que compreende Angola e outros países mais abaixo do equador não foi fruto de procura voluntária de melhores condições de vida para cujo objectivo levaram a expulsar um outro povo encontrado, que é o khoisan. Não. Os bantu foram expulsos das terras que detinham naquela região do equador e foram obrigados a protagonizar uma das primeiras maiores migrações de povos que deu lugar na criação de vários reinos em Angola. E como isso aconteceu e porquê? Os bantu, povos que predominam o nosso mosaico cultural, protagonizaram a maior de todas as migrações conhecidas em África. Há milénios (primórdios das civilizações humanas conhecidas), os bantus, povos de pele negra e características próprias – estatura média (orçando 1.50 a 1.80 metros de altura), nariz achatado e corpo geralmente delgado - que os diferenciam de outros povos negros, faziam parte de um conjunto de povos concentrados na região asiática, hoje identificada como Índia. A chegada dos povos negros na Ásia deveu-se a era do gelo que se esbateu pelo mundo há milhões de anos, altura em que vários povos (em fase primitiva) migraram pelos continentes saídos de África, como o berço da humanidade. Aí foram, mais tarde, dominados por outros povos que hoje constituem a cultura racial predominante do continente asiático. Por este facto, ainda hoje existem indivíduos de pele negra na região do médio oriente (Índia sobretudo) cujos ancestrais conhecidos das suas culturas não são oriundos de África.
Com o nascimento e crescimento do Egipto e da sua civilização milenar, os bantu foram emigrando para esta região, ora voluntariamente, ora adquiridos como escravos. Os bantu acabaram sendo os povos que mais contribuíram para constituição do Egipto e da sua civilização. Estiveram na construção das pirâmides e outras obras magníficas daquele tempo. Eram entretanto, escravos na sua maioria, sob domínio de outros povos, os nilóticos (que eram os egípcios por direito e cidadania). Um facto mal identificado, mas certamente relacionado com a busca de liberdade e de um território para exercer a sua soberania, levou os bantu a abandonarem o Egipto, num breve percurso migratório que os levou a instalarem-se na região do actual Sudão (incluindo o Sudão do Sul). Ais procuraram desenvolver a agricultura e a pastorícia. Entretanto, outros povos berberes, dinkas entre outros se apresentavam como os mais desenvolvidos reclamando o domínio do território. Os bantu menos capazes em termos de organização social e política, foram obrigados a descreverem um novo percurso migratório para as regiões mais a sul, onde esperavam encontrar terras virgens para colonizar. Alguns povos deste grupo étnico dispersaram-se para várias regiões (incluindo para zonas a actual Nigéria). Mas o grosso alcançou os territórios que compreendem a região dos Grandes Lagos (Republica Centro Africana, Uganda, República do Congo Democráticos, Ruanda, Burundi e Tanzânia) antes da era moderna (Antes de Cristo). Este segmento migratório encontrou povos: os bayaka (indivíduos baixos), com formas de organização social e militar menos organizadas que acabaram sendo expulsos das suas terras, refugiando-se para as florestas até aos dias de hoje (o que explica o ódio visceral dos bayaka em relação aos bantu mesmo nos tempos que vivemos). Os bantu iniciaram a sua expansão pelos territórios obtidos a custa de guerras sangrentas contra os povos locais estabelecendo-se em comunidades organizadas, porém a medida da sua pobre capacidade de assentamento político. A força da ocupação deveu-se ao domínio do ferro e da organização sedentária ligada a agricultura e pastorícia contra o nomadismo que caracterizava os bayaka (hoje podem ser localizados no interior das florestas tropicais entre a RDC e a República Centro Africana onde constituíram as suas comunidades).
Os bantu festejaram a conquista dos novos territórios por pouco tempo (ao longo de séculos é certo – entre os últimos períodos do apogeu da civilização egípcia - antes de Cristo). Novos povos, e melhor organizados e com uma capacidade política e militar avançada, descobriram a nova sociedade multi-estruturada dos bantu, são os cushíticos. Rapidamente submeteram os bantu reunindo as suas pequenas comunidades em torno de reinos. É desta invasão que a História moderna procura identificar a causa da grande migração dos bantu que deu lugar a ocupação dos territórios de Angola e de outros mais abaixo. Com a invasão do cushíticos, nasceram as primeiras concentrações urbanas que deram lugar a cidades complexas e devidamente organizadas (uma pesquisa arqueológica aponta uma cidade que em nada perde ao conceito romano e grego numa região localizada no Uganda). Os cushíticos porém misturaram-se aos bantu ao longo dos tempos (o que parece explicar a mudança da tonalidade da pela – mais clara –, altura por vezes acima de 1.80 metros e o nariz afilado que alguns indivíduos bantu passaram ter – claro está que a influencia de outros grupos étnicos deve ser levada em conta) e um novo povo, nasceu deste criolismo: os banyoro (munyoro – para o indivíduo). Entretanto os bantus como maioria suplantavam em quantidade os cushíticos que adoptaram a táctica da miscigenação para diluir a necessidade de lutas tribais. Assim surgiu o mítico Império de Kitara cujos reinos compreenderam os países da região dos Grandes Lagos (acima citados). O reino que servia de capital era conhecido por Buganda, coincidentemente localizado no actual território do Uganda.
A fraqueza dos bantu, esteve sempre relacionada com as constantes migrações e a falta de um território próprio em que pudessem desenvolver uma cultura material sólida capaz de fazer nascer modelos urbanísticos evoluídos a semelhança do que se vê na Etiópia e em outros pontos civilizacionais do mundo antigo. O que explica a falta de escrita, de uma arquitectura evoluída e a cultura de conflitos pela busca de pátria (terra própria para criar riqueza material) e nação (espírito de unidade por um mesmo ideal)
O antigo “Uganda” era então o centro decisório de toda a região dos Grandes Lagos, como parece continuar a ser, nos dias de hoje. O “casamento” entre os bantu e cushíticos não foi a solução da paz para o novo povo deles nascidos. Outros povos: os nilóticos (um exemplo são os maasai, pastores e guerreiros-caçadores) surgiram na região dos Grandes Lagos num processo igualmente migratório. Destemidos e aguerridos impuseram-se ocupando vários territórios do Império de Kitara ditando o fim da existência da sua organização política. As guerras que se estabeleceram entre os banyoro (maioritariamente bantu) e os nilóticos desde então explicam os conflitos étnicos que ainda hoje opõem os Hutus (bantu) e os Tutsis (nilóticos) que afectam países como Uganda, Ruanda, República Centro Africana e a RDC (região norte e leste). A causa da tensão incessante entre os dois povos assenta na falta de assimilação dos nilóticos pelos bantu a semelhança do que se passou com os cushíticos. Ambos não admitem a coexistência cultural para todos. No passado, o espectro deste conflito irradiou-se para além do Uganda alcançando inclusive os actuais territórios ocupados pelo Quénia, Tanzânia e muito além. Portanto, o problema do genocídio de Ruanda de 1992 (que para muitos pareceu novidade) é fruto de conflitos que remontam há séculos que preenchem milénios. Ora, o Império de Kitara acabou por autodestruir-se pelos conflitos étnicos, muito antes da presença colonial em África (parte sul do equador). O que explica o facto de não existirem muitos registos rigorosos e completamente fiáveis sobre os territórios que compreendia ao ponto de a própria existência do império ser questionada por muitos estudiosos.
MANIPULAÇÃO EXTERNA
Com a ocupação colonial dos territórios do extinto Império de Kitara (Região dos Grandes Lagos), os nilóticos foram sempre favorecidos, mercê das suas características físicas – nariz afilado e altura avantajada – mais próxima das exigências civilizacionais dos europeus. Como consequência, beneficiaram de um processo de aculturação que os aproximava a convivência dos brancos europeus em detrimento dos bantu legados ao analfabetismo, a escravatura feroz e a vivência precária. Acresce-se o “trama do Rei Leopoldo” que se repercutiu entre os bantu com o corte de membros superiores de milhões de indivíduos ao longo da colonização belga no Congo.
Os bateke-bahumbu (povos bantu que ocupavam a região actual de Kinshasa e cuja vila Quinxassa inspirou Mobutu a denominar a capital do Zaire) foram particularmente dizimados por acções violentas e os sobreviventes submetidos a uma escravatura sem igual entre os povos de Angola, por exemplo, em todo o período colonial. Essa forma animalesca de contacto introduzida no processo de colonização tornava os bantu consciente do desprezo a que estavam a ser votados pelos invasores brancos e o favorecimento que estes garantiam aos nilóticos. Era tudo para alimentar o ódio visceral dos bantu contra os nilóticos vistos como traidores.
A colonização terminou. Nalguns casos negociada (RDC, Congo) noutros casos arrancada com violência. O velho conflito étnico ganhou então novas dimensões. Idi Amin Dada, segundo Presidente do Uganda após o derrubar Milton Obote que conquistara o direito de pai da independência do país, ficou conhecido na História como o mais violento dos ditadores da Região dos Grandes Lagos, e um dos mais violentos da África pós-colonial. Quando morreu, tinha assassinado mais de 2 milhões de Ugandeses, numa carnificina com os mais afinados requintes de crueldade como há igual na história da região, ao longo do seu mandato favorecendo claramente os seus fiéis e os povos da sua etnia em detrimentos de outros. Diz-se que a obsessão pelas investidas de Milton Obote que procurava retomar o poder, faziam dele um psicopata que se apelidava a si mesmo como “O Último rei da Escócia” (o filme com o mesmo título é uma demonstração interessante da sua ferocidade como ditador). Mas, fica bem claro que ao longo do seu mandato procurou abafar o conflito impondo uma nação unida. Não é por acaso que se gabava de ser o pai querido dos ugandeses a despeito dos constantes banhos de sangue que protagonizava. Anos depois, a ditadura, quase perpetua de Yoweri Museveni é claramente alimentada pela necessidade de manter confortável a etnia a que pertence. Razão pela qual vicia os processos eleitorais com o apoio da maioria do povo em detrimento de eleições livres e justas.
O que Yoweri Museveni vende ao povo é a ideia de ser o pai da tranquilidade entre as etnias. O que é a mesma ideia que Paul Kagame, seu homólogo e vizinho no Ruanda tem vendido desde que assumiu o poder. É o garante da paz entre os Tutsis (nilóticos) e os Hutus (bantu). Aliás, o famigerado genocídio encabeçado pelo general Augustin Bizimungu em nome dos interesses dos hutus em 1992 nasceu após a morte por acidente aéreo do então Presidente do Ruanda, Juvenal Habyarimana, um Hutu que ao casar com uma mulher Tutsi lutava pela boa convivência entre os dois povos. Com a sua morte, e a debilidade do poder controlado pelo Pastor Bizimungu e pela primeira-ministra, Agathe Uwilingiyimana, ambos hutu, os bantu viram a oportunidade de se vingarem dos nilóticos aos quais acusavam de ocupar as suas terras há longos anos (o que é historicamente verdade, embora não seja a perspectiva política pelo facto de a independência da republica dizer respeito a todos) instigando então o maior genocídio conhecido recentemente na região dos Grande Lagos. Para acender os ânimos dos hutus contra os tutsis, uma rádio local, Hutu Power, acusou o movimento RPF, liderado pelo Paul Kagame, um tutsi que assumia a Vice-presidência do país, de ter atingido o avião em que o Presidente ruandês seguia em companhia de Cyprien Ntaryamira, Presidente do Burundi e do Chefe do Estado Maior das Forças Armadas do Ruanda. 1 milhão de mortos foi o saldo do genocídio no final.
Ironicamente, ao contrário do alarido despoletado a quando do genocídio contra os tutsis, a perseguição e massacre dos hutu não mereceu a mesma atenção do mundo. Com a subida de Paul Kagame ao poder na sequência da expulsão dos hutus genocidas do poder, uma nova onda de massacre aconteceu. Os tutsis alimentaram uma onda de vingança com dimensões de Estado perseguindo os hutus num massacre que levou outros milhões de ruandeses. Na estratégia de Paul Kagame, já no poder, cabia a ideia de um massacre que diminuísse substancialmente os hutus, hostis aos tutsis. Foi assim que nasceu a ideia do golpe de Estado contra Mobutu no Zaire com a entrada do seu exército que eliminou milhares de hutus refugiados no interior das fronteiras zairenses. Foi um genocídio com as mesmas dimensões que incidiu sobre os tutsis em 1992. Entretanto, Boutrus Boutrus Ghali, então Secretário-Geral da ONU não fez o alarido necessário para conter a euforia dos tutsis. Pois, Paul Kagame estava sob protecção dos interesses ocidentais encabeçados pelos EUA. O quadro faz perceber que a estabilidade política na base da sã convivência entre os povos é o grande bico d’obra na região dos Grandes Lagos. O que explica o facto de os líderes nunca pretenderem abandonar o poder pelo risco do banho de sangue que venha a seguir.
A COMBINAÇÃO DAS DUAS CAUSAS E AS CONTRAPARTIDAS
Os conflitos actuais ganharam uma nova roupagem. A riqueza mineral da RDC, os interesses ocidentais na região e a ambição dos países limítrofes (Angola, Uganda e Ruanda, sobretudo) em obterem benefícios directos das explorações alimenta uma nova era: a era dos conflitos étnico com o patrocínio do Estado. Os povos em si mesmo já não atiçam directamente. O conflito tornou-se num negócio de alto nível que rende biliões de dólares num corredor de contrabando de minerais com dimensões internacionais.
Tudo agudizou-se com a queda de Mobutu. Em 1997, Paul Kagame instigou Yoweri Museveni a abraçar o seu projecto de guerra contra Mobutu a fim de depô-lo. O surgimento de Laurent-Desiré Kabila como a escolha para a sucessão do ditador zairense, foi fruto dessa concertação. Yoweri Museveni conhecia Kabila através do seu Assistente Pessoal que era afinal o amigo do futuro líder congolês. Em pouco tempo o exército ruandês comandado James Kabarebe, um jovem general ruandês – com traços de adolescente, tomou o comando da operação que afinal contava com a participação das forças militares da Angola e Zimbabwe que seguiram pela região de Katanga com o destino a Kinshasa. O golpe aconteceu com a fuga de Mobutu e uma nova república nasceu na voz do autoproclamado Presidente da República, Laurent-Desiré Kabila, contra a expectativas de outras forças politicas da oposição que esperavam por um governo de transição.
O novo líder, claramente apoiado pelos EUA e seus parceiros (Angola, Ruanda e Uganda) começou com reformas que animavam uma suposta ideia de estratégia, como ele próprio chamou, que consistia em ligar o continente africano do norte a sul do norte e o este do leste. Os americanos não perceberam como boa intenção o que parecia ser um nacionalismo que ameaçava os seus interesses regionais. Foi morto com cumplicidade da CIA e até hoje a morte permanece envolta de mistério tal como permanece a morte do próprio Presidente americano John Kennedy. Foram pecados do novo presidente, a expulsão dos ruandeses que dominavam as forças armadas da RDC e a resistência contra a recompensa com minerais aos parceiros que o levaram ao poder. Ruanda e o Uganda exigiam parcelas para exploração de minerais na região leste (Kivu Norte e Kivu Sul).
A manipulação dos EUA sobre a região é patente na RDC onde grupos armados ruandeses e de origem ruandesa protagonizavam todo tipo de desmando a guisa de guerrilha de libertação. É um círculo demoníaco que arrasta o povo a pobreza e a morte em quantidade de milhões, perfeitamente montado pelos EUA com os auspícios da ONU cujo contingente militar gasta mais de 1 milhão de dólares dia para manter-se em território congolês. E tudo em nome da exploração dos enormes recursos do maior país da África austral. A manipulação externa que se refere Yoweri Museveni hoje assenta no estímulo dos conflitos étnicos e tribais para manter a instabilidade na região. Esta estratégia persegue dois objectivos: 1) facilitar o comércio de minerais sem o controlo da economia local, 2) impedir o desenvolvimento da região que crie a necessidade de auto-suficiência e ponha fim a exportação de recursos susceptíveis de serem transformados internamente. Isso já não é segredo entre os congoleses que apesar do índice de abertura democrática (de longe superior ao dos angolanos) não conseguem iniciar qualquer processo de democratização do seu país devido a forte influência americana na manipulação das forças políticas internas. Jean-Pierre Bemba, líder da oposição congolesa foi condenado por crimes contra a humanidade numa altura em que constituía uma força de alternância ao Joseph Kabila, o que representou uma ameaça séria aos EUA. O resultado deste intrigante jogo de inteligência política é a RDC ser hoje um país que arranha a miséria absoluta depois de ter sido um dos maiores parques industriais e uma das mais sólidas economias de África até os anos 60.
CONCLUSÃO
1. A existência de conflitos étnicos e tribais na região dos Grandes Lagos favorece largamente os governantes no poder alimentando a necessidade da perpetuação dos seus regimes. E o pretexto será sempre a necessidade de controlar os ânimos para que um novo conflito não se instale. Os presidentes do Uganda e Ruanda beneficiam directamente deste trauma de realização eventual que persegue os respectivos povos. Assim, nunca haverá um interesse real e genuíno em resolver os conflitos na região, sob pena de desencadearem processos democráticos que venham a afastar as ditaduras instaladas. Por isso mesmo, não é difícil concluir que as ditaduras são alimentadas pelas possibilidades permanentes de conflitos.
2. Os EUA atiçam os conflitos étnicos e tribais através do uso de meios do Estado e da força institucional dos seus parceiros (Angola, RDC, Uganda e Ruanda), financia e apoia o surgimento de líderes (Laurent Kunda, Bosco Ntaganda “Terminator”) e grupos rebeldes (M23, Mai-Mai) e em seguida simula a contenção de conflitos por meio de uma ONU que assim justifica a sua na Região dos Grandes Lagos. É um ciclo que não termina se os próprios EUA não colocarem fim voluntariamente e se os próprios estadistas não ganham consciência da necessidade de porem fim aos conflitos de modo a estabilizarem os seus próprios países pela via da democratização.
Assim se compreende que a coincidência dos países da Região dos Grandes lagos serem governados por ditadores com forte tendência anti-democrática não seja por acaso. Responde aos interesses das potenciais internacionais pontificadas pelos EUA. Quando os movimentos sociais e políticos começam a clamar pela normalização democrática surgem os conflitos étnicos e tribais e o povo volta a preocupar-se com s esforços de sobrevivência em meio aos desastres humanitários acertando o som de uma velha canção que se repete na forma de perpetuação das ditaduras pro-ocidentais.
François Bozizé, o deposto Presidente da República Centro Africana assumiu o poder na sequência de um golpe militar bem-sucedido contra Ange-Félix Patassé (até hoje o único presidente eleito na RCA) em 2003. Em 2013, dez anos depois, acabou pagando pela mesma moeda ao ser surpreendido com um golpe de Estado perpetrado pelo grupo rebelde Seleka que o obrigou a fugir para os camarões. Desde então eclodiu o conflito claramente sustentado por “logísticas militares” de países vizinhos como o Uganda. A RCA tem a fama de um país alérgico a democracia deixada pelo seu mais excêntrico estadista de sempre: Jean-Bedel Bokassá que em 1979 autoproclamou-se imperador ganhando o direito de ser investido com os adornos correspondentes e na presença de membros da realeza britânica.
Depois de sobreviver ao mais longo conflito armado em África (1983 – 2005), o Sudão dividiu-se dando lugar ao mais jovem Estado africano. O Sudão do Sul. O conflito que está por trás desta divisão é claramente étnico. Os Dinka, Nuer e Shilluk (povos nilóticos) foram os primeiros a chegarem nos actuais territórios do Sudão (tanto norte quanto sul). Mais tarde, outros povos não nilóticos, os Azandes (que hoje compõe o terceiro maior grupo étnico) chegaram e estabeleceram-se organizando o maior reino até então. É o povo Avungura que, ao impor-se contra os Azendes até a chegada do colono Inglês, engendrou os conflitos étnicos e tribais que hoje se conhecem em todo o Sudão ao ponto de provocar a divisão. Salva Kiir Mayardit, actual presidente sucedeu a John Garang que conduziu a rebelião armada ao longo da guerra civil contra Omar Al-Bashir ao tempo do Sudão indivisível.
Angola, estranhamente membro da Região dos Grandes Lagos – A semelhança de alguns outros não é parte geográfica da região –, Todavia, tem o claro papel de presidir aos interesses em nome dos EUA que nos fins das contas dirige um clube de sócios, em que Angola vem partilhando interesses que nunca beneficiaram o povo angolano, senão a uma cúpula bem identificada no poder. O corredor de exploração de minerais na RDC e o seu papel na deposição de Mobutu (ex-Zaire) e de Pascal Lissouba (primeiro presidente democraticamente eleito da República do Congo) conferem-lhe a autoridade de partilhar os “segredos dos americanos” nessa região. E num exercício para “inglês ver” a reunião dá-se com pompas e circunstancias diante de um povo, com líderes de partidos políticos a mistura, muito longe dos verdadeiros pontos em debate que a nosso ver estão muito longe de resolverem as verdadeiras causas dos conflitos. Afinal estas mesmas causas beneficiam os estadistas desta mesma região e as potências internacionais, especialmente ocidentais. Não estranharia se chegasse ao público um dossier denunciado o Presidente angolano como estando a cabeça de um programa regional que visa manter da melhor maneira possível os conflitos que parecem escapar do controlo das partes envolvidas.
Nesta parte final, pode-se atestar a hipocrisia de Yoweri Museveni quando alega que não é parte dos conflitos da região chamando a si a bboa intenção na sua solução. Uganda foi, é e continuará a ser (até que um ambiente democrático se imponha) a placa giratória dos interesses relacionados com a Região dos Grandes Lagos. É o centro, e a partir dele são alimentados vários focos de rebelião armada. Foi infeliz ao procurar uma justificação insustentável para se ver bem na fita. A mesma hipocrisia passeia no rosto e nas intenções de todos os outros estadistas que no final de contas têm a clara certeza que o fim dos conflitos armados na região vai desencadear os processos democráticos e com isso os seus regimes vão certamente chegar ao fim e com ele o sofrimento dos povos.
Chegados a este porto a questão que insiste desde o início é: os Estadistas, que sabem serem os instigadores dos conflitos cuja solução está exactamente ao seu alcance, e que o fim de toda a violência que apregoam depende exclusivamente das suas decisões, querem enganar quem? Os povos envolvidos nos conflitos e a comunidade internacional ou a eles mesmos? Sendo os verdadeiros autores morais como esperam resolver um problema sem que admitam serem os verdadeiros causadores?
quinta-feira, 16 de janeiro de 2014
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O CONFLITO NA REGIÃO DOS GRANDES LAGOS E A HIPOCRISIA DOS ESTADISTAS E DAS POTÊNCIAS ESTRANGEIRAS - PROLEGÓMENOS ANÁLITICOS SOBRE OS CONTEXTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS PARA A COMPREENSÃO DAS CAUSAS DOS CONFLITOS ENTRE OS POVOS DA REGIÃO E AS DIFICULDADES PARA A SUA COMPLETA RESOLUÇÃO - ALBANO PEDRO
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