O PROBLEMA DO DEVER DE OBEDIÊNCIA DO TRABALHADOR
Albano Pedro
(Texto publicado no Semanário Angolense)
Há despedimentos de trabalhadores que acontecem por razões bizarras: O trabalhador com funções de motorista da empresa obrigado a fazer trabalhos de jardinagem na casa do gestor da empresa recusa a tarefa por escapar grosseiramente da sua esfera de actividades estipuladas em contrato e é despedido ou a promoção de processo disciplinar contra trabalhadores tidos como desobedientes que se recusaram a oferecer os seus esforços para trabalhos domésticos em casa de pessoas recomendadas pelo gestor. Convencido de que o trabalhador desobediente deve ser descartado, o empregador promove então um acordo de rescisão de contrato ou um processo disciplinar com vista ao despedimento fundado em causas “inventadas” muitas vezes mediante conselhos de consultores jurídicos. O trabalhador vê o contrato de trabalho a cessar ou se vê despedido consciente de que a causa é a desobediência registada pelo empregador. Essas razões “bizarras” levam a reflectir a esfera de actividades naturais do trabalhador permitindo estabelecer os marcos do dever de obediência do trabalhador à luz da Lei Geral do Trabalho (LGT).
Os deveres do trabalhador vêem genericamente previstos na LGT (art.º 46º) determinando entre os mesmos o dever de respeito e lealdade para com o empregador, dever de assiduidade e pontualidade, entre outros. Porém, as obrigações inerentes ao trabalho, são especificamente estabelecidas no contrato de trabalho e no regulamento interno da organização empresarial e estes determinam o dever de obediência a volta das tarefas concretas a que o trabalhador se encontra vinculado. Saber se o trabalhador que não obedece a uma ordem não prevista no seu leque de actividades regulares deve ser punido é completamente dispensado pela LGT. Esta determina que o trabalhador deve obediência ao empregador em relação as actividades para as quais foi contratado. Não acontece por acaso. O trabalhador e o empregador são assistidos pelos princípios da liberdade contratual, da igualdade das partes entre outros derivados da autonomia da vontade, i.é, durante o contrato as partes negoceiam as cláusulas contratuais e acordam os termos do contrato por oposição da assinatura no respectivo contrato quando não seja celebrado verbalmente (nos termos em que a Lei admite). Desde logo, o trabalhador só executa as tarefas que derivarem das suas obrigações funcionais determinadas previamente. Não faz sentido o cumprimento de tarefas não vinculadas como acontece nos exemplos acima mencionados.
A LGT dispõe que o trabalhador tem o direito de reclamar sobre quaisquer violações dos seus direitos estabelecidos por Lei e acordados pelas partes (art.º 45º alínea i). O que pressupõe a necessidade do trabalhador estar vigilante quanto as suas obrigações naturais. Há situações que a tarefa mandada executar está na esfera das competências do trabalhador, todavia a sua realização importa uma conduta contra Lei ou contra a ordem pública. Por exemplo: o guarda das instalações da empresa é orientado a encerrar as portas aos trabalhadores grevistas que pretendem contactar o empregador numa situação que este deu o seu acordo com o líder da greve para este fim; o tesoureiro que é orientado a não pagar o salário do trabalhador a quem o empregador quer punir sem qualquer processo disciplinar ou o empregador que solicita um parecer negativo sobre o trabalhador em regime de estágio ao seu superior hierárquico para obter fundamentos para fazer cessar o vínculo contratual, etc. Qual deve ser a atitude do trabalhador? Desde logo, este deve avisar ao empregador das consequências que acarretam tais orientações e esperar pela reacção deste. Se o empregador insistir na ordem, não restam dúvidas que as consequências de tais actos se transferem para esfera jurídica do empregador sem quaisquer perigos para o trabalhador, salvo nos casos em que a conduta configurar crime e o trabalhador seja tido como cúmplice ou outra sorte de co-autor.
Acontecem situações em que o volume de actividades aumenta e diversifica ou inesperadamente ou por razões de flutuação positiva do mercado, o empregador pode não admitir novos trabalhadores por prever a sazonalidade da situação. Neste caso o empregador mobilizará a força de trabalho disponível para a situação actual negociando com os trabalhadores sobre o acréscimo das tarefas e, obviamente, proceder ao ajustamento da remuneração. Pode ainda acontecer que pelas mesmas razões o empregador aumenta somente a carga horária dos trabalhadores. Num e noutro caso, os trabalhadores são livres de admitirem o novo regime laboral imposto pelas circunstâncias, denunciando as correspondentes violações da relação jurídico-laboral em caso de imposição. Se bem que em casos de aumento da carga horária o que é comum é o trabalhador exigir o pagamento das horas extraordinárias ao seu horário normal de trabalho, como de resto recomenda a própria LGT observados certos limites.
Nos casos em que a tarefa escapa mesmo da competência do trabalhador, este terá de adoptar uma das duas atitudes: ou realiza a tarefa e depois reclama dela ou não executa pura e simplesmente a tarefa justificando a conduta adoptada ao empregador. Este é o caso que leva aos despedimentos apontados em cima. Mas no caso do trabalhador que obedece a ordem injusta a reclamação deve conter a chamada de atenção ao empregador sobre como a tarefa escapou da sua obrigação fundamentando com as bases normativas do contrato e da Lei se necessário. O empregador pode compensar os esforços do trabalhador ou tomar qualquer outra atitude, porém o registo da reclamação será um elemento de ponderação para futuras ordens levando-o a inibir-se de as orientar. É um exercício pedagógico entre o trabalhador e o empregador que leva certamente ao aperfeiçoamento da relação jurídico-laboral no sentido de equilibrar os interesses das partes. É claro que o trabalhador que demonstra carecer do emprego não adopta nenhuma destas condutas preferindo antes executar as tarefas injustamente orientadas sem as comentar se quer com o empregador. Porque é sabido que na relação jurídico-laboral o trabalhador é a parte fraca (o tipo hipossuficiente), daqui resulta que o temor referencial que coloca o trabalhador em relação de subserviência para com o empregador dificulta, na maior parte das vezes, a capacidade de resistência daquele em relação aos abusos do poder de autoridade deste.
Contudo, o trabalhador pode sempre denunciar tais irregularidades aos serviços competentes de Inspecção Geral do Trabalho, mesmo como anónimo ou por intermédio de terceiros, quando a comissão sindical da empresa ou sindicato em que os trabalhadores estejam vinculados não intervenham. De todo modo, a função da comissão sindical da empresa, quando existe, joga um papel fundamental no processo de inibição das ordens injustas do empregador. A solidariedade que caracteriza os organismos sindicais pode suprir a falta de coragem do trabalhador em enfrentar o empregador quando estejam em causa situações desta e doutra natureza. A comissão sindical assume a responsabilidade de enfrentar o empregador pelo trabalhador.
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Direito Laboral
Sr. Albano Pedro,
ResponderEliminarMuito obrigado pelo excelente artigo. Ja esta nos meus favoritos.
A.M.