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    segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

    DA REFERÊNCIA PRESSUPONENTE OU "QUESTÃO-PRÉVIA" NA APLICAÇÃO DA LEI COMPETENTE EM DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

    (Texto reorganizado em homenagem ao Dr. Carlos Freitas, Professor Titular e Regente de Direito Internacional Privado na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto)


    Albano Pedro
    Jurista


    “Agradecer a quem nos tenha ajudado representa um elementar dever de justiça”
    Adão de Almeida
    Jurista
    (Citação feita a propósito do lançamento da sua primeira obra)


    I. NOTA DE HOMENAGEM

    É vulgar as homenagens serem feitas a título póstumo, o que não é o caso. Neste caso, ela vem da pertinência das lições dadas pelo ilustre mestre a quem é reconhecido, pela maioria dos membros da comunidade estudantil e académica ligada ao curso de Direito da Universidade Agostinho Neto, o poder de argumentação técnica, sentido lógico, coerência docente e clarividência narrativa na transmissão de conhecimentos das matérias de Direito Internacional Privado. Característica sem a qual, muito dificilmente os estudantes transporiam o obstáculo da densidade filosófica e matemática que caracteriza esta disciplina que tem a fama de ser a mais difícil no contexto curricular do curso superior de Direito. Vem, pois, esta singela homenagem, menos pelo mérito técnico-científico do texto que se oferece do que pelo reconhecimento do empenho docente que permitiu uma mente discente, como a nossa, de esquadrinhar esboços argumentativos na disciplina em questão. O tema que assim serve de pretexto, foi tido como o primeiro a ser apresentado numa prova oral desde que o digno professor lecciona a cadeira há consideráveis anos, visto que a dificuldade em ser interiorizado sempre provocou repulsa aos não cultores do abstraccionismo. O que representa motivo suficiente para este humilde gesto, embora manifestado anos depois do “corte umbilical” com os compromissos estudantis. Longa vida se deseja a este mui ilustre professor de Direito que em muitos juristas que passaram pelas suas mãos deixou marcas indeléveis de capacidade docente, domínio de conteúdos e espírito de ajuda. Afinal, pessoas com a competência do Professor Dr. Carlos Freitas merecem que os seus feitos sejam reconhecidos ainda em vida.


    II. INTROITO

    Devido a orientação investigativa em que assentou o presente texto, não foram acolhidas visões técnico-cientificas difusas exorbitando os conhecimentos estritamente necessários ao cumprimento do calendário académico. Por isso, o seu conteúdo, corresponde a concatenação das lições reflectindo a cadência do curso em questão cuja finalidade se reportou ao exame final. Não se polemizam questões tão pouco se expõem conceitos que sirvam a uma comunidade de juristas alargada para além dos estudantes desta disciplina de Direito. Desilude-se pois quem julgava encontrar elementos de uma investigação exaustiva sobre a matéria em apreço à cujo escopo se reporta a mera enunciação elementar do conceito e função da Referência pressuponente, questão prévia ou ainda conceito prejudicial cuja compreensão tem sido uma autêntica dor de cabeça entre os finalistas do curso de Direito da Universidade Agostinho Neto. Vão a seguir, em linhas esboçadas, alguns esclarecimentos a guisa de contribuição para a compreensão destes conceitos:


    III. CONCEITO

    Por Referência Pressuponente ou “Questão Prévia” entende-se como o dado de facto não autónomo tomado como pressuposto da questão principal a fim de ver-se resolvido o problema da aplicação do Direito Material, sendo que dos efeitos ulteriores deste depende a solução da questão principal.

    IV. FUNÇÃO DO DIP

    É sabido que a função do DIP é a de dirimir conflitos entre normas. Uma vez cumprida esta função termina a sua tarefa, não havendo qualquer pretensão que transcenda tal desiderato como seja a solução de litígios ou situações de facto que apenas cabe ao Direito Material. O DIP é por isso, um Direito de características instrumental, com desempenho adjectivo, cuja utilidade se reporta ao bom desempenho dos tribunais na solução de casos concretos que impliquem a intervenção de normas jurídicas de proveniência estadual diferentes. Ou seja, o DIP tem razão de ser a partir do momento em que uma questão judicial convoca para sua solução leis de Estados diferentes. V.G: o casamento em dissolução contraído em França por um angolano e uma belga ou a partilha de herança entre herdeiros de nascidos em países diferentes, estando a herança concentrada num país diferente do país de origem e residência do de cujus entre milhares de casos de viabilidade judicial que decorrem das relações entre os indivíduos. São casos óbvios de intervenção obrigatória de leis diferentes na apreciação e decisão judicial, após determinado o Tribunal competente.

    V. CONFIGURAÇÃO DO PROBLEMA

    Ora, indicada a norma competente para a solução de uma determinada questão, antes sob disputa de várias normas interessadas, i.e., normas em contacto com a situação judicialmente viável, surge, ou pode surgir, o problema de a questão sob apreciação da norma ou Direito competente necessitar, para a sua constituição, modificação ou extinção, de um pressuposto de facto cuja competência normativa exorbita do campo de aplicação da norma aplicanda, ou porque o facto em causa está em contacto com uma Lei que não do tratamento da questão (problema no DIP) ou porque o facto em causa tem relação com normas de vigência cessada (operada ao abrigo da Lei antiga) – (Problema no DT).


    VI. QUERELA DOUTRINAL

    A) Para Wengler, o autor que autonomizou o problema no DIP à que chamou também por Conceito Prejudicial – o problema da Referência Pressuponente é um problema de interpretação e aplicação da norma material competente à questão principal. Estando em causa a determinação de um pressuposto de facto desta norma (Puro dado de facto) e não propriamente um problema de escolha de Lei aplicável – Como pretende a doutrina corrente defendida por Melchior – por isso, a questão prévia pode ser suscitada mesmo quando a questão principal está sob vigência da Lex fori;

    B) Para Melchior – bem como para a doutrina corrente – a «Questão-Prévia» como lhe chamou este autor, é um problema de escolha de leis. E como tal, o problema está em saber qual deve ser o DIP a ser levado em conta para a solução do problema da questão prévia. Por isso, o problema da questão – prévia, apenas se coloca quando a questão principal cai sob regência da Lei estrangeira;

    C) Para Baptista Machado – seguindo Wengler – entende que a questão prévia é um problema de interpretação e aplicação da norma material. Esta, ao tratar de constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica condicionada, se reporta pressuponentemente à relação jurídica condicionante tomando-o como um dado de facto.


    VII. SUBSTITUIÇÃO

    Uma vez determinado o conteúdo da relação jurídica pressuponente coloca-se a questão de saber se o conceito por este adoptado equivale àquele tratado pela norma material que procura resolver a questão principal. Ou seja, o problema da substituição é um problema de equivalência de conteúdos ou conceitos adoptados, quer pela norma a quo quer pela norma ad quem (DIP) quer pela Lei nova quer pela Lei antiga (DT).

    Serve de exemplo o caso Nadimotopoullo e Poullocanamalle em que se discutia a questão de saber se o conceito prejudicial que constituía o conceito de adopção no Direito Hindu equivalia «adopção» para efeitos da Lei Francesa que procurava resolver a questão principal (relações sucessórias) de que a adopção era a questão prévia ou conceito prejudicial.

    Disto resulta que, o problema da substituição só se coloca quando o DIP deixa para a Lei reguladora da questão principal a liberdade de tomar ou não como pressuposto de facto a relação jurídica condicionante ou prejudicial, i.e., tornar equivalente ou não o conceito adoptado pela Lei reguladora da questão prejudicial ou relação jurídica pressuponente.

    VIII. RELAÇÃO ENTRE A QUESTÃO PRÉVIA E A SUBSTITUIÇÃO

    A) Melchior (doutrina corrente) distingue entre o problema da substituição e o problema da questão-prévia. A Substituição é um problema de Direito Material: um problema de determinação de conteúdo da norma que regula a questão principal pela remissão à relação jurídica prejudicial, e a Questão-Prévia é um problema de determinação da Lei competente. Portanto, é um problema de escolha de lei. Sendo de referir que a questão prévia nasce de dois pressupostos, nomeadamente que: a) A questão principal esteja sujeita a Lei estrangeira e não à Lex fori; b) A Lex fori se refira de modo autónomo à questão jurídica que surge como conceito prejudicial;

    B) Wengler – seguido por Baptista Machado – defende que em todos os casos em que o DIP deixa ao critério da norma reguladora da questão principal a liberdade de determinar as características (conteúdo) do conceito prejudicial; ou seja em todos os casos em que se adivinha a questão-prévia há substituição e vice-versa. Precisamente porque ao se estabelecer o conceito prejudicial virá o problema de saber se tal conceito é ou não equivalente ao conceito adoptado pela norma reguladora da questão principal.


    IX. O PROBLEMA NO DIREITO TRANSITÓRIO

    Operando o Princípio da Não Retroactividade coloca-se um problema: Por um lado, não é permitida a regulação de factos que exorbitem, no tempo, a esfera de competência da lei nova, por outro lado, existem situações em que uma situação concreta regulada pela Lei nova carece de relevar pressupostos que tenham operado ao abrigo da Lei antiga. Eis o dilema. SAVIGNY chamou a estas situações de normas que se subtraem ao Princípio da Não retroactividade e GABBA, por sua vez, qualificou tais normas como sendo dotadas de retroactividade inata. Porém, o Código Civil vigente entre nós, prefere enveredar pela distinção das situações (art.º 12, n.º 2).

    X. SOLUÇÃO PELA QUESTÃO PRÉVIA COMO CONCLUSÃO

    Precisamente para não se violar o Principio da Não Retroactividade e salvaguardar as situações em que para a completa aplicação de uma norma que regula uma situação cujo conteúdo carece de suporte de situações reguladas ao abrigo da Lei antiga, é que surge a questão-prévia.

    Para tanto, o pressuposto de facto (e como tal relevante e não reconhecido) deve ser tomado de modo não autónomo resultando daí que os seus efeitos próprios são irrelevantes. Sendo ulteriores, i.e., relevantes apenas para a questão principal regulada ao abrigo da Lei nova.


    XI. ABREVIATURAS E TERMINOLOGIAS

    • A QUO – Diz-se do tribunal da decisão contra a qual se recorre.
    • AD QUEM – diz-se do tribunal para o qual se recorre por interposição de recurso judicial.
    • DE CUJUS – Falecido. Autor da Sucessão.
    • DT – Abrev. de Direito Transitório.
    • DIP – Abrev. de Direito Internacional Privado.
    • LEX FORI – Lei do foro, terminologia preferencialmente utilizada em DIP para determinar a lei do tribunal competente para julgar a questão judicial objecto de conflito de normas.


    XII. BIBLIOGRAFIA COMPULSADA

    - FREITAS, Carlos – Apontamentos das Lições de Direito Internacional Privado na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, 5º Ano – 2002.
    - MACHADO, João Baptista – Introdução Ao Estudo do Direito e ao Discurso Legitimador.
    - OLIVEIRA, Fernando – Glossário de Latim Para Juristas, Editorial Nzila, 10ª Edição, 2008.

    1 comentário:

    1. Muito interessante a postagem
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      Abraços de verdade e, fique com DEUS

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