quarta-feira, 30 de março de 2011

DA SUSPENSÃO E EXPULSÃO DE DEPUTADOS À ASSEMBLEIA NACIONAL

A propósito do inquérito contra o General Abílio Kamalata Numa


Albano Pedro


Tornaram-se mediatizadas as acusações impendendo sobre o deputado e General Abílio Kamalata Numa, Secretário-Geral da UNITA dando conta de estar a incitar as populações da região do planalto central à rebelião entre outras acusações não menos graves que o colocaram no centro das atenções da imprensa nacional e internacional numa altura em que crescia a tendência generalizada para a manifestação popular marcada para 7 de Março motivada por debates e cruzamento de opiniões nas redes sociais da internet por indivíduos não claramente identificados. As consequências de tais acusações são a instauração de um inquérito tendente a instrução de um processo conducente a sua expulsão da Assembleia Nacional. O que faz emergir o debate em torno das causas legais sobre a suspensão e expulsão de deputados a Assembleia Nacional. É, contudo, preliminar conferir que a disciplina normativa dos deputados a Assembleia Nacional se encontra estabelecida a partir da Lei Constitucional (art.º 151 º e Seguintes) em que perfilam as condutas sancionáveis e como tais susceptíveis de fazer incorrer o deputado a sanções como a suspensão ou perda de mandato. Embora ao deputado seja imposto um regime normativo especial e como tal ordinário (Lei Orgânica do Estatuto do Deputado), interessa descartar a possibilidade de chamar tal legislação a análise por razões puramente hermenêuticas no contexto sistemático das leis em vigência. Tais razões inscrevem-se no facto de que as normas especiais apenas afastam as normas gerais (Lex specialis derrogat lex generalis) pelo simples facto de melhor interpretarem estas facilitando a aplicação da norma geral. Nunca, para lhes afastar o conteúdo como supõe a mentalidade técnica férteis em imaginação. Daqui importa a conclusão de que em momento algum a Lei orgânica do Estatuto do Deputado ou outra norma ordinária deve prever sanções mais graves que as previstas na Lei Constitucional sob pena de inconstitucionalidade. O que faz bastar ao raciocínio jurídico sistemático a análise da Lei Magna nesta matéria.
A Lei Constitucional é clara quanto as causas da perda de mandato dos deputados. Elas ocorrem em situações legais estanques, i.e, mediante um elenco normativo atreito ao “numerus clausus” em que as causas mais abertas e próximas ao caso estão ligadas a sanção por conduta indecorosa aplicada ao deputado (art.º 152º, alínea d). O que seja conduta indecorosa lesiva dos deveres e da dignidade da função parlamentar é uma questão de interesse hermenêutico remetida à responsabilidade normativa da Assembleia Nacional. Porém, vale adentrar a questão para percebermos o que pode vir a ser surpreendido na conduta do General Numa como sendo conduta indecorosa. O que desde logo nos leva a análise da conduta efectivamente manisfestada.
O General Numa sustenta em depoimento escrito, e de fácil interpretação, em sua defesa que a conduta indecorosa de que é acusado “Trata-se de uma greve de fome e não de violação de nenhuma lei ou desrespeito a nenhuma autoridade.” E em sua própria defesa adianta conferindo que em nenhum momento uma greve de fome pode ser considerada uma atitude subversiva. Pelo contrário ela constitui um instrumento de utilidade corrente em países democráticos em que se pretendem coartar direitos fundamentais e que o recurso ao mesmo representa uma forma de persuasão impossível de ser interpretada como perseguindo fins ilícitos e muito menos indecorosos. Pelo que apenas em Estados anti-democráticos uma greve de fome serve de pretexto para a expulsão de um deputado. Mais se impõe persuadindo que os seus actos em concreto reduziram-se ao simples facto de se ter sentado junto da esquadra em que se encontrava detido o indivíduo que queria ver libertado por razões que percebeu manifestamente injustas.

É verdade que se tal greve de fome resultou em prática de alguma ilegalidade (suposta libertação do individuo detido), deve levar-nos a questionar sobre que parte terá falhado. Se a policia representando a autoridade Estadual no caso ou se o deputado que assumiu a conduta ética e politicamente pressionante. Quem falhou? O que a fotografia lógica demonstra é o facto corrente de que as autoridades policiais e administrativas certamente habituadas a persuasões corruptivas se viram incapazes de interpretar os comandos da Lei e da ordem ante a uma entidade que para além de deputado a Assembleia Nacional é um dos maiores e mais respeitados generais da nossa história militar recente. E de facto quem não está habituado a ver na Lei o critério único da ordem social e política se “deixa” perder em situações de ocorrência democrática e legal como uma greve de fome manifestada diante de um posto de polícia.

De todo modo, fazer de uma greve de fome, lagalmente pacífica um acto de desgraça nacional ao ponto de levar ao afastamento da Assembleia Nacional um dos seus membros que com o acto manifestado demonstrou estar mais próximo do ideal da democracia perseguido pelo povo que o parlamento representa, é no mínimo um exagero sobre as possibilidades de aplicação da Lei e um grave sinal de intolerância política que em nada abona o sentimento de justiça que deve emanar da vigência do actual sistema jurídico-constitucional.

sábado, 19 de março de 2011

EFEITOS LEGAIS E JUDICIAIS DO JULGAMENTO SEM DEFESA

CONSIDERAÇÕES A PROPÓSITO DO CASO DE ARMANDO CHICOCA


Albano Pedro



O direito a defesa como direito fundamental tem consagração legal (art.º 29º - Lei Constitucional – doravante LC). Implica que a todos têm direito, nos termos da lei, à informação e a consulta jurídica, ao patrocínio judiciário e a fazer-se a acompanhar por advogado perante qualquer autoridade (incluindo judicial). A lei ordinária em matéria processual estabelece que em casos de reputada e marcada importância a constituição de advogado é obrigatória (art.º32º - Código de Processo Civil – Para frente CPC), de tal modo que a sua falta tem consequências marcantes (art.º 33º - CPC) nomeadamente a absolvição do réu da instância, interrupção do recurso ou falta de feito quanto a defesa. São consequências óbvias resultantes do princípio ético-jurídico “audi alteram partem” como corolário lógico do princípio da imparcialidade e da importância constitucional deste direito. É claro que a lei admite casos em que a constituição de advogado não é obrigatória, o que, como deve convir ao bom senso, não dispensa o direito a defesa (art.º 34.º) já nesses casos às partes é dada a faculdade legal de pleitearem entre si e ser representadas por candidatos a advocacia (advogados estagiários) ou por solicitadores. Nestes casos o advogado estagiário dispensa a cobertura profissional e técnica do patrono.

É claro que, a lei admite situações em que o julgamento acontece com a ausência do réu (da parte acusada), mesmo tendo sido, mesmo tendo sido regularmente notificado (art.º 483.º - CPC). Havendo aqui uma mera manifestação de falta de vontade (presumida em certos casos) de contestar ou oferecer oposição. Fala-se então em julgamento a revelia do réu. Sendo certo a admissão de certas excepções nesta matéria, como em tudo que normativo (art.º 485.º - CPC). São casos frequentes em processos cíveis, em que a condenação não incide directamente na pessoa do réu. Mas, o réu pode ser julgado sem presença nos casos de simples ausência (não foi possível contactá-lo pelos meios habituais usados pelos serviços judiciais, por exemplo). Aqui o processo ganha um cariz específico e as leis do processo penal classificando-o como sendo especial, denominando-o propositadamente como processo de ausentes. O que é admissível nos casos em que a ausência é devida a impossibilidade do próprio réu, já que a comparência do réu na fase do julgamento é obrigatória (pelo menos nos processos penais) sob pena de nulidade absoluta (art.º98.ºn.º 8 – Código de Processo Penal – Pra frente CPP)). A razão da obrigatoriedade em processos penais prende-se com o facto óbvio de a condenação incidir directamente na pessoa do réu, privando eventualmente da liberdade desde que não seja possível outra pena (pecuniária, i.e., multa, por exemplo).

Ora, o caso em análise versa, pelo contrário, a ausência da defesa em todas as fases do processo judicial com ênfase para a sua fase culminar que é a do julgamento. Como vimos, mesmo quando falte o réu, a presença da defesa é imprescindível sobretudo por se tratar de uma garantia (direito-garantia para maior precisão semiótica) de natureza e enquadramento constitucional. Como tal as leis do processo (cível ou penal) são completamente alérgicas a esta possibilidade cominando consequências jurídico-legais, de cariz sancionatórios, interessantes. Desde logo, e para o casos de natureza cível, já o citamos. Entretanto, o processo penal confere um tratamento especial: “a falta de nomeação de defensor ao réu, quando necessária” (art.º 98.º, 4º) tem como consequência a nulidade relativa do processo (art.º 98.º parágrafo 5º) pois, pode ser sanada (i.e., afastada a falta ou a irregularidade, no sentido semântico do termo) levando a que a parte válida do processo continue a sua marcha normal com vista a produção dos efeitos legais e judiciais necessários. Trata-se de uma nulidade que afecta parcialmente o processo sendo por isso mesmo relativa, em contraposição as chamadas nulidades absolutas, cujos efeitos são, do ponto de vista processual, devastadores porque comportam efeitos legais e judiciais irreversíveis. Uma vez que se for “cometida antes de transitar em julgado o despacho de pronúncia ou equivalente, ficará sanada, se posteriormente nomeado ou constituído defensor e este a não arguir no prazo de cinco dias, a contar daquele em que juntar aos autos a procuração ou em que for notificado da nomeação pelo juiz”. É o que acontece na generalidade dos casos em que o réu é desprovido de defesa. Porém, no caso em apreço em que o advogado foi constituído “ab initio” a lei, continuando, prescreve o seguinte: “ Se o processo chegou a julgamento e foi nomeado ou constituído advogado, a nulidade ficará sanada, se não for arguida até o interrogatório do réu”. A lei adverte excepcionalmente “in fine”: “ Se esta nulidade se cometeu na audiência de julgamento, não poderá arguir-se quando a sentença for absolutória”. As razões são perfeitamente óbvias, visto que não faz sentido invocar o argumento da nulidade desta falta quando o réu é absolvido da instância. Razão de ordem que homenageia o réu em tudo o que lhe seja favorável. O crime de difamação, calúnia e injúria de que é acusado Armando Chicoca, é um crime particular (cuja moldura penal e consequências legais e judiciais não vêem a propósito debitar por razões de economia textual) e enquadra-se na categoria de processos especiais embora seja regulado subsidiariamente pelas normas do processo de polícia correccional, que não dispensa, obviamente, o direito a defesa em quaisquer momentos, nos termos já debitados acima. O que não dispensa quaisquer recursos assim fundamentados para o tribunal ad quem (Tribunal Supremo, no caso) por manifesta violação de um dos pressupostos processuais marcantes para um justo processo e uma justiça materializável.

sábado, 5 de março de 2011

O PARADOXO DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS III

DAS COMUNIDADES MARGINALIZADAS PELO SISTEMA ECONÓMICO


Albano Pedro


Na agitação metropolitana de Luanda, onde os preços de bens e serviços exorbitam em todos os cantos e os salários mais aceitáveis voam com a velocidade das especulações e da alta dos preços, é difícil acreditar que existem mercados que configuram verdadeiros “oásis” económicos para aqueles que se encontram nos níveis mais baixos dos rendimentos mínimos. Nesses “oásis” económicos encontramos preços e medidas pouco comuns na maioria das lojas e mercados urbanos. Na verdade são micromercados que garantem a sobrevivência de todos daqueles que se sustentam com menos de 1 dólar/dia conforme estatísticas habituais de organizações internacionais quando medem as economias dos países subdesenvolvidos ou em via de desenvolvimento como o nosso. Esses micromercados, nalguns pontos também popularmente conhecidos como “arreiou – arreiou”, chegam a ser centros de transacções de mercadorias estipuladas com preços extraordinariamente baixos para estarem ao alcance de famílias que enfrentam a miséria extrema. As medidas são igualmente extraordinárias: Por exemplo uma mão cheia de tomate do úcua (espécie pequena) chega a custar 5,00 kwanzas, uma cápsula de cerveja em garrafa com óleo vegetal chega a custar 10,00 kwanzas entre outros “incríveis” do género. É um quadro que espelha a marginalização da economia angolana ao extremo ao ponto de resultar na confusão finalística da comunidade e do mercado. Ou seja, se aquele persegue a estabilidade pela solidariedade este persegue o ganho assente no egocentrismo da concorrência comercial e como tais incompatíveis. Porém, a miséria e a necessidade de sobrevivência humana faz questão de harmoniza-las numa balada que torna profuso o ritmo progressivo da pobreza das populações circunscritas em comunidades periurbanas.

É uma realidade que não deixa de arrepiar valores fundamentais consagrados na Lei Constitucional através de princípios inscritos como direitos e liberdades individuais: verbi gratia, direito à vida (art.º 30º), direito à integridade pessoal (art.º 31º), direito à livre iniciativa económica (art.º38º), direito ao ambiente (art.º 39º) entre outros; assim como através de princípios inscritos como direitos económicos e sociais tais como o de saúde e protecção social (art.º 77º) ou mesmo inscritos no sistema de organização económica nacional. Não deixa de se fazer referência ao princípio da dignidade humana enquanto valor inerente a conservação e preservação da espécie humana em sociedade, enquanto conquista dos movimentos constitucionais pós-medievais e consagrado em todas as constituições democráticas, mesmo as mais conservadoras ou centralistas, como elemento cardeal de convivência social.

Em tais micromercados, embora estejam patentes valores de solidariedade humana, faltarão, de modo flagrante, valores inerentes ao direito ao ambiente pela ausência gritante de higiene e de elementos mínimos aceitáveis para a conservação e preservação da saúde pública. Pois, não raro, tais micromercados passeiam toda a sua existência precária em zonas de risco extremo para a saúde humana onde a pestilência das lamas transparecem a envolvência de águas nauseabundas e da fartura de um lixo multiforme em montanhas de tamanhos, aparência e colorações abusivos. E as mercadorias nelas transaccionadas raramente fogem do mesmo quadro sanitário dramático concorrendo no espaço com moscas e outros insectos nocivos à saúde humana. Por isso, resumem-se em mercados da miséria, embora alimentem a maior parte das populações concentradas em zonas periurbanas das grandes cidades.

Com efeito, a nova Lei Constitucional já é alérgica a impunidade do Estado e seus órgãos quanto a violação, por acção ou omissão, dos direitos económicos e sociais consagrados. Para tal, estabelece a possibilidade de recurso judicial contra o Estado, nomeadamente mediante propositura de acções de Responsabilidade Civil, sobretudo quanto aos deveres de materialização dos direitos em referência. Em primeiro lugar, consagra a responsabilidade do Estado e de outras pessoas colectivas públicas (art.º 75º, n.º1). Ou seja “ O Estado e outras pessoas colectivas públicas são solidária e civilmente responsáveis por acções e omissões praticadas pelos seus órgãos, respectivos titulares, agentes e funcionários, no exercício das funções legislativa, jurisdicional e administrativa, ou por causa delas, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para o titular destes ou para terceiros” a seguir (n.º2) reforça estabelecendo que “os autores dessas acções ou omissões são criminal e disciplinarmente responsáveis, nos termos da lei”. Em segundo lugar prescreve as formas de concretização desta possibilidade através do direito de petição, denúncia, reclamação e queixa (art.º73º) e o direito de acção popular (art.º 74º) como mecanismo de impulsionamento de tal responsabilidade, sem prejuízo de outros instrumentos similares ou equivalentes estabelecidos em leis ordinárias. É claro que a falta de implementação de programas políticos pelo partido político no poder resultantes de promessas eleitorais, é em geral punida pelos actos eleitorais dos cidadãos no exercício periódico do direito de voto consagrado pela Lei Constitucional. O que, obviamente não dispensa o concurso dos instrumentos constitucionais mencionados acima em favor da realização efectiva dos direitos económicos e sociais em causa.

Nesta base a existência de tais micromercados, apesar do papel sustentador de uma economia privada de emergência que serve as populações periurbanas, constituem verdadeiros factos ilícitos praticados (por omissão) pelo Estado e como tais constituem-no na obrigação de reparar os danos deles resultantes. Na verdade, o consumo verificado em tais micromercados representam, a mais das vezes, danos irreversíveis a saúde pública e que se reflecte na curta longevidade dos indivíduos no contexto da esperança de vida nacional. Esta responsabilidade é ainda mais evidente quando o Estado se mostra inoperante quanto a necessidade de estruturação de uma economia privada concorrencial que emancipe as actividades económicas informais que constituem na maior parte da actividade económica privada nacional por si só incipiente se comparada com a omnipotente presença da economia pública animada pelos concursos e contratações públicas eivado de critérios de imparcialidade duvidosa. A partir do enunciado constitucional fica claro que os administradores comunais ou municipais responsáveis pela realização de condições necessárias ao bem-estar das populações sujeitas a tais micromercados podem ser criminal e disciplinarmente responsabilizados se os cidadãos organizados entenderem instaurar os referidos processos judiciais ou disciplinares. E isto sem prejuízo da acção judicial sobre a mesma matéria contra o Estado.

A IMAGEM E A RESERVA DE INTIMIDADE

(Texto elaborado a pedido do Semanário Angolense)
´

Albano Pedro


Não fossem as dificuldades da maioria dos cidadãos em perceber o papel cívico e moral das Leis (sobretudo privadas), seria de espantar a “ousadia” que certas pessoas assumem quando se trata de reclamar sobre supostos direitos ou interesses violados. É o caso que se passou com um certo leitor que reclamou da publicação de uma fotografia sua neste semanário manifestando-se contra a utilização ilustrativa da fotografia em que aparece captado a dançar num salão como suporte temático do quadro dramático que são os feriados em Angola tratado no texto correspondente, alegando que a mesma era privada e como tal indisponível, quando afinal, a fotografia foi obtida pela equipa do semanário Angolense a partir da internet, i.e., num espaço em que a reserva de intimidade é descartada quando as pessoas nela se colocam voluntariamente e sem qualquer mecanismo de protecção contra a sua violação. O que levanta o problema da violabilidade, dos assim reclamados, direitos de personalidade.

Em países onde a visão sobre o Estado de Direito não é clara e consequentemente os direitos civis enevoam-se ante ao esforço de compreensão dos cidadãos e a partir disto a reserva de intimidade, como espaço de intimidade colocado ao poder absoluto da pessoa humana, desaparece do campo da responsabilidade jurídica dos indivíduos, é normal que a diferença entre o momento da intervenção pública no domínio da integridade física e moral do indivíduo não seja clara. Por isso mesmo, o texto que debitamos, sobre a exibição de vídeo com cenas de sexo envolvendo um conhecido comunicólogo, a propósito da presumível autorização da violação da sua esfera de privacidade não tenha sido devidamente interpretado e como tal compreendido. Senão vejamos: debitamos naquele texto (publicado numa das remotas edições do semanário Angolense) que a autorização de publicação de informações, imagens, fotos ou video de forma expressa (querendo) ou tácita (sem deixar claro, porém sem impedir) constituíam motivos suficientes para que se percebesse a autorização clara da suposta vítima de violação dos direitos de privacidade. Foi o que entendemos ter acontecido no caso em referência em que ficou quase patente que o facto de não impedir o autor do vídeo de o publicar na internet, pela clara disposição que tinha do material videográfico, constituiu por si só motivo de autorização do facto lesivo do seu direito de personalidade.

Da mesma forma, e para o caso em questão, a autorização da publicação de imagens estampando elementos circunscritos à intimidade individual (quando existam) pode acontecer de forma expressa ou tácita. O problema está na autorização tácita (também conhecida como autorização indirecta ou implícita) da violação dos direitos de personalidade que nem sempre se apresenta claro ao titular de tais direitos de personalidade. Ora, quando a imagem é captada (por meio de fotografia, como no caso) com ou sem a nossa autorização a sua veiculação em meios de comunicação ou informação, embora ilícita (porque viola normas de tutela de direitos de personalidade), se torna aceitável ou permitida (por meio de consentimento presumido) a partir do momento em que dela não reclamamos ou não demonstramos quaisquer condutas que contrariem o acto praticado contra o nosso direito à imagem. Quando aconteça nesta variante, do uso da imagem publicada na Internet, se não envolver registo de direitos de autoria, não pode ser reclamada contra quem a usa tirando-a da Internet. Sobretudo se esta reclamação não tiver sido feita contra os próprios meios de comunicação que postaram a imagem fotográfica na Internet onde circula gratuitamente. Pior que tudo é que a falta de registo de direitos de propriedade sobre a imagem torna vulnerável, e como tal disponível, a sua utilização por quem quer que seja, mesmo contra a vontade de quem é nela retratado.

A ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DAS EMPRESAS

Albano Pedro



A percepção corrente da organização das empresas, gira em torno da dimensão económica (incluindo a dimensão financeira). Da sua viabilidade, funcionalidade técnica e rentabilidade. Contudo, a dimensão económica de qualquer empresa não pode ser aferida sem outras dimensões, designadamente a jurídica. Esta dimensão é presente em todos os momentos em que se constata a dimensão económica, vindo disto que toda avaliação económica da empresa sugere concomitantemente uma avaliação jurídica. A gestão da organização empresarial, os recursos humanos, as finanças, a contabilidade, a tecnologia, a comunicação ou a imagem empresarial são componentes organizacionais que implicam avaliações jurídicas. Por exemplo, modernamente quase todos os custos organizacionais podem ser previstos e racionalmente programados. Contudo, os custos com litígios, sobretudo judiciais, não podem sê-lo. Nenhum gestor programa financeiramente as indemnizações que pagará com despedimento de trabalhadores, quando sejam imprevistas. Da mesma maneira que não programa os incumprimentos contratuais, susceptíveis de indemnização, decorrentes de obrigações assumidas ou negócios celebrados com parceiros ou clientes. Simplesmente porque não é possível, e nem é sensato, programar uma actividade de ocorrência ou execução eventual, embora possa ser prevenida.

Portanto, a dimensão jurídica da empresa é tão importante quanto a dimensão económica da empresa, embora este quadro, em Angola, não seja tão verdadeiro na actividade corrente das empresas (públicas, mistas ou privadas) por mera “mania” dos gestores que em regra têm a sua educação empresarial privilegiada em matérias económicas, i.é, a actividade jurídica da empresa não é considerada na mesma medida que a actividade económica. O gestor pode estabelecer os parâmetros funcionais da empresa prevendo as respectivas políticas ou os métodos aplicados a gestão administrativa, financeira, tecnológica ou dos recursos humanos e seleccionar e recrutar quadros responsáveis para a sua execução. Porém, raramente terá a mesma percepção quanto a actividade jurídica da empresa. Não raro, contratará um especialista em Direito (consultor jurídico ou advogado) nos casos de manifesta eminência ou presença concreta de litígios decorrentes da aplicação ou omissão da Lei em especial ou do Direito em geral em actos e contratos empresariais. Sejam laborais (recursos humanos), fiscais (financeiros), contratuais (administrativos) ou outros. Ou seja, contrata o especialista numa altura em que os prejuízos que se pretendem evitar (na maior parte das vezes inevitáveis) se associam os custos com a contratação. O que passa a ideia do alto custo com a contratação de juristas.

Tudo para sustentar que a operacionalização de qualquer organização empresarial passa pela prática de actos e contratos. Aliás, a empresa – enquanto entidade autónoma dos seus proprietários ou sócios – é responsável pelos actos que pratica. O que implica uma forte e seria monitorização jurídica da sua organização e funcionamento em todos os momentos da sua existência (desde a formação, organização, entrada em funcionamento e até mesmo depois de extinta – actos de liquidação). Esta monitorização deve ser percebida numa perspectiva de prevenção de incumprimentos legais e conflitos judiciais e numa perspectiva de controlo de tais incumprimentos legais e conflitos judiciais, quando ocorram. Portanto, a presença de especialistas em Direito na vida da organização empresarial é permanente, ao contrário do que se percebe, erradamente, ser eventual ou circunstancial. No meio disto, a perspectiva de prevenção de incumprimentos legais e conflitos judiciais é a mais importante, por ter o mérito de prevenir custos (financeiros, materiais ou mesmo humanos) não programados ou programáveis (como os enumerados no exemplo acima). A organização empresarial conduzida por um gestor prudente, deve privilegiar a consulta jurídica em todos os actos e contratos que envolva a organização empresarial. Não será apenas na celebração de negócios, contratação de pessoal ou na resolução de conflitos com os trabalhadores. Será também na actividade financeira da empresa, como seja na actividade contabilística (observância de pressupostos legais) ou fiscal (pagamento de impostos e a solução de litígios por falta de pagamento). Quando a empresa pretenda diversificar os seus rendimentos financeiros intervindo no mercado financeiro deve privilegiar os estudos contratuais (cláusulas de juros e seus pagamentos) dos créditos bancários; dos contratos de seguros patrimoniais e não patrimoniais. A viabilidade das aplicações no mercado financeiro (com privilégio na bolsa de valores), sobretudo na emissão de títulos obrigacionais para auto-financiamento ou a compra de títulos de dívida pública, como meio de entesouramento e de diversificação de rendimentos têm fortes implicações contratuais que carecem de avaliação jurídica. É certo que a actividade do consultor jurídico ou do advogado, em regra, exige uma remuneração acentuada. Mas os ganhos (ou custos evitados) decorrentes da prevenção de incumprimentos contratuais e litígios judiciais compensam largamente o investimento sobre os profissionais de Direito que suportam a organização empresarial, para além de proporcionar um efeito multiplicador nos lucros.

O CASAMENTO E A QUESTÃO DA POLIGAMIA

Albano Pedro


Um caso para análise dá conta do seguinte: Dois padrinhos casados entre si testemunharam na Conservatória do Registo Civil o casamento de dois jovens noivos. Após algum tempo, por razões pouco claras, o padrinho veio a estabelecer relação matrimonial com a ex-noiva, de quem foi testemunha, passando a viver com ela, sem contudo divorciar-se da esposa com quem testemunhou o casamento. O que é certo é que o ex-noivo (depois esposo) não aparece no final deste filme, por razões que não constaram do depoimento recolhido. Sabe-se, enfim, que corre um processo de divórcio por julgar, mandado instaurar pela ainda esposa e a relação matrimonial entre o padrinho e a afilhada de casamento já é um facto público. É uma situação verídica que por razões deontológicas não pode ser identificada com os necessários pormenores.

Não há dúvidas de que uma das questões que desafiam a estabilidade normativa do Código da Família angolano é a subtileza com que a poligamia se entremeia e se vulgariza na sociedade ante a rigidez do instituto do casamento, apesar da tutela civil e penal de que goza. Na verdade esta situação resulta da fricção entre o costume europeu tradicionalmente vocacionado a monogamia e o costume africano ancestralmente voltado para a poligamia. As razões de tais opções fundamentais na organização e orientação familiar resultam das formas distintas de organização política e económica das sociedades cujo modelo para os africanos remonta ao período pré-colonial em que a base alargada da família era o factor condicionador do desenvolvimento da economia familiar. Assim, as mulheres que estabelecem relação marital com um único homem, pai de uma numerosa prole, garantiam a estabilidade social e económica da família integrada numa comunidade em que a cultura da solidariedade se impunha aos valores individuais e egocêntricos próprios das culturas ocidentais onde o conceito de família se reduz aos indivíduos estritamente necessários a continuação da espécie humana e como tal constituída apenas por pais e filhos. São realidades constitucionais distintas. O problema angolano nasce a partir do momento em que esta realidade constitucional ainda vigente na maioria das regiões angolanas, sobretudo rurais, não encontra correspondência na Lei Constitucional que procura impor o modelo cultural ocidental completamente estranho à realidade dos angolanos. Fala-se então em tensão valorativa da Constituição em que os valores consagrados na constituição originária (valores políticos fundamentais) contrariam a constituição derivada (normas fundamentais consagradas a partir dos valores políticos fundamentais).

Analisada a questão apenas pelo prisma da Lei, é, «cum granus salis» (descontados os exageros legais nesse sentido), fácil perceber que o casamento monogâmico é plenamente aceite como valor fundamental na estruturação da sociedade a partir da Lei Constitucional (art.º 35º n.º 1 – Lei Constitucional). O que transpira uma certa harmonia valorativa ao nível das normas fundamentais. E nesta base surgem elementos de tutela jurídica interessantes como a incriminação de condutas que atentem contra o sentido de unidade matrimonial como forma de preservar o casamento baseado na escolha livre de um único parceiro matrimonial.

Acontece porém, que ao nível do Código da Família a necessidade de preservar o matrimónio monogâmico despoletou um conflito valorativo considerável, do qual a sociedade angolana tem fraca consciência, fruto da pressão da realidade cultural inscrita na constituição angolana mesmo não integrada na Lei Fundamental. Na tentativa de proteger o casamento monogâmico sem deixar legalmente desprotegidos os interesses realizados nas relações matrimoniais constituídas fora dele, o Código de Família consagrou o instituto da União de Facto (art.º 122º - Código da Família) como mecanismo de tolerância com funções contraditórias, i.e., por um lado pretende preservar certos direitos adquiridos pelas mulheres fora do casamento e por outro pretende ser um meio de reconhecimento indirecto da existência do casamento como relação legalmente admissível e como tal única.

Na verdade, o instituto da união de facto tem utilidade preciosa. Por exemplo, se uma mulher que habita com homem em simples regime de cama e mesa por anos consideráveis, com quem tem filhos, e tem constituído património confortável, ver o marido não casado partir para uma nova relação que acaba por formalizar em casamento mediante regime de economia integrada (A lei fala em regime de bens adquiridos) arrisca-se a perder os bens constituídos por anos de sofrimento em favor de uma mulher «outsider» que eventualmente queira o bem-estar proporcionado pelo homem a partir daquela base patrimonial, se o marido entender que tais bens (a maioria pelo menos) são seus. Para proteger a mulher abandonada, vem o serviço legal da união de facto (caso de reconhecimento por ruptura). E é igualmente útil nos casos em que o marido morre deixando uma fortuna considerável que constituiu com a mulher com quem viveu sem casar (caso de reconhecimento da união de facto por morte). Neste último caso a falta do reconhecimento da união de facto arrastaria a mulher à miséria pelo facto de não ter direito a meação (partilha dos bens do casal) e pela falta de acesso à herança, nos casos em que a esposa possa herdar.

Todavia, a união de facto, com toda a sua boa intenção, surge como um mecanismo de promoção de relações poligâmicas sem oposição legal possível. Primeiro porque inutiliza a eficácia do casamento como relação matrimonial suficiente já que a Lei atribui à união de facto reconhecida os mesmos efeitos do casamento (art.º 119.º - CF), i.e., a mulher que reconhece a união de facto exerce os mesmos direitos de uma mulher casada, sobretudo no que tange aos bens patrimoniais – que é no fundo a razão de ser da união matrimonial. É claro que o reconhecimento da união de facto só pode ser feito, por regra, se o homem e a mulher reunirem certos pressupostos legais como a singularidade da relação matrimonial (art.º 113.º n.º1 – CF). Acontece porém, que esta condição só oferece obstáculos para o casamento celebrado, ou seja, apenas a mulher casada é que tem protecção legal contra o reconhecimento de uma união de facto. Não a outra mulher não casada. Esta, se não reconhece a relação matrimonial (por via da união de facto) não existe como esposa à luz da Lei e como tal a relação matrimonial que a suporta é inexistente. O que permite que o homem tenha várias relações matrimoniais contando que não as queira reconhecer como união de facto ou não as deseje formalizar em casamento. É a grande brecha deixada pelo Código de Família e legislação afim. Nem mesmo o crime de bigamia pode ser imputado ao marido que tem mulheres nesta situação. Porque o crime de bigamia é perfeito apenas nos casos em que o homem casado ou com a união de facto reconhecida desposa com casamento ou união de facto reconhecida uma outra mulher (art.º 337.º e SS - Código Penal). Na mesma linha o Crime de Adultério (art.º 401.º e SS - Código Penal) não tem qualquer efeito neste caso já que esta conduta acontece também quando o homem adúltero e a mulher de quem foi infiel (ou vice-versa) são casados ou têm a união de facto reconhecida. Portanto, a Lei nada faz para proteger a relação matrimonial e interesses conexos quando a união de facto não é reconhecida.

Contudo, e apesar da controvérsia funcional do Código da Família em matéria de relações matrimoniais, tem o mérito de procurar estabelecer um «pacto» entre o costume angolano tendencialmente poligâmico e a cultura jurídica ocidental consagrada no sistema jurídico angolano favorável a relação matrimonial monogâmica. Embora de forma tácita reconheça a poligamia impregnada no sistema social angolano. Por isso, o caso fotografado acima não configura crime de bigamia desde que o novo matrimónio não seja reconhecido como união de facto ou seja transformado em casamento. O que não dispensa a imputação do crime de adultério ao padrinho que «roubou» a lua-de-mel ao afilhado, se a mulher casada assim entender, contando que reúna os factos probatórios necessários.

O JUÍZ EM CAUSA PRÓPRIA

A NEGAÇÃO DA JUSTIÇA CONTRA A GARANTIA DA IMPARCIALIDADE


Albano Pedro



A questão da negação do juiz em causa própria é um facto inerente a evolução do sentido de imparcialidade na solução dos litígios sociais ao longo dos séculos seja por aplicação de normas jurídicas, seja por aplicação de normas morais ou éticas. É certo que há muito se instalou a polémica em volta do conceito de Justiça ou do que seja justo, embora a mais célebre tentativa de a definir tenha nascido com a célebre máxima “in midium virtus est” (no meio está a virtude) imputada a Aristóteles já na Grécia antiga. Porém, é sabido que como ideal de harmonização social perseguido pelas diferentes regras sociais tais como Moral, Ética, Deontologia, o próprio Direito entre outras, tem sido possível pela via da imparcialidade como factor de alcance do equilíbrio ou do “iustum”. Vem disto que, em qualquer regra social, o princípio da imparcialidade tornou-se na trave mestra para a realização da justiça. O princípio cardeal da religião cristã resumido na regra “amai o próximo como a ti mesmo” é a prova final desta realidade. Se o fim de todas as regras sociais é a realização da justiça, nenhuma regra pretende alcançar melhor que o Direito apesar de ser fartas vezes utilizado de forma imprópria e abusiva pelo poder que o positiva. Pois, esta engenharia de normalização social, como única equipada de coercibilidade, ou mecanismos de pressão se quisermos, é a mais próxima da natureza humana tendente ao conflito social e por isso a melhor invenção da humanidade no que tange a criação de meios e formas de existência humana.

Visto que o esforço de qualquer regra social é a garantia da imparcialidade, como via única e segura para o alcance da justiça, esse esforço em Direito conhece o seu ápice com o contraditório em que a matéria de facto subsumida ao direito provoca a reversão lógica ganhando uma dimensão controvertida. É por isso que a regra de “audi alteram partem” (que seja ouvida também a outra parte) e o “nemo iudex in re sua” (ninguém pode ser juiz em causa própria) se tornaram em garantias de imparcialidade de grande mérito e popularidade deixando de ser, inclusive, monopólios do Direito, embora enformem o princípio do contraditório em matérias judiciais. A primeira nasceu como regra moral, especificamente religiosa (cristã), com fundamento bíblico (Génesis 3: 9 - 11) em que ficou patente a ideia de que Deus todo-poderoso mesmo tomando conhecimento antecipado do acto pecaminoso cometido por Adão, quando comeu a maça induzido por Eva, preferiu que este apresentasse, por si, os argumentos inerentes a verdade dos factos em sua defesa. Surge como reconhecimento da liberdade subjectiva como mecanismo de expressão da imparcialidade e fonte suprema da justiça; A segunda surge como mecanismo de protecção de valores e interesses judiciais configurando um incidente processual na forma de impedimento do juiz para conhecer do pedido contra si formulado em juízo. Assim determinam as normas instrumentais do Direito Civil (art.º 122.º - Código de Processo Civil – adiante CPC) e as normas adjectivas do Direito Penal (art.º 104.º - Código de Processo Penal – adiante CPP). Logo que o juiz tenha conhecimento do impedimento deve declara-se impedido. Se não o fizer podem as partes interessadas requerer a declaração de impedimento (art.º 123º - CPC). A lei é severa quanto a decisão negativa do juiz impedido ao pedido de declaração de impedimento interposto contra si. Pois, impõe que haja lugar ao recurso da decisão de indeferimento ao tribunal imediatamente superior independentemente das condicionantes processuais que lhe subjaz. É certo que quando se trata de impedimento por causa devida a presença de parentes ou afins interessados no processo, o impedimento do juiz é invocado apenas para parente ou afim, em linha recta ou segundo grau da linha colateral para casos de processo cível, ou até o terceiro grau da linha colateral nos casos de processo penal, não se estendendo para os restantes. Ainda assim, é um elemento de forte implicação incidental no processo judicial, protegendo os interesses das partes envolvidas na relação material controvertida e, mais que tudo, garantindo a imparcialidade de que necessita a realização da justiça.

Devido aos abalos que tem sofrido o princípio da imparcialidade na sua dimensão mais ampla, hoje a doutrina, fundamentalmente filosófica, já coloca a questão de saber se o Direito persegue melhor a justiça que a Moral, sobretudo assente na religião. De todo o modo, permanece válido e inquestionável a ideia de que o princípio da imparcialidade é o garante do alcance da justiça. E como tal a abstenção normativamente “forçada” do juiz de julgar factos de que seja parte é fundamental para a realização do ideal perseguido pelo Direito: a justiça.

A PROBLEMÁTICA DAS ESCUTAS TELEFÓNICAS

A QUESTÃO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE VERSUS INTERESSE PÚBLICO


Albano Pedro



A problemática das escutas telefónicas – visando o acompanhamento da informação trocada por via telefónica e outros meios de comunicação afins entre indivíduos no interesse público – prende-se com a questão da privacidade dos indivíduos inseridos na sociedade em que como cidadãos têm direitos e interesses garantidos pelas Leis – a começar da Lei Constitucional – prevendo o livre desenvolvimento da personalidade e a reserva do espaço íntimo configurado pela privacidade, estão integralmente salvaguardados (art.º 80.º - Código Civil). Não é por acaso que levanta um certo alvoroço porque trata-se de invadir o indivíduo no seu espaço de existência mais íntimo em que a segurança sobrevivencial diante da sociedade, por vezes atroz, é por si próprio garantido. Por se tratar de um espaço de tutela necessária do individuo, a Lei trata de preserva-lo estatuindo condutas contrárias e cominando sanções correspondentes. A invasão da privacidade negada pela lei é um exemplo especial neste sentido. Todavia, existem interesses que se impõe a sociedade que não podem ser pura e simplesmente reservados a esfera da intimidade do indivíduo sob pena de pôr em perigo a existência harmoniosa (segurança, sobretudo) da sociedade. Por exemplo, não é razoável admitir que um grupo de meliantes troquem informações envolvendo tráfico de armas visando a invasão de um determinado espaço social sem que as forças de ordem tenham acesso a tais informações ou que certas informações prevendo a destruição de importantes infra-estruturas públicas (prédios, pontes, etc.) sejam gratuitamente veiculadas entre indivíduos ligados ao mercenarismo militar ao arrepio do controlo das forças de ordem. É do interesse da comunidade que tais informações sejam controladas para que os respectivos actos e efeitos sejam controlados e, se possível estancados. Portanto, é do interesse público que determinadas informações, embora circulando em áreas de reserva íntima sejam controladas. Aqui coloca-se o problema do interesse público contra o interesse do indivíduo. É o problema que se coloca no âmbito da escutas telefónicas.

A questão das escutas telefónicas é interessante porque por um lado facilita o controlo da informação necessária a constituição de meios de provas, fundamentalmente em se tratando de provas para crimes de natureza público – que em Angola faz toda a oportunidade depois da aprovação Da Lei da Probidade Pública, Lei dos Crimes Contra a Segurança do Estado, Lei do Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo entre outras que visam a estabilidade social e económica da sociedade e do Estado. Porém, a questão da privacidade do indivíduo é fundamental. Não é cómodo admitir que qualquer cidadão tenha o seu telefone sob escuta, estando sob pressão psicológica constante de estar a ser perseguido a todo o tempo e por quem não se sabe. Com isso, a paz e segurança individual desaparece e o Estado perde a sua função primeira que é a garantia da segurança e paz dos indivíduos. Ou seja, com a invasão arbitrária da privacidade dos indivíduos não há razão para manter o Estado e o caos instala-se promovendo a anarquia à semelhança da desordem natural da selva. A privacidade é o último recurso da existência harmoniosa da sociedade. Entende-se o problema?


Sobre esta questão Miguel Júdice – eminente Advogado português – assenta: “ a escuta telefónica está a tornar-se o equivalente no Século XXI para a tortura de épocas pretéritas (…)”. Pois trata-se de um mecanismo de grande incómodo social para o indivíduo. Contudo, vale examinar quando começa e até aonde vai a escuta telefónica para vermos se a privacidade do individuo é salvaguardada ou não.

Desde logo, é importante notar que as escutas telefónicas são admissíveis apenas nas fases da instrução preparatória de crimes visando processos judiciais e julgamentos correspondentes. Ou seja apenas nos casos em que alguém é arguido ou réu e processo judicial pode ser alvo de escuta telefónica. É o que o Projecto de Lei sobre Escutas Telefónicas prevê (art.º 1º). E não em quaisquer crimes. O mesmo projecto prevê que apenas nos crimes de a) Terrorismo, criminalidade violenta ou organizada, b) Crimes contra s Segurança do estado, c) Contra paz e humanidade, d) Tráfico ilícito de estupefacientes, armas, engenhos e materiais explosivos, e) branqueamento de capitais, falsificação de moeda ou títulos equiparados e fuga ao fisco, f) Tráfico ilícito de diamantes, e g) Todos os crimes puníveis com pena maior. É claro que prever escutas telefónicas a todos os crimes puníveis com pena maior e contra quaisquer crimes enumerados sem os devidos doseamentos axiológicos podem resultar em exageros e como tal invadir em maior ou menor grau a esfera jurídica permitida pela reserva íntima do cidadão. De qualquer modo, verifica-se alguma salvaguarda dos direitos e interesses dos cidadãos. E não basta. É necessário que um despacho devidamente fundamentado do Ministério Público (PGR) autorize a escuta e com tempo devidamente acautelado. Aliás, o facto de termos as escutas admitidas em fase de processo judicial (não importa o momento) é por si só uma garantia de não invasão generalizada da privacidade dos cidadãos, i.e., não está aberta a todos os cidadãos como não era de se esperar.

Aqui verifica-se um ligeiro “beliscar” da Lei à privacidade absoluta do indivíduo (certo tipo de indivíduos, no caso) que em sociedades multiorganizadas e cada vez mais complexas não deve ser um monopólio invicto ante a necessidade de salvaguarda de interesses da colectividade representada pelo resto dos cidadãos, embora a Lei nem sempre admita a pura disposição deste Direito por parte do seu titular. Ainda assim coloca-se o problema de admitir esta invasão mesmo se tratando de indivíduos à conta com a justiça. A este propósito Miguel Júdice, citado Advogado, rebate “…A situação está, portanto, intolerável. Quanto mais não seja porque a generalização de escutas como método de investigação significa a destruição na prática do direito do arguido em não cooperar com a sua própria condenação”. E não é menos ofegante esta constatação. Se por um lado é admitido a presunção de inocência do arguido no processo judicial, mediante o qual este não é obrigado a confessar o crime – colocando o tribunal na condição obrigatória de o investigar –, por outro lado a escutas telefónicas pretende ser uma arma contra o arguido negando o direito de proclamar a sua própria inocência com a devida protecção da Lei. É nesta linha fronteiriça entre o direito de personalidade e o interesse público que se coloca a polémica do debate a volta das escutas telefónicas em que é de privilegiar a maior restrição possível das esferas e momentos em que são admissíveis.

LEI DE BASES DO INVESTIMENTO PRIVADO

CONSIDERÇÕES PARA A SUA REFORMA E EFICÁCIA NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO EMPRESARIAL

Albano Pedro


Provavelmente não seja nítido, aos principais actores políticos e operadores económicos, o papel organicista e estratégico do sistema nacional de investimento privado assumido pela Lei n.º 11/03 de 13 de Maio (Lei de Bases do Investimento Privado – doravante LBIP) e legislação relaccionada, no processo de reconstrução, construção, relançamento e desenvolvimento económico e social de Angola. Pois, é, ao lado de um sistema financeiro impulsionado pelo mercado de capitais a partir da, sempre adiada, Bolsa de Valores e Derivados de Angola, a principal chave para o arranque e funcionamento da economia nacional, por duas ordens iniciais de razões: primeira, porque o bem-estar económico e social dos cidadãos passa pela maior oferta de postos de trabalho que em economias normais apenas o mercado empresarial privado (economia privada) é capaz de promover. Aliás, é inglório o esforço do Estado (Governo) em executar políticas de emprego (sobretudo de pleno emprego) sem a correspondente evolução do parque empresarial nacional do domínio privado. Segunda, porque o desenvolvimento como tal é proporcionado e, até mensurado, a partir dos níveis e volumes de investimentos privados e das correspondentes receitas geradas do qual o Estado, pela via fiscal, faz depender a execução de despesas públicas necessárias ao incremento dos níveis de bem-estar económico e social dos cidadãos. Embora se assistam esforços do Estado na recuperação e modernização do parque empresarial angolano do domínio público, não se seguirá o caminho para o desenvolvimento económico por essa via. Já porque a pretensão do Estado em intervir directamente nas relações económicas de carácter produtivo representa um inoportuno “saudosismo” da superada economia centralizada ou estatalizada (1976 – 1992). Já porque, como mau gestor obrigatório, o Estado não poderá realizar o desiderato constitucional da economia de mercado, que apenas o sector empresarial privado, com seu sentido de competitividade natural, pode tornar possível.

Deste quadro nasce a conclusão de que, hoje, a economia angolana é essencialmente pública, fortemente dependente dos investimentos do Estado que sustenta algum empresariado geralmente taxado de clientelista por ser o único que respira alguma saúde financeira, se comparado com o grosso dos empresários que procuram descobrir um mercado privado para sobreviverem. O que é de nota obrigatória é a percepção de que nenhuma economia nessa condição é capaz de evoluir ao ponto de proporcionar elementos manifestos de um desenvolvimento, ainda que paulatino. Eis, a gravidade da situação à que nos remete o drama do investimento privado em Angola.

É sabido que muitas ferramentas, de natureza económica, financeira e política, devem ser combinadas para o alcance do equilíbrio e desenvolvimento do parque empresarial angolano do domínio privado. É obrigatória uma política financeira pública imparcial, uma política financeira privada concorrencial, uma política monetária amiga da estabilidade cambial, uma política comercial atractiva para o investimento estrangeiro e que impulsione a integração económica regional de forma equilibrada, porém progressiva entre outras medidas urgentes para o relançamento económico de Angola. Contudo, não seria ingénuo pensar e estimar que o planeamento estratégico do crescimento de uma economia privada sustentada por um empresariado (preferencialmente nacional) é das medidas mais urgentes quando o assunto em debate é o desenvolvimento nacional. A LBIP é destas ferramentas imprescindíveis e urgentes. A LBIP por ora suspensa (a Agência Nacional de Investimento Privado – ANIP – tem suspensa a entrada de processos de investimento privado porque aguarda pela aprovação do novo pacote legislativo para o sector), e que felizmente vai a reforma, comporta “contra-indicações” preocupantes para o desenvolvimento da economia privada. Dentre as mesmas, está a falta gritante de uma dimensão orgânica do investimento privado. Mesmo que a LBIP defina “os princípios sobre o regime e os procedimentos de acesso aos incentivos e facilidades a conceder pelo Estado…” (art.º1º), é urgente que preveja serviços e instituições públicas ou semi-públicas que sustentem o processo de criação, organização e sustentação de empresas privadas dentro de um sistema nacional de investimento privado estimulado pelo Estado, quer por meio de incentivos quer por meio de apoios. Por exemplo, a previsão de concessão de serviços de legalização e licenciamento de empresas para agentes privados (empresas de prestação de serviços) resolveria problemas que o GUI (Guichet Único da Empresa) não consegue resolver, quer por insuficiência de centros de atendimentos quer por dificuldade de expansão territorial. Há ainda o problema da inexistência de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Empresarial que numa fase de relançamento da economia privada joga um papel preponderante na redução da taxa de “mortalidade” das empresas privadas.

Outrossim, os incentivos fiscais em razão de investimentos por regiões económicas podem ser reforçados com a criação de zonas de desenvolvimento que comportem um número de províncias identificadas em eixos territoriais, sendo caracterizados como corredores de desenvolvimento regionais (norte, centro ou sul), compreendendo a extensão territorial correspondente da costa a leste. Tais corredores podem ser administrados mediante a institucionalização de gabinetes. Um eloquente exemplo é a necessidade visivel de um corredor de desenvolvimento da região sul que compreenda as províncias do Namibe, Huila, Cunene e Kuando Kubango, não apenas pelos elementos que caracterizam o sentido de complementariedade económica que comportam (costa marítima do Namibe, bacia agropecuária da Huila, o parque aduaneiro do Cunene e a potencialidade do Kuando Kubango em estabelecer um significativo parque industrial que transforme e distribua a produção das outras e ligue a economia angolana às economias zambiana, namibiana e até mesmo a tswanesa – mediante recurso ao direito de passagem internacional, se necessário) como também pelo papel estratégico que um corredor do género pode jogar no processo de integração regional de Angola. Ou seja, visto que o problema da integração económica na SADC está intimamente ligada a incapacidade industrial de Angola em enfrentar as restantes economias da região, sobretudo a economia sul-africana, a provincia do Kuando Kubango integrando um plano de desenvolvimento sul pode ser eleita como espaço económico experimental de integração regional, i.é, através de um Gabinete de Desenvolvimento Regional do Corredor Sul, Angola pode ter uma integração económica parcial na região aplicando os respectivos instrumentos apenas nessa parte do território nacional (o que bem serve de termómetro político-económico para futuras decisões sobre a integração económica regional). Assim, não se aplicariam medidas “espartanas” como as actuais que impedem Angola de obter os benefícios da integração económica regional, escudado no argumento da necessidade prévia de organização económica interna, diante de um facto simultaneamente evidente e preocupante que é a eminente “insularização” económica de Angola em face das economias circundantes (Congo, RDC, Zâmbia e Namíbia) mais ou menos avançadas no processo de integração económica na região da SADC onde Angola teima em ser um mero membro formal neste domínio.

Em conclusão, a dimensão orgânica se incluída na reforma legal concernente ao investimento privado constituirá um especial reforço normativo na regulação do sistema nacional de investimento privado e dará suporte a um verdadeiro processo de desburocratização e modernização dos serviços inerentes a fácil realização do investimento privado em Angola, seja nacional seja estrangeiro, que em boa verdade ainda enferma de excessiva burocracia apesar dos esforços neste sentido. Completará ainda a função da LBIP que actualmente apresenta insuficiências quanto a organização do investimento privado em geral e do investimento estrangeiro relativamente as condições de parceria com empresários nacionais, para além de não ser precisa no que tange a delimitação das áreas de investimento estrangeiro em razão da actividade económica e do capital mínimo obrigatório. Na próxima Lei será agradável constatar a redução burocrática nos procedimentos para o investimento privado incentivado pelo Estado. Da mesma forma que não será mau dispor de novas e facilitadas exigências para aprovação do investimento privado pelas instâncias competentes. O que deve ser suportado pela modernização dos serviços correspondentes compreendendo acesso mediante tecnologias de comunicação e informação no âmbito da governação electrónica. É claro que outros diplomas legais devem igualmente sofrer necessários ajustamentos. Tais como a Lei Nacional do Comércio, das Sociedades Comerciais, toda a legislação fiscal concernente a actividade empresarial entre outras que têm forte impacto na organização e funcionamento do sector privado da economia nacional. De qualquer modo, espera-se que a reforma da LBIP represente um marco histórico no processo de desenvolvimento do empresariado privado angolano.

sexta-feira, 4 de março de 2011

SOBRE A MANIFESTAÇÃO DO DIA 7 DE MARÇO E OUTRAS INTEMPÉRIES POLÍTICAS

Albano Pedro


Até altura em que o MPLA começou a promover uma verdadeira campanha de sensibilização para uma marcha contra a manifestação de 7 de Março, eu reservava-me num mar de cepticismo sobre a possibilidade de tal ocorrência. Lembro-me de ter conversado com José Gama através do chat do Facebook e ter apresentado as razões do meu cepticismo. Entretanto a reacção algo imprevista e musculada do partido no poder me fez ganhar cada vez mais consciência da possibilidade da tão falada manifestação. É verdade que, sobre a possibilidade de não acontecer alguns aventam o facto de os líderes não terem rosto outros ainda pretendem que o medo trazido do 27 de Maio de 1977 e das escaramuças pós-eleitorais de 1992 é suficientemente forte para inibir qualquer aventureiro para tamanha empreitada. Mas, há um facto novo: alguns líderes da oposição civil e da sociedade civil apresentaram-se através de uma carta aberta ao Presidente da República a confirmarem a participação na manifestação e manifestarem os interesses sociais que motivam uma manifestação do género. Ou seja, a manifestação já ganhou rosto e como tal a possibilidade da sua realização é muito mais evidente do que antes.

Mas, o que nos preocupa é facto do MPLA ver numa manifestação, uma avalanche de desgraças políticas iguais aquelas que arrastam o mundo árabe ao caos e a violência. Afinal, é apenas uma manifestação, por sinal igual a mesma que o próprio MPLA pretende realizar antes como forma de protesto. A lei permite que os cidadãos, despidos de atitudes e meios violentos, possam demonstrar as suas inquietações e até indignações contra os governantes e outros agentes ou factos sociais politicamente relevantes. É completamente pacífico que cada cidadão tenha oportunidade, uma sequer, de abordar o mais alto magistrado da nação e demonstrar o seu descontentamento sobre as consequências negativas ou devastadoras da governação no seu lar e família, por exemplo. Fazer de um acto legalmente sancionado e politicamente correcto, desgraça nacional resulta de uma clara atitude de má fé de quem assim pretende visualizar. Com efeito, a diabolização que começa incidir sobre os supostos manifestantes, atribuindo-lhes intenções malévolas e até terroristas é prova previsível de que se pretende tirar proveitos políticos contra quem pretende apenas concretizar um exercício consagrado na Lei Constitucional.

A atitude mais correcta é a dos órgãos do Estado vocacionados à ordem pública disporem de um aparato humano e material suficiente para garantir que a manifestação marcada para 7 de Março ocorre sem incidentes ou prejuízos humanos e materiais. A polícia devia estar alertada e preparada para manter a ordem em meio a moldura de manifestantes que eventualmente venha a tomar parte do tão propalado evento. Os governantes, por sua vez, se bem-intencionados em relação a governação em prol das necessidades colectivas, deviam esperar ansiosamente pela manifestação como forma de medirem o grau de satisfação ou insatisfação do povo em relação aos programas executivos até agora implementado. Se o MPLA diz, e assume o slogan, que Angola está no bom caminho, a manifestação do dia 7 de Março se apresenta como uma soberana oportunidade para perceberem e concretizarem se os caminhos do povo e do MPLA são coincidentes de forma a redesenhar a rota rumo aos interesses do povo, já que o MPAL sempre se identificou com o povo.

Todavia, a contra-manifestação que o MPLA prepara para sábado é, no nosso ponto de vista, uma propaganda a manifestação do dia 7 de Março que passaria quase despercebido ao povo, se o partido no poder não alertasse os Angolanos sobre tal ocorrência. E acusar as potências ocidentais de instigarem movimentos pacíficos e constitucionalmente aceites, oferece provas bastantes ao mundo de que o MPLA não tem nem interesse pela democracia nem interesse pelas leis. O que obviamente não pode ser bem visto por países habituados aos corredores da legalidade e da democracia. Portanto, é o próprio MPLA que vem promovendo a manifestação do dia 7 de Março transformando-o de um acto simples a uma catástrofe política de dimensão nacional e danos irreversíveis para o povo angolano. É uma espécie de terrorismo político que se infunde no seio de um povo inocente das manobras partidárias e alheio a guerras e outros males danosos. E que pretende levar o povo a ver os fantasmas do passado bélico em pessoas de boa fé e reputação social, taxando-os de malfeitores políticos. É esta atitude, reflectindo completa intolerância política, que pode despoletar a violência contra os manifestantes.

Por isso, diante de um acto de exercício democrático e legal como é uma manifestação pública, os manifestantes se vêem ameaçados por uma máquina propagandística de efeitos terroristas que procura inibir a vontade de grande parte do povo que se encontra mergulhado em miséria extrema e politicamente intolerável. Pena, é que os grandes partidos políticos da oposição não se solidarizem abertamente a tal manifestação, demonstrando a sua habitual covardia em assumir as grandes agendas e eventos sociais reformadores do status quo político. Entretanto, o sinal de manifestação deve levar o Executivo a assumir uma atitude integradora em relação ao plano de desenvolvimento nacional, corrigindo as assimetrias económicas e sociais bem como elevando o nível e qualidade de vida das populações. Seja o que venha a acontecer depois da manifestação, caso se realize, que a mesma sirva para que os governantes assumam uma agenda de desenvolvimento nacional em que todos os angolanos se revejam.

Que sirva sobretudo, como uma soberana oportunidade para que o MPLA e os partidos políticos da oposição reflictam sobre uma agenda nacional de consenso inclusiva e sem protagonistas independentes, na forma de um PACTO DE REGIME que viabilize o desenvolvimento económico nacional, mesmo que isso implique a manutenção do actual regime no poder. Seria tudo quanto o povo precisa. Porque este tem sido na verdade a principal vítima das manobras políticas quer da oposição que pretende inculcar a ideia da necessidade de queda do regime, quer do MPLA que quer inculcar a ideia de uma governação eterna. Porém, a verdade do povo, que os partidos políticos não procuram descobrir é que ninguém quer quedas de regimes ou governos eternos. Apenas uma governação em prol do desenvolvimento económico e social de todos. Que aconteça a manifestação sem violência!