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    segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

    CRIOGENIA: ENTRE A PRESERVAÇÃO DA VIDA E O CONFLITO ÉTICO-JURÍDICO (Publicado no Semanário Angolense) - Albano Pedro

    A Criogenia é definida como a técnica de manter cadáveres congelados durante anos com esperança de virem a ser ressuscitados. Essa técnica tornou-se conhecida pelo mundo com a alegada experiência feita com o cadáver de Walt Disney, celebre criador de desenhos animados como Rato Mickey, Minie, Pato Donald e outros, tendo fundado a companhia cuja marca é difundida com o seu nome. O surgimento dessa técnica é devida a falta de solução médica para muitas causas de morte nos tempos que correm. Crê-se, então que num futuro, e com os avanços tecnológicos no domínio da medicina, quando as soluções forem descobertas os cadáveres serão ressuscitados e curados das respectivas doenças que os levaram a morte. E como em tudo, há vários outros motivos para a sua aplicação. Casos de pessoas que morreram em locais com parcos recursos tecnológicos e que não permitiram um tratamento condigno e se espera que com a sua transferência para um outro país o seu problema seja debelado e assim ressuscitado, entre outros mais. Com o sucesso desta técnica se espera que o homem alcance a eternidade, vivendo muito mais tempo e para além dos limites da própria natureza. A conservação de cadáveres não é coisa nova. Entre os egípcios é conhecida a mumificação como técnica de conservação de cadáveres. As pesquisas científicas e arqueológicas feitas nas pirâmides egípcias revelaram até hoje provas materiais desta técnica aplicada há milénios em benefício de Faraós. Certamente com os mesmos objectivos da Criogenia. Que é afinal, o de preservar o cadáver com a esperança da sua ressurreição. Entretanto, a técnica da criogenia coloca em debate a licitude do manuseamento de cadáveres e faz nascer questões éticas e jurídicas a sua volta. Via de regra, é lícito o manueseamento de cadáveres para fins médicos (disposição de cadáveres para finalidades laboratoriais ou para extracção de órgãos que sirvam a cirurgias de transplantes, etc.). Isto acontece mediante procedimentos que passam pelo consentimento da pessoa antes de morrer ou dos seus representantes legais. De resto, são várias as disposições legais limitativas do contacto com cadáveres. A lei pune o acto de enterro feito sem observância das formalidades devidas (art.º 246.º - Código Penal – CP), a violação de túmulos (art.º 247º) e até os actos que violem a honra de quem já morreu ou faleceu (art.º 417.º). Sendo a vida humana o epicentro da natureza e a trave mestra das sociedades humanas, a própria morte não deixa de produzir efeitos jurídicos ao ser humano. Com a Criogenia, a vontade real ou presumida do defunto também é considerada. Entretanto, o problema está na incerteza dos resultados da técnica e o impacto ético-legal da conservação indefinida do corpo. Em países como o nosso, esse problema não se coloca publicamente, tanto por não merecer discussão entre os cultores da Ética e do Direito quanto por não ter tratamento jurídico-legal directo. Acresce-se que não existem tecnologias disponíveis no nosso mercado que façam adivinhar a utilização dessa técnica entre nós, embora se apresente útil e necessária nos casos em que a criogenia é aplicável a certos órgãos que venham a merecer tratamento em países com tecnologia médica avançada, como aliás já acontece no Brasil e muitos outros países. Contudo, o debate não deixa de ser pertinente, como se tem tornado de forma crescente em muitas partes do mundo. E o verdadeiro debate em torno desta temática começa com a seguinte questão: Pode, a pessoa antes de morrer dispor para os seus herdeiros ou representantes legais por meio de escrito, expressando vontade própria, sobre a necessidade de ter o cadáver conservado por meio de técnica da criogenia? No Brasil assistiu-se ao caso de uma rapariga cujo pai recomendou antes de morrer que queria que tudo fosse feito para que ressurgisse vivo ao convívio familiar. Por meio da técnica de criogenia o cadáver foi mantido durante dias, por uma empresa especializada, com as despesas custeadas pela filha mesmo contra a vontade de outras filhas que preferiram o enterro do cadáver do pai. A filha fiel ao desejo do pai pretendia transferir o cadáver para os EUA aonde acreditava que a solução médica para a causa da morte do pai seria achada e em consequência o pai seria reanimado do profundo sono. O caso deu entrada num dos tribunais brasileiros para resolver o diferendo que opunha as irmãs. E o problema que se pretendeu resolvido no caso nasce seguramente da avaliação do valor jurídico da vontade do defunto, i.é, se o tribunal deve considerar a vontade do defunto ou a vontade dos herdeiros (no caso, as filhas). Mas antes, urge ter ciência sobre a natureza jurídica do cadáver. O termo Cadáver resulta da junção das letras iniciais do adágio latino Caro Data Vermis (Carne dada aos vermes). Então, CAro DAta VERmis. Discute-se nas escolas de Direito sobre o valor da vontade do defunto. No direito das sucessões este problema não se levanta porque crê-se que a herança como tal tem personalidade própria, mesmo que incorpore toda a vontade do seu autor (de cujus) por meio de escrita transmissória (testamento) ou não. O problema faz sentido quando se abordam direitos de personalidade. Ou seja, com a morte persiste a vontade da pessoa? O nosso sistema jurídico estabelece que a personalidade jurídica adquire-se no momento do nascimento completo e com vida (art.º 66º - Código Civil – CC) e cessa com a morte (art.º 68º, n.º1 - CC). Quanto a morte, o nosso sistema fala em morte real e morte presumida. Nos dois casos pretende-se chegar ao mesmo ponto: Atestar o momento da cessação das funções vitais normalmente percebida através da paragem irreversível das funções cerebrais que a Tanatognose considera como morte encefálica. De todo o modo, o nosso sistema jurídico nega a possibilidade do morto continuar a ser pessoa. O que é facto é que a morte proporciona a transmissão de todos os direitos da pessoa e a partir deste momento o cadáver não passa de uma res (coisa). Discutir se o cadáver é uma res nullius (coisa de ninguém) ou res desperdiate (coisa abandonada), no caso pela pessoa falecida, não faz qualquer sentido, já que passa a integrar o património dos herdeiros e como tal protegida a integridade moral da pessoa do morto em nome destes. Sendo coisa, a vontade do defunto é inexistente fora da vontade própria dos herdeiros, o que desde logo nos leva a concluir in limine que apenas aos herdeiros interessa a manutenção do cadáver. Mas, é claro que a vontade do finado integra a herança. E nesse caso pode persistir a questão de saber se os herdeiros devem executar ou não essa mesma vontade. Ora, tratando-se de uma questão vista no âmbito do Direito Civil, o interprete pode socorrer-se da analogia e dos princípios gerais do Direito para perceber que não havendo quaisquer incompatibilidades entre as condições actuais dos herdeiros e a vontade manifestada pelo autor da herança esta prevalece. Assim, o de cujus pode ter o corpo conservado pela técnica da criogenia, quando não contrarie a lei, os costumes e mesmo a vontade justificável dos herdeiros. Já sobre a possibilidade de conflitos éticos e jurídicos da utilização desta técnica entre nós, o problema é completamente descartado devido a inexistência de uma legislação que regule a Criogenia em Angola. Dixit.

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