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    segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

    LIBERDADE DE IMPRENSA: AVANÇOS E RETROCESSOS

    Albano Pedro Jurista Texto de apoio elaborado para a dissertação do tema com o título epigrafado em representação do Professor Dr. Marcolino Moco na conferência sobre a Liberdade de Imprensa organizada e realizada pela Associação Mãos livres no dia 27 de Julho de 2012. “A comunicação social tende a deixar de ser o quarto poder para ser o único poder, num mundo em que cada vez mais predomina a informação sobre todas as formas de realização da vida em sociedade.” I. INTRODUÇÃO O tema Liberdade de imprensa: Avanços e Retrocessos, pretende ser um desafio a comparação de dados formais e materiais da existência e realização da Liberdade de Imprensa na realidade política angolana enquanto liberdade fundamental. Neste exercício discursivo-expositivo claramente dialéctico será recorrente a análise sobre a relação lei-realidade deste elemento de grande valência na realização do homem na sociedade e no contexto dos direitos humanos fundamentais. Embora dissertado em representação de um ilustre intelectual e político angolano não deixará de reflectir no essencial as preocupações do mesmo, identificadas em geral com as preocupações dos cidadãos angolanos no geral. II. LIBERDADE DE IMPRENSA. CONCEITO E ÂMBITO 1. Conceito e âmbito da liberdade de imprensa Admite-se sem reservas, e à margem do rigor técnico-jurídico, que a Liberdade de Imprensa é a capacidade que assiste aos indivíduos de forma abstracta de livremente publicarem e acessarem informações (via de regra na forma de noticia) por meio da comunicação social sem interferência do Estado. A Lei Constitucional – LC (o legislador denomina constituição) prescreve claramente que «É garantida a liberdade de imprensa, não podendo estar sujeita a qualquer censura prévia, nomeadamente de natureza política, ideológica ou artística» que «O Estado assegura o pluralismo de expressão e garante a diferença de propriedade e a diversidade editorial dos meios de comunicação» e que «…a existência e o funcionamento independente e qualitativamente competitivo de um serviço público de rádio e de televisão», sendo que «A lei estabelece as formas de exercício da liberdade de imprensa» (art.º 44.º). É bem verdade que o legislador constitucional quase forçou a uma fusão, de iniciativa desagradável e folclórica, entre a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa quando, na tentativa de estender o âmbito de compreensão desta liberdade fundamental, incluiu as manifestações ideológicas e artísticas mesmo quando a intenção legislativa (mens legis) tenha sido apenas determinar a natureza constitucional da liberdade de imprensa. De todo o modo, a liberdade de imprensa corresponde a uma categoria de liberdade que comporta duas dimensões ontológicas. Uma que corresponde ao seu aspecto activo que é a liberdade de tornar público certa informação através de órgão da comunicação social e outra que corresponde ao seu aspecto passiva que é a liberdade de acessar ou ter acesso a informação veiculada pela comunicação social. No seu sentido teleológico a liberdade de imprensa se afigura como um direito latu sensu de duplo exercício, sendo simultâneo na forma como se realiza e se concretiza. Nesta perspectiva é uma liberdade que assiste tanto aos profissionais da comunicação social no processo de produção da notícia quanto a aos mesmos profissionais no processo de obtenção de informações inerentes a notícia (acesso as fontes de informação). Sendo possível perceber ambas dimensões numa única pessoa, como é óbvio. 2. Liberdade de Imprensa. Limites Internos e externos Sendo uma liberdade de duplo exercício, importa estabelecer dois grupos de limites inerentes ao seu exercício. O primeiro grupo de limites considerado interno, refere-se as condicionantes para a publicação e estão constitucionalmente consagrados, i.e., a liberdade de imprensa não pode ser exercida contra o bom-nome, à honra e a reputação, à reserva da intimidade da vida privada e familiar, a protecção da infância e da juventude, o segredo do Estado, o segredo de justiça, o segredo profissional, etc. O segundo grupo de limites considerado externo refere-se aos condicionamentos para acesso a informação. Esse grupo de limites tem natureza fundamentalmente política e é sensível pela falta material de condições de acesso a informação (incipiente privatização e liberalização dos órgão da comunicação social bem como a obstacularização política das instituições do Estado no processo de acesso as fontes para além do acentuado défice no exercício do dever legal de informação pelos agentes e representantes do Estado aos particulares, entre outros impedimentos materiais). 3. Liberdade de imprensa, liberdade de expressão e liberdade de informação. Comparações necessárias A liberdade de expressão é uma liberdade abrangente em cuja amplitude compreende a liberdade de informação e a liberdade de imprensa. A consagração constitucional destas liberdades permite o entendimento do seu reconhecimento a categorias gerais e especiais de destinatários. Ou seja, enquanto a liberdade de expressão é reconhecida de modo abstracto a generalidade das pessoas (surdas-mudas ou não) sob todas as formas possíveis, a liberdade de informação é reconhecida aos que se propõem a obter informação ou a produzi-la por todos os meios possíveis e a liberdade de imprensa é especificamente dirigida aos que lidam profissionalmente com a imprensa ou órgãos da comunicação social. Numa perspectiva geométrica, temos a liberdade de expressão numa escala maior, a liberdade de informação numa escala média e a liberdade de imprensa numa escala menor numa concordância assertiva por derivação. De comum têm como garantia que o seu exercício não pode ser nem impedido nem descriminado. Tal como as mesmas liberdades não podem ser limitadas por qualquer tipo ou forma de censura. Têm ainda em comum os limites constitucionais do seu exercício. Não podem ser exercidos em sacrifício do bom-nome, à honra e a reputação, à reserva da intimidade da vida privada e familiar, a protecção da infância e da juventude, o segredo do Estado, o segredo de justiça, o segredo profissional e demais garantias constitucionais e legais destes direitos. 4. Liberdade de imprensa como liberdade fundamental A liberdade de imprensa, tal como a liberdade de expressão e de informação, integra a família dos direitos humanos fundamentais e como tal prescritos no texto magno na parte sobre o povo dentro do recorte sistémico jurídico-constitucional que compreende a tríade território, povo e poder enquanto elementos essenciais do Estado. As liberdades correspondem a uma subcategoria de direitos Humanos fundamentais. Na verdade a doutrina jurídica, com foro de cidade, reconhece a existência de três subcategorias de Direitos Humanos Fundamentais, designadamente os direitos propriamente dito (strictu sensu), as liberdades e as garantias. As garantias têm como função possibilitar o exercício de direitos sem a interferência do Estado, enquanto poder público; são como um freio imposto ao Estado contra o exercício das liberdades individuais e do pleno exercício dos direitos atribuídos aos cidadãos. A comparação interessa entre os direitos propriu sensu e as liberdades. Enquanto os direitos são atribuídos pelo Estado aos cidadãos pela via da sua consagração legal (constitucional ou infraordinária), as liberdades são inerentes ao homem enquanto ente natural, cabendo apenas ao Estado reconhecê-las. As liberdades nascem com o homem e conferem a plenitude da natureza humana permitindo que este desenvolva livremente. As liberdades correspondem a ideia do direito natural (da origem divina do direito dos homens) e toda a sua discussão cabe nas correntes teóricas desencadeadas pelo Jusnaturalismo retomadas pelas escolas jurídicas iluministas. 5. Dimensão onto-axiológica das liberdades fundamentais As liberdades são exercidas contra o Estado que é tendencialmente limitador da liberdade humana. As liberdades humanas são produtos do conflito entre a Moral (regra individual) e a Ética (regra da colectividade), sendo a Lei (Norma ética reforçada de coercibilidade ou sentido sancionatório) o mecanismo de contenção e parametrização do conflito. Já os direitos propriamente ditos configuram a ideia de disponibilidade de mecanismo pelo Estado para a realização da própria sociedade. O Estado atribui, restringe ou extingue direitos de acordo com os benefícios e prejuízos que estes representem no processo de realização dos interesses colectivos. Rigorosamente, as liberdades humanas constituem a verdadeira essência dos direitos humanos fundamentais, enquanto poderes reconhecidos aos seus titulares. Os direitos propriu sensu são melhor percebidos como deveres atribuídos pelo Estado. E normalmente são poderes-deveres na sua essência axiológica e na sua função ou missão teleológica, pois transformam o homem num instrumento de realização do interesse social atribuindo-lhe poderes de realização e dever de conformação com o fim da colectividade politicamente organizada. As liberdades são direitos humanos fundamentais próprios dos sistemas democráticos pluripartidários e participativos em que a sociedade gravita a volta dos interesses dos indivíduos, enquanto os direitos (incorporando a ideia deveres) predominam nos sistemas onde o Estado se apresenta claramente totalitarista no suposto interesse da colectividade. Mais se exercem as liberdades mais o Estado se democratiza e consolida a ideia do Direito enquanto mecanismo regulador que se entremeia entre a liberdade humana e o interesse público. Aliás, as liberdades são os termómetros mais fiéis das sociedades políticas modernas. Mais se reconhecem liberdades menos totalitarista e mais democrático é o poder instituído, menos se reconhecem as liberdades mais totalitarista e menos democrático são os governantes. Também não é desejável que se alcancem os extremos. Excesso de liberdades sobre o interesse público arrasta a sociedade a um laisser Faire, laisse passé (liberalismo), o excesso de interesse público sobre as liberdades humanas envoltam a sociedade de um absolutismo com laivos de ditadura política. A virtude é imposta pelos limites legais. 6. Desenvolvimento histórico das liberdades fundamentais Ao longo da História, as liberdades fundamentais evoluíram da ideia dos direitos naturais e tiveram relevância no domínio religioso, quando se discutia o sentido de igualdade entre os homens, durante todo o período medieval europeu. A sua positivação nos sistemas jurídicos modernos começou na Inglaterra (Magna Carta de 1215, Habeas Corpus Act de 1679) e seguida mais tarde nos EUA (Declaração americana da Independência de 4 de Julho de 1776). Mas é com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) proclamada em França e com as reivindicações em prol das liberdades que ocorreram nos séculos XIV e XV que deram lugar a uma verdadeira corrente de positivação dos direitos humanos fundamentais, tendo dado lugar a sua sistematização em direitos económicos e sociais com a constituição de alemã de 1910 (conhecida como constituição de Waimer). Hodiernamente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Carta Africana de Direito Humanos e dos Povos (1981) são os instrumentos mais importantes sobre a consagração internacional dos direitos humanos ao qual muitos países aderiram em nome da paz universal. Em Angola, a inserção constitucional dos direitos humanos tem sofrido evoluções importantes desde a independência do Estado e consagração da I República. Desde a independência (1975) a 1991 a Lei constitucional é incipiente em matérias de direitos humanos porque consagra um Estado totalitarista (Partido-Estado) que atribui “poderes-deveres” aos cidadãos. Nesta altura é discutível, mesmo, a ideia de direitos e da eficácia da Lei Constitucional. As alterações constitucionais operadas em 1991 e que deram lugar a Lei constitucional aprovada ao abrigo da Lei de Revisão n.º 23/92 apresentam um catálogo considerável de direitos humanos como mecanismos de realização da ideia da iniciativa privada, da livre concorrência e da democracia pluripartidária, nela constando o direito a imprensa. A reforma constitucional de 2009, embora desastrosa quanto ao acesso e exercício do poder político, é inovador em muitos aspectos em que a Lei Constitucional de 1992 registou lacuna e imprecisões. Mantém e esclarece muitos dos direitos humanos consagrados anteriormente e acrescenta novos e urgentes direitos humanos fundamentais. De todo o modo, a consagração da aceitação constitucional ipso facto dos direitos humanos previstos na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos no sistema jurídico interno testemunha a consagração legal e a vigência efectiva das liberdades fundamentais em Angola desde 1992. III. LIBERDADE DE IMPRENSA. DIREITO CONSTITUIDO Como referimos, a Liberdade de Imprensa está consagrada na LC como liberdade humana fundamental e tem desenvolvimento normativo infraordinário desde 1991 através da Lei n.º 22/91, de 15 de Junho – Lei de Imprensa. Este diploma legal foi actualizado 11 anos depois com a entrada em vigor da Lei n.º 7/06 de 15 de Maio – Lei de Imprensa. Ambos os diplomas legais nasceram da necessidade de conformar os processos eleitorais que se seguiram a sua aprovação com o exercício das liberdades fundamentais. A concretização da Liberdade de Imprensa através da Lei de Imprensa vigente é dificultada pela inexistência injustificável do respectivo Regulamento que devia ter sido aprovado nos 90 dias seguidos a publicação da Lei correspondente. IV. LIBERDADE DE IMPRENSA. AVANÇOS E RETROCESSOS FORMAIS Do ponto de vista legal ou formal, podemos apontar vários avanços na positivação da Liberdade de Imprensa que contrastam com o sentido de concretização material desta liberdade humana fundamental. No essencial, a consagração constitucional e legal (infraordinária) da Liberdade de Imprensa assegurou a direito de informar e de ser informado e deu lugar a liberalização da comunicação, permitindo a coexistência de órgãos da comunicação privada e estatal (alguns chamam pública). Não era assim, antes da entrada em vigor deste diploma legal em 1991. Os órgãos da comunicação social eram exclusivamente estatais e veiculavam informações no puro interesse do partido-Estado. Como retrocesso, está o facto de não haver uma regulamentação que torne concreto e aplicável a Lei de Imprensa permitindo a percepção dos limites e alcances do exercício da Liberdade de Imprensa. Aqui a Lei foi positivada e não concretizada, dando a perceber um certo “congelamento” da intenção legislativa (mens legis). Na mesma senda, há a indicar a carga sancionatória, marcada por excesso de penalidades criminais e de prescrições indiscriminadas, nalguns casos injustificáveis, de factos geradores de responsabilidade civil, que revelam alguma carga cerceadora do poder político sobre o exercício da liberdade de imprensa para além de manter a existência de um Estado-polícia com o formato igual ao do partido-Estado. Não é razoável admitir que aos jornalistas sejam aplicados as mesmas previsões penais sobre os crimes de calúnia, injúria e difamação a semelhança da generalidade das pessoas, quando é certo que tais condutas decorrem claramente do exercício de uma profissão no interesse colectivo. Se o Deputado à Assembleia Nacional não deve ser responsabilizado pelos actos praticados no exercício das suas funções, desejar o mesmo para os profissionais que garantem a informação devida a harmonização da sociedade e a plena relação entre os governantes e os governados não representa exagero nenhum. De todo o modo, em muito seria útil se aos jornalistas fossem dedicadas penalidades específicas atendendo as circunstâncias e especificidades da prática profissional a semelhança do que acontece no exercício da medicina em outras realidades normativas por esse mundo fora. A propósito das inconveniências do Direito Penal no exercício da Liberdade de Imprensa vem o texto consagrado a condenação do Jornalista Graça Campos, publicado no semanário Angolense ao tempo da sua prisão, segue-se na íntegra o seu teor: «A condenação do jornalista Graça Campos por suposto crime de injúria, calúnia e difamação vibrou como um martelo sobre a comunidade dos operadores da comunicação social e faz eco sobre todo um sistema social, levantando questões como: Até onde vai a liberdade de expressão? Até que ponto os crimes assim tipificados correspondem as inspirações de uma sociedade fundada em princípios democráticos? Qual deve ser o limite do exercício da liberdade de imprensa? Quando é que estamos em face de um crime de injúria, calúnia e difamação? etc. E certamente por falta de respostas a estas questões, a maioria dos jornalistas e profissionais da comunicação social se sente agora ameaçada de exercer livremente o seu ofício. Oferece ainda um verdadeiro teste aos princípios democráticos para a actual Lei de Imprensa revelando a sua frágil envoltura sustentada permanentemente pelo espírito da antiga Lei de Imprensa quanto a sua vocação antidemocrática e totalitarista. Precipita ao debate a sua ineficiência e ineficácia no plano dos direitos, liberdades e garantias dos profissionais de imprensa em particular e do povo em geral colocando em risco a sã convivência e a plena complementaridade entre a Lei de Imprensa e o Código Penal bem como arriscando a sua utilidade e oportunidade no plano jurídico-constitucional. O Código Penal surge como o complexo de normas subsidiárias a Lei de Imprensa de tal sorte que esta apenas se limita a desenvolver subtipos criminais como os crimes de “abuso de liberdade de imprensa” e os crimes de “desobediência” enquanto condutas específicas das empresas e profissionais da mídia. Sendo certo que societas delinquere non potest (as sociedades não têm capacidade criminal) entende-se que o legislador ordinário angolano pretendeu com a responsabilização de empresas da mídia modelar nas condutas assim tipificadas nesta Lei o vínculo obrigacional sustentador da responsabilidade civil, ao invés daquilo que pode ser um lapsus calami (erro de objectivação escrita) que é a criminalização das mesmas condutas. Acresce-se que, a previsão penal da calúnia, difamação e injúria sem qualquer excepção para o exercício da liberdade de imprensa, não só viola gravemente este direito e todos desta natureza (liberdade à informação, liberdade de expressão, liberdade de reunião e manifestação, etc.) como inviabiliza o próprio exercício da liberdade de imprensa perigando gravemente a construção e a sustentação da democracia e do primado da lei em Angola. Na verdade, o Código Penal é impreciso na tipificação dos crimes de injúria, calúnia e difamação. Não define os referidos conceitos, deixando a interpretação, muitas vezes distorcida e como tal abusiva, ao critério do juiz da causa. Tão pouco é claro quanto ao seu conteúdo deixando a triste, pobre e quase confusa redacção de «…se alguém difamar outrem publicamente, de viva voz, por escrito …imputando-lhe facto ofensivo a sua honra e consideração…» para o crime de difamação (art.º 407º Código Penal – Doravante CP); «O crime de injúria, não se imputando facto algum determinado, se for cometido contra qualquer pessoa publicamente, por gestos, de viva voz, ou por desenho ou escrito publicado…» para o crime de Injúria (art.º 410º CP) e «…Se não se provar a verdade das imputações, será punido como caluniador com prisão até um ano e multa correspondente» para o crime de calúnia (art.º 409º CP), deixando apenas a vaga ideia de que os crimes de calúnia e injúria são meras variações situacionais derivadas do crime de difamação. O que será difamar? O que será facto ofensivo a honra e consideração? Qual será a honra e consideração de um ladrão ou de um demente incurável? Será ela diferente da de um politico corrupto ou de um líder religioso charlatão? E qual será a honra e consideração de um líder politico exemplar como Nelson Mandela ou Mahtma Ghandi? Para a resposta a questões levantadas haverá lugar a especulações valorativas subjectivas que a semelhança do critério ético estabelecido pelo Direito Civil na base da fórmula valorativa de bonus pater familia (valores morais e éticos inerentes ao cidadão médio de uma sociedade) não conferem precisão uniformizada para os factos que se apresentam como enquadráveis nas normas incriminadoras em questão. Assim, a norma penal, por plasmar conceitos, como este, imprecisos e indeterminados, permite que o ofendido defina o próprio âmbito e conteúdo da ofensa a honra e consideração, reforçado inclusive com a previsão do parágrafo único do art.º 410º nos termos do qual «Na acusação por injúria não se admite prova sobre a verdade de facto algum, a que a injúria se possa referir.». Vem daí que, as previsões sucessivas dos crimes de difamação, injúria e calúnia aparecem como verdadeiras ameaças aos princípios democráticos por imprecisão e arcaísmo; excessivas, desproporcionais e perigosas para o exercício das liberdades fundamentais em geral protegidas pela Lei Constitucional vigente. O que levanta um verdadeiro confronto entre a Liberdade de Imprensa e Os Direitos de Personalidade Criminalmente Tutelados, colocando ainda o problema da prevalência de interesses entre o valor individual (interesse particular) e o valor colectivo (interesse público), quando é certo que o exercício da liberdade de imprensa, enquanto a mais ampla e poderosa manifestação da liberdade de expressão, não só procura impor o interesse público como anima a própria existência de um Estado Democrático e de Direito. O “pacto” estabelecido entre o Direito Civil e o Direito Comercial nos termos do qual determinados factos que desencadeiam a Responsabilidade Civil (dever de indemnizar o ofendido) em Direito Civil são considerados práticas correntes e normais em Direito Comercial, sem os quais o comerciante dificilmente sobreviveria (Vide: a persuasão astuciosa de um comerciante que leva o cliente a comprar um artigo contra o seu próprio gosto), mesmo quando os dois ramos de Direito sejam da mesma família (Direito Privado), serve certamente de exemplo para estabelecer limites e vizinhanças necessárias a preservação de interesses entre o Direito de Imprensa e o Direito Penal. Sendo razoável e de utilidade democrática que determinados factos considerados difamatórios, caluniadores ou injuriosos não o deveriam no exercício da Liberdade de Imprensa, visto prosseguir-se aqui interesses públicos e não veleidades pessoais conformados com o dolo imputável a subjectividade particular de que o direito penal procura combater. Foi a percepção da necessidade de preservação deste limite, que levaram os americanos a decidir sobre a consagração constitucional da extensão do conteúdo da liberdade de expressão enquanto pilar da democracia, quando admitiram que pela caricaturização e ridicularização de figuras públicas muitas vezes é alcançada a verdade dos factos necessária a informação do povo (Vide: caso verídico representado pelo filme The people versus Larry Flynt – em que a Suprema Corte de Justiça Americana considerou constitucionalmente protegida a ridicularização feita numa publicação pornográfica de grande tiragem contra um importante líder religioso americano que sentiu gravemente ofendida a sua honra e consideração). O quadro condenatório sub iudice viabilizado a luz do actual sistema jurídico (Código Penal, Código Civil e Lei de Imprensa) revela gravosas insuficiências da Lei de Imprensa e a sua subtil e perigosa vocação de agredir os próprios interesses da classe dos jornalistas e dos operadores da comunicação social, a saber: A) Que a tripla condenação ocorrida ao abrigo do Código Penal (Calúnia, injúria e difamação), salvo entendimento mais aguçado, tem como consequência para o jornalista Graça Campos o impedimento de exercer as funções de Director do Semanário Angolense ou de qualquer outro órgão de comunicação social por 3 anos nos termos prescrito pela actual Lei de Imprensa. B) Que a Lei de Imprensa não procura afastar as graves penalidades dos crimes de calúnia, injúria e difamação pela concretização de normas especiais que protejam os profissionais da comunicação social quando em face de tais factos. O que seria homenagear o princípio hermenêutico Lex specialis derrogat lex generalis (as normas especiais da Lei de Imprensa afastariam as do Código Penal em matéria de Calúnia, Injúria e Difamação subtraindo os jornalistas de os cometerem no exercício das suas actividades). C) Que a similitude dos critérios dosimétricos penais inspirados entre a actual e a anterior Lei de Imprensa e representados no caso Graça Campos revela a manutenção legal do projecto de um Estado totalitarista e de viabilidade histórica remota que procura abafar o surgimento de uma sociedade livre e justa pela via da aplicação de pesadas penalidades susceptíveis de suprimirem a liberdade de expressão dos cidadãos. D) Que a falta de uma oportuna regulamentação concretizadora da Lei de Imprensa inviabiliza a interpretação dos conteúdos e limites precisos sobre os factos susceptíveis de imputação criminal e consequente impugnação judicial. Não será, certamente inteligente, a ideia de manter a incriminação de tais condutas em sede do Direito de Imprensa (desnecessariamente subsidiado pelo Código Penal) sob pena de exaltação de um Estado centralizador de opinião já sacrificadamente ultrapassado pela história recente de Angola. O Direito de Imprensa se bastaria com a mera responsabilização civil de condutas deontológicas inconvenientes contra direitos de personalidade legalmente protegidos. Resultando daí indemnizações e outras espécies de desvantagens de natureza sancionatória próprias do Direito Civil. Recomenda-se em suma que, pela via da impugnação judicial da actual Lei de Imprensa por manifesta inconstitucionalidade, haverá, pois, que fazer vincar uma Lei de Imprensa que preveja medidas civis e não criminais. Uma Lei de Imprensa que reduza os excessos previsionais do crime de calúnia, injúria e difamação tipificados no Código Penal. Tamanha solução atrairia o espírito de convivência democrática e o respeito a um dos mais elementares direitos dos cidadãos: o Direito a Informação.» (texto integral da autoria de Albano Pedro publicado em jukulomesso.blogspot.com retomado do semanário Angolense) Acresce-se que a nova Lei dos Crimes Contra a Segurança do Estado bem como a relação directa que se estabelece entre o exercício da liberdade de imprensa e as sanções previstas no Código Penal impõem-se como vigorosos instrumentos de repressão à actividade dos jornalistas. V. LIBERDADE DE IMPRENSA. AVANÇOS E RETROCESSOS MATERIAIS No plano da realização concreta da liberdade de imprensa, é mister referir que Angola foi posicionada no ranking da RSF da liberdade de imprensa (fonte: VOA) como estando em 138º lugar (2011/12). Na prática a falta de regulamentação da Lei de Imprensa é vista como o maior factor de estrangulamento do processo de materialização desta liberdade fundamental e um dos obstáculos a próprio processo de democratização do Estado angolano. Desde logo, há quase nada a apontar como avanço para além da consagração constitucional e legal desta liberdade fundamental desde 1991. A falsa liberalização dos órgãos da comunicação social (a maioria esmagadora dos órgãos da comunicação social privados pertencem aos dirigentes do Estado angolano), a obstacularização política à informação sobre a governação do Estado devida aos cidadãos em especial e aos particulares em geral são dos mais patentes aspectos do retrocesso material da Liberdade de Imprensa. VI. LIBERDADE DE IMPRENSA. O DIREITO A CONSTITUIR De lege ferenda pretende-se uma considerável diminuição da carga sancionatória da Lei de Imprensa com vista a ter devolvido o mérito de diploma legal concretizador de uma liberdade humana fundamental. Para além da regulamentação necessária da Lei de Imprensa vigente. Do mesmo modo, a intenção legiferante manifestada com o inicio das discussões sobre o pacote da Comunicação Social na Assembleia Nacional é encorajador quanto a possibilidade de uma positivação do Direito de Imprensa consentâneo com a realidade política e social actual. Pelo que apelamos a sequência dos debates em volta das propostas legislativas ora suspensas, sine die. VII. CONCLUSÕES O papel da sociedade civil e dos cidadãos na materialização das liberdades fundamentais em geral e das liberdades humanas em especial é incontornável, numa realidade em que a sobre do totalitarismo partidário sobre as instituições do Estado paira permanentemente no ar. Urge, pois, uma abordagem profunda e um estímulo permanente e consequente sobre a temática da positivação e concretização das liberdades fundamentais (maxime da liberdade de imprensa) para que a consciência de cidadania faça emergir a necessidade diária do seu exercício em prol de um Estado cada vez mais democrático e mais atento aos princípios legais no interesse colectivo dos indivíduos. Dixit.

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