segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O CONTRATO DE TRABALHO A TERMO INCERTO - PARTICULARIDADES NO CONTEXTO DA SUA COMPREENSÃO (Publicado no Semanário Angolense) - Albano Pedro

Chegou-me um caso, através de um advogado e “amigo de peito” cujo nome omito propositadamente, que seria estranho se não me propusesse em analizar e neste processo descobrir que se trata de um desvio (error in factum) para o qual vale apena chamar atenção aos operadores do direito e aos trabalhadores que faceiam com os fenómenos e factos jurídico-laborais. Trata-se da questão de saber como devem ser vistas as soluções hermeneuticas decorrentes da coexistência de cláusulas contratuais que identificam simultaneamente dois subtipos do contrato de trabalho por tempo determinado, designadamente o contrato a termo certo e o contrato a termo incerto? É que quando se tratam de contratos a termo certo (onde são fixados os prazos concretos em que terminam as relações jurídico-laborais) a solução é evidentemente indicada pela natureza claramente temporal do contrato que não deixa dúvidas não só pela redução a escrito deste tipo de contrato como pela clara fixação do prazo no respectivo contrato assim celebrado. Assim, terminado o prazo termina o contrato, com as ressalvas previstas na própria LGT. Não é o que se passa nos casos de contratos a termo incerto em que o tempo de vigência do contrato não depende de um prazo concreto mas sim da verificação de um evento ou facto que torna assim dependente a duração concreta do contrato. Seja, facto positivo (o trabalhador é contratado para substituir um outro trabalhador que se ausentou por razões de saúde não se sebando ao certo o momento do seu restabelecimento e regresso ao posto de trabalho) seja facto negativo (o empregador contrata o trabalhador para desinfestar o armazém afectado por um substância de cheiro nauseabundo e de forte impacto ambiental até que nada reste da substância em causa). Esta espécie de contrato ou subtipo contratual tem a particularidade de ter a duração completamente dependente da verificação do facto invocado no contrato como causa da celebração do contrato entre as partes. A particularidade a analizar (do qual vem o proposito do texto) é a situação em que o empregador celebra o contrato com a clara ideia de ser um contrato a termo incerto (porque esta convencido de que o trabalhador foi contratado para efectuar uma determinada tarefa – de natureza temporária e discontínua, como sugerem os motivos do contrato a termo incerto - finda a qual o contrato deixa de ter razão de ser) mas que por perceber que tal facto ou evento tem um prazo previsível de verificação (o empregador tem a clara ideia de quando vai terminar ou começar o evento ou o facto) e coloca no contrato o prazo de fim deste. Ou seja, apesar de estar certo de que o contrato depende de um evento ou facto arrisca, por imprudência ou simples boa fé induzida pela ideia da clareza das cláusulas contratuais, um prazo bem determinado em que se vai verificar a cessação do vínculo laboral. Quid iuris? Se se verifica uma situação semelhante (como se verificou no caso em apreço) fica bem claro que estamos diante do concurso de cláusulas que caracterizam cada um dos subtipos do contrato por tempo determinado. Ou seja estaremos diante de um contrato por tempo determinado acumulando caracteristicas de dois subtipos seus colocando o desafio claro da sua distinção, já que cada subtipo obedece a um regime processual específico. Verifica-se o facto fundamentador da relação jurídico-laboral (que caracteriza o contrato determinado a termo incerto) e o prazo afixado (próprio do contrato a termo certo). Esta situação nos obriga a remeter o contrato a um dos subtipos para o correspondente tratamento legal por meio de uma clara interpretação normativa. Aqui o conflito hermeneutico se interpõe como uma questão prejudicial que sem a solução devida não é possivel determinar o subtipo contratual em causa para o devido tratamento substantivo e processual. Então as soluções variam de acordo com o subtipo a determinar pela mais correcta interpretação. Se o processo hermeneutico nos conduzir a um contrato a termo incerto fica claro que o contrato cessa tão logo se verifique a situação invocada como fundamento do contrato. Haja vontade ou não de manter o vínculo. E neste subtipo contratual nem vale falar de renovação de contratos como acontece com os contratos a termo certo em que a razão contratual se mantém mesmo quando o prazo preclude. Nos contratos a termo certo a simples verificação do evento ou facto faz desaparecer imediatamente o vinculo laboral deixando so trabalhadores interessados na sua manutenção sem quaisquer margens para reivindicar elementos periféricos que possam sustentar a sua continuidade. Cessant causa cessant efectus ipsa (o contrato desaparece com a sua causa). É mais do que evidente que o regresso do trabalhador substituido torna inutil a presença do trabalhador contratado para cobrir o posto de trabalho durante a ausência daquele. Do mesmo modo que o fim da desova de uma quantidade determinada de contentores de carga torna desnecessário a presença dos estivadores contratados para este fim quando a empresa não tenha vocação para dar continuidade a actividade para os quais tais trabalhadores foram contratados. E outros exemplos, para ilustrar esta variante de contratos, podem florescer na medida da imaginação de cada um de nós. Daí que um dos fundamentos para esta variante de contrato por tempo determinado seja, inter alias, a “execução, de tarefas bem determinadas, períodicas na actividade da empresa, mas de carácter descontínuo;” (alínea i) do n.º 1 do art.º 15º - LGT). É claro que no contrato a termo incerto por vezes o prazo é quase explícito porque previsível. É o que se passa com o contrato a termo incerto condicionado pelo regresso do trabalhador em gozo de férias. O facto “regresso” arrasta consigo o prazo do período de férias ficando evidente o momento do regresso do trabalhador substituido. De todo o modo, no contrato a termo incerto o elemento relevante é o facto e não o prazo porque este não vem expresso mesmo quando seja previsível. Afinal, o trabalhador em gozo de férias pode regressar ou não, apezar do fim do prazo ser irreversível. Por isso é que lei favorece a continuidade da relação jurídico-laboral em caso do trabalhadorr não regressar ou em caso de não ter sido sido avisado com antecedência quando o trabalhador substituido tenha regressado no prazo previsto (art.º 18.º, 1 - LGT). O mesmo se passa quando o prazo não seja previsível como é o caso do regresso do trabalhador doente. Já se o sentido hermeneutico nos levar aos contratos a termo certo a renovação do vínculo laboral é sempre possível uma vez que a causa laboral persiste independentemente do contrato. Aqui tudo depende da vontade negocial das partes e por isso é o subtipo que permite manter a possibilidade de continuidade laboral do trabalhador. E como é óbvio é o subtipo desejável em homenagem a regra da continuidade laboral inspirada pelo valor ético deduzido da hipossuficiência do trabalhador. Na verdade o conflito hermeneutico não é perfeito no sentido em que venha a causar dificuldades, visto que a claúsula do prazo que faz depender a vigência do contrato esta patente contra o momento da verificação do evento ou facto que está apenas implícito. Por isso a LGT claramente distingue os subtipos contratuais em incerto e certo quanto ao seu termo. Diz a regra de interpretação que o que é claro não carece de interpretação (ubi claris non fit interpretatio) sendo o sentido directamente fixado pela letra da norma interpretada contra o espírito (intenção normativa ou mens legis) da mesma norma. Aquele é objectivo e este subjectivo. O conflito assim não é real porque a regra da intepretação gramatical se impõe claramente a regra contexual ou histórica que vem de um conjunto de factores geralmente incertos como é a natureza do facto causador de uma relação jurídico-laboral por tempo determinado a termo incerto. Nada obsta que a mais coerente intepretação combine factores objectivos e subjectivos. Tanto é que a interpretação gramatical e a histórica ou contextual podem facilmente coexistir desde que uma e outra vertente não ponham em causa a definição do nomen iuris (sua determinação substantiva) e os posteriores procedimentos que lhes são inerentes como são a fixação do subtipo contratual e a regulação disciplinar que subjazem ao caso sub iudice. Na verdade, o caso em análise seria estranho à luz do Direito (especialmente laboral) se não decorresse de erro cometido por quem elaborou o contrato e das partes que o celebraram sem cuidar de conferir melhor leitura das respectivas cláusulas. Pois, que a combinação de cláusulas suscpetíveis de levar a perceber uma ou outra variante no mesmo contrato é completamente descartável a luz da LGT e da própria sistemática e lógica científica do Direito vigente em Angola. Destarte, não é difícil perceber que o contrato em causa obedece ao regime do contrato de trabalho por tempo determinado a termo certo sendo certo que ao mesmo se deve verter todo o regime disciplinar e processual deste subtipo contratual no contexto da LGT e legislação complementar. Dixit.

O FINANCIAMENTO DOS PARTIDOS POLÍTICOS - A SUA MEDIDA NO TEMPO E A POSSIBILIDADE DA FRAUDE ELEITORAL (Publicado no Semário Angolense) - Albano Pedro

O financiamento dos partidos políticos em Angola é um dos problemas que dá azo a especulações sobre a falta de vontade política para a implementação efectiva da democracia e dos que mais espaços dão para a verificação da fraude eleitoral. Justamente porque a dependência financeira dos partidos políticos ao erário público é um dos principais elementos que põem em causa a estabilidade dos partidos políticos angolanos de uma maneira geral. Em 1992, quando Angola inaugurou o espaço multipartidário dando lugar as primeiras eleições gerais (não importa se tenham ou não sido livres e justas) o financiamento dos partidos políticos abrangia a constituição de comissões instaladoras. Praticamente os cidadãos interessados tinham apenas que cumprir os requisitos para tal e dai trabalhar para a recolha de assinaturas que dessem lugar a constituição de um partido político. Os dinheiros estavam por conta do Estado. Por isso, em 1992 era muito mais fácil ser constituído um partido político do que formar e legalizar uma empresa de qualquer espécie que fosse. Isso explica, em parte, a proliferação de partidos políticos naquela época. As reformas legais no pacote de normas sobre partidos políticos e eleições tendentes as eleições de 2008 ditaram uma completa mudança nesse quadro. Acabaram os financiamentos para as comissões instaladoras e para os partidos políticos sem assento parlamentar. Para além disso, ficou clara a possibilidade legal de extinção daqueles que concorressem as eleições de 2008 sem sucesso eleitoral. Nessa altura o financiamento reduziu-se a campanhas políticas para aqueles partidos que manifestaram vontade de concorrer as eleições. Era como que um engodo para atrair partidos políticos ao precipício da extinção como aconteceu com uma boa parte deles tais como PAJOCA, FpD, PLD, PRD, etc. Para as eleições que se avizinham a corrida de coelho para 31 de Agosto de 2012, uma nova rubrica surgiu: O financiamento da recolha de assinaturas para os partidos políticos candidatos as eleições gerais orçado em pelo menos 90.000,00 (noventa mil) dólares norte americanos equivalentes em kwanzas. É bem-vindo porque inesperado para muitos. Mas o espectro da fraude se apresenta bem patente no tempo e momento em que essa verba é disponibilizada. Chega, certamente, numa altura em que o tempo para a recolha das assinaturas é completamente exíguo. A recolha de mais de 15.000 (quinze mil) assinaturas para a propositura da candidatura as eleições gerais não se faz em menos de 3 meses. Sobretudo quando tem de haver equilíbrio na recolha das mesmas entre as diversas províncias (cada província deve fornecer pelo menos 500 assinaturas sendo as restantes completadas no circulo eleitoral nacional) e dentre os requisitos da recolha constam a cópia do cartão eleitoral. Ora copiar cartão de eleitor em Luanda é a coisa menos complicada, porém pensar-se que o mesmo pode acontecer com os mais recônditos municípios da Angola adentro é das piores ilusões. É daqui que se verifica a inoportunidade política da libertação dos fundos públicos para este fim numa altura em que estão marcadas as eleições. Porque é que não foram disponibilizados antes, ou pelo menos com 120 dias de antecedência? Ainda que se defenda que os partidos políticos devem estar preparados a tempo inteiro, a questão da recolha das assinaturas para a candidatura dos partidos políticos é uma questão de equiparação material e de igualdade de oportunidades entre os mesmos tal como defende a própria legislação eleitoral com respaldo constitucional. Desde o ano passado que se vem escutando e flagrando denúncias sobre recolha compulsiva de cartões de eleitores por parte do partido maioritário. Nas escolas, postos de saúde entre outros serviços e espaços laborais sobretudo públicos. Afinal, o jogo do “chico-esperto” se revela agora que tudo vai chegando a recta final. A ideia subjacente é a de que os distraídos serão mais uma vez eliminados da corrida com antecipação, enquanto os prevenidos avançam na “pole-position” dentro da grelha de partida para a corrida eleitoral deste ano. Que vença o melhor. Mas, que os perdedores percam com a sensação de terem sido vítimas da sua própria inércia e não dos obstáculos contra si levantados.

AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS E POLÍTICAS DA OMISSÃO DE UM PROCESSO ELEITORAL CONSENSUAL (Publicado no Semanário Angolense) - Albano Pedro

A ameaça de abstenção total da oposição política (com ressalva dos confessos partidos satélites na órbita da situação) e a visivel intransigência do partido no poder em manter as decisões ilegais como as que procuram manter a Dra Suzana Inglês no cargo de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral, fazem pairar um clima de previsível adiamento do processo eleitoral ou, na pior das hipóteses, de levantamento popular a ser precipitado tanto pela incerdulidade do eleiotrado sobre a justeza das eleições deste ano quanto pela incapacidade do MPLA em estabelecer consensos, estando este partido a transperecer um claro interesse em vencer as eleições sem quaisquer concorrências de outros partidos políticos. Este clima transparece uma certa inconstitucionalidade por omissão dos actos devidos a um processo eleitoral inclusivo, já que o Estado deve criar condições para que o poder político seja “...exercido por quem obtenha legitimidade mediante processo eleitoral livre e democraticamente exercido...” (art.º 4º, n.º 1 - Lei Constitucional ou LC (Constituição, segundo o legislador) em meio a uma participação inclusiva em que os partidos políticos disputam os votos num evidente ambiente de pluralismo de expressão com vista a materialização de uma democracia representativa e participativa (art.º 2º, n.º 1 – LC). E como é evidente medidas judiciais devem ser tomadas a esse propósito por quem tnha lucidez suficiente de estar a fazer política no interesse do povo. O MPLA está a perder a oportunidade histórica de sarar as feridas dos seus militantes e do povo em geral desgastados com uma governação não favorável a estabilidade social e económica da maioria para reuni-los motivadamente em torno de um esforço eleitoral necessário a recuperação dos créditos perdidos desde a independência da República em matéria de boa governação. Ao invés, torna cada vez mais evidente que prefere violar as regras que aprova contrariando o bom senso dos mais respeitados militantes seus. Deste desorientado esforço para a perversão política de contornos nacionais não surgirão frutos agradáveis de saborear, concerteza. Em nossa opinião, o processo degradante do ainda infante sistema democrático angolano, começou com sensível evidência desde a consagração da exclusão legal dos partidos políticos no jogo democrático ao arrepio da liberdade de escolha do vasto eleitorado sobre o leque de projectos partidários disponívei. A legislação eleitoral aprovada com o beneplácito da própria oposição colocou um verdadeiro handicap a liberdade de escolha dos eleitores e levou a extinção os primeiros partidos com fraca elegibilidade nas eleições de 2008. Daí em diante, seguiram-se a manipulação da Lei Constitucional em matérias de cláusulas pétreas (os famosos limites constitucionais) e da inelegibilidadee de candidatos a Presidência da República independentes e daqueles que não estejam no pole position de uma grelha composta de candidatos a legislador. É a consagração da constituição atípica que emprestou uma nova engenharia hermeneutica ao modelo politico deitando por terra a soberania do povo em escolher o seu mais alto magistrado. Deste mega tumulto, surgiu finalmente as peripécias do pacote legislativo e a condução mui contestável da Presidente da Comissão Nacional Eleitoral. Hoje, percebe-se com fina claresa que existe um projecto linear sobre como deve ser conduzido o processo eleitoral pelo partido no poder que impede que os seus agentes sejam abertos a consensos. O que ameaça conduzir o Estado a uma verdadeira calamidade eleitoral em que os indices de abstenção se podem apresentar alarmantes para o processo de construçõ de um Estado de Dirito e Democrático e para a própria estabilidade política nacional. Sempre defendemos que as lutas dos partidos políticos, para corresponderem as exigências do formato político do Estado, consagrado desde a Lei Constitucional de 1992, devem ser simultanemaente jurídicas e políticas. Jurídicas porque devem ser feitas com respeito estrito do Direito constituido (no caso a Lei) e políticas porque devem estar conforme o momento da elevação do espírito do povo em torno de um ideal comum patente no espectro da Democracia. Se alegamos estar a viver ou desejar estar num Estado de Direito e Democrático nada existirão formas de lutas mais correctas e mais consentâneas com o desejo da maioria. Assim sendo, os partidos políticos podem sempre reivindicar seus interesses com base nos mecanismos legais vigentes ao mesmo tempo que agenciam seus interesses dentro do jogo democrático, mesmo quando o adversário viole todas as regras. Afinal, o que está em causa é a estabilidade do Estado que em ultima ratio reflecte as mais profundas aspirações do povo expressas pelo espírito de Nação. Não é o que se passa com frequência no nosso cenário político em que fartas vezes a oposição e a situação degladeam em torno de interesses de minorias colocando a maioria do povo a margem dos interesses do Estado. O que coloca dúvidas sobre a seriedade dos agentes políticos angolanos quanto a preservação dos interesses colectivos. A lei não só prescreve actos legais com os quais os interesses partidários se devem conformar como prevê sanções severas tanto em caso de pura acção como por omissão dos actos devidos no interesses do Estado e da Nação. Vem disto que o exercício do poder político exercido contra a lei é punível porque responsabiliza os seus agentes. Sobre isto a LC não levanta dúvidas. “São ilegítimos e criminalmente puníveis a tomada e o exercício do poder político com base em meios violentos ou por outras formas não previstas nem conformes com a Constituição”. O legislador constitucional faz o favor de ajudar a perceber que não se trata apenas do exercício do poder em consequência da sua tomada irregular. Estabelece com clara percepção que o simples exercicio do poder em desconformidade com a lei magna responsabiliza os seus agentes criminalmente, i.é, o mesmo que individualmente. É o que se passa em caso da desconformidade constitucional dos actos praticados pelo executivo contrários as leis e em consequencia com o espírito e letra da Lei Magna no que toca ao respeito estrito do primado da Lei na estrutura e função do Estado. Os agentes políticos interessados num verdadeiro Estado de Direito e Democrático devem exercitar as suas operações dentro deste modelo, curando de desenvolver as lutas jurídicas na mesma intensidade que as lutas políticas. O que no caso vertente significa incluir a possiblidade de responsabilizar todos aqueles que colocam o Estado na condição debilitante de não organizar um processo eleitoral conforme a LC e demais normas vigentes no sistema jurídico angolano, mesmo quando hajam alegadas fragilidades e suspeições insanáveis em todo o sistema judicial. Dixit.

AUTARQUIAS LOCAIS EM ANGOLA (Publicado no Semanário Angolense) - Albano Pedro

Autarquia (do Grego, autarkheia), significa bastar-se a si mesmo, ser autónomo. Sua significação varia de acordo com o campo cientifico em que é aplicado. Assim, em economia, autarquia implica a qualidade de ser autossuficiente; em Filosofia, o poder de bastar-se a si mesmo. O que importa é a sua utilização no campo do Direito Administrativo a partir do qual esta figura vulgarizou-se no vocabulário político angolano cuja matéria, vem neste texto, a propósito. E neste particular, o conceito radica na ideia de uma entidade com certo grau de autonomia administrativa e financeira criada pelo Estado com objectivo de realizar o interesse público. Esta amplitude conceitual que coincide com a definição de autarquia no Direito brasileiro implica qualquer organização ou instituição criada pelo Estado desde os institutos públicos, empresas públicas, municípios, distritos às corporações ou associações públicas, etc. O que interessa é que a pessoa do autarca (administrador da autarquia) esteja na direcção de uma entidade colectiva com uma autonomia que o diferencia do Estado, integrando assim o conceito da administração indirecta do Estado. Para o Direito português o conceito de autarquia é confinado a Autarquia Local. Isto reduz-se ao Município e a Freguesia. Dai falar-se em Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia como entidades representativas do poder autárquico local no Direito administrativo português. O que é facto é que a noção brasileira de autarquia compreende entidades como os institutos públicos assim definidos no Direito português (e no Direito angolano como não podia deixar de ser). Da mesma forma, não importa a diferenciação conceitual, a autarquia é uma entidade auxiliar da administração estatal autónoma e descentralizada. O que implica que o Estado exerça poder de fiscalização e tutela sobre a entidade com características autárquicas. Desde logo, as autarquias não têm poder legislativo (poder de criar leis). Pelo contrário, sujeitam-se a Lei criada pelo Estado. Assim, faz sentido que o Estado determine o âmbito e o alcance das autarquias bem como as suas atribuições quer pela via constitucional quer pela via legal ordinária. A falta de Lei própria engendra a dificuldade de entender o âmbito e o alcance do conceito de autarquia em Angola. Vale assentar que o Direito angolano opta pelo conceito de autarquia local e configura-o como uma modalidade do poder local do Estado, competindo com a administração directa local do Estado exercido pelos governos provinciais e com as autoridades tradicionais cujo poder administrativo deriva de matérias fora das atribuições e competências exercidas pelos outros dois entes circunscritos ao poder local. Ou seja, a autoridade tradicional exerce o poder não exercido pelo Estado ao nível local e pelas autarquias. Pelo que a definição ex-lege do âmbito e o alcance das autarquias torna evidente o âmbito e o alcance do poder exercido pelas autoridades tradicionais. A Lei Constitucional – LC (Constituição, segundo o legislador) define as autarquias locais como sendo «…pessoas colectivas territoriais correspondentes ao conjunto de residentes em certas circunscrições do território nacional e que asseguram a prossecução de interesses específicos resultantes da vizinhança, mediante órgãos próprios representativos das respectivas populações» (art.º 217.º). Aqui é reconhecido aos residentes um poder autárquico original transferível por via eleitoral com o fim exclusivo de prosseguir interesses públicos por execução de actos administrativos. O que concretiza o principio da participação dos particulares (populações e corporações) nas actividades da administração pública previsto no Direito administrativo vigente. A LC determina ainda que «As autarquias locais têm, de entre outras e nos termos da lei, atribuições nos domínios da educação, saúde, energia, águas, equipamento rural e urbano, património, cultura e ciência, transportes e comunicações, tempos livres e desportos, habitação, acção social, protecção civil, ambiente e saneamento básico, defesa do consumidor, promoção do desenvolvimento económico e social, ordenamento do território, polícia municipal, cooperação descentralizada e geminação» (art.º 219.º). As atribuições assim descritas perdem-se numa enunciação dispersiva em tudo coincidente com as atribuições do próprio Estado, pelo que urge determinar por Lei os níveis de intervenção do poder autárquico local que o diferencia do poder próprio do Estado no seu processo de intervenção directa. Assim, caberá a Lei definir os níveis de ensino (básico, médio ou superior) que cabem as autarquias locais no prosseguimento das suas atribuições no domínio da educação; as competências materiais da polícia municipal; âmbito da gestão do ordenamento do território, etc. É um esforço urgente que condiciona a concretização desta espécie de poder local, visto que a LC prevê outros domínios da atribuição das autarquias locais a estabelecer por Lei. A LC determina que as autarquias organizam-se nos municípios. Porém, admite a possibilidade de existência de autarquias supra-municipais (ao nível de províncias ou de regiões) e infra-municipais (ao nível das comunas – distritos -, bairros, etc.), desde que hajam razões políticas suficientes definidas em conceitos gerais tais como especificidades culturais, históricas e grau de desenvolvimento. A dúvida de saber se o conceito de autarquia em Angola está orientado para o conceito assimilado pelo Direito brasileiro ou pelo Direito Português fica sanada, na medida em que representa uma visão combinada entre o conceito brasileiro, quanto ao âmbito territorial e o conceito português quanto a sua restrição a autarquia local. Sendo neste particular redutor, por excluir ab initio qualquer outra circunscrição administrativa das características desta espécie de poder local. Está claro que o principio do gradualismo que implica a viabilidade de determinados factores na implementação das autarquias locais faz completo sentido em se tratando das autarquias supra e infra-municipais, por estarem condicionadas a verificação de factores apontados pela LC e não para os municípios assim definidos pela LC sob pena de violar o princípio da universalidade de direito consagrado na lei magna (art.º22.º), já que a implementação das autarquias locais em todo o território nacional deve ser simultânea se quisermos preservar a igualdade de direitos dos cidadãos em ter acesso aos bens e serviços proporcionados pela administração pública em circunstâncias e oportunidades similares ou equiparadas. Quanto a organização, as autarquias locais são uma clara imitação do poder central do Estado com exclusão do poder Judicial exercido pelos tribunais, que no nível da circunscrição administrativa autárquica é exercido de forma autónoma no seguimento da hierarquia vertical que o liga ao poder judicial central. A LC prevê a existência de uma assembleia dotada de poderes deliberativos; de um órgão executivo colegial e de um Presidente da autarquia. A inexistência de Lei própria impossibilita a determinação da composição dos referidos órgãos, com excepção do Presidente que é claramente singular. Mas percebe-se que, a semelhança do modelo jurídico português (o qual temos o hábito crónico de seguir a letra) a assembleia deliberativa terá a composição semelhante a uma Assembleia Nacional captada ao nível local. É verdade que exercerá apenas poder regulamentar (criar regulamentos de vigência e vinculação local), mas não deixa de ser uma espécie de câmara legislativa onde estarão os membros (em rigor, seriam reguladores – dada a competência meramente regulamentar atribuída pela LC) eleitos em eleições autárquicas. Não se sabe se serão chamados deputados municipais ou vereadores (como acontece no Brasil ou em Portugal), o facto é que a Lei deverá determinar o número de membros da assembleia deliberativa da autarquia local. O Munícipe enquanto subcategoria de cidadão circunscrito ao município é tributo das autarquias locais. O munícipe enquanto autarca originário é detentor de poderes deliberativos ao nível local (autárquico) e a sua qualificação como munícipe advêm deste mesmo poder reconhecido por lei. Com ele o munícipe se sente a autoridade máxima (originária) do município podendo impor-se contra os seus representantes quando estes não realizam as atribuições da autarquia local. Assim, só teremos munícipes a partir das primeiras eleições autárquicas em Angola. Ao contrário da vulgarização inapropriada desta denominação nos dias de hoje. Da mesma forma, o surgimento dos municípios autárquicos, usando a possibilidade ilícita do princípio do gradualismo, levará a melhor definição das atribuições do poder local em toda a sua plenitude. Quer por determinação das funções efectivas das autoridades tradicionais quer por delimitação das atribuições dos governos provinciais. Facto discutível, e de fazer correr rios de tinta, é o de saber se os membros do órgão executivo (governo autárquico) serão eleitos ou nomeados. Situação esta que se arrasta para a avaliação da situação do Presidente da autarquia. Faz sentido levantar essa indagação, embora seja habitual noutras paragens administrativas que estes sejam eleitos no conjunto dos órgãos autárquicos. O problema está na possibilidade legal do Estado fixar por lei a organização e o funcionamento da autarquia bem como o modo de nomeação ou eleição dos seus órgãos. Cabe ao legislador tornar claro a solução deste problema, inclusive definir o número de membros e as respectivas funções no quadro do executivo autárquico. Sabe-se porém que quanto ao Presidente da autarquia a LC estabelece que este seja o cabeça de lista do partido vencedor ao nível autárquico (art.º 220.º, n.º4). Aqui também se percebe que ao nível autárquico não são admitidas eleições de candidatos independentes. O que promove um certo exagero do legislador, já que ao nível local é mais fácil as pessoas depositarem confiança a uma figura carismática de idoneidade moral, valor cultural ou liderança religiosa ou ainda académica do que a um político, sobretudo escondido nas saias de um partido político, dada a atomicidade dos interesses e problemas e a exiguidade da quantidade da população. Questão interessante, no âmbito da delimitação de poderes entre a administração pública central e a administração autónoma (autárquica) está em descortinar os limites do poder administrativo e financeiro da autarquia. Quanto ao poder administrativo a LC facilita delimitando as atribuições, ainda que genéricas. Porém, quanto ao poder financeiro (sobretudo ligado a percepção de receitas fiscais) há ainda muito que conjecturar sobre o modelo ideal a adoptar pelas autarquias locais em Angola. Certo é que as autarquias devem ter receitas próprias a partir das quais serão deduzidas as receitas destinadas as finanças centrais do Estado, independentemente da actividade financeira autónoma deste. A Lei deverá estabelecer os tipos e espécies de impostos e taxas a serem cobrados ao nível autárquico para que haja clareza e transparência na organização e funcionamento do sistema financeiro autárquico. Conferindo ao munícipe uma percepção igualmente clara sobre as possibilidades financeiras da autarquia e em consequência das possibilidades de realização administrativa dos seus representantes neste nível. E é para resolver este problema de capital importância na implementação das autarquias que o debate sobre este fenómeno administrativo deve começar imediatamente entre os operadores políticos até a concretização da respectiva legislação. Porque se se prevêem eleições autárquicas (agora adiadas para 2015), é mais do que certo que a legislação deve estar pronta muito antes para que todos tenham a calar percepção dos procedimentos adequados a tomar na abordagem da sua organização, funcionamento e até pé provimento das vagas nos órgãos de direcção autárquica, assim como os limites e atribuições da respectiva autarquia. É um sinal de prudência necessária para os partidos políticos que queiram a concretização das autarquias locais conforme os mais profundos interesses do povo e em concordância com o actual sistema jurídico angolano (na parte em que não é atípico). Garantia assente é que o órgão executivo autárquico é colegial e portanto é uma clara imitação de um conselho de ministros ao nível local com poderes disseminados para cada um dos seus membros evitando assim a autocracia bem patente no poder político ao nível central do Estado. É aqui que as eleições autárquicas representam a quebra na base do poder político concentrado no Executivo tornando-se num verdadeiro veículo da descentralização administrativa (e até política) do Estado. O que, a concretizar-se em Angola, tornar-se-á na base efectiva para o inicio do processo de democratização e da concretização do Estado de Direito. E por aqui se defende que todos os órgãos do poder autárquico sejam eleitos para que a mesma fonte do poder (população) seja aquela que a retira pela via eleitoral ou por moção de censura do executivo autárquico. Dixit.

O DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO E SOCIAL DE ANGOLA - (1) A CRISE DO EMPRESARIADO E O FALSO CRESCIMENTO ECONÓMICO (Publicado no Semanário Angolense) - Albano Pedro

Desde que Angola conheceu a viragem constitucional para a democracia em 1992 nunca verdadeiramente conheceu a iniciativa privada como lema de desenvolvimento económico na estratégia de governação do partido no poder. Na prática a opções económicas mantém-nos presas à economia centralizada (apanágio do comunismo) dos idos anos 80 onde o Estado paternalista era o detentor e senhor absoluto da iniciativa económica e do plano de desenvolvimento nacional. É assim, que continuamos a ver um Estado a planificar o desenvolvimento em todas as esferas da vida social e económica dos angolanos, deixando uma fasquia diminuta e quase inexistente à iniciativa privada, quer empresarial quer associativa (sociedade civil). Nos anos 80 a iniciativa privada de cariz económica não era completamente extinta. Havia os bares, as tabacarias e outras microempresas que eram propriedades individuais, embora sustentadas pela rede comercial e logística do Estado. Hoje a situação não mudou significativamente. Mantemos um número razoável de micros e pequenas empresas, com todas as dificuldades que enfrentam para se manterem viáveis no mercado. Porém, médias e grandes empresas não existem no sector privado. Para além, disso o sector empresarial privado não é determinante na avaliação do PIB (Produto Interno Bruto), tão pouco as receitas fiscais dele obtido tem algum peso no Orçamento Geral do Estado e dramaticamente a taxa de emprego em Angola é politicamente avaliada como crescente em função do sector empresarial público e do sector institucional (Ministérios, tribunais, governos provinciais, administrações municipais, forças armadas, polícia nacional, bombeiros, etc.). Para agravar este quadro, o Estado avança para uma verdadeira concorrência desleal ao sector privado, no sector imobiliário (construindo as centralidades urbanas que o seriam pelas cooperativas e empresas privadas), dos transportes públicos (explorando directamente os meios de transportes ferroviários, marítimos e nalguns casos rodoviários), da energia e água com programas executivos exaustivos procurando alcançar o consumidor em todos as áreas e níveis de necessidades económicas e sociais. Nem as PPP (parcerias público-privadas, i.é, parcerias envolvendo o Estado e sector privado da economia), enquanto fase intermédia entre o centralismo económico e a livre concorrência de sectores da economia, são estimuladas pelo Estado. Existem algumas iniciativas bem dirigidas, porém não estratégicas ou determinantes para o desenvolvimento do país. Com a situação de omnipresença do Estado, não é difícil radiografar o estado dramático da economia privada angolana cujo problema central situa-se na ausência de um sistema financeiro estruturado capaz de alavancar o parque empresarial privado e com ele toda a economia nacional. No final, o que permanece na retina analítica é a constatação inegável de que o desenvolvimento económico de Angola não é planificado com a perspectiva da participação do sector privado da economia. Pior do que tudo, verificam-se inconstitucionalidades patentes, designadamente pela violação de direitos económicos fundamentais quais sejam o principio da iniciativa privada e o da livre concorrência, para além da coabitação pacífica dos sectores privado, público e cooperativo da economia. Já que a Lei Constitucional – LC (Constituição, segundo o legislador) determina que «A organização e a regulação das actividades económicas assentam na garantia geral dos direitos e liberdades económicas em geral, na valorização do trabalho, na dignidade humana e na justiça social, em conformidade com os seguintes princípios fundamentais: a) papel do Estado de regulador da economia e coordenador do desenvolvimento económico nacional harmonioso...; b) livre iniciativa económica e empresarial, a exercer nos termos da lei; c) economia de mercado, na base dos princípios e valores da sã concorrência, da moralidade e da ética…; d) respeito e protecção à propriedade e iniciativa privada; e) função social da propriedade; f) redução das assimetrias regionais e desigualdades sociais; f) concertação social; e h) defesa do consumidor e do ambiente.» (art.º 89.º - LC). A inobservância destes princípios e outros constituem violações por omissão que comprometem o desenvolvimento económico e social de Angola. Assim, o crescimento económico fora da riqueza gerada pela iniciativa privada e livre concorrência animada pelo parque empresarial privado é falso. Na nossa realidade esse crescimento é gerado fundamentalmente pela exploração de hidrocarbonetos, tornando a economia completamente dependente da exportação do petróleo controlado pelo Estado. Pior. Os investimentos públicos feitos em infra-estruturas económicas e sociais, em muitos casos, são dispersivos em termos de aplicação racional dos recursos financeiros na medida em que fazem cobertura de áreas normalmente reservadas ao sector privado. O que revela um grave desvio vocacional do Estado, a fragilidade da economia nacional e o perigo permanente do seu colapso. Em economias de iniciativa privada e de livre concorrência como a que desejamos, o Estado tem um mero papel regulador, i.é, ditando regras de organização e competição dos actores na economia. Aliás, é o que a LC estabelece claramente. Isto significa nivelar os extremos causados pelos monopólios e oligopólios dos diversos grupos de interesses na economia ou impondo a ordem pelo combate à criminalidade económica, a fraude financeira (branqueamento de capitais, fuga ao fisco, etc.) e a concorrência desleal. E nalguns casos (sobretudo em momentos de crises económicas), o Estado chega a financiar a economia privada mediante empréstimos ao investimento estratégico para a economia nacional. As empresas são então o centro do desenvolvimento social e económico. E a robustez do parque empresarial privado surge como a clara demonstração da robustez da economia nacional quer através da riqueza gerada (níveis altos na taxa de emprego, volume de receitas fiscais reflectidos no Orçamento Geral do Estado, equilíbrio da balança de pagamento e a sua influencia no PIB) quer através do bem-estar económico e social reflectido nos cidadãos (maiores volumes de salários para os trabalhadores e lucros os sócios e accionistas) e nas respectivas famílias enquanto núcleo essencial da sociedade. Assim, em economias de mercado, o desenvolvimento económico e social é determinado pelo crescimento sustentável das empresas e dos respectivos mercados. E não é difícil percebermos a configuração de uma economia orientada para o desenvolvimento do sector privado. O aspecto marcante numa economia de mercado é a existência de um sistema financeiro privado estruturado, i.e., um mercado bancário, um mercado de seguros e fundo de pensões e um mercado de capitais harmonizados e sustentadores de um parque empresarial dinâmico e crescente. O mercado de capitais é o êmbolo de todo o sistema financeiro, por meio do qual toda a economia privada se organiza e desenvolve. Dele depende o dinamismo do sistema bancário e do sistema de seguros e de fundos de pensões. Com a organização do mercado de capitais, através da abertura da bolsa de valores e de outros serviços conexos, o sistema bancário passa a registar um fluxo acelerado de depósitos porque a circulação de capitais na economia traz consigo a cultura da poupança e com ela os bancos ganham maior liquidez com que financiam a economia. Com a garantia de investimentos das poupanças gerada pelo surgimento do mercado de capitais, o sistema de seguros e fundos de pensões ganha maior dinamismo porque tem a virtude de garantir a certeza de investimento das poupanças. O sistema de seguros e de fundos de pensões tem a função de não permitir a perturbação da poupança destinada ao investimento. Pois, quando os cidadãos têm os bens e as situações pessoais assegurados conseguem manter as poupanças orientadas para o investimento, visto que não têm de se desfazer das poupanças para reporem os bens destruídos pervertendo o fim delas. Com a organização do sistema financeiro nasce um sistema de organização e desenvolvimento sustentado de empresas. Tendo estas, alternativas para a captação de recursos financeiros para o financiamento das suas actividades económicas que lhes permitem gerar riquezas à economia e bem-estar aos cidadãos. Portanto, o ponto inicial para que Angola inicie o trilho para o desenvolvimento através do sistema de economia de mercado, é a abertura da bolsa de valores enquanto instituição animadora do mercado de capitais. Desde logo, a falta de um mercado de capitais privado, torna débil o sistema financeiro angolano cujo mercado bancário (banca comercial) depende de alguns produtos financeiros disponibilizados pelo Estado à economia, designadamente títulos de dívidas públicas, através dos quais todos os bancos sobrevivem no mercado. O que existe são alguns produtos que animam um magro mercado público de capitais onde o Estado dita as necessidades de mais ou menos investimentos para fins públicos levando os bancos a adquirirem os títulos no uso das magras poupanças depositadas nas contas a prazo dos seus clientes. É uma situação de extremo risco sobrevivencial a que estão sujeitos os bancos. Pois, basta que o Estado limite o recurso ao endividamento interno (supressão acesso à dívida pública interna) para registarmos a morte em massa de bancos comerciais para a surpresa dos políticos e economistas menos atentos. Num quadro, como este, de inexistência de um ambiente de circulação de capitais (investimentos) não surgem interesses massivos pelos serviços de seguros e de fundos de pensões porque não há projectos ou meios de investimentos por assegurar. Por isso, é igualmente falsa a ideia de crescimento do sector bancário, embora a olho nú se constatem a multiplicação de estabelecimentos e agências bancárias, bem como a ideia de crescimento do sector de seguros e fundos de pensões. Da mesma forma que outros sectores do sistema financeiro nacional não se apresentam com dinâmicas animadoras (sectores residuais como o de jogos de fortuna e azar, lotarias, mediação e gestão imobiliária, etc.). E tudo porque falta uma perspectiva de relançamento do sector empresarial privado que provoque a urgência da organização e funcionamento de um mercado de capitais estruturado e do respectivo sistema financeiro. Dixit.

CANDIDATOS A DEPUTADOS: A QUESTÃO DA INELEGIBILIDADE DOS CRIMINOSOS E OS EFEITOS JURÍDICOS DA POLÍTICA DE CLEMÊNCIA (Publicado no Semanário Angolense) - Albano Pedro

O tema epigrafado vem a propósito da inelegibilidade de candidatos a deputado à Assembleia Nacional por terem sido condenados a pena de prisão em consequência de acção judicial, para desventrar a questão da inelegibilidade das pessoas a cargos públicos por prática de actos criminais bem como averiguar os instrumentos jurídicos que tornam possível a inexistência de responsabilidade criminal pré ou pós-condenatória. Admite-se, sem quaisquer reservas, que a condenação por acção judicial transitada em julgado, em determinadas situações e circunstâncias, tem como consequência o impedimento no exercício de direitos, sobretudo políticos. E quanto a inelegibilidade de pessoas condenadas, a Lei Constitucional – LC (Constituição, segundo o legislador) é eloquente. Os deputados à Assembleia Nacional não podem ser eleitos quando tenham sido condenados com pena de prisão superior a 2 anos (art.º 145.º, n.º 1). A ideia, claramente ética, é a da necessidade de uma gestão parcimoniosa e exemplar da res publicae, i.e., dos interesses e património públicos, por aqueles que exercem a soberania do povo de modo representativo no poder do Estado. Neste sentido, a disposição do art.º 11º n.º 1, alínea e) da Lei 36/11, de 21 de Dezembro - Lei Sobre as Eleições Gerais – LOSEG é coerente com os princípios normativos constitucionais. A LC e a LOSEG são terminantes. Não permitem quaisquer excepções neste caso. O que provoca o excesso de não admitir pessoas que tenham cumprido as penas e que pelo comportamento de mérito demonstrado desde a saída da prisão tenham sido consideradas socialmente reabilitadas nos termos da lei competente (art.º 127.º do Código Penal – CP), deitando por terra a finalidade social das penas aplicadas aos criminosos perseguida por esta disposição normativa infraordinária. A LC simplesmente “condena” os condenados a nunca acederem ao cargo de deputado à Assembleia Nacional e instala um conflito hermenêutico vertical de comandos normativos entre o CP e a LC cuja solução favorece a supremacia normativa desta. Por razões de economia gramatical, o legislador evitou estender o impedimento à figura do candidato a Presidente da República. Este é antes de tudo, candidato a deputado nos termos do novo modelo de eleição do Presidente da República consagrado constitucionalmente, ao qual certa doutrina jurídica simpática ao status quo político entendeu denominar por modelo atípico. E sobre a inelegibilidade por condenação criminal não restam dúvidas em homenagem a regra hermenêutica “ubi claris non fit interpretatio” (a clareza normativa dispensa a aplicação de regras de interpretação). Questão interessante, e merecedora desta prosa, é a de saber se os candidatos a deputados que tenham sido condenados nas condições referidas acima beneficiam da amnistia constitucionalmente consagrada, podendo, por conseguinte, invocar esta garantia fundamental para requerer, através dos partidos políticos, a candidatura junto do órgão judicial competente. Com efeito, a LC estabelece que “São considerados amnistiados os crimes militares, os crimes contra a segurança de Estado e outros com eles relacionados, bem como os crimes cometidos por militares e agentes de segurança e ordem interna, praticados sob qualquer forma de participação, no âmbito do conflito político-militar terminado em 2002” (art.º 244.º) e garante que “São considerados válidos e irreversíveis os efeitos jurídicos da amnistia praticados ao abrigo de lei competente.” (art.º 62.º). Analisando o conteúdo da amnistia consagrada na LC percebe-se sem dificuldades que o foco teleológico da fixação do sentido hermenêutico de toda a norma jurídica é o conflito político-militar (conflito armado, para precisão semiótica). Assim, apenas os crimes cometidos no contexto do conflito armado são considerados amnistiados. Acresce-se que o conflito armado em causa é aquele que terminou em 2002. Neste caso, a lei dispõe retroactivamente sobre todos os crimes praticados nestas condições desde a independência da República. O que leva ao claro entendimento que os autores das mortes ocorridas em massa que marcaram o célebre “genocídio” de 27 de Maio de 1977 bem como os autores das mortes e destruição de bens e infra-estruturas públicas e privadas resultantes da guerra civil entre as FALA e FAPLA, entre as FAA e FALA, entre as FAPLA e ELNA, entre as FAPLA ou FAA e FLEC que se arrastou desde 1975 a 2002, estão completamente livres de quaisquer responsabilidades criminais, não podendo, nenhum cidadão invocar tais factos para interpor processos crimes contra tais autores. Eis, o alcance histórico desta disposição normativa. Também se percebe que a consagração de uma norma com tamanho alcance espácio-temporal seja no claro intuito de se enterrar o ódio entre os angolanos e evitar quaisquer formas de intolerância política susceptível de levar a sociedade a incerteza e insegurança jurídica. Na verdade, o legislador procurou garantir a assinatura e aplicação do memorando de entendimento do Luena entre o Governo e a UNITA ao tempo da concessão da amnistia. O que acabou por garantir, por arrasto, a elegibilidade da maioria dos governantes e detentores de cargos públicos actuais que num passado recente estiveram envolvidos no conflito armado. Se assim não fosse, estaria bem patente a vulnerabilidade dos dirigentes do MPLA, UNITA e FNLA a condenações por acções criminais certamente em penas superiores a 2 anos e na generalidade relacionadas com homicídio. Levando a que a maioria dos mesmos não tivesse acesso aos poderes públicos por via do impedimento decorrente da condenação tal como ficou claro desde o inicio. A amnistia (esquecer, do étimo grego) é o perdão geral e abstracto, e como tal dirigido indiscriminadamente a generalidade das pessoas suspeitas de prática de crimes e criminosos que se encontrem em determinadas condições ou que tenham praticado certos tipos crimes. A amnistia prevê que todos aqueles que se encontrem nas condições determinada pelo seu conteúdo beneficiem de perdão dos crimes cometidos e sejam esquecidos os efeitos jurídicos, não podendo serem julgados e condenados (para aqueles que estejam livres até ao momento da sua entrada em vigor) ou devendo ser libertos os que tiverem sido condenados. Neste último caso a amnistia tem efeitos retroactivos por beneficiar a pessoa do réu. Desde logo, a amnistia consagrada na LC é aplicável a agentes cujos actos criminais tenham beneficiado as partes beligerantes ou os poderes instituídos contra forças rebeldes e vice-versa. Militares ou civis que tenham praticado crimes de homicídio, de apropriação indevida de bens e de danos patrimoniais em nome das partes beligerantes; dos mandantes e dos que tenham encoberto criminosos ou tenham facilitado acções criminais para favorecer a parte beligerante; dos que tenham vendido bens e serviços contra as normas penais em benefício de exércitos armados, etc., etc. Aqui, o conceito chave é o de crime em benefício de terceiros envolvidos no conflito político-militar. Sejam indivíduos sejam grupos de indivíduos. Excluem-se deste âmbito todas as acções restantes, designadamente acções criminais em benefício próprio ou individual e em benefício de grupos ou colectividades que não tenham tido quaisquer interesses político-militares considerados pelo conteúdo da amnistia. Compete a Assembleia Nacional conceder amnistia (art.º 161º, alínea g) – LC. É diferente do indulto e da comutação de pena pelo facto destes instrumentos serem da competência do Presidente da República – PR (art.º 119.º alínea k) – LC, e serem aplicados em benefícios de certos cidadãos ou estrangeiros dentro das conveniências da sua condição de chefe de Estado. O indulto tem como efeito a extinção total da pena, enquanto a comutação extingue parcialmente a pena, ou seja, estando o réu a cumprir 5 anos de prisão pode ver reduzida para 3 ou 2 anos. O indulto e a comutação de penas beneficiam apenas réus que estejam a cumprir penas de prisão, nunca aqueles que ainda não tenham sido julgados como acontece com a amnistia. A LC não prevê, como a generalidade dos sistemas jurídicos penais, que o indulto ou a comutação de penas seja concedido pelo PR ouvido o Governo pelo facto do Presidente da Republica ser ele mesmo o Governo (titular do Poder Executivo). Também não está claro que apenas o PR concede indulto e comutações de penas, à competência de conceder amnistia assistida a Assembleia Nacional está agregada também a capacidade de conceder “perdões genéricos” que por argumento de maioria de razão (ad maius) incluem o indulto e comutação de penas. De todo o modo, tanto a amnistia quanto o indulto ou a comutação de penas são considerados instrumentos de clemência. A amnistia e o indulto podem sugerir algum diferendo gnoseológico visto serem duas formas de extinção total da responsabilidade criminal e das sanções correspondentes. Com elas as penas aplicadas extinguem-se completamente, deixando seus beneficiários ex-novo no quadro das relações jurídico-criminais. Acontece que existe uma subtil diferença para além diferença dos órgãos com poderes de os decretarem. Enquanto, a amnistia beneficia tantos os criminosos condenados quantos os agentes de crimes que ainda não tenham sido condenados, o indulto (tal como a comutação) de penas beneficiam apenas os criminosos, i.e., aqueles que estejam a cumprir a pena no momento é que é decretado pelo PR. Um outro ângulo de análise do problema está em saber as consequências destes instrumentos de clemência para criminosos que tenham cumprido integralmente as suas penas no momento em que são decretados. Ou seja, que efeitos jurídicos conferem aos criminosos que já tenham cumprido as respectivas penas. A resposta é de ordem teleológica. O surgimento destes instrumentos de natureza penal deveu-se a necessidade de implementação de políticas de clemência com vista a redução da população prisional verificadas determinadas situações. Logo, faz sentido que apenas beneficiem aqueles que ainda estejam a cumprir as suas penas (caso da amnistia, indulto e comutação de penas) e aqueles que ainda não estejam a cumprir penas estando em condições criminais de as cumprirem (caso da amnistia). Contudo, o problema torna-se diferente tratando-se de eliminar os registos criminais das pessoas condenadas e que tenham já cumprido a totalidade da pena. Por argumentos ad maius apenas a amnistia possibilita a eliminação de cadastro criminal dos agentes que tenham cumprido a pena no âmbito temporal em que é aplicada, já que é a única forma de clemência que retroage abrangendo situações jurídicas remotas e como tais ocorridas antes da sua entrada em vigor. O que quer dizer que os efeitos das condenações com pena de prisão cumpridas não produzem quaisquer efeitos no âmbito temporal da aplicação da amnistia. O que já não faz sentido para o indulto e para a comutação de penas porque estas só abrangem as penas em fase de execução para extingui-las (indulto) e para reduzi-las (comutação). No caso específico do indulto, a lei impõe que o réu beneficiário tenha cumprido pelo menos metade da pena ao tempo da sua entrada em vigor (art.º 126.º, parágrafo 1º - CP). Vale prevenir a quem se acha escudado na amnistia - como garantia constitucional - que este “artefacto” normativo “instalado” na LC com puro objectivo político apenas protege os dirigentes angolanos no âmbito interno, i.e., dentro do território angolano. Nada impede que os mesmos sejam condenados por crimes contra humanidade em tribunais internacionais. Porque estes crimes não prescrevem, para além de que a amnistia assim consagrada não tem qualquer efeito no âmbito do Direito Internacional Penal e, como tal, sem reflexos nos respectivos comandos normativos e procedimentos judiciais. A própria LC, colaborando com o sistema penal internacional, admite que se tais crimes (ocorridos no âmbito do conflito armado) forem qualificados como genocídio ou crimes contra humanidade (crimes hediondos ou violentos – para usar a linguagem dispersiva e abstracta utilizada pelo legislador constitucional) não prescrevem e os seus autores não podem ser amnistiados e nem podem gozar de liberdade provisória (art.º 61.º). Também serve de aviso à navegação, que estas formas de clemência analisadas (amnistia, indulto e comutação de penas) não ilibam os seus beneficiários (suspeitas, arguidos ou réus) da respectiva responsabilidade civil. Portanto, estes não deixam de reparar os danos causados por virtude dos crimes cometidos, embora perdoados. Por fim, vale deixar claro que o impedimento invocado para a candidatura se refere pessoas condenadas em julgamento com trânsito em julgado e que em consequência tenham o registo da pena aplicada no seu cadastro criminal. Este impedimento, não se refere a simples arguidos ou suspeitas de cometimento de crime. Se refere apenas aos agentes de crimes aos quais tenham sido aplicadas as respectivas penas e que estas penas tenham duração superior a 2 anos, ainda que não tenham cumprido integralmente a respectivas penas. Dixit.

CRIOGENIA: ENTRE A PRESERVAÇÃO DA VIDA E O CONFLITO ÉTICO-JURÍDICO (Publicado no Semanário Angolense) - Albano Pedro

A Criogenia é definida como a técnica de manter cadáveres congelados durante anos com esperança de virem a ser ressuscitados. Essa técnica tornou-se conhecida pelo mundo com a alegada experiência feita com o cadáver de Walt Disney, celebre criador de desenhos animados como Rato Mickey, Minie, Pato Donald e outros, tendo fundado a companhia cuja marca é difundida com o seu nome. O surgimento dessa técnica é devida a falta de solução médica para muitas causas de morte nos tempos que correm. Crê-se, então que num futuro, e com os avanços tecnológicos no domínio da medicina, quando as soluções forem descobertas os cadáveres serão ressuscitados e curados das respectivas doenças que os levaram a morte. E como em tudo, há vários outros motivos para a sua aplicação. Casos de pessoas que morreram em locais com parcos recursos tecnológicos e que não permitiram um tratamento condigno e se espera que com a sua transferência para um outro país o seu problema seja debelado e assim ressuscitado, entre outros mais. Com o sucesso desta técnica se espera que o homem alcance a eternidade, vivendo muito mais tempo e para além dos limites da própria natureza. A conservação de cadáveres não é coisa nova. Entre os egípcios é conhecida a mumificação como técnica de conservação de cadáveres. As pesquisas científicas e arqueológicas feitas nas pirâmides egípcias revelaram até hoje provas materiais desta técnica aplicada há milénios em benefício de Faraós. Certamente com os mesmos objectivos da Criogenia. Que é afinal, o de preservar o cadáver com a esperança da sua ressurreição. Entretanto, a técnica da criogenia coloca em debate a licitude do manuseamento de cadáveres e faz nascer questões éticas e jurídicas a sua volta. Via de regra, é lícito o manueseamento de cadáveres para fins médicos (disposição de cadáveres para finalidades laboratoriais ou para extracção de órgãos que sirvam a cirurgias de transplantes, etc.). Isto acontece mediante procedimentos que passam pelo consentimento da pessoa antes de morrer ou dos seus representantes legais. De resto, são várias as disposições legais limitativas do contacto com cadáveres. A lei pune o acto de enterro feito sem observância das formalidades devidas (art.º 246.º - Código Penal – CP), a violação de túmulos (art.º 247º) e até os actos que violem a honra de quem já morreu ou faleceu (art.º 417.º). Sendo a vida humana o epicentro da natureza e a trave mestra das sociedades humanas, a própria morte não deixa de produzir efeitos jurídicos ao ser humano. Com a Criogenia, a vontade real ou presumida do defunto também é considerada. Entretanto, o problema está na incerteza dos resultados da técnica e o impacto ético-legal da conservação indefinida do corpo. Em países como o nosso, esse problema não se coloca publicamente, tanto por não merecer discussão entre os cultores da Ética e do Direito quanto por não ter tratamento jurídico-legal directo. Acresce-se que não existem tecnologias disponíveis no nosso mercado que façam adivinhar a utilização dessa técnica entre nós, embora se apresente útil e necessária nos casos em que a criogenia é aplicável a certos órgãos que venham a merecer tratamento em países com tecnologia médica avançada, como aliás já acontece no Brasil e muitos outros países. Contudo, o debate não deixa de ser pertinente, como se tem tornado de forma crescente em muitas partes do mundo. E o verdadeiro debate em torno desta temática começa com a seguinte questão: Pode, a pessoa antes de morrer dispor para os seus herdeiros ou representantes legais por meio de escrito, expressando vontade própria, sobre a necessidade de ter o cadáver conservado por meio de técnica da criogenia? No Brasil assistiu-se ao caso de uma rapariga cujo pai recomendou antes de morrer que queria que tudo fosse feito para que ressurgisse vivo ao convívio familiar. Por meio da técnica de criogenia o cadáver foi mantido durante dias, por uma empresa especializada, com as despesas custeadas pela filha mesmo contra a vontade de outras filhas que preferiram o enterro do cadáver do pai. A filha fiel ao desejo do pai pretendia transferir o cadáver para os EUA aonde acreditava que a solução médica para a causa da morte do pai seria achada e em consequência o pai seria reanimado do profundo sono. O caso deu entrada num dos tribunais brasileiros para resolver o diferendo que opunha as irmãs. E o problema que se pretendeu resolvido no caso nasce seguramente da avaliação do valor jurídico da vontade do defunto, i.é, se o tribunal deve considerar a vontade do defunto ou a vontade dos herdeiros (no caso, as filhas). Mas antes, urge ter ciência sobre a natureza jurídica do cadáver. O termo Cadáver resulta da junção das letras iniciais do adágio latino Caro Data Vermis (Carne dada aos vermes). Então, CAro DAta VERmis. Discute-se nas escolas de Direito sobre o valor da vontade do defunto. No direito das sucessões este problema não se levanta porque crê-se que a herança como tal tem personalidade própria, mesmo que incorpore toda a vontade do seu autor (de cujus) por meio de escrita transmissória (testamento) ou não. O problema faz sentido quando se abordam direitos de personalidade. Ou seja, com a morte persiste a vontade da pessoa? O nosso sistema jurídico estabelece que a personalidade jurídica adquire-se no momento do nascimento completo e com vida (art.º 66º - Código Civil – CC) e cessa com a morte (art.º 68º, n.º1 - CC). Quanto a morte, o nosso sistema fala em morte real e morte presumida. Nos dois casos pretende-se chegar ao mesmo ponto: Atestar o momento da cessação das funções vitais normalmente percebida através da paragem irreversível das funções cerebrais que a Tanatognose considera como morte encefálica. De todo o modo, o nosso sistema jurídico nega a possibilidade do morto continuar a ser pessoa. O que é facto é que a morte proporciona a transmissão de todos os direitos da pessoa e a partir deste momento o cadáver não passa de uma res (coisa). Discutir se o cadáver é uma res nullius (coisa de ninguém) ou res desperdiate (coisa abandonada), no caso pela pessoa falecida, não faz qualquer sentido, já que passa a integrar o património dos herdeiros e como tal protegida a integridade moral da pessoa do morto em nome destes. Sendo coisa, a vontade do defunto é inexistente fora da vontade própria dos herdeiros, o que desde logo nos leva a concluir in limine que apenas aos herdeiros interessa a manutenção do cadáver. Mas, é claro que a vontade do finado integra a herança. E nesse caso pode persistir a questão de saber se os herdeiros devem executar ou não essa mesma vontade. Ora, tratando-se de uma questão vista no âmbito do Direito Civil, o interprete pode socorrer-se da analogia e dos princípios gerais do Direito para perceber que não havendo quaisquer incompatibilidades entre as condições actuais dos herdeiros e a vontade manifestada pelo autor da herança esta prevalece. Assim, o de cujus pode ter o corpo conservado pela técnica da criogenia, quando não contrarie a lei, os costumes e mesmo a vontade justificável dos herdeiros. Já sobre a possibilidade de conflitos éticos e jurídicos da utilização desta técnica entre nós, o problema é completamente descartado devido a inexistência de uma legislação que regule a Criogenia em Angola. Dixit.

CONTENCIOSO ELEITORAL

CONFERÊNCIA CONTENCIOSO ELEITORAL Albano Pedro Jurista Texto de apoio elaborado para a dissertação do tema com o título epigrafado em representação do Professor Dr. Marcolino Moco na conferência sobre o Contencioso Eleitoral organizada e realizada pelo Grupo de Reflexão da Sociedade Civil no dia 24 de Julho de 2012. «Enquanto o regime for o que temos, não acredito em contencioso nenhum que funcione de modo a salvaguardar a segurança jurídica das eleições…» Marcolino Moco Jurista I. INTRODUÇÃO O tema Contencioso Eleitoral, assim proposto, sugere, pela grande abrangência e indefinida amplitude induzida pela sua concepção polissémica, uma exposição dispersiva de conceitos e institutos a volta desta forma de recurso judicial, ainda que tendencialmente orientado ao acto e processo eleitoral. O que certamente, nos levaria a perder de vista o sentido de orientação temática desejada nesta conferência, que é afinal, a necessidade de deslindar, ainda que em linhas breves, a sua manifestação legal e material num plano de análise que permita a sua clara e coerente percepção no contexto do processo eleitoral em curso. Sugerimos a abordagem sobre sua natureza e âmbito, tecendo considerações importantes sobre as suas implicações legais e políticas no contexto do processo e acto eleitoral angolano. Assim, a abordagem que exorbita os marcos conceptuais e temáticos propostos, seja reservada à prelecção de profissionais de foro (juízes em especial) que lidam materialmente com este fenómeno processual, a eles cabendo igualmente a sua inserção sistemática no ordenamento jurídico angolano sem excluir a necessidade de fundamentação técnico-legal dos diferentes modos e formas da sua manifestação como facto jurídico judicialmente relevante que enquanto conceitos doutrinários vamos procurar a apresentar na nossa dissertação. II. CONTENCIOSO ELEITORAL. CONCEITO, ÂMBITO E NATUREZA JURÍDICA 1. Conceito, âmbito e natureza jurídica do Contencioso Eleitoral A) Conceito – Numa perspectiva ampla (latu sensu) o Contencioso Eleitoral é definido como o controlo jurisdicional de todas as fases do processo eleitoral. Numa perspectiva restrita (strictu sensu) o Contencioso Eleitoral propriamente dito (propriu sensu) compreende o controlo jurisdicional sobre as irregularidades ocorridas durante a votação e no apuramento, parcial ou geral, dos resultados eleitorais. Em ambas as concepções, impõe-se que o controlo dos actos eleitorais seja feito por um tribunal, normalmente competente em razão da matéria, para que se fale em Contencioso Eleitoral. B) Âmbito – Se admitirmos a noção de Contencioso Eleitoral latu sensu teremos todos os actos pré-orgnanizatórios, organizatórios inerentes ao processo eleitoral em toda a sua plenitude bem como os actos finais relacionados com a votação e o apuramento dos resultados eleitorais. Já se nos revermos no conceito de Contencioso Eleitoral strictu sensu apenas a votação e actos subsequentes de relevância eleitoral integram este conceito. C) Natureza Jurídica – Há factores que levam a discutir se o Contencioso Eleitoral tem natureza administrativa (na medida em que o processo eleitoral é conduzido pela CNE enquanto órgão tendencialmente integrado na administração independente do Estado) ou natureza constitucional (devido a competência jurisdicional atribuída ao Tribunal Constitucional). Na verdade, a falta de um Tribunal Eleitoral, enquanto órgão de jurisdição exclusiva, e a falta de previsão normativa de um Contencioso Eleitoral na Lei n.º 2/94 – Lei da Impugnação dos Actos Administrativos (LIAA) contribuem para a indefinição clara da natureza jurídica desta espécie de processo. Para a doutrina portuguesa, na esteira do professor José Vieira de Andrade, o Contencioso Eleitoral é uma forma de processo de impugnação urgente enquanto subgrupo das impugnações dos actos administrativos. A legislação portuguesa é claramente concordante com esta perspectiva, prevendo a sua inserção normativa e sistemática no Código de Processo do Tribunal Administrativo (CPTA). Entre nós, a Lei n.º 3/08 – Lei Orgânica do Processo Constitucional embora reconhecendo a competência jurisdicional em matéria eleitoral a favor do Tribunal Constitucional (TC) remete os procedimentos correspondentes ao Contencioso Eleitoral à disciplina normativa da Lei Eleitoral (art.º 57º e ss) perfeitamente admitida através da Lei n.º 36/11, de 21 de Dezembro – Lei Orgânica Sobre as Eleições Gerais (LOSEG) nos seus art.º 6.º, 153.º e ss. O que revela, enfim, a sua natureza administrativa, embora arrastando consigo um outro debate, de interesse puramente académico, que é o de determinar a natureza jurídica da CNE (se é um órgão da Administração Independente do Estado) como espécie nova na sistemática jurídico-administrativa angolana. Assim, seria concordante com o nomen iuris dominante em processos administrativos a denominação RECURSO CONTENCIOSO DO ACTO ELEITORAL ou simplesmente RECURSO CONTENCIOSO ELEITORAL. 2. Contencioso Eleitoral. Competência Subjectiva e Objectiva. A LOSEG determina que têm competência para recorrer contenciosamente dos actos eleitorais, os partidos políticos, coligações de partidos políticos, candidatos e seus mandatários (art.º 156.º). Em homenagem da regra hermenêutica deduzida da vontade legislativa superavitaria (magi dixit quam voluit) entende-se por candidato os cabeças de listas e os candidatos a deputados à Assembleia Nacional contra a percepção redutora de cabeças de listas. A LOSEG também determina que os interessados podem interpor recurso para o TC sobre decisões proferidas pela CNE determinadas reclamações estipuladas ex-lege e das decisões proferidas pela CNE sobre as reclamações referentes ao apuramento nacional do escrutínio. É de grande interesse notar que o legislador esforçou-se em conformar o contencioso eleitoral as espécies de recurso contencioso urgentes a semelhança da legislação e doutrina portuguesa acima referida. Tal é perceptível na economia processual que prioriza o Recurso Contencioso em substituição do Recurso Hierárquico que viria a entrepor-se como um degrau procedimental entre a Reclamação e o Recurso Contencioso Eleitoral e com ela engendrar uma certa morosidade processual. Pois, a LOSEG determina a precedência obrigatória da Reclamação para qualquer Recurso Contencioso Eleitoral declinando qualquer valor ao recurso hierárquico eleitoral, por claro imperativo de ordem temporal (prazos). Certa doutrina doméstica, adiantada pelo jurista e cientista político Nelson Pestana “Bonavena” procura justificar a supressão do mecanismo do Recurso Hierárquico no Processo Gracioso Eleitoral como nascendo da ideia de que a CNE é um órgão da Administração Independente do Estado e como tal deslocado do quadro hierárquico administrativo do Estado, o que colocaria dificuldades para a efectivação de um Recurso Hierárquico, como instrumento de solução de diferendos extra-judicial entre o particular e Administração Pública, por simples inexistência de um superior hierárquico a quem recorrer em caso de insucesso da Reclamação. Embora, a independência da CNE seja a ideia inicial do legislador, o facto é que a sua materialização sofreu uma grave ruptura epistemológica, de tal maneira que no plano normativo a intenção legislativa desapareceu com a interferência do poder Executivo no processo de provimento dos cargos deste órgão da administração eleitoral. Na verdade, é difícil admitir a existência de um órgão da administração pública verdadeiramente independente no sistema jurídico angolano. A esse propósito um outro sector da doutrina angolana, pontificada por Cremildo Paca, se apresenta com os seguintes argumentos: “…A discussão sobre a independência tem apaixonado tanto, porquanto a centralidade da abordagem reside em saber se é possível haver independência num modelo de administração de inspiração prussiana, construído a partir das referências da hierarquia e da centralização…” e mais adianta que “Para agravar a situação da dúvida sobre a independência, está o facto de a Constituição proclamar a superioridade do Governo (percebe-se hoje Poder Executivo) sobre o conjunto das administrações públicas, respondendo politicamente pela actuação deste conjunto perante o Parlamento…” e conclui: “Por estas razões, subsistem as hesitações sobre a atribuição de um estatuto jurídico de independência a outros entes administrativos que não se achem ligados ao Governo directa e indirectamente.” (in: As Autoridades Administrativas Independentes e o Provedor de Justiça no Direito Angolano, pp. 156-157, 1ª edição – Outubro /2011. Edições Maianga). Preferimos a ideia de que a supressão do Recurso Hierárquico é fruto da necessidade de economia e celeridade processual para responder as exigências políticas de cumprimento de calendário eleitoral e justificar a sua inserção sistemática na LOSEG correspondendo as espécies urgentes de impugnação administrativas vigentes em sistemas jurídicos em que normalmente nos inspiramos como é o português. Até porque o legislador não curou de averiguar a natureza jurídica da CNE para suprimir este mecanismo jurídico-administrativo no processo gracioso de que é competente este órgão. 3. Contencioso Eleitoral e Processo Eleitoral. Comparações necessárias O Contencioso Eleitoral refere-se aos procedimentos judiciais sobre os actos eleitorais e como tais decorrentes de processos interposto ao TC. Já o Processo Eleitoral faz referência a todos os actos praticados pela CNE na condução do processo eleitoral. Este refere-se ao recurso Gracioso ao qual cabe apenas a Reclamação sobre os actos praticados pela CNE e aquele refere-se ao Recurso Contencioso. III. CONTENCIOSO ELEITORAL. DIREITO CONSTITUIDO No nosso sistema jurídico, o Contencioso Eleitoral não goza de previsão constitucional directa, como acontece em Portugal. O que remete a sua previsão normativa ao mecanismo genérico das garantias constitucionais inerentes a impugnabilidade dos actos lesivos de interesses e direitos abstractos (art.º 29.º - Lei Constitucional – LC – Constituição segundo o legislador), também conhecido como tutela jurisdicional efectiva. Já o regime do processo eleitoral e do respectivo contencioso são maioritariamente disciplinados pela LOSEG vigente desde 2011 que adopta como conceito legal a definição strictu sensu do Contencioso Eleitoral, prescrevendo que «Quaisquer irregularidades verificadas durante a votação ou no apuramento parcial ou nacional dos resultados do escrutínio podem ser impugnadas por via do Recurso Contencioso, desde que tenham sido reclamadas no decurso dos actos em que tenham sido verificadas» (art.º 153.º), limitando o prazo de recurso para 48 horas a contar da notificação da decisão da CNE (art.º 157.º) e conferindo efeito suspensivo das decisões recorridas (art.º 158.º). 1. A tramitação do Recurso Contencioso Eleitoral inicia com a interposição de um requerimento contendo as respectivas alegações, seus fundamentos e conclusões, devendo igualmente ser acompanhado de meios de provas em documento ou mediante descriminação indiciária da sua existência (art.º 159.º). 2. Havendo lugar ao provimento do Recurso Contencioso Eleitoral, o TC ordena a notificação dos contra interessados para, querendo, se pronunciarem mediante contra alegações no prazo de 48 horas. As contra alegações devem conter os requisitos exigidos para o requerimento. 3. O processo de Recurso Contencioso Eleitoral é isento de custas judiciais e tem prioridade sobre o restante expediente do TC. 4. A decisão final é proferida pelo Plenário do TC no prazo de 72 horas a contar do termo do prazo de apresentação das contra alegações e é notificada as partes e à Comissão Nacional Eleitoral. O prazo da tramitação e decisão do Recurso Contencioso Eleitoral é de 168 horas equivalentes a 7 dias (contando os dias nos termos dos prazos processuais, i.e., dias úteis). IV. CONTENCIOSO ELEITORAL. INSUFICIÊNCIAS ORGÂNICAS E PROCESSUAIS. A eficácia de um Contencioso Eleitoral e a celeridade dos respectivos processos são prejudicados, por um lado pela inexistência de um Tribunal Eleitoral enquanto instância judicial especializada, tendencialmente composta por juízes indicados segundo o modelo de eleição livre de formas a garantir a sua completa independência do poder Executivo; e por outro lado, pela inexistência de Regulamentos que materializem a aplicabilidade concreta da legislação eleitoral aos factos de relevância eleitoral e que retire uma certa carga discricionária nos actos judiciais praticados pelo TC em detrimento dos interesses e direitos dos interessados. Para além de que já é notória a ausência de uma legislação processual autónoma em matéria eleitoral que articule cautelosa e prudentemente os actos inerentes ao Recurso Gracioso e Contencioso Eleitoral. V. CONTENCIOSO ELEITORAL. A PROBLEMÁTICA DA INDEPENDENCIA DOS ÓRGÃOS ELEITORAIS E DA INTERVENÇÃO DOS PODERES PÚBLICOS NO PROCESSO ELEITORAL Seria desejável que a CNE fosse um órgão da Administração Independente do Estado cabendo a mesma completa autonomia orgânica, funcional e financeira por razões de necessidade de independência das suas decisões. Da mesma forma, é discutível o estatuto de órgão independente reconhecido ao poder judicial representado pelo TC. O que é facto é que o TC e a CNE sofrem consideráveis influências do poder Executivo (pela indicação e nomeação dos titulares dos seus órgãos), em meio a uma consagração legal do desvio de poderes, comprometendo o sentido de imparcialidade das decisões bem como fomentando conflitos eleitorais que seriam evitados caso fosse reconhecida materialmente a independência destes órgãos. VI. CONTENCIOSO ELEITORAL. A QUESTÃO DA TRANSPARÊNCIA DOS PROCESSOS ELEITORAIS E A PREVENÇÃO DOS CONFLITOS EMERGENTES DOS ACTOS ELEITORAIS. Numa realidade administrativa eleitoral, como é a angolana, completamente manipulada pelo Executivo, é quimérico desejar que haja transparência nos processos eleitorais como, aliás, não tem acontecido desde o inicio do processo eleitoral. A esse propósito o Dr. Marcolino Moco, eminente jus publicista angolano, expende a seguinte opinião: «…quanto a questão concreta do contencioso eleitoral, na linha do que tenho expressado sobre as condições de actuação dos tribunais (…) continuo a reconhecer a boa capacidade técnico-jurídica do tribunal constitucional, mas é vergonhoso (…) desde o caso da fiscalização preventiva da nova constituição, passando pelo caso FNLA (…) e fico com a ideia de uma instrumentalização política, pelo seu Presidente José Eduardo dos Santos inaceitável no nosso TC, no quadro aliás de uma deterioração da função do poder judicial desde o fim da guerra. Paradoxalmente, com casos como Miala, Suzana Inglês, etc, etc., ninguém pode esperar justiça do que será o contencioso eleitoral. Enquanto o regime for o que temos, não acredito em contencioso nenhum que funcione de modo a salvaguardar a segurança jurídica das eleições…» VII. CONCLUSÕES Chegados a este porto, resta-nos concluir que o Recurso Contencioso Eleitoral angolano é gravemente fragilizado pela interferência permanente do Poder Executivo e como tal retira grande parte das nobres expectativas dos eleitores quanto a possibilidade de um processo eleitoral justo e transparente. Dixit.

A MORTE DE PARTIDOS POLÍTICOS E A SOBREVIVÊNCIA DA DEMOCRACIA - Albano Pedro

Um dos intelectuais que mais admiro entre nós, angolanos, é o Doutor Nelson Pestana conhecido nas lides literárias e políticas como Bonavena. Seu raciocínio cultivado pela escola francesa do abstraccionismo político é dos poucos que me fazem perceber a lógica orgânica da política doméstica com uma precisão matemática ao mesmo tempo que se adensa de uma ironia interessante e como tal apreciável ao senso crítico da realidade envolvente. É como se tivéssemos um sintonizador comum cuja frequência nos leva a uma comunicação lógica imediata. Quando eu percebia que a bipolarização política angolana era o caminho necessário para um exercício político mais harmonizado em termos de escolhas e preferências eleitorais, Bonavena trouxe o discurso da sobrevivência da democracia pela via pluripartidária segundo a lógica: mais partidos políticos, mais democracia participativa. Através dela o povo exerce democracia no sentido em que as opções são várias, o que impõe maior responsabilidade na escolha desenvolvendo o senso de responsabilidade política. O povo tem de amadurecer o seu senso de cidadania com a própria democracia. Desde logo, poucas opções podem levar o eleitorado ao comodismo e conformismo político por meio de rotações viciadas pelos mesmos partidos políticos como acontece nas democracias bipolarizadas. Enquanto que as democracias multipartidárias permitem o surgimento de novas opções políticas ao mesmo tempo que enterra aquelas que se apresentam fora do campo de escolha e preferência dos eleitores. É um saneamento natural (ou espontâneo, se quisermos) que acontece em todos os turnos eleitorais e que eleva o senso político do povo. Já as democracias bipolarizadas descartam essa possibilidade. Essa visão não deixa de ser consentânea com o texto constitucional (art.º 2º, 17º, 22º, etc.). Todavia, a legislação eleitoral aprovada em 2008 decidiu o caminho da extinção legal de partidos ao invés da mera extinção política, i.e., pela via da falta de preferência eleitoral. A lei retira a soberania popular na decisão pela sobrevivência dos partidos políticos. Uma opção há muito partilhada pela UNITA e muitos outros partidos com assento parlamentar que não se viram embaraçados em aprovar a referida legislação. É claro que a UNITA foi vítima da proliferação de partidos políticos em 1992 que viu boa parte dos votos que lhe seriam canalizados distribuídos entre dezenas de pequenos partidos a que seu líder (Jonas Malheiro Savimbi) apelidou de “partidecos”. A táctica que consistia em dispersar a intenção e vontade eleitoral da UNITA funcionou como cavalo de batalha do MPLA para cilindrar uma UNITA que se apresentava muito popular. Por via da extinção legal em Março de 2009 (Após os resultados eleitorais de 2008) 15 partidos políticos foram extintos. Dentre eles contam-se o PLD (Anália de Victória Pereira), FpD (Filomeno Vieira Lopes), PAJOCA (Alexandre Sebastião André), PRD (Luís dos Passos), PADEPA (Carlos Leitão). A maior parte dos partidos políticos desapareceu engolida pelas coligações políticas fracassadas nas eleições. Apenas um dos “pequenos” partidos políticos sobreviveu as eleições de 2008. Trata-se do PDP-ANA fundado pelo carismático político e matemático M’fulupinga Nlandu Victor que como ele mesmo assentava em sessões parlamentares que em matemática um faz um conjunto, em alusão a sua bancada parlamentar composta de apenas um deputado, assim serviu o conjunto para alavancar o seu partido para a lista dos sobreviventes da “desgraça” eleitoral de 2008. E dentre os partidos políticos falecidos, apenas o FpD renasceu com a denominação BD (Bloco Democrático) tendo cumprido com a exigente tarefa de reunir milhares de assinaturas para a sua legalização. Actualmente encontram-se legalizados e registados junto do Tribunal Constitucional (TC) 78 partidos políticos. Neste leque ainda se encontram partidos interessantes que vêem desde 1992. Alguns deles foram notórios pelas figuras que os representavam ou pelas intervenções polémicas. Casos do CNDA (fundado pelo antigo Ministro do Comércio da República de Angola, o falecido Paulino Pinto João), PNDA (fundado pelo histórico dissidente do MPLA, Daniel Júlio Chipenda), PSDA (fundado pelo advogado já falecido André Milton Kilandamoko), UNLDDA (liderado pelo combativo e imprevisível David Muendo, autoproclamado profeta) entre outros. A morte do PAJOCA projectou dois lideres seus para novos desafios. Tratam-se do jurista e ex-deputado Alexandre Sebastião André que encabeçou o PADDA transformando-o em PADDA – Aliança Patriótica que veio a animar o surgimento da CASA-CE e o carismático advogado David Mendes (Secretário Geral do extinto partido) que passou a encabeçar o PP igualmente transformado a partir de PNPA – Partido Nacional e Progressista de Angola e que se candidatou sozinha para as eleições deste ano. Já o mesmo não acontece com o PADEPA cujo Secretário Geral (Luís Silva Cardoso) passa hoje uma imagem publica ligada aos “namoricos” com o MPLA sendo igualmente conhecido como tendo participado do suicídio da sua formação partidária. O TC regista ainda 5 coligações. Facto curioso é o atraso na legalização e registo da CASA-CE (Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral) por clara negligência deste tribunal numa altura em que o prazo de candidatura dos partidos e coligações concorrentes as eleições de 31 de Agosto expirou. De todo modo, a CASA-CE está contado entre as coligações com participação efectiva as eleições deste ano. O total de partidos políticos, incluindo os que se “encaixaram” em coligações, é de 40 para as eleições deste ano. Isso quer dizer que teremos fora da corrida 28 partidos políticos e estes conhecerão extinção imediata (morte súbita), visto que estarão entre aqueles que não participaram das eleições de 2008, e que tendo gozado do período de graça sem fazerem uso das suas capacidades de mobilização de votos até as eleições deste ano, serão extintos por imperativo legal. Aliás, o facto de não procederem a candidatura as eleições determina antecipadamente a sua extinção, aguardando apenas a sua formalização depois das eleições que se avizinham. Há ainda a ameaça de extinção daqueles que se candidataram as eleições por falta de certeza e possibilidade de votos mínimos. A FNLA de Lucas Ngonda é um dos partidos políticos que se apresentam nesse quadro de probabilidades, para além de muitos outros cujo eleitorado poderá ser absorvido pela CASA-CE enquanto fenómeno político de convergência evidente. Depois das eleições de 31 de Agosto conheceremos um emagrecimento notório de partidos políticos como não aconteceu desde 1992. Com a extinção em massa que se desenha e com as dificuldades crescentes no processo de legalização, o percurso dos partidos políticos está traçado. Ao longo dos turnos eleitorais, a tendência decrescente de partidos políticos nos levará certamente a bipolarização, contrariamente a previsão constitucional. Dixit.

O CÔNJUGE SOBREVIVO E A HERANÇA - Albano Pedro

Uma das questões que levanta a morte de uma pessoa casada, ou com uma qualquer outra forma de relação matrimonial constituída ao tempo da morte, é a transmissão e a partilha dos bens constituídos na constância da relação matrimonial. O problema coloca-se sobretudo no âmbito da transmissão dos bens por virtude da morte ou como se diz tecnicamente por tramissão mortis causa, i.e., no âmbito da herança. A questão do acesso a herança por parte do cônjuge sobrevivo tem provocado as mais acesas discussões nas escolas de Direito. As correntes mais aguerridas defendem que o cônjuge sobrevivo deve figurar na primeira linha dos sucessíveis acedendo ipso facto ao património do outro cônjuge por direito de participação directa na sua constituição ao tempo da relação. O facto é que a Lei não prevê o cônjuge como um herdeiro prioritário. Coloca-o no 4º lugar da linha dos sucessíveis, antecedido pelos descendentes, ascendentes e pelos irmãos e descendentes do de cujus (cônjuge falecido). A paixão pelo assunto nasce do facto de não parecer justo que o cônjuge que tenha participado activamente na constituição do património da economia doméstica seja relegado a um plano em que quase dificilmente é chamado a suceder como herdeiro. Todavia, o cônjuge sobrevivo tem direito a meação. O que significa que os bens patrimonial do casal são divididos pelo casal numa divisão equitativa sendo a parte do património do de cujus, somado aos bens reconhecidos como propriedade individual, aquele que integra a herança. Deste modo, agiu o legislador com uma assinalável prudência. Não permitindo que o cônjuge sobrevivo, afastando os parentes do falecido e os próprios filhos, venha a ter o controlo absoluto dos bens constituídos durante o matrimónio. E a prudência é muito mais notória quando se verifica a possibilidade de existência de filhos do cônjuge falecido nascidos de matrimónios diversos. Pois, ao permitir o acesso primário dos ascendentes, o legislador garante segurança patrimonial pela via da herança aos descendentes daquele cujo sangue não coincide com o do cônjuge sobrevivo. E isso em relação a cultura bantu representa algum avanço no plano da harmonização dos interesses e valores normativos conflituantes entre a cultura jurídica de origem ocidental e a aquela que corporiza a vivência dos povos de Angola, visto que ficam assim preservados importantes valores consuetudinários entre os quais a solidariedade familiar. A própria base ética da economia matrimonial nega a possibilidade de acesso do cônjuge sobrevivo a outra parte do património que por direito cabe ao falecido. Restringiria significativamente o direito de dispor livremente do património constituído durante parte significativa da vida enquanto trave-mestra do Direito das Sucessões. A lei privilegia ainda o cônjuge sobrevivo com o cargo de cabeça-de-casal, quando seja meeiro ou seja herdeiro (art.º 2080.º do Código Civil – CC). Significa que o cônjuge sobrevivo tem ex-lege plenos poderes para administrar a herança do cônjuge falecido. Podendo por essa via agir diligentemente no sentido de melhor afectar parte do património em que ele contribuiu afincadamente, vindo por isso a ter maior zelo. Porém, o que fica claro é que o cônjuge sobrevivo apenas sucede quando a herança, por défice e outras anomalias inerentes ao processo de afectação aos herdeiros – tais como a indignidade do sucessível, seja repudiada ou negada ao herdeiro legal na ordem dos sucessíveis já enunciada. De todo o modo a Lei admite pacificamente que o cônjuge sobrevivo prefira, a ordem dos sucessíveis, aos parentes na linha colateral do de cujus até ao 6º grau e ao Estado por entender o papel residual destes candidatos a herança na afectação meritória de parte do património do casal. Aliás, é communis opinio, que o Estado é chamado a suceder como o garante do pagamento das dívidas, havendo-as em montantes tais que tornam a herança deficitária, i.e., tendo mais dívidas do que créditos. Com o chamamento obrigatório do Estado a herança, o legislador garantiu o pagamento das dívidas mesmo com a morte do devedor. O que representa um extraordinário reforço as garantias patrimoniais permitindo a que a penumbra da morte sobre o homem não impeça a realização da vida económica das pessoas. Aqui esta a solução legal para o pagamento das dívidas contraídas com empréstimos bancários não reembolsados por morte do devedor. O Estado paga a dívida se for chamado a suceder na herança deficitária do de cujus por insolvência superveniente (incapacidade patrimonial por virtude da morte) deste. Mas antes que o Estado, como último e irrecusável herdeiro, venha a ser chamado a suceder, por rejeição ou indignidade dos anteriores sucessíveis, poderá surgir a questão de quem deve pagar as dívidas contraídas pelo de cujus. Por exemplo, o cônjuge falecido estava a pagar livros, vestuários e artigos pessoais, uma viatura ou a própria residência familiar ao tempo da sua morte. O problema simplifica-se tratando-se de bens patrimoniais que sejam susceptíveis de divisão entre o casal por integrarem a economia matrimonial. Assim, quase não restam dúvidas que o processo de meação venha a resolver o problema quando os bens adquiridos a crédito venham a integrar a parte patrimonial do cônjuge sobrevivo. Assim será com a viatura de uso familiar e a moradia comum. Já o problema parece diferente se os bens forem de carácter pessoal e como consequência não integrarem a parte do património do cônjuge sobrevivo por meação, como são o caso dos livros e de vestuários e artigos de uso pessoal. Aqui o problema resolve-se com a própria herança visto que juridicamente ela tem personalidade própria e como tal responde por si mesma (mediante cabeça-de-casal) enquanto se manter indivisa, i.e., enquanto não forem os herdeiros habilitados como tais podendo por via disso partilhar a herança. Assim, os herdeiros assumem as dívidas do de cujus, exonerando o cônjuge sobrevivo. Essa solução legal é reforçada pelo facto da morte ser causa de extinção do vínculo matrimonial exonerando o cônjuge solidário por essa via. Dixit.

OS CRIMES E A TERRITORIALIDADE DAS LEIS (Publicado no Semanário Angolense) - Albano Pedro

Certa imprensa doméstica e internacional veiculou a informação segundo a qual o activista angolano dos direitos humanos Rafael Marques está a ser processado por generais angolanos em Portugal por crime de injúria, calúnia e difamação devido ao facto deste activista ter accionado um processo-crime contra os mesmos generais num tribunal angolano através do qual pretende responsabilizá-los pela indústria e comércio dos chamados “diamantes de sangue” cuja matéria probatória se encontra vertida no livro da sua autoria com o mesmo título, i.e., Diamantes de Sangue. Coloca-se então o problema de saber se um crime ocorrido em Angola pode ser julgado em Portugal. É claro que a lógica jurídica regista uma possibilidade que terá ocorrido nesta situação que opõe os generais a Rafael Marques. E a possibilidade esta no facto de Rafael Marques ter feito o lançamento da obra Diamantes de Sangue em Portugal, local em que terá feito pronunciamentos públicos, incluindo entrevistas à imprensa. Neste caso, é fácil aferir que os generais tenham baseado a sua queixa-crime em tribunal português com bases em factos protagonizados por Rafael Marques em território Português. E nesse caso não haver quaisquer problemas de desvirtudes por comentar. Porém, se a queixa-crime dos generais efectivamente ter como base o processo judicial iniciado em tribunal angolano, então coloca-se o problema da territorialidade das leis em caso de crimes. Ou seja, se é regra cardeal em direito Penal que aos factos ocorridos em certo território aplicam-se as leis deste mesmo território, Rafael Marques não pode ser julgado por factos que tenham ocorrido em território angolano e que estejam sujeitas as leis deste mesmo território. Aqui a doutrina fala em locus delicti (local do cometimento do crime) como critério da competência territorial dos tribunais. Entende-se com este critério que apenas os tribunais do local em que ocorreu o crime são competentes para julgarem o seu autor. É verdade que existem crimes que devido ao seu prolongamento no tempo e pelo facto de virem a serem consumados em território diverso daquele em que em que os actos preparatórios iniciaram colocam o problema de saber onde efectivamente foram cometidos. V.g.: um indivíduo que tenham sido envenenado em Menongue e que venham a falecer em Luanda pode trazer o problema de saber qual o tribunal com competência para julgar o crime assim cometido. O problema será colocado da mesma forma quanto ao indivíduo que tenha sido alvejado em território congolês e que venha a falecer em território angolano após atravessar a fronteira. Em ambos os casos, a acção criminal consuma-se em local diverso daquele em que os actos criminais deram inicio. Nestes casos, a doutrina, interpretando a lei maioritária, privilegia o local da consumação do crime. Lá onde o crime completou o seu ciclo formativo é lá aonde se impõe a competência do tribunal. Não é o caso do crime de envenenamento em que basta a simples administração do veneno para se falar na sua consumação. Assim, no exemplo do sujeito envenenado é competente o Tribunal de Menongue, sem sombras de dúvidas devido a natureza tipológica desta espécie de crimes. Contudo, na maioria dos crimes (e o de injúria, calúnia e difamação não ficam de fora) o local da consumação determina a competência forense em razão do território. Aliás a regra da territorialidade das leis e da competência forense respectiva monopoliza a maioria esmagadora dos factos sujeitos a responsabilidade de qualquer natureza jurídica. Não importam, por isso, se são factos cíveis, laborais, fiscais, administrativos ou outras. Os acordos de extradição, não colocam em causa a territorialidade das leis. O que aconteceu na efectivação dos acordos de extradição é que o autor do crime se encontra em território diferente daquele em que o cometeu e o tribunal deste último pretende julgá-lo. Porém, impossibilitado de fazê-lo pela ausência física do seu autor, solicita ao Estado em que o autor que se encontra para que este seja extraditado a fim de ser julgado competentemente. Havendo acordo entre ambos os Estados, o autor é extraditado. Destarte, Rafael Marques não pode ser julgado em tribunal português por crimes que tenham sido cometidos em Angola, sob pena de violação do princípio da territorialidade das leis penais e da competência dos tribunais em razão do território. Dixit.

ESTADO DA NAÇÃO, SEGUNDO A OPOSIÇÃO - O DISCURSO DE ISAIAS SAMAKUVA DIRIGIDO À NAÇÃO (Texto Publicado no Semanário Angolense) - Albano Pedro

O discurso sobre o estado da Nação apresentado por Isaías Samakuva (IS), Presidente da UNITA, inaugura um importante momento de actuação estratégica deste importante partido político e da própria oposição. Esse momento é perceptível pelo facto do discurso ser apresentado em nome da oposição como reacção a omissão constitucional protagonizado pelo Presidente da República (PR) na qualidade de Chefe de Estado aquando da sua aparição entre os deputados a Assembleia Nacional. É um dever constitucional a que o presidente da UNITA procura “cumprir” em nome de um certo sentido de oportunidade política. Isso traduz uma visão proactiva de fazer política, já que leva este líder político a protagonizar um acto omitido pelo seu adversário político. Ou seja, a oposição política começa a inaugurar uma nova era de fazer política, abordando questões novas ou alheias a agenda política do partido na situação e questões propositadamente omitidas. Atitude contrária ao hábito pela mera contradição (Jonas Savimbi chamou-lhe oposição sistemática) ou pelo discurso reactivo a que a oposição vem habituando o eleitorado desde 1992. Esta nova postura revela uma marcada maturidade política. Também é verdade que ao pretender falar em substituição do PR, IS não atingiu o desiderato a que se propôs. Não deixa de registar-se a violação de um dever político por omissão constitucional e como tal a falta do discurso dirigido a Nação pelo PR. Não só porque este não conferiu mandato competente a quem quer que fosse, como também não deve ser a oposição a fazê-lo no cumprimento das normas constitucionais. De todo modo, o sentido de oportunidade política desta intervenção eleva a qualidade política da oposição nos termos em que comentamos acima. São recorrentes os pontos da agenda do MPLA que fazem os motivos interventivos da oposição política. IS ataca os problemas sociais e económicos mal resolvidos ou mesmo não resolvidos. Com um certo sentido de pátria, exorta o PR a revelar-se consentâneo com o seu discurso proferido no acto da investidura em que se propõe a governar para todos os angolanos. Aqui, IS exorta o esforço do PR para uma governação realmente virada para os angolanos independentemente das cores partidárias e nisto pede que seja vista a questão do salário mínimo nacional, o pagamento das pensões atrasadas dos militares reformados, e entre tantas outras questões IS exorta pelo fim da intolerância política alimentada pela falta de transparência na gestão dos interesses do Estado e não esquece de exortar pelo fim o fim da corrupção crónica e generalizada como factor de uma governação constitucional e democrática. De forma muito particular, IS insurge-se contra o problema do fornecimento da água e da luz com uma minúcia que faz revelar a falta de seriedade do MPLA em resolver os problemas nacionais nesse particular. É um discurso desconstrutivo que na verdade deveria ter o mérito de reconhecer algum esforço político feito, ainda que insignificante diante de miríade de problemas que os angolanos enfrentam. Assim, não deixa de ser um sinal do hábito pela oposição sistemática que esperamos ver ultrapassado a partir desta legislatura. Com este discurso o líder da UNITA revela um MPLA enterrado na sua casmurrice até ao pescoço, ora contornando as verdadeiras soluções políticas e económicas que vêem de promessas eleitorais ora violando pura e simplesmente os imperativos legais ofendendo com estes actos as mais profundas expectativas pelo bem-estar social e económico alimentado pelo povo angolano. O líder da UNITA privilegia um considerável tempo para as questões eleitorais e como não devia deixar de ser, apresenta-se inconformado com os resultados e o processo que lhe foi inerente. Mas no meio disso, subjaz uma certa mea culpa atribuível a oposição quer no processo preparatório que no processo executório. Afinal, os resultados assim produzidos foram todos previsíveis, para além de que a legislação que a suportou foi basicamente aprovada com o beneplácito da própria oposição, independentemente das inconveniências que entremearam todo o processo. Se não é desta vez que a oposição se vai impor contra o procedimento fraudulento registado pelo menos fica a lição e o dever de melhores as performances políticas ao longo desta legislatura. IS ataca, no mesmo diapasão habitual, os problemas económicos da governação do MPLA. Timidamente apresenta algumas soluções. Mas o que é vicioso no discurso dos partidos da oposição é a incapacidade de abordagem sobre os problemas da economia nacional numa perspectiva de calamidade nacional. Ou seja, os partidos políticos de uma maneira geral raramente relacionam, o desenvolvimento da dimensão política do Estado (Direito e Democracia) com a dimensão económica (Economia de mercado e livre iniciativa privada), tornado esta ligação tão necessária quanto a ligação entre a planceta e o bebé, em nome da sobrevivência deste. Tão crucial é que se devolva a economia nacional ao sector privado com todas as reformas que este processo recomenda que nunca falaremos em Estado de Direito e Democrático se isto não acontecer. O que o líder da UNITA procurou verter de forma aérea foi o sequestro da economia nacional por algumas famílias que fazem o uso do erário público. O que é minimizar o problema de fundo que subjaz a economia nacional. O grande problema da economia nacional é que ela precisa ser devolvida ao sector privado, para que os angolanos iniciem uma verdadeira era de reformas políticas e económicas em prol do bem-estar de todos. Contrariamente ao modelo estatalizado da economia que vivemos em que apenas uns têm acesso as oportunidades por ela gerada afastando toda uma maioria de angolanos dela. As reformas que devem levar a transferência da economia ao sector privado devem ser abertamente discriminadas por áreas e agregados económicos, para que todos saibamos a cadeia de problemas e mecanismos que emperram a economia angolana. Não basta acusar famílias de uso de capitais públicos e nem devemos atracar o barco das novas reivindicações no porto da pobreza estrema e da falta de acesso ao erário público. Discursos assim facilmente descambam no populismo de que os cidadãos sérios e comprometidos com a reconstrução da nação estão fartos. Os líderes da oposição devem ter uma visão metódica e bem estruturada sobre as soluções necessárias à economia nacional. A abordagem sobre as questões fiscais, cambiais, comerciais ou monetárias devem ser apresentadas na cadeia que elas recomendam quando abordado o fenómeno económico. A política de emprego e de segurança social, a política de desenvolvimento quer de infra-estruturas quer social deve ser esmiuçada para uma clara compreensão de todos. Os angolanos devem perceber que as empresas públicas não estratégicas devem ser privatizadas e que grande parte das empresas públicas representa despesas desnecessárias para o Estado; os angolanos devem perceber que quando se diz que o sector bancário nacional está em crescimento, é uma falsa constatação porque não existe um mercado de capitais que impulsione o sistema financeiro privado de forma sustentada em toda a economia e que o crescimento do sector financeiro esta ligado apenas a economia pública; os angolanos devem perceber que não existem fontes de enriquecimentos lícitos na economia porque os salários são míseros, as rendas pouco prósperas e as heranças superavitárias inexistentes; os angolanos devem perceber que o fornecimento regular de água e de energia eléctrica é fundamental para o inicio do processo de desenvolvimento económico e que o sector privado deve ser chamado a explorar este sectores em substituição do Estado. O discurso sobre a economia deve ser detalhado porque representa a exposição do verdadeiro problema de desenvolvimento dos angolanos. É desta maneira que a oposição vai atrair para o terreno da seriedade política, angolanos presos no pântano do cepticismos, muito dos quais protagonizaram a alarmante onda de abstenção nas eleições de 31 de Agosto. Compreende-se que o discurso sobre os factores e dados da economia não seja suficientemente permeável para o ambiente político geralmente habituado ao discurso demagógico, porém é urgente a percepção política do quadro estratégico que representa o discurso estruturado sobre a economia nacional. Dizer que os estrangeiros dominam a economia nacional é uma verdade incontornável. Mas trazer este debate em termos de falhas de governação pode provocar o perigo da xenofobia pela má compreensão das reivindicações inerentes ao discurso assim apresentado. É preciso que a questão dos estrangeiros seja sempre abordada com o devido reconhecimento do seu papel na economia nacional. Porque os estrangeiros apenas tiram proveito de oportunidades, tal como o IS reconhece no seu discurso. Devemos ter o justo receio de termos os estrangeiros contra o discurso da oposição se este discurso tiver laivos de patriotismo radical ou de nacionalismo extremista. Nos dias que correm, em que a globalização é moeda corrente, os capitais e os interesses circulam por uma economia mundial onde a palavra “estrangeiro” é obrigatório numa perspectiva de economia interna. Na abordagem política da participação de estrangeiros é necessário reconhecer o seu papel no desenvolvimento de Angola, revelar a visão sobre as oportunidades que os mesmos têm em prol do estabelecimento de um Estado de Direito e Democrático. Os estrangeiros precisam saber sobre as reformas no sector judicial para que se sintam encorajados a incrementar os seus investimentos no território nacional; precisam saber sobre as reformas no sector empresarial para que se sintam encorajados a fazer permanecer os lucros das suas actividades na economia nacional. É este o discurso oportuno para os estrangeiros quem bem são necessários para futuras parcerias estratégicas num Estado bem governado. É inteligente a percepção sobre o papel reivindicativo da juventude no quadro actual de governação. A juventude percebe que a governação contraria os seus interesses quando não realiza os mais elementares anseios económicos e sociais desta camada social integrada pela maioria esmagadora dos angolanos. Se JES não implementa o “famoso” diálogo com a juventude e não apresenta melhorias significativas neste mandato que iniciou arrisca-se a assumir uma verdadeira revolta com proporções apocalípticas para a sua governação. Os sinais foram bem visíveis ao longo do mandato passado e está claro que o sentido de maturidade da juventude está mais do que provado. O sector intelectual da nossa sociedade está farto de fazer prognósticos futurológicos sobre os efeitos nefastos do braço de ferro entre a governação e o sonho da juventude angolana. Marcolino Moco prevê soluções ponderadas contra a onda de reivindicações em forma de levantamentos populares que podem arrastar Angola a uma situação de desastre devido a falta de visão estadística na governação actual (in: Angola Terceira Alternativa). Em entrevista a um periódico, o escritor angolano Pepetela apresentou ideias que justificam a equiparação de Angola a um barril de pólvoras devido as assimetrias sociais profundas e José Eduardo Agualusa tem publicado um romance muito sugestivo sobre a realidade apocalíptica que se desenha no horizonte dos angolanos se os problemas políticos e económicos actuais persistirem. Neste particular, a abordagem de IS teve uma oportunidade estadística de respeito, porque está mais do que claro que a maturidade alcançada pela juventude com a clarividência dos seus direitos e legítimos interesses e a coragem em protagonizar as reivindicações em forma de manifestações sistemáticas é um processo crescente que no momento certo vai colocar em crise os instrumentos de controlo do regime actual que teima em manter adiada as expectativas do povo angolano. Dixit.