Albano Pedro
É comum pensarmos que o registo de faltas no trabalho tem como finalidade o simples desconto salarial quando não justificadas. Então, ficamos escandalizados quando depois de termos as faltas justificadas chegamos ao fim do mês laboral com o desconto feito. Concluímos que a atitude do empregador é manifestamente injusta, pois a mesma encontra uma justificação da ausência ao trabalho claramente aceita por ele. Noutros casos, o desconto salarial acontece mas apesar disso a falta mantém acumulada na nossa ficha pessoal e apenas damos conta disso quando ocorre uma chamada de atenção sobre a quantidade de faltas acumuladas ou, nos casos extremos ou terminais, quando ocorre o despedimento por acumulação das mesmas. Aí, julgando que o desconto salarial fosse a única penalidade consentida por lei, mais uma vez achamos a atitude do empregador exagerada e como tal arranhando as margens do que seja anormal e injusto, para não dizer grosseira.
É provável que no âmbito do funcionalismo público, o registo das faltas assente numa filosofia diferente da do domínio privado. Tendo relevância, verbi gratia, para o controlo da assiduidade do empregado público devido a disciplina colectiva necessária ao bom desempenho da máquina administrativa pública em prol do interesse público. Perspectiva, aliás, muito consentânea com as sociedades de orientação comunista igual a que vivemos recentemente. Visto que o Estado-empregador é antes uma entidade criada para estabelecer equilíbrios sociais entre os administrados admitidos como funcionários. Porém, cabe as normas sobre o funcionalismo público responder a essa situação. Do que vem aqui em debate são as preocupações que nascem das relações laborais privadas e como tais estabelecidas e disciplinas pelas normas jurídico-laborais livremente estabelecidas mediante contratos de trabalho entre o trabalhador e o empregador com respaldo na Lei Geral do Trabalho – LGT actualizada através da Lei n.º 2/00, de 11 de Fevereiro.
E ao que parece, a finalidade disciplinar das faltas é neste domínio alvo de interpretações carnavalescas, i.e., desorientadas e que cabem ser uniformizadas entre os comuns dos trabalhadores. De uma ideia estejamos certos: Não é apenas para descontos salariais que legislador estipula as faltas tidas, no âmbito das relações laborais, como parte do poder ou faculdade disciplinar inerente ao empregador. Então, para que servem as faltas? Desde logo, a LGT (art.º 160.º) estabelece que as faltas não justificadas têm como efeito: a) Perda da remuneração, b) descontos na antiguidade do trabalhador e c) infracção disciplinar sempre que atinjam 3 dias em cada mês ou 12 em cada ano ou sempre que, independentemente do seu número sejam causa de prejuízos ou riscos graves conhecidos pelo trabalhador. São efeitos claramente cumulativos, i.é, o trabalhador faltoso sem a devida justificação é descontado na remuneração periódico correspondente aos dias de ausência. Em economias de mercado devidamente estruturadas o salário é calculado por hora vindo a computar-se assim o respectivo desconto. É o chamado sistema de remuneração por resultado ou produto muito vulgar em economias muito dinâmicas (Estados Unidos da América, por exemplo). Em Angola a remuneração tem periodicidade mensal num claro mimetismo do funcionalismo público, por si mesmo herança do comunismo e como tal completamente desajustado as opções económicas fundamentais dos dias de hoje. É o sistema de remuneração por tempo, i.e., independentemente do resultado do trabalho prestado contando apenas a presença do trabalhador no local de trabalho. Embora seja um sistema que não impulsiona a produtividade como facilmente se percebe na nossa economia, não impede o desconto por hora de trabalho.
O trabalhador é ainda afectado na contagem do seu tempo na empresa ou instituição desde o início da relação laboral vendo por isso reduzido o respectivo tempo na proporção dos dias faltados. Esta computação tem relevância, inter alias, em caso de indemnização judicial ou extrajudicial onde a antiguidade do trabalhador é essencial para o volume do montante a receber ou para a conversão do contrato por tempo determinando em tempo indeterminado vencido o respectivo limite máximo do prazo legal permitido. E em caso de acumulação por um mínimo de 3 dias no mês ou de 12 dias no ano é despedido com justa causa vendo assim o seu vínculo jurídico-laboral cessado com base na lei.
As faltas não se justificam a bel-prazer, seguindo as exigências sindicais do trabalhador interessado. A LGT (art.º 152.º) elenca as situações e circunstâncias em que as mesmas podem ser justificadas pelo empregador. Entre elas estão a ausência pelo casamento do trabalhador desde que não ultrapasse 10 dias consecutivos; 1 dia por ocasião do nascimento do filho (esta disposição beneficia obviamente o trabalhador masculino); falecimento de familiar directo (vizinhos, amigos e conhecidos estão de fora) sendo 8 dias úteis em caso de falecimento de cônjuge (casado ou em união de facto), pais e filhos do trabalhador, 4 dias úteis em caso de falecimento de avós, sogros, irmãos, netos, genros e noras e 2 dias úteis tratando-se de tios ou qualquer outra pessoa que viva em comunhão de mesa e habitação com o trabalhador. Uma nota: o falecimento de primos, sobrinhos e outros parentes que não vivam com o trabalhador não justifica as faltas tal como não justifica a ida ao funeral de um amigo, vizinho ou conhecido. O tempo dispensado para ausência por falecimento de familiar directo pode ser acrescido se o funeral tiver lugar em localidade distante do posto de trabalho.
Conta ainda para justificação, as faltas por razões de cumprimento de obrigações legais ou militares que devam ser satisfeitas em horário normal de trabalho; as prestações de provas a que estejam obrigados os trabalhadores estudantes; a participação em cursos de formação, aperfeiçoamento, qualificação ou reconversão profissional que tenham sido determinados pelo empregador; a participação em actividades culturais ou desportivas, ou em representação do país ou da empresa ou em provas oficiais nos termos da lei; a prática de actos necessários e inadiáveis, no exercício de funções dirigentes em sindicatos e na qualidade de delegado sindical ou de membro do órgão representativo dos trabalhadores.
Felizmente, a LGT estabelece que o empregador é livre de justificar ou não quaisquer outras razões de ausência do trabalhador. Nestes termos, pode acontecer a justificação de faltas para o funeral do colega do trabalho, do amigo ou do vizinho entre outras razões da esfera da vontade do trabalhador admissível pelo empregador e no uso da sua completa autonomia volitiva sem que tal se constitua num direito do trabalhador interessado.
Via de regra, a falta do trabalhador ainda que justificada não dispensa o desconto salarial. Sobre essa situação a LGT procura estabelecer algumas excepções. Os trabalhadores com funções sindicais e os dispensados para cerimónia de casamento próprio são remunerados no limite do tempo dispensado. Porém, quanto aos trabalhadores sindicalistas a remuneração dos dias faltados, ainda que autorizados, cabe a faculdade do empregador, i.e., podem ou não ser remunerados (art.º 152.º n.º 3). Assim, contando com os efeitos mais graves que as faltas possam importar é fácil percebermos que a sua teleologia se reporta ao despedimento do trabalhador. E é por essa grave consequência na vida laboral do trabalhador que se razoabiliza a importância da justificação das faltas tornando-o imune de tais consequências no futuro ainda que registando desconto salarial por razão das referidas faltas. Dixit.
sábado, 22 de junho de 2013
Direito Laboral
Sem comentários:
Enviar um comentário