No pretérito dia 10 de Junho teve início em Luanda uma reunião para 4 dias de duração com objectivo de estabelecer programas operativos de combate harmonizado aos crimes farmacêuticos promovido pela Organização Internacional de Polícia Criminal (INTERPOL) ao nível da região austral da África (envolvendo representantes do Botswana, Lesoto, Madagáscar, Malawi, Ilhas Maurícias, Moçambique, Namíbia, África do Sul, Suazilândia, Seicheles, Tanzânia, Zâmbia, Zimbabwe para além de Angola, como país anfitrião). Em questão a situação alarmante deste fenómeno pelo mundo e em especial na África austral onde a situação tem alcançado proporções alarmantes.
Entende-se por crimes farmacêuticos os actos inerentes a produção, a distribuição e a comercialização de medicamentos falsos ou sem controlo das autoridades médicas e farmacêuticas quer dos países de origem quer dos países de destino. A criminalidade farmacêutica prospera em realidades económicas onde alto nível de demanda dos medicamentos é desproporcional ao seu fornecimento regular aliada a fraca capacidade aquisitiva dos consumidores determinada pelos elevados índices de pobreza, estimulando o enriquecimento fácil dos operadores e agentes da indústria de contrafacção de medicamentos e fármacos diversos. Esta indústria que circula pelos corredores do comércio internacional e doméstico através de redes organizadas é causadora de prejuízos incalculáveis a indústria farmacêutica regular para além de provocar mortes ou resistências ao tratamento de certas doenças devido ao uso de tais fármacos pelas suas vítimas.
Em rigor, este crime não existe no ordenamento jurídico angolano. Do ponto de vista legal, as autoridades policiais tendem a equipará-lo ao crime de branqueamento de capitais, tal como deixou claro o Comandante da Polícia Nacional no seu discurso de abertura da reunião acima referida. O que demonstra claramente a falta de legislação específica sobre este tipo de actividade criminal. Não sendo admissível a analogia legis em Direito Penal diferente do que acontece nos demais ramos do direito, com realce no Direito Privado, admitir o tratamento desta espécie de ilícito no âmbito de uma conduta diferente, no mínimo configura um desvio evitável, por jurídica e judicialmente ineficaz. Já que o elemento crucial neste tipo de crime é a falsificação de coisa transformada em mercadoria e posta ao consumo público, sendo a rede comercial uma mera extensão desta actividade desejada criminal e como tal rotulável no quadro da comparticipação criminosa.
A antiguidade do Código Penal vigente não está a altura previsional de crimes de falsificação de coisas, latu sensu. Foi aprovado numa era em que a revolução industrial tinha começado os seus primeiros passos e a produção de bens em série era um sonho no longo percurso da conquista tecnológica da humanidade. Até então, a falsificação possível era a de documentos escritos e de outros elementos alcançáveis pelo progresso histórico do momento. Não estranha por isso, que o legislador penal angolano não preveja condutas criminais directamente relacionadas com a produção industrial de bens. A solução não será pois a de rotular tais condutas com outras bem legisladas como as que configuram o branqueamento de capitais. Legislar sobre os crimes farmacêuticos é preciso. E no calor da reforma do Código Penal em curso, o assunto torna-se particularmente pertinente. Até lá, temos dúvidas que os seus agentes sejam condenados por crimes farmacêuticos como tais. Salvo se no conjunto dos actos praticados se despontem outros perfeitamente enquadráveis em condutas já positivadas pelo direito Penal angolano, no âmbito dos quais se poderão igualmente identificar ilícitos relacionados com o branqueamento de capitais tal como entende o mais alto responsável da Polícia angolana.
Não havendo como responsabilizá-los na base dos crimes farmacêuticos, ficarão impunes? Claro que não! O mecanismo de segurança e certeza jurídica não permite a impunidade absoluta por inexistência ou ineficácia de medidas sancionatórias. Acontece então, que determinadas condutas repugnantes ou, no mínimo, reprováveis pela sociedade quando não sejam particularmente tratadas no âmbito dos crimes o sejam no âmbito de ilícitos civis. Neste contexto, os agentes de condutas relacionadas a contrafacção de fármacos poderão ser responsabilizados civilmente sendo-lhes imputadas condutas que vão desde a violação de direitos de propriedade industrial, a concorrência desleal, diversas formas de operações económicas ou comerciais tipificadas em ilícitos económicos entre outras condutas legalmente relevantes passando pela obrigação de reparação de danos morais ou materiais causados aos consumidores, seja pela entrega defeituosa da coisa, quando não corresponda eficazmente a prescrição médica, seja pelos danos causados directamente pelo seu consumo. De todo o modo, a conduta criminal directa sobre quem altera o fabrico de medicamentos tornando o seu uso nocivo a saúde humana ou os exponha a venda pública é estabelecida pelo Código Penal (art.º 251.º), nos termos do qual podem ser condenados os agentes de crimes farmacêuticos de acordo com os efeitos nocivos a saúde humana dos medicamentos produzidos ou comercializados e não pela contrafacção em si. Dixit.
sexta-feira, 19 de julho de 2013
Direito Farmacéutico
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