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    domingo, 18 de março de 2012

    O CONTRATO DE TRABALHO A TERMO INCERTO

    PARTICULARIDADES NO CONTEXTO DA SUA COMPREENSÃO E MANIFESTAÇÃO


    (PUBLICADO NO SEMANÁRIO ANGOLENSE)


    Chegou-me um caso, através de um advogado e “amigo de peito” cujo nome omito propositadamente, que seria estranho se não me propusesse em analizar e neste processo descobrir que se trata de um desvio (error in factum) para o qual vale apena chamar atenção aos operadores do direito e aos trabalhadores que faceiam com os fenómenos e factos jurídico-laborais. Trata-se da questão de saber como devem ser vistas as soluções hermeneuticas decorrentes da coexistência de cláusulas contratuais que identificam simultaneamente dois subtipos do contrato de trabalho por tempo determinado, designadamente o contrato a termo certo e o contrato a termo incerto?

    É que quando se tratam de contratos a termo certo (onde são fixados os prazos concretos em que terminam as relações jurídico-laborais) a solução é evidentemente indicada pela natureza claramente temporal do contrato que não deixa dúvidas não só pela redução a escrito deste tipo de contrato como pela clara fixação do prazo no respectivo contrato assim celebrado. Assim, terminado o prazo termina o contrato, com as ressalvas previstas na própria LGT.

    Não é o que se passa nos casos de contratos a termo incerto em que o tempo de vigência do contrato não depende de um prazo concreto mas sim da verificação de um evento ou facto que torna assim dependente a duração concreta do contrato. Seja, facto positivo (o trabalhador é contratado para substituir um outro trabalhador que se ausentou por razões de saúde não se sebando ao certo o momento do seu restabelecimento e regresso ao posto de trabalho) seja facto negativo (o empregador contrata o trabalhador para desinfestar o armazém afectado por um substância de cheiro nauseabundo e de forte impacto ambiental até que nada reste da substância em causa). Esta espécie de contrato ou subtipo contratual tem a particularidade de ter a duração completamente dependente da verificação do facto invocado no contrato como causa da celebração do contrato entre as partes.

    A particularidade a analizar (do qual vem o proposito do texto) é a situação em que o empregador celebra o contrato com a clara ideia de ser um contrato a termo incerto (porque esta convencido de que o trabalhador foi contratado para efectuar uma determinada tarefa – de natureza temporária e discontínua, como sugerem os motivos do contrato a termo incerto - finda a qual o contrato deixa de ter razão de ser) mas que por perceber que tal facto ou evento tem um prazo previsível de verificação (o empregador tem a clara ideia de quando vai terminar ou começar o evento ou o facto) e coloca no contrato o prazo de fim deste. Ou seja, apesar de estar certo de que o contrato depende de um evento ou facto arrisca, por imprudência ou simples boa fé induzida pela ideia da clareza das cláusulas contratuais, um prazo bem determinado em que se vai verificar a cessação do vínculo laboral. Quid iuris?

    Se se verifica uma situação semelhante (como se verificou no caso em apreço) fica bem claro que estamos diante do concurso de cláusulas que caracterizam cada um dos subtipos do contrato por tempo determinado. Ou seja estaremos diante de um contrato por tempo determinado acumulando caracteristicas de dois subtipos seus colocando o desafio claro da sua distinção, já que cada subtipo obedece a um regime processual específico. Verifica-se o facto fundamentador da relação jurídico-laboral (que caracteriza o contrato determinado a termo incerto) e o prazo afixado (próprio do contrato a termo certo). Esta situação nos obriga a remeter o contrato a um dos subtipos para o correspondente tratamento legal por meio de uma clara interpretação normativa. Aqui o conflito hermeneutico se interpõe como uma questão prejudicial que sem a solução devida não é possivel determinar o subtipo contratual em causa para o devido tratamento substantivo e processual.

    Então as soluções variam de acordo com o subtipo a determinar pela mais correcta interpretação. Se o processo hermeneutico nos conduzir a um contrato a termo incerto fica claro que o contrato cessa tão logo se verifique a situação invocada como fundamento do contrato. Haja vontade ou não de manter o vínculo. E neste subtipo contratual nem vale falar de renovação de contratos como acontece com os contratos a termo certo em que a razão contratual se mantém mesmo quando o prazo preclude. Nos contratos a termo certo a simples verificação do evento ou facto faz desaparecer imediatamente o vinculo laboral deixando so trabalhadores interessados na sua manutenção sem quaisquer margens para reivindicar elementos periféricos que possam sustentar a sua continuidade. Cessant causa cessant efectus ipsa (o contrato desaparece com a sua causa). É mais do que evidente que o regresso do trabalhador substituido torna inutil a presença do trabalhador contratado para cobrir o posto de trabalho durante a ausência daquele. Do mesmo modo que o fim da desova de uma quantidade determinada de contentores de carga torna desnecessário a presença dos estivadores contratados para este fim quando a empresa não tenha vocação para dar continuidade a actividade para os quais tais trabalhadores foram contratados. E outros exemplos, para ilustrar esta variante de contratos, podem florescer na medida da imaginação de cada um de nós. Daí que um dos fundamentos para esta variante de contrato por tempo determinado seja, inter alias, a “execução, de tarefas bem determinadas, períodicas na actividade da empresa, mas de carácter descontínuo;” (alínea i) do n.º 1 do art.º 15º - LGT).

    É claro que no contrato a termo incerto por vezes o prazo é quase explícito porque previsível. É o que se passa com o contrato a termo incerto condicionado pelo regresso do trabalhador em gozo de férias. O facto “regresso” arrasta consigo o prazo do período de férias ficando evidente o momento do regresso do trabalhador substituido. De todo o modo, no contrato a termo incerto o elemento relevante é o facto e não o prazo porque este não vem expresso mesmo quando seja previsível. Afinal, o trabalhador em gozo de férias pode regressar ou não, apezar do fim do prazo ser irreversível. Por isso é que lei favorece a continuidade da relação jurídico-laboral em caso do trabalhadorr não regressar ou em caso de não ter sido sido avisado com antecedência quando o trabalhador substituido tenha regressado no prazo previsto (art.º 18.º, 1 - LGT). O mesmo se passa quando o prazo não seja previsível como é o caso do regresso do trabalhador doente.

    Já se o sentido hermeneutico nos levar aos contratos a termo certo a renovação do vínculo laboral é sempre possível uma vez que a causa laboral persiste independentemente do contrato. Aqui tudo depende da vontade negocial das partes e por isso é o subtipo que permite manter a possibilidade de continuidade laboral do trabalhador. E como é óbvio é o subtipo desejável em homenagem a regra da continuidade laboral inspirada pelo valor ético deduzido da hipossuficiência do trabalhador.

    Na verdade o conflito hermeneutico não é perfeito no sentido em que venha a causar dificuldades, visto que a claúsula do prazo que faz depender a vigência do contrato esta patente contra o momento da verificação do evento ou facto que está apenas implícito. Por isso a LGT claramente distingue os subtipos contratuais em incerto e certo quanto ao seu termo. Diz a regra de interpretação que o que é claro não carece de interpretação (ubi claris non fit interpretatio) sendo o sentido directamente fixado pela letra da norma interpretada contra o espírito (intenção normativa ou mens legis) da mesma norma. Aquele é objectivo e este subjectivo. O conflito assim não é real porque a regra da intepretação gramatical se impõe claramente a regra contexual ou histórica que vem de um conjunto de factores geralmente incertos como é a natureza do facto causador de uma relação jurídico-laboral por tempo determinado a termo incerto.

    Nada obsta que a mais coerente intepretação combine factores objectivos e subjectivos. Tanto é que a interpretação gramatical e a histórica ou contextual podem facilmente coexistir desde que uma e outra vertente não ponham em causa a definição do nomen iuris (sua determinação substantiva) e os posteriores procedimentos que lhes são inerentes como são a fixação do subtipo contratual e a regulação disciplinar que subjazem ao caso sub iudice.

    Na verdade, o caso em análise seria estranho à luz do Direito (especialmente laboral) se não decorresse de erro cometido por quem elaborou o contrato e das partes que o celebraram sem cuidar de conferir melhor leitura das respectivas cláusulas. Pois, que a combinação de cláusulas suscpetíveis de levar a perceber uma ou outra variante no mesmo contrato é completamente descartável a luz da LGT e da própria sistemática e lógica científica do Direito vigente em Angola. Destarte, não é difícil perceber que o contrato em causa obedece ao regime do contrato de trabalho por tempo determinado a termo certo sendo certo que ao mesmo se deve verter todo o regime disciplinar e processual deste subtipo contratual no contexto da LGT e legislação complementar. Dixit.

    2 comentários:

    1. Achei o tema muito interessante e como Gestora de Recursos Humanos, pergunto-lhe o seguinte uma empresa que presta serviço a uma multinacional na qual têm um Contrato de Prestação de Serviços, é possivel redigir Contrato de Trabalho a Termo Incerto aos seus colaboradores que prestam serviço nesta aréa visto que a qualquer momento a empresa prestadora de serviços termine o seu contrato.

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    2. Desculpe o atraso na resposta. A resposta é: Sim e com urgência os trabalhadores têm de ter os contratos redigidos e celebrados para que não se convertam em trabalhadores definitivos. A LGT não desculpa o empregador pelo facto de ter um serviço provisório.

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