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    segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

    AUTARQUIAS LOCAIS EM ANGOLA (Publicado no Semanário Angolense) - Albano Pedro

    Autarquia (do Grego, autarkheia), significa bastar-se a si mesmo, ser autónomo. Sua significação varia de acordo com o campo cientifico em que é aplicado. Assim, em economia, autarquia implica a qualidade de ser autossuficiente; em Filosofia, o poder de bastar-se a si mesmo. O que importa é a sua utilização no campo do Direito Administrativo a partir do qual esta figura vulgarizou-se no vocabulário político angolano cuja matéria, vem neste texto, a propósito. E neste particular, o conceito radica na ideia de uma entidade com certo grau de autonomia administrativa e financeira criada pelo Estado com objectivo de realizar o interesse público. Esta amplitude conceitual que coincide com a definição de autarquia no Direito brasileiro implica qualquer organização ou instituição criada pelo Estado desde os institutos públicos, empresas públicas, municípios, distritos às corporações ou associações públicas, etc. O que interessa é que a pessoa do autarca (administrador da autarquia) esteja na direcção de uma entidade colectiva com uma autonomia que o diferencia do Estado, integrando assim o conceito da administração indirecta do Estado. Para o Direito português o conceito de autarquia é confinado a Autarquia Local. Isto reduz-se ao Município e a Freguesia. Dai falar-se em Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia como entidades representativas do poder autárquico local no Direito administrativo português. O que é facto é que a noção brasileira de autarquia compreende entidades como os institutos públicos assim definidos no Direito português (e no Direito angolano como não podia deixar de ser). Da mesma forma, não importa a diferenciação conceitual, a autarquia é uma entidade auxiliar da administração estatal autónoma e descentralizada. O que implica que o Estado exerça poder de fiscalização e tutela sobre a entidade com características autárquicas. Desde logo, as autarquias não têm poder legislativo (poder de criar leis). Pelo contrário, sujeitam-se a Lei criada pelo Estado. Assim, faz sentido que o Estado determine o âmbito e o alcance das autarquias bem como as suas atribuições quer pela via constitucional quer pela via legal ordinária. A falta de Lei própria engendra a dificuldade de entender o âmbito e o alcance do conceito de autarquia em Angola. Vale assentar que o Direito angolano opta pelo conceito de autarquia local e configura-o como uma modalidade do poder local do Estado, competindo com a administração directa local do Estado exercido pelos governos provinciais e com as autoridades tradicionais cujo poder administrativo deriva de matérias fora das atribuições e competências exercidas pelos outros dois entes circunscritos ao poder local. Ou seja, a autoridade tradicional exerce o poder não exercido pelo Estado ao nível local e pelas autarquias. Pelo que a definição ex-lege do âmbito e o alcance das autarquias torna evidente o âmbito e o alcance do poder exercido pelas autoridades tradicionais. A Lei Constitucional – LC (Constituição, segundo o legislador) define as autarquias locais como sendo «…pessoas colectivas territoriais correspondentes ao conjunto de residentes em certas circunscrições do território nacional e que asseguram a prossecução de interesses específicos resultantes da vizinhança, mediante órgãos próprios representativos das respectivas populações» (art.º 217.º). Aqui é reconhecido aos residentes um poder autárquico original transferível por via eleitoral com o fim exclusivo de prosseguir interesses públicos por execução de actos administrativos. O que concretiza o principio da participação dos particulares (populações e corporações) nas actividades da administração pública previsto no Direito administrativo vigente. A LC determina ainda que «As autarquias locais têm, de entre outras e nos termos da lei, atribuições nos domínios da educação, saúde, energia, águas, equipamento rural e urbano, património, cultura e ciência, transportes e comunicações, tempos livres e desportos, habitação, acção social, protecção civil, ambiente e saneamento básico, defesa do consumidor, promoção do desenvolvimento económico e social, ordenamento do território, polícia municipal, cooperação descentralizada e geminação» (art.º 219.º). As atribuições assim descritas perdem-se numa enunciação dispersiva em tudo coincidente com as atribuições do próprio Estado, pelo que urge determinar por Lei os níveis de intervenção do poder autárquico local que o diferencia do poder próprio do Estado no seu processo de intervenção directa. Assim, caberá a Lei definir os níveis de ensino (básico, médio ou superior) que cabem as autarquias locais no prosseguimento das suas atribuições no domínio da educação; as competências materiais da polícia municipal; âmbito da gestão do ordenamento do território, etc. É um esforço urgente que condiciona a concretização desta espécie de poder local, visto que a LC prevê outros domínios da atribuição das autarquias locais a estabelecer por Lei. A LC determina que as autarquias organizam-se nos municípios. Porém, admite a possibilidade de existência de autarquias supra-municipais (ao nível de províncias ou de regiões) e infra-municipais (ao nível das comunas – distritos -, bairros, etc.), desde que hajam razões políticas suficientes definidas em conceitos gerais tais como especificidades culturais, históricas e grau de desenvolvimento. A dúvida de saber se o conceito de autarquia em Angola está orientado para o conceito assimilado pelo Direito brasileiro ou pelo Direito Português fica sanada, na medida em que representa uma visão combinada entre o conceito brasileiro, quanto ao âmbito territorial e o conceito português quanto a sua restrição a autarquia local. Sendo neste particular redutor, por excluir ab initio qualquer outra circunscrição administrativa das características desta espécie de poder local. Está claro que o principio do gradualismo que implica a viabilidade de determinados factores na implementação das autarquias locais faz completo sentido em se tratando das autarquias supra e infra-municipais, por estarem condicionadas a verificação de factores apontados pela LC e não para os municípios assim definidos pela LC sob pena de violar o princípio da universalidade de direito consagrado na lei magna (art.º22.º), já que a implementação das autarquias locais em todo o território nacional deve ser simultânea se quisermos preservar a igualdade de direitos dos cidadãos em ter acesso aos bens e serviços proporcionados pela administração pública em circunstâncias e oportunidades similares ou equiparadas. Quanto a organização, as autarquias locais são uma clara imitação do poder central do Estado com exclusão do poder Judicial exercido pelos tribunais, que no nível da circunscrição administrativa autárquica é exercido de forma autónoma no seguimento da hierarquia vertical que o liga ao poder judicial central. A LC prevê a existência de uma assembleia dotada de poderes deliberativos; de um órgão executivo colegial e de um Presidente da autarquia. A inexistência de Lei própria impossibilita a determinação da composição dos referidos órgãos, com excepção do Presidente que é claramente singular. Mas percebe-se que, a semelhança do modelo jurídico português (o qual temos o hábito crónico de seguir a letra) a assembleia deliberativa terá a composição semelhante a uma Assembleia Nacional captada ao nível local. É verdade que exercerá apenas poder regulamentar (criar regulamentos de vigência e vinculação local), mas não deixa de ser uma espécie de câmara legislativa onde estarão os membros (em rigor, seriam reguladores – dada a competência meramente regulamentar atribuída pela LC) eleitos em eleições autárquicas. Não se sabe se serão chamados deputados municipais ou vereadores (como acontece no Brasil ou em Portugal), o facto é que a Lei deverá determinar o número de membros da assembleia deliberativa da autarquia local. O Munícipe enquanto subcategoria de cidadão circunscrito ao município é tributo das autarquias locais. O munícipe enquanto autarca originário é detentor de poderes deliberativos ao nível local (autárquico) e a sua qualificação como munícipe advêm deste mesmo poder reconhecido por lei. Com ele o munícipe se sente a autoridade máxima (originária) do município podendo impor-se contra os seus representantes quando estes não realizam as atribuições da autarquia local. Assim, só teremos munícipes a partir das primeiras eleições autárquicas em Angola. Ao contrário da vulgarização inapropriada desta denominação nos dias de hoje. Da mesma forma, o surgimento dos municípios autárquicos, usando a possibilidade ilícita do princípio do gradualismo, levará a melhor definição das atribuições do poder local em toda a sua plenitude. Quer por determinação das funções efectivas das autoridades tradicionais quer por delimitação das atribuições dos governos provinciais. Facto discutível, e de fazer correr rios de tinta, é o de saber se os membros do órgão executivo (governo autárquico) serão eleitos ou nomeados. Situação esta que se arrasta para a avaliação da situação do Presidente da autarquia. Faz sentido levantar essa indagação, embora seja habitual noutras paragens administrativas que estes sejam eleitos no conjunto dos órgãos autárquicos. O problema está na possibilidade legal do Estado fixar por lei a organização e o funcionamento da autarquia bem como o modo de nomeação ou eleição dos seus órgãos. Cabe ao legislador tornar claro a solução deste problema, inclusive definir o número de membros e as respectivas funções no quadro do executivo autárquico. Sabe-se porém que quanto ao Presidente da autarquia a LC estabelece que este seja o cabeça de lista do partido vencedor ao nível autárquico (art.º 220.º, n.º4). Aqui também se percebe que ao nível autárquico não são admitidas eleições de candidatos independentes. O que promove um certo exagero do legislador, já que ao nível local é mais fácil as pessoas depositarem confiança a uma figura carismática de idoneidade moral, valor cultural ou liderança religiosa ou ainda académica do que a um político, sobretudo escondido nas saias de um partido político, dada a atomicidade dos interesses e problemas e a exiguidade da quantidade da população. Questão interessante, no âmbito da delimitação de poderes entre a administração pública central e a administração autónoma (autárquica) está em descortinar os limites do poder administrativo e financeiro da autarquia. Quanto ao poder administrativo a LC facilita delimitando as atribuições, ainda que genéricas. Porém, quanto ao poder financeiro (sobretudo ligado a percepção de receitas fiscais) há ainda muito que conjecturar sobre o modelo ideal a adoptar pelas autarquias locais em Angola. Certo é que as autarquias devem ter receitas próprias a partir das quais serão deduzidas as receitas destinadas as finanças centrais do Estado, independentemente da actividade financeira autónoma deste. A Lei deverá estabelecer os tipos e espécies de impostos e taxas a serem cobrados ao nível autárquico para que haja clareza e transparência na organização e funcionamento do sistema financeiro autárquico. Conferindo ao munícipe uma percepção igualmente clara sobre as possibilidades financeiras da autarquia e em consequência das possibilidades de realização administrativa dos seus representantes neste nível. E é para resolver este problema de capital importância na implementação das autarquias que o debate sobre este fenómeno administrativo deve começar imediatamente entre os operadores políticos até a concretização da respectiva legislação. Porque se se prevêem eleições autárquicas (agora adiadas para 2015), é mais do que certo que a legislação deve estar pronta muito antes para que todos tenham a calar percepção dos procedimentos adequados a tomar na abordagem da sua organização, funcionamento e até pé provimento das vagas nos órgãos de direcção autárquica, assim como os limites e atribuições da respectiva autarquia. É um sinal de prudência necessária para os partidos políticos que queiram a concretização das autarquias locais conforme os mais profundos interesses do povo e em concordância com o actual sistema jurídico angolano (na parte em que não é atípico). Garantia assente é que o órgão executivo autárquico é colegial e portanto é uma clara imitação de um conselho de ministros ao nível local com poderes disseminados para cada um dos seus membros evitando assim a autocracia bem patente no poder político ao nível central do Estado. É aqui que as eleições autárquicas representam a quebra na base do poder político concentrado no Executivo tornando-se num verdadeiro veículo da descentralização administrativa (e até política) do Estado. O que, a concretizar-se em Angola, tornar-se-á na base efectiva para o inicio do processo de democratização e da concretização do Estado de Direito. E por aqui se defende que todos os órgãos do poder autárquico sejam eleitos para que a mesma fonte do poder (população) seja aquela que a retira pela via eleitoral ou por moção de censura do executivo autárquico. Dixit.

    4 comentários:

    1. Good... Obrigado mais uma vez pela sua dissertacão sobre a matéria.. Apôs leiturar o artigo fiquei u pouco com dúvido prq com está constituicão que temos e olhando pelas competências do Presidente da República e pela centralizacão mais e mais dos serviços , emfim me pergunto então o que se passa??? Na minha opinião com Cidadão eu vou recorrer nas palavras de Lazarino poulson: Pensar Direito... Parece que os dirigentes Africanos estão msm perdido no tempoe no espaço.. Tudo que eles fazem e para se eternizar msm o poder...

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    2. saudações ilustre.... de iniciativas como estas angola precisa... muito obrigado, essa matéria ajudou-me imenso, pois o meu TFC, aborda este quesito....

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