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    sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

    AS MANIFESTAÇÕES EM ANGOLA: ACTUAÇÃO ILÍCITA DAS AUTORIDADES VERSUS LEGITIMIDADE DOS MANIFESTANTES - Albano Pedro

    Seria desnecessário dizer que, a luz da Lei Constitucional – LC (o legislador prefere Constituição da República de Angola) as manifestações não carecem de quaisquer autorizações. Sejam de autoridades administrativas, policiais ou de quaisquer outras. Nem mesmo o Presidente da República como mais alto magistrado do Estado (alguns preferem Nação porque entendem que a sua soberania tem origem directa no voto popular) tem essa prerrogativa legal. Isto é bem claro no enunciado constitucional: «1. É garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei. 2. As reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabelecidos por lei» - n.º1 e 2 do art.º 47.º da LC. E a clareza, diz a boa doutrina, dispensa interpretação (ubi claris non fit interpretatio). Entretanto, devido a persistência de certos comportamentos marginais na observância da lei, nos obrigamos a veicular um breve catecismo jurídico para sublinhar que a liberdade de reunião e de manifestação é uma liberdade constitucional e por isso perderemos algum tempo a descrever alguns dos seus contornos mais abaixo. Felizmente foi consagrada pela justeza das ideias de legisladores que escaparam certamente da censura técnica que sempre esteve virada para as questões ligadas a organização e funcionamento dos poderes políticos. Tal como se encontra, esta liberdade foi consagrada certamente por alguma distracção técnica daqueles que hoje entendem interpretar esta disposição de uma outra maneira (no fundo da maneira como sempre quiseram). É tecnicamente desgastante, explicar os meandros legais das manifestações. Alias, boa parte dos juristas interessada em ambiente de pleno exercício de cidadania já opinou sobre isso e as opiniões jamais foram divergentes por estarem de acordo com a mais honesta doutrina e com a mais escorreita das interpretações possíveis deste enunciado normativo de cariz constitucional. As liberdades representam o grau mais alto do exercício dos direitos numa sociedade e são os únicos instrumentos de que os cidadãos dispõem contra a pressão dos agentes, serviços e órgãos do Estado exprimindo por meio delas os chamados direitos naturais e inalienáveis sem os quais os indivíduos estariam apenas livres de consciência. Não é por acaso, que na sistemática constitucional as liberdades estão em primeiro lugar (Direito a vida, integridade pessoal, identidade, privacidade, intimidade, família, casamento e filiação, liberdade física e segurança pessoal, de expressão e de informação, de consciência, de religião e de culto, criação cultural e científica, liberdade de imprensa, residência, circulação e emigração, reunião e manifestação, associação e sindical, direito a greve, etc.). Por elas que existem as garantias constitucionais (inviolabilidade do domicílio, da correspondência e das comunicações; proibição de tortura e de tratamentos degradantes, proibição do lock-out e da pena de morte, etc.) como mecanismo de protecção contra o próprio Estado (as garantias são para serem exercidas contra as autoridades públicas). Pelo carácter estritamente pessoal ou individual das liberdades é que o seu exercício representa a vigência e a protecção dos direitos humanos numa sociedade. São as liberdades que dão forma aos direitos humanos tal como ouvimos com recorrência pelas forças da sociedade civil. Já os direitos strictu sensu são menos importantes para a liberdade dos indivíduos. Eles são atribuídos pelo Estado e normalmente servem para cumprir a finalidade do próprio Estado; da colectividade (direito a habitação, saúde e protecção social, julgamento justo e conforme, direito ao trabalho – inclui a ideia de liberdade por estar ligada a dignidade humana, direito do consumidor, direito ao ensino, cultura e desporto, etc.). Não sendo essencialmente destinados para os indivíduos como tais (servem para promover a ideia de igualdade e de harmonia social em prol da segurança e do desenvolvimento de todos. Os direitos strictu sensu definem as opções politicas, económicas, culturais e sociais de um Estado). Eis a razão da coexistência triádica dos conceitos de Direito, Liberdade e Garantia no âmbito dos direitos fundamentais. É por isso (já o dissemos numa entrevista radiofónica) que o exercício das liberdades fundamentais é o mais fiel dos barómetros para mensurar o grau de abertura política das sociedades. Pois, determinam a situação política efectiva dos Estados e da posição real dos detentores do poder em relação aos governados. Mais são exercidos e aos Estados se reconhecem aberturas democráticas e protecção dos direitos humanos, mais são reprimidos e aos Estados se reconhecem instituições opressoras e inibidoras do exercício dos direitos humanos nascendo desta forma os conflitos sociais que a mais das vezes estimulam as chamadas reformas violentas dos poderes públicos. E a razão é simples, os Direitos podem ser declinados. Afinal são do interesse do próprio Estado. Mas não as liberdades. Estas pertencem aos indivíduos e representam a sua identidade social sem os quais são meros instrumentos ao serviço da vontade dos detentores do poder político. Sendo parte intrínseca da individualidade dos cidadãos elas representam a própria ideia de DIGNIDADE HUMANA. Não existe outra base de avaliação da dignidade humana senão o exercício pleno das liberdades constitucionais. Daí que a sua restrição total (mesmo até parcial) ameaça a consciência social do individuo provocando a perda de identidade remetendo-o ao estatuto de coisa ou escravo. As liberdades só podem ser restringidas (condicionadas até) por via da lei, diz a LC (art.º 57.º, 58.º). Não discricionariamente. A LC determina que a suspensão das liberdades só acontece em caso de guerra (entre nós aconteceu nos idos anos 80 com recolher obrigatório e outras medidas repressivas), em caso de estado de sítio e de emergência (estes devem ser previamente declarados nos termos da lei correspondente). Quanto a restrição das liberdades apenas a LC pode prever. Não qualquer outra lei. Em resumo, nem mesmo a Lei das Reuniões e Manifestações pode restringir as liberdades constitucionais. A LC fala no exercício das liberdades conforme a lei correspondente. Há uma remissão formal e material desta liberdade no sentido em que a lei ordinária deve não só prever como também estabelecer o modo de exercício. Nunca proibi-lo, atenção aos incautos. Entretanto, para as reuniões e manifestações o ordenamento jurídico angolano regista um incidente. Por ocasião da entrada em vigor da nova LC a Lei n.º 16/91 de 11 de Maio – Lei Sobre o Direito de Reunião e de Manifestação, tornou-se inconstitucional (e como tal ilegal) na parte em que restringe, limita ou suspende o exercício das liberdades nelas previstas. Qualquer proibição com base nessa lei resulta em pura e gratuita violação da LC. Esta lei precisa ser revisada e ajustada tal como a maioria das leis ultrapassadas pela letra e espírito constitucional vigente. Enquanto não acontecer jamais devem ser aplicado nos aspectos aqui referenciados e noutros que violam a liberdade de reunião e manifestação. Sobre as liberdades e seus contornos legais estamos conversados e consideramos aula dada para que nota alguma novidade nessa questão. Destarte, o problema que se põe em relação a percepção da ilegalidade das manifestações e a sua proibição pelas autoridades públicas não está no ordenamento jurídico, mas nas conveniências políticas que os momentos de manifestações impõem aos operadores institucionais atreitos ao Estado. É esse o problema que em boa verdade inutiliza qualquer debate técnico-jurídico a este respeito. É de notar que a liberdade de reunião e de manifestação compreende na verdade duas liberdades como a letra da lei expressa inequivocamente. Trata-se da liberdade de reunião, qualquer que seja (no escritório ou consultórios com os nossos clientes ou empregados, as refeições em grupos nos refeitórios, etc.). A reunião relevante e que carece de ser informada as autoridades é aquela que ocorre ao público. V.g: os moradores de um condomínio ou agregado residencial quando entendem encontrarem-se fora dos espaços compreendidos pelo conjunto dos domínios residenciais; a concentração de jogadores no estádio de futebol e outros espaços públicos, os grupos corais religiosos ou artísticos concentrados e quaisquer outras concentrações de gente em locais públicos em que estejam a tratar de assuntos de interesse particular e não visam dirigir a colectividade (ao povo em geral ou as autoridades públicas) quaisquer mensagem. Até mesmo um encontro de amigos para simples diversão desde que aconteça em lugar público. São exemplos de reunião que escapam a percepção das autoridades que nunca entendem ser necessárias quaisquer comunicações quando ocorrem. Já as manifestações diferenciam-se das reuniões por pretenderem servir de meio para dirigir alguma mensagem (descontentamento ou satisfação) ao resto da população ou às autoridades públicas. Os exemplos que também exorbitam o conhecimento das nossas autoridades públicas são vários e frequentes. Os cortejos de casamento ou funeral são os mais relacionados com a cultura dos povos e são protegidos pela própria ideia de coexistência social. As corridas e jogos públicos de atletismo, ciclismo e outros desportos visando demonstrações públicas; as marchas de populares concentrações nas vias públicas tenham elas os objectivos que tiverem – os adeptos de clubes desportivos que se dirigem ou abandonam os estádios desportivos em grupos, as caravanas em veículos ou apeadas, etc. Carecem de ser informadas porém nunca proibidas. E porque devem ser informadas? Porque as autoridades administrativas devem accionar as forças da ordem pública para acautelar quaisquer incidentes e acidentes que resultem em danos humanos ou patrimoniais, particulares ou públicos apurando e detendo os responsáveis pelos mesmos. É a única razão da comunicação. E por essa comunicação é que se as forças da ordem pública não controlam a manifestação devidamente comunicada tornam-se responsáveis, por omissão, dos danos que ocorrerem durante as manifestações. Essa parte escapa às autoridades. O facto é que se Polícia Nacional, devidamente informada, não exerce o seu papel de garante da ordem no decorrer de uma reunião ou manifestação leva a responsabilização do Estado por todos os prejuízos que advirem da sua omissão ou da sua acção (quando seja ela mesma a provocadora dos danos por excesso de uso de força ou simples falta de zelo). Os responsáveis das manifestações só assumem os danos decorrentes da acção dos manifestantes quando contrariam as autoridades policiais investindo ilegalmente contra as suas posições. Apenas nestes casos e não noutros que a pura discricionariedade das pessoas arbitrar. É por isso que a PN é legalmente responsável pelos danos humanos e materiais ocorridos no sábado passado na sequência da manifestação impedida convocada pela UNITA (art.º 75.º - LC). Na qualidade de agentes do Estado assumem a responsabilidade civil (reparação dos danos globais), criminal (os indivíduos que actuaram em nome da corporação provocando perdas em vidas humanas, descaminho ou destruição de bens devem ser presos e/ou multados (nos casos que essa medida penal é possível) no seguimento de um processo de responsabilidade criminal. A própria PN deve promover processos disciplinares para os mesmos agentes. Assim, a brutalidade exercida pela PN contra os manifestantes pacíficos importa responsabilidade civil, criminal e disciplinar do próprio Estado – através da PN - e seus agentes. O caso do soldado da UGP que atirou contra o cidadão Manuel ganga que foi a enterrar na quarta-feira deve ser tratado na mesma linha de responsabilidade criminal e a sua corporação obriga-se a reparar os danos patrimoniais. Pois, o Direito angolano não admite sequer a possibilidade de ameaça da vida. Quem o faz é criminalizado sofrendo as consequências. É por isso que a vida é o único bem cuja acção involuntária (falta de vontade ou intenção) atentatória não desresponsabiliza o seu autor. Querendo ou não, se matou via na cadeia e toma a pena correspondente. E os casos de morte nem sequer admitem liberdade provisória. A LC considera-os crimes hediondos e violentos (art.º 61.º) e atesta que «São imprescritíveis e insusceptíveis de amnistia e liberdade provisória, mediante a aplicação de medidas de coacção processual: a) o genocídio e os crimes contra a humanidade previstos na lei; b) os crimes como tal previstos na lei.». Por isso, longe de lamentar pura e simplesmente as mortes ocorridas sem denunciar as medidas a tomar contra os agentes criminosos, o porta-voz da PN devia anunciar a detenção imediata e incondicional dos seus autores e responsabilizá-los criminalmente. Pertençam a própria corporação ou a outra qualquer destacada para inviabilizar a manifestação no suposto dever de ordem pública. Dixit.

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