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    sexta-feira, 1 de agosto de 2014

    O PERIGO EMINENTE DA ESTABILIDADE DO ESTADO E A NECESSIDADE DE TRANSIÇÃO POLÍTICA EM ANGOLA - Albano Pedro (Publicado no Club-K)

    Com o fim do mandato de José Eduardo dos Santos como Presidente da República desaparece um dos regimes mais antigos do mundo, mas não emerge linearmente um novo status quo político em que os desejos e anseios do povo não realizados no âmbito do seu longevo governo podem finalmente triunfar realizando o projecto de Estado de Direito e Democrático suspenso desde o seu nascimento em 1992. Como todos os regimes que não cedem a pressão eleitoral sobrevivendo ao próprio tempo razoável a um mandato verdadeiramente democrático, o fim de JES prenuncia-se como catastrófico recrutando em si um conjunto multiforme de eventos dramáticos, sobre os quais nos vamos debruçar ao longo deste comentário, que passam pela periferia analítica do povo angolano em geral e dos políticos em especial e, que, como tais ameaçam a estabilidade das instituições jurídicas e democráticas em construção do próprio Estado se percebidos com algum rigor e imparcialidade. É certo que, o governo do MPLA caracteriza-se como sendo centralista do ponto de vista económico (colocando os interesses económicos a gravitarem a volta de interesses públicos agenciados pelo Estado, sendo este o maior fornecedor e o maior comprador suprimindo ao mínimo a ideia de economia de mercado lançada desde 1992) e cerceador de liberdades fundamentais do ponto de vista político (reduzindo ao mínimo as tendências reivindicativas dos cidadãos e os espaços de intervenção dos partidos políticos). É uma blindagem assumida pelo MPLA contra qualquer possibilidade de alternância política protagonizável por forças partidárias rivais e contra quaisquer tendências para revoltas massivas do próprio povo de quem, por isso, se vem diminuindo a soberania. Os instrumentos fundamentais que caracterizam esta blindagem são a pobreza extrema, para gerar subserviência ao partido no poder e a inversão dos valores morais e éticos da própria sociedade colocando os angolanos num plano de cumplicidade quanto a corrupção, clientelismo e outros males nascidos deste sistema de governação; e a manipulação ideológica, que eleva os índices de intolerância política entres os angolanos dividindo-os entre cidadãos criminalizados pelo próprio Estado pelo facto de não serem membros do partido no poder e cidadãos privilegiados por exibirem cartões de filiação partidária. Portanto, não cria ricos, porque receia perder o controlo do poder a favor de novas forças políticas, financeiramente autónomas e incapazes de quaisquer formas de manipulações das suas lideranças, e em consequência não permite o surgimento de um ambiente de capitalismo lícito e concorrencial onde todos podem produzir riqueza e aumentar individualmente os níveis de bem-estar social e económico optando pelos melhores serviços de que necessitam. Pelo contrário, o MPLA mantém o Estado Previdência que a todos “dá de comer” estabelecendo um verdadeiro ambiente de mendicidade institucional pontuada pela completa dependência pelo Estado do qual se percebe que para o controlo do eleitorado, todos os angolanos são obrigados a empregar-se no funcionalismo público e em consequência estabelece-se uma taxa acentuada de angolanos desempregados por não desenvolverem ofícios e mesteres compatíveis com as necessidades dos serviços públicos (artistas, cientistas, escritores, artesãos, industriais, inventores, comerciantes, etc.) que são afinal os promotores directos do desenvolvimento em economias de mercado (sobre este tema escrevi o texto: A Cultura da Mendicidade Institucional e a Negação do Desenvolvimento em Angola – fonte: www.jukulomesso.blogspot.com). Deste emaranhado de laços que asfixiam a maioria dos angolanos sacrificando completamente as suas liberdades nasce o receio dos cidadãos dependentes da máquina do Estado em envolver-se em actividades partidárias e em projectos reformistas de Estado que ponham em causa os projectos do partido no poder, morre o espírito de cidadania e a iniciativa intelectual necessária a transformação social dos angolanos e finalmente nascem verdadeiros “cidadãos-robôs” colocados a mercê de projectos contra sua própria realização social. Este status quo político está longe de realizar o sonho angolano identificado com a democratização das instituições políticas, a instauração de um sistema de justiça que materialize a igualdade entre os cidadãos, o lançamento de uma economia de mercado – aberta a iniciativa privada e a livre concorrência dos sectores público, privado e misto – e fundamentalmente orientada ao lançamento das bases do desenvolvimento que ultima ratio se traduz na realização da segurança e bem-estar dos cidadãos enquanto fim do próprio Estado. Bom seria que fosse estancado por processos eleitorais regulares e transparentes. Contudo, desde as primeiras eleições democráticas operadas em 1992, a mudança de partidos políticos no processo de governação de Angola está longe de se tornar um facto. Contribui para isso a falta de garantia de eleições livres, justas e transparentes que impossibilitam a materialização de uma lógica de transformação política e económica de Angola pela via da alternância política (mudança de governos pela sucessão de partidos políticos). A inexistência da sucessão de partidos políticos no controlo político vai esgotando as esperanças dos angolanos sedentos por mudanças efectivas no seu modo de viver e em consequência vai desmobilizando vontades para o esforço de mudanças políticas e económicas que se impõe. Paralelamente, assiste-se a um discurso dos partidos políticos completamente descompassado com a vontade real do povo. Este deseja o bem-estar que se traduz no desenvolvimento económico e humano e os políticos insistem numa alternância política que satisfaça os seus interesses de luta política, embora claramente impossíveis aos olhos dos cidadãos, como vimos atrás. O resultado é a desmobilização generalizada dos cidadãos pelo sonho de mudança de uma governação desigualitária e injusta para com a maioria dos angolanos. Se por um lado, essa maneira de governar contra os interesses de harmonização da sociedade possibilita a longevidade do MPLA no poder, por outro lado, emerge o perigo do fim do mandato de JES que se aproxima com a incapacidade natural sugerida pela idade (seja por morte, seja debilidade das faculdades mentais) que vão obrigar a um abandono inelutável das suas funções como Presidente da República. O perigo deste quadro pode ser esquadrinhado em vários ângulos de abordagens. Num primeiro ângulo, o fim do mandato de JES por morte no poder – em pleno exercício de funções – desenha uma instabilidade social de dois pólos. Um pólo interno com duas vagas de acção, em que a primeira vaga é caracterizada pela insegurança dos seus mais directos colaboradores (membros dos serviços presidenciais, sobretudo) e dos membros da sua própria família (seja restrita, seja alargada) que assim estarão expostos a perseguição criminal por razões, fundamentalmente patrimoniais (locupletamento massivo e abusivo a custa do erário público) por parte dos militantes do MPLA insatisfeitos – e actualmente acobardados sob a capa de obediência partidária – que não perderão a oportunidade de colocar os membros da família de JES nas condições, eventualmente piores, daquelas que se encontram os membros da família de António Agostinho Neto, Presidente fundador da República de Angola. Na segunda vaga de acção pode ser identificada a pressão interna no MPLA caracterizada pelo refazer dos grupos de influência para uma nova liderança que vai impor-se no controlo do mandato em curso. Essa segunda vaga de acção no pólo interno, tem o gravoso defeito de desencadear um choque de resistência pelos membros da Presidência da República - não membros dirigentes do MPLA – (trata-se da ala dos militares e agentes da ordem pública e segurança nacional fieis e altos dirigentes civis sem enquadramento e simpatia nos órgãos de topo do partido) que não está longe de transparecer a antecipação de um Golpe de Estado (preventivo) por parte dos colaboradores de JES no controlo da máquina presidencial deixado pelo seu titular. Este quadro será claramente desencadeado pelo facto de faltar a este grupo o conforto do MPLA que lhes garanta a manutenção das suas posições tradicionais na máquina do Estado no pós-eduardismo. Esta situação desenha uma das mais prováveis causas de perigo para a estabilidade do Estado, mesmo quando existam concordatas implícitas ou explicitas entre os colaboradores directos de JES e a cúpula do MPLA (membros do Bureau Político). No pólo externo com duas vagas de acção está – na primeira vaga – a comunidade internacional, senhora de uma teia de interesses económicos e financeiros estratégicos com o regime de JES. Essa vaga de acção que tem vindo a pressionar a substituição, ainda que gradual, de JES por um novo líder no controlo do executivo (O exemplo evidente é o aparecimento – certamente encomendado contra a vontade de JES – do Eng.º Manuel Vicente ex-empresário público na cena política como Vice-Presidente da República) entrará em colisão natural com a liderança do MPLA interessada em reaver o mandato governamental e o controlo do próprio Estado há muito assumido de forma autocrática pela pessoa de JES. Havendo alguma resistência entre as partes, um novo perigo se desenha: a possibilidade, ainda que aparentemente remota, de intervenção militar externa (mesmo disfarçada sob a capa da ONU) para a salvaguarda dos interesses estratégicos bilionários (assentes sobretudo na exploração do petróleo e dos créditos derivados). Nesse sentido, a República Democrática do Congo (RDC), com uma liderança política ajoelhada aos interesses da comunidade internacional e palco de conflitos militares induzidos para justificar a presença das forças militares da ONU, é o modelo mais próximo de que Angola se pode tornar. O que alimenta um nova variante de perigo contra a estabilidade social (política e económica). É natural, que no momento em que vigora o mandato de JES, os interesses internacionais e a ala dura do MPLA (membros tradicionais do Bureau Político - BP) estejam em concordata expressa neste aspecto. Todavia, trata-se de vaticinar um momento em que a liderança partidária de JES deixará de existir, libertando os “lobos” famintos pela sucessão na liderança do partido e do próprio Estado roubada desde a morte de António Agostinho Neto. Pois é facto patente que a liderança histórica do MPLA vive inconformada com a liderança do “jovem” JES que estava longe de ser o sucessor natural de António Agostinho Neto e que não tem permitido qualquer alternância na liderança do partido entre os membros históricos do BP. Na segunda vaga de acção estão os grupos de influência interna do MPLA que certamente vão animar a onda de tendências internas semelhantes ao tempo dos conflitos que o partido enfrentou logo após a independência da República e que obrigou o seu líder a promover o genocídio do 27 de Maio de 1977. A história da afirmação das lideranças dentro do MPLA passou por conflitos conhecidos como Revolta Activa e Revolta do Leste. Em se tratando de protagonizar uma luta pelo controlo de um partido que detém o controlo do Estado não deixa de ser um outro foco de conflitos generalizado entre os angolanos, ainda que identificados com a cor de um único partido político. Os eventos descritos parecem facilitar a vida dos partidos políticos na oposição que almejam em suceder a um MPLA fragilizado na coesão da sua estrutura interna. Pura utopia. Perante o clima de insegurança generalizada o MPLA, enquanto partido, vai certamente protagonizar um ambiente de completa concentração dos poderes do Estado diminuindo ao mínimo as liberdades fundamentais e com ela os direitos políticos, marginalizando da cena política activa os partidos da oposição (pode acontecer a suspensão da Assembleia Nacional mesmo fora dos termos constitucionais. E porque não da própria Constituição?), intelectuais e membros da sociedade civil hostis a sua hegemonia dictatorial e o regresso a sombra do comunismo pós-independência acontece sob a capa de estado de sítio ou outro argumento de emergência nacional legalmente sancionável. Tratando-se de sobreviver a um assalto do poder por parte de forças políticas rivais, a acção do MPLA será facilmente admitida por uma comunidade internacional conivente como se percebe nos dias que correm, sobretudo quando percebemos que nem mesmos os EUA apoiam o fortalecimento do processo democrático em Angola pelo financiamento efectivo das iniciativas da sociedade civil em matérias de afirmação dos direitos humanos e da consciência de cidadania. Todos estes eventos que caiem perfeitamente no âmbito de um prognóstico racional ameaçam claramente a estabilidade social dos angolanos de uma maneira geral No segundo ângulo – em que se prognostica o fim do mandato de JES fora do poder – o quadro é eventualmente menos dramático. Aqui admite-se uma transição política em que o próprio JES se apresenta como o agente principal da sua própria sucessão. Parece ser a lógica da aclamada transição política que vai sendo veiculada de modo periférico na praça política nacional por alguns políticos que denunciam alguma discussão existente sobre o assunto. Entretanto, factores relacionados com a sua segurança pessoal fora do exercício do poder político vão certamente pressioná-lo a não aderir a esta solução claramente vantajosa até para os membros da sua própria família. Aqui nem mesmo a ideia de assumir o controlo do partido deixando a máquina do Estado em mãos “estranhas” (incluindo nas eventuais mãos do próprio filho) criam a tranquilidade necessária para uma reforma antecipada. Portanto, a incapacidade natural sobrevinda ao poder, esgotada acima, é o facto mais relevante na nossa análise quanto as medidas preventivas contra uma instabilidade social generalizada. Perante este quadro de consequências prováveis de uma situação de falsa ou má transição política entre os angolanos, José Eduardo dos Santos, enquanto Presidente da República está obrigado a assumir uma postura de abertura ao diálogo para as soluções viáveis que previnam uma situação social conturbada, sobretudo em nome da segurança dos membros da sua própria família. Uma transição política que preserve vidas e descriminalize cidadãos em perigo devido a desprotecção política resultante do fim do mandato de JES deve ser discutida desapaixonadamente e com objectividade por todos os angolanos em nome da estabilidade do próprio Estado, mesmo entre os que se acham tomados pela ideia fixa da removibilidade obrigatória dos poderes públicos vigentes. JES está obrigado a ultrapassar os seus próprios receios e assumir com coragem um diálogo inclusivo que estabeleça um destino seguro para os angolanos e para os seus próprios filhos nos momentos que se seguem ao termo legal ou natural do seu mandato. É claro que está análise não é bem-vinda para quem acredita na alternância política como solução a desenhar-se com as próximas eleições com prazo marcado para 2017. Entretanto, a experiência vem mostrando que o controlo da máquina eleitoral pelo partido no poder é uma garantia incontornável para sua própria manutenção no poder pelo que não há como considerar esta solução como viável, na medida em que a própria oposição política se tem revelado absolutamente incapaz de resolver o problema da fraude eleitoral. O que torna a alternância política num instrumento de estabilidade social difícil, senão impossível, de se concretizar. Acresce-se que, a lógica da alternância política inaugurada desde 1992, para além de não conferir resultados evidentes e afundar os partidos políticos no descrédito, vem atrasando a harmonia social e o desenvolvimento dos angolanos pela promoção de batalhas político-partidárias que inspiram intolerância política, divisionismo e vitimização social e toda a sorte de consequências nefastas próprias de posições divergentes assumidas pelos partidos políticos. Não tem sido o caminho ideal para a realização do sonho angolano, pelo que urge uma nova lógica de transição política que concilie os interesses dos angolanos, independentemente das cores partidárias, e garanta sobretudo a continuidade do próprio Estado e acelere a democratização das suas instituições e o desenvolvimento dos cidadãos. Destarte, os militantes do partido no poder imbuídos de fanatismo doentio ou os militantes dos partidos da oposição obcecados pela alternância política vão certamente considerar estes prognósticos como sendo um gratuito alarmismo procurando acalmar o eleitorado de que buscam apoios para os seus intentos egoístas, a semelhança do que aconteceu com a negligência grosseira que governantes e operadores económicos chaves assumiram até ao rebentar da bolha financeira que arrasou com a economia mundial a partir dos EUA. Mas, é precisamente no ponto de ponderação da continuidade do mandato de JES em que se impõe uma necessária e urgente transição política. Uma transição política que não assuma necessariamente a veste de uma sucessão política e que não seja apenas viabilizada pelo próprio JES, pelo MPLA ou apenas o MPLA e os partidos da oposição. Uma transição política sustentável passa por convocar a decisão do próprio povo pela via do referendo cuja decisão passa a ter força constitucional. Essa decisão deve privilegiar a estabilidade política em nome de um compromisso pelo estrito respeito da lei e das liberdades fundamentais, pela democratização das instituições do Estado, pela segurança e pelo desenvolvimento de todos os angolanos, preservando assim os interesses políticos alcançados e a paz (ainda que militar) conquistada e, obviamente, assente em princípios invioláveis que garantam a sua exequibilidade por parte de todas as forças vivas – colectivas e individuais – de Angola. Dixit.

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